Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
407/14.6T8FNC-C.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: OBRIGAÇÃO
CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURANÇA SOCIAL
PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
1. A obrigação de pagamento das contribuições para a segurança social e juros de mora respetivos prescreve no prazo de 5 anos a contar da sua constituição, nos termos estabelecidos no art.º 187.º n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
2. Tendo as contribuições para a segurança social natureza tributária, como previsto no art.º 3.º da Lei Geral Tributária, aplica-se-lhes o regime do art.º 175.º do Código de Procedimento Tributário que sobre a questão da prescrição destes créditos estipula o seu conhecimento oficioso pelo juiz, ao contrário do regime geral das obrigações civis, já que o art.º 303.º do C.Civil prevê que a prescrição tenha que ser invocada para ser eficaz, não podendo ser suprida oficiosamente.
3. Atenta a natureza do crédito reclamado nos autos pelo ISSM e o seu regime legal, considera-se que o tribunal a quo devia ter conhecido a exceção da prescrição da dívida por ser de conhecimento oficioso atentos os elementos constantes dos autos, ainda que se impusesse previamente o cumprimento do contraditório, nos termos do art.º 3.º n.º 3 do CPC, incorrendo em omissão de pronúncia quando não avaliou tal questão e consequentemente no vício da nulidade, de acordo com o art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
A presente reclamação de créditos corre termos por apenso à execução 407/14.6T8FNC, em que são executados AA e BB, prosseguindo a execução a pedido do credor reclamante INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL DA MADEIRA, I.P.-RAM que veio requerer a renovação da instância executiva, extinta por desistência do primitivo Exequente.
O Instituto de Segurança Social da Madeira, I.P.-RAM veio a 25.07.2023 reclamar os seus créditos por contribuições devidas pela Executada à segurança social relativas ao período de outubro de 2012 a junho de 2016, bem como juros de mora vencidos, num total de €5.283,72, juntando certidão das contribuições devidas e não pagas e respetivos juros, quantias melhor discriminadas no doc. 1 que junta com o seu requerimento.  
O Banco CC, S.A. veio reclamar créditos, juntando contrato(s) de mútuo com hipoteca, pugnando pelo reconhecimento do seu crédito no valor de €56.925,59 à data de 08.08.2023 a que acrescem juros de mora e outras despesas que ao tempo estiverem em dívida.
Os Executados e demais credores reclamantes, devidamente notificados, não impugnaram as reclamações apresentadas, nos termos do art.º 789.º do CPC.
A penhora efetuada nos autos de execução incide sobre o imóvel descrito no auto de penhora junto aos autos principais, sobre o qual incide hipoteca a favor do credor reclamante Banco CC, S.A.
No âmbito da presente reclamação de créditos foi proferida decisão a 12.10.2023 que após julgar a instância regular, reconheceu os créditos reclamados, nos seguintes termos que se reproduzem:
“Cumpre apreciar e decidir, nos termos do artigo 791.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Nos termos conjugados do disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 791.º do Código de Processo Civil, não tendo sido impugnados os créditos reclamados e as respetivas garantias reais, e não ocorrendo nenhuma exceção ao efeito cominatório da revelia ou fundamento que devesse implicar a rejeição liminar da reclamação, julgam-se os mesmos reconhecidos, cabendo graduá-los.
Atento o disposto no artigo 541.º do Código de Processo Civil, que estatui a regra da precipuidade das custas da ação, estas são pagas pelo produto dos bens penhorados, antes de qualquer outro crédito, quer a penhora incida sobre bens móveis quer imóveis.
Os créditos reclamados pelo Banco CC, S.A., relativos a contrato de mútuo formalizado em escritura pública, celebrado com o(a/s) executado(a/s), estão garantidos por hipoteca voluntária — artigos 712.º e 714.º do Código Civil — a favor do reclamante, ou seja, por direito real de garantia que produz efeitos uma vez que foi registado — cf. artigo 687.º do Código Civil e certidão de registo predial do bem imóvel penhorado.
Nos termos do artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiros (bens sobre que tenha sido constituída a hipoteca), com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
O crédito reclamado consiste no valor não pago pelo(a/s) executado(a/s).
Por força do disposto no artigo 693.º, n.º 1, do Código Civil, a hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo.
Por sua vez, nos termos do disposto no mesmo artigo, mas no seu n.º 2, os juros abrangidos pela hipoteca somente abrangem três anos.
A hipoteca prevalece sobre os restantes créditos, com exceção dos juros que ultrapassem o referido limite de três anos.
Os créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, I.P.-RAM relativos às contribuições e respectivos juros, gozam, nos termos do estipulado nos artigos 204.º e 205.º da Lei n.º 110/2009, de privilégio mobiliário sobre os bens móveis e imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo.
É de notar ainda que, para que o crédito proveniente das contribuições devidas à Segurança Social goze do referido privilégio (i)mobiliário geral, é necessário que, aquando da instauração da ação executiva, os bens penhorados já se encontrem na titularidade do executado, cf., por todos, SALVADOR DA COSTA, O Concurso de Credores, Coimbra: Almedina, 2005, págs. 308 e 309.
Assim, uma vez que o(s) bem(ns) penhorado(s) já se encontrava(m) à data da instauração da ação executiva na titularidade do(a/s) executado(a/s), este crédito goza de privilégio (i)mobiliário sobre aquele(s) bem(ns).
Quanto aos juros de mora gozam dos mesmos privilégios que por lei são atribuídos aos créditos a que respeitam, como resulta expressamente dos citados artigos 204.º e 205.º da Lei n.º 110/2009.
Deste modo, os créditos da Segurança Social supra reconhecidos não gozam de preferência em relação ao crédito de hipoteca relativamente aos imóveis/fracções a que estes respeitam, sendo pagos pelo produto desses bens penhorados só depois de satisfeito o citado crédito de hipoteca.
Decisão  
Pelo exposto, por reporte ao bem imóvel penhorado descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o n.º (…)/2004(…)-B, julgando verificados os créditos reclamados, graduo a globalidade dos mesmos pela seguinte forma, sendo certo que as custas da execução sairão precípuas — artigo 541.º do Código de Processo Civil:
1.º — o crédito reclamado pelo Banco CC, S.A., com o limite de três anos para os juros vencidos e vincendos correspondentemente liquidados;
2.º — o crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, I.P.-RAM.
Custas pelo(a/s) executado(a/s)/reclamado(a/s) no que concerne a todas as reclamações de créditos deduzidas, fixando-se o valor dos presentes autos na soma do valor indicado pelos reclamantes — artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 307.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Registe.
Notifique.”
É com esta decisão que os Executados BB e AA, não se conformam e dela vêm interpor o presente recurso pedindo a sua revogação e que se determine que seja conhecido oficiosamente da prescrição do crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, I.P.-RAM, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. O presente recurso tem como objeto a reapreciação da sentença de 12 de novembro de 2023 proferida nos termos do artigo 791.º do Código de Processo Civil.
2. Por apenso à execução n.º 407/14.6T8FNC, corre a presente reclamação de créditos, o Instituto de Segurança Social da Madeira, I.P.-RAM, veio reclamar os créditos constantes do requerimento com a referência 5349918, juntando certidão das contribuições em dívida, referentes a contribuições devidas e não pagas e respetivos juros, vindo, ainda, o Banco CC, S.A., reclamar créditos, juntando contrato(s) de mútuo com hipoteca.
3. Na sentença proferida no âmbito da Verificação e Graduação de Créditos o Tribunal a quo considerou que: “Pelo exposto, por reporte ao bem imóvel penhorado descrito na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos sob o n.º (…)/2004(…)-B, julgando verificados os créditos reclamados, graduo a globalidade dos mesmos pela seguinte forma, sendo certo que as custas da execução sairão precípuas – artigo 541.º do Código de Processo Civil: 1.º - crédito reclamado pelo Banco CC, S.A., com o limite de três anos para os juros vencidos e vincendos correspondentemente liquidados; 2.º - o crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, I.P.- RAM.”
4. Não obstante, entendem os Recorrentes que andou mal a sentença proferida ao reconhecer a existência do crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, I.P.-RAM.
5. Em face de tal, com maior respeito e transparência, consideram os Recorrentes que a sentença proferida padece de um vicio de nulidade, nos termos do n.º 3 do artigo 60.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, por referência ao artigo 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e à alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Vejamos,
6. As obrigações pecuniárias reclamadas pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, I.P.-RAM no apenso de que se recorre respeitam ao período de maio de 2010 a abril de 2016;
7. Nos termos do n.º 3 do artigo 60.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social: “A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.”
8. Por sua vez, decorre do artigo 175.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que: “A prescrição ou duplicação da colecta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.”
9. Entendimento seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 21.03.2019 no processo n.º 713/12.4TBBRG.B.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “XI – Face ao preceituado no art.º 3º da Lei Geral Tributária, aprovada pelo DL nº 398/98, de 17.12, as contribuições para a Segurança Social têm natureza tributária, pelo que, por força do art.º 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo DL n.º 433/99, de 26.10, a sua prescrição é de conhecimento oficioso.”
10. Na situação dos autos, ainda que a Recorrente não tenha impugnado o crédito reclamado pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, I.P.-RAM, cabia ao Tribunal apreciar oficiosamente a prescrição do mesmo.
11. Neste sentido, considera Abrantes Geraldes que: “1. Se nenhum dos créditos for impugnado ou a verificação dos impugnados não depender de prova a produzir, profere-se logo sentença que conheça da sua existência e os gradue, sem prejuízo das exceções ao efeito cominatório da revelia ou do conhecimento das questões de conhecimento ofício, designadamente por via do n.º 1 do art.º 590º.” – cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, artigo. 791.º, pp. 196 e 197.
12. Perante o exposto, observam os Recorrentes que a sentença recorrida padece de nulidade nos termos do n.º 3 do artigo 60.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, por referência ao artigo 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e à alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Não foi apresentada resposta ao recurso.
O recurso foi admitido, tendo sido proferido o despacho a que alude o art.º 617.º n.º 1 do CPC pelo Exmo. Juiz a quo, pronunciando-se no sentido de considerar inexistir qualquer invalidade na sentença proferida.
II. Questões a decidir
É apenas uma a questão a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC por não ter conhecido oficiosamente a prescrição do crédito da reclamante.
III. Fundamentos de Facto
Os factos relevantes para o conhecimento do objeto do presente recurso são os que constam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC por não ter conhecido oficiosamente a prescrição do crédito da reclamante
Vêm os Recorrentes alegar que o crédito reclamado pelo ISSM está prescrito, o que constitui uma exceção de conhecimento oficioso, nos termos previstos no art.º 175.º do Código de Procedimento Tributário e art.º 60.º n.º 3 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial de Segurança Social, pelo que cabia ao tribunal apreciar a mesma, não obstante não tenha sido deduzida oposição.
A decisão recorrida, atenta a falta de oposição apresentada, reconheceu os créditos reclamados e procedeu à sua graduação, não se pronunciando sobre a eventual prescrição do crédito reclamado pelo ISSM.
Os créditos reclamados nestes autos pelo ISSM reportam-se a contribuições para a segurança social vencidas desde outubro de 2012 até junho de 2016 e juros de mora respetivos.
O Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social rege no seu art.º 187.º sobre a prescrição da obrigação de pagamento à segurança social, nos seguintes termos:
“1 - A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2 - O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação. 
3 - O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral. 
Sobre a questão da prescrição destes créditos importa ter em conta o art.º 175.º do Código de Procedimento Tributário, com a epígrafe “Prescrição ou Duplicação da Coleta”, que estipula: “A prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz, se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo não o tiver feito.”.
As contribuições para a segurança social têm natureza tributária, como estabelecido no art.º 3.º da Lei Geral Tributária, pelo que se aplica o regime do art.º 175.º do Código de Procedimento Tributário – vd. neste sentido o Acórdão do STJ de 21.03.2019 no proc. 713/12.4TBBRG.B.G1.S1 in www.dgsi.pt , sendo por isso de conhecimento oficioso a sua prescrição.
Este regime da prescrição das obrigações tributárias, na medida em que estipula o conhecimento oficioso da prescrição, contraria o regime geral das obrigações civis, já que o art.º 303.º do C.Civil prevê que a prescrição tenha que ser invocada para ser eficaz, não podendo ser suprida oficiosamente.
Diz-nos o Acórdão do STA de 02.12.2015 no proc. 1364/14-30: “A prescrição é de conhecimento oficioso no processo de execução fiscal, art.º 175º do Código de Processo e Procedimento Tributário. Tal conhecimento oficioso que corre ao arrepio da prática em direito civil – art.º 303º do Código Civil – é uma especificidade do direito fiscal que se impõe por razões de ordem pública.”
Sendo o prazo de prescrição dos créditos das contribuições sociais de 5 anos, conforme estabelece o art.º 187.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social e constatando-se, quer pelo teor do requerimento de reclamação de créditos apresentado a 25.07.2023, quer pela certidão tributária que o acompanha, que as dívidas reclamadas se reportam aos anos de 2012 a 2016, é forçoso concluir que decorreram mais de cinco ano sobre o seu prazo de pagamento, tudo apontando para a sua prescrição.
É certo que os Executados não vieram anteriormente suscitar esta exceção da prescrição, que se configura como uma questão nova, só o fazendo agora em sede de recurso. Tal não se apresenta, porém como um obstáculo à pronúncia do deste tribunal sobre ela, por se tratar de exceção de conhecimento oficioso.
Como nos ensina Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 87 ss: Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando nos termos já referidos estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. (…) Compreendem-se perfeitamente as razões que levaram a que o sistema assim fosse arquitetado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios. (…). Os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo, e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas pelo tribunal recorrido, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.(…) Sendo admissível recurso da “parte dispositiva da sentença” é legítimo à parte confrontar o tribunal com questões de conhecimento oficioso, ainda que estas não tenham sido anteriormente suscitadas, desde que a sua decisão não esteja a coberto do caso julgado.”
Não estando aqui em causa saber se os Executados podiam e deviam ter suscitado tal exceção no âmbito da oposição à reclamação de créditos, o que importa avaliar e decidir é se, tratando-se matéria de conhecimento oficioso, o tribunal de 1ª instância, quando proferiu a decisão sob recurso, devia ter conhecido tal exceção, afigurando-se-nos que a resposta tem de ser positiva.
Uma vez que, atenta a natureza da obrigação e o seu regime legal, se trata de uma exceção de conhecimento oficioso, considera-se que o tribunal a quo dela devia ter conhecido, ainda que se impusesse previamente o cumprimento do contraditório, nos termos previstos no art.º 3.º n.º 3 do CPC, com vista à apreciação e tal questão.
A decisão recorrida não avaliou esta questão da prescrição dos créditos reclamados pelo ISSM, incorrendo por isso em omissão de pronúncia, sendo consequentemente nula, nos termos previstos no art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
Neste sentido também se pronunciou o Acórdão do TRP de 05.11.2018 no proc. 1041/14.6TBPVZ-A.P1 in www.dgsi.pt que nos diz: “Cumpria ao tribunal a quo certificar-se de que alguma ou algumas das contribuições reclamadas pela Segurança Social poderiam estar prescritas, por terem decorrido mais de cinco anos sobre a data do seu vencimento. Reconhecendo-se a ausência de tal conhecimento oficioso, foi cometida a invocada nulidade da sentença de graduação, por omissão de pronúncia (…)”.
Não obstante os factos apurados apontem para a verificação dos pressupostos da prescrição dos créditos reclamados pelo ISSM, exceção de conhecimento oficiosos, impõe-se que em primeiro lugar seja cumprido o contraditório previsto no art.º 3.º n.º 3 do CPC, de modo a facultar à Reclamante a possibilidade de se pronunciar sobre ela, para que os autos contenham todos os elementos necessários para o seu conhecimento, não podendo afastar-se a hipótese de ter existido qualquer facto impeditivo à verificação de tal exceção, pelo que seria desajustada fazer funcionar aqui a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista no art.º 665.º do CPC- neste sentido, ainda que a respeito da exceção dilatória de conhecimento oficioso de integração do executado no PERSI, vd. o Acórdão do TRP de 23 de fevereiro de 2021 no proc. 8821/19.4T8PRT-A.P1 in www.dgsi.pt
A nulidade da decisão recorrida determina, neste caso, a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância para que, cumprindo-se previamente o disposto no art.º 3.º n.º 3 do CPC se aprecie e decida esta exceção da prescrição de conhecimento oficioso no âmbito da sentença de reconhecimento e graduação dos créditos reclamados.
V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelos Executados, declarando-se a nulidade da sentença recorrida, determinando-se o reenvio do processo ao tribunal de 1ª instância para que cumpra o contraditório relativo à exceção da prescrição de conhecimento oficioso, prosseguindo de seguida os autos os seus termos com a prolação de nova sentença.
Custas pelo reclamante ISSM – art.º 527.º n.º 1 do CPC.
Notifique.
*
Lisboa, 8 de fevereiro de 2024
Inês Moura (relatora)
Susana Mesquita Gonçalves (1ª adjunta)
António Moreira (2º adjunto)