Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
781/12.9TBSXL-A.L1-8
Relator: CARLA FIGUEIREDO
Descritores: EXECUÇÃO
MÚTUO PARA COMPRA DE HABITAÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
SEGURO DE VIDA
OCORRÊNCIA DO SINISTRO
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Numa execução movida pelo banco mutuante, beneficiário de um seguro de vida, celebrado na sequência de um crédito à habitação, dadas as circunstâncias que presidiram à celebração do contrato de seguro, nada impede que, em embargos de executado, este convença o beneficiário do seguro que a seguradora se constituiu no dever de prestar, por ter ocorrido o sinistro;
II - No caso dos contratos de seguro de vida, o risco da Invalidez ou Incapacidade que se pretende garantir tem em vista acautelar as consequências que podem advir para os segurados da circunstância de poderem ficar numa situação tal de debilidade funcional, que os torna incapazes de auferir os normais rendimentos do seu trabalho, ou de outro trabalho remunerado;
III – A cláusula inserida nas condições especiais do contrato de seguro que exige que o segurado além de ficar “total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada”, deva ficar, “simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente”, é abusiva e contrária à boa fé, sendo por isso nula de acordo com os arts. 12º, 15º e 16º do DL 446/85 de 25/10, o que pode ser declarado pelo tribunal, por ser de conhecimento oficioso;
IV – Estando provado que o recorrente se encontra aposentado por incapacidade absoluta e definitiva para o exercício da sua actividade profissional de guarda prisional por distúrbio grave de personalidade, apenas podendo exercer “actividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interacção social”, não se pode deixar de concluir que o recorrente preenche o conceito de invalidez absoluta e definitiva referido nas Condições Especiais do contrato de seguro, por não ser possível descortinar que tipo de actividade remunerada poderia o recorrente exercer nessas condições.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
O Banco A, S.A, moveu acção executiva comum contra BB e CC, apresentando como título executivo uma escritura pública lavrada em 30/7/2004, nos termos da qual os executados se confessaram devedores da quantia de € 90.000,00 em virtude de empréstimo que lhes foi concedido pelo Banco Exequente, ao abrigo das normas para o regime geral de crédito a habitação. Em garantia do pagamento da quantia mutuada, à qual acresce juros contabilizados à taxa anual de 4,720% acrescida de uma sobretaxa de 2% em caso de mora, e ainda, a quantia de € 3.600,00 relativos a despesas judiciais e/ou extrajudiciais, constituiu-se a favor do Exequente hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, destinado a habitação, descrito na CRP de …. sob o n.º …e inscrito na matriz sob o art…., a qual se encontra devidamente registada. Mais foi alegado, que no documento complementar da mencionada escritura de hipoteca estabeleceu-se que as importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente daquele contrato, tornar-se-iam imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora, alienação ou arrendamento do bem hipotecado, assim como em caso de incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das obrigações dele decorrentes. Acontece que, segundo alegado, os executados, no dia 02.02.2011, não pagaram a prestação respectiva, nem qualquer das subsequentes, pelo que o mencionado empréstimo se encontra em incumprimento desde aquela data. Em 12/2/12, o empréstimo, em capital, ascende a € 75.197,50, a que acrescem juros contabilizados à taxa de 4,204%, que à data de 10/2/12 totalizavam € 3.230,59.
O executado BB deduziu Oposição à Execução, nos termos do artigo 814º CPC, alegando, em síntese, que o empréstimo em causa se destinou a fazer face a compromissos financeiros anteriormente assumidos pelos executados e para aquisição de equipamento para a sua residência, pelo que o crédito não foi realizado ao abrigo do regime geral do crédito à habitação. Mais alega que, no seguimento do empréstimo celebrado com o exequente, os executados celebraram um seguro de vida com a Seguradora VV, cujo prémio mensal era € 49,54 e o capital seguro € 85.530,18. Acontece que o executado padece de um “Distúrbio grave de personalidade”, conferido pela Junta médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 20 de Abril de 2010, que o considerou “absoluta e permanente incapaz para o exercício das suas funções”, estando, além do mais, incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, o que foi informado à Seguradora VV. Conclui, assim, que à luz do contrato de seguro, a seguradora VV é responsável pelo não pagamento do empréstimo nos limites do capital seguro, não sendo os executados devedores do montante exequendo.
Com estes fundamentos, pediu a intervenção principal provocada da Seguradora VV, Companhia de Seguros, S.A., para vir a juízo para juntar o contrato de seguro celebrado com os executados a fim de averiguar a sua responsabilidade da mesma, vindo a substituir-se ao executado no pagamento da divida exequenda e, a final, ser a oposição à execução julgada procedente.
Admitida liminarmente a oposição, a correr por apenso ao processo de execução sob a forma de processo sumário, foi determinado o prosseguimento da execução ao abrigo do art. 818º, nº 2 do CPC.
Devidamente notificado, o Banco exequente contestou defendendo que quando o oponente participou o sinistro em Fevereiro de 2011, para accionar a cobertura de invalidez, não efectuou o pagamentos dos prémios referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2010 e, por carta de 3/1/11, a seguradora lembrou-o que os referidos prémios da Apólice estavam vencidos, solicitando, ao mesmo tempo, o pagamento no prazo de 30 dias, sob pena de ser anulado o respectivo contrato. Acresce que, a referida Seguradora concluiu que o estado do oponente não se enquadrava na invalidez absoluta e definitiva contratada, não havendo lugar a qualquer indemnização, o que lhe foi comunicado por carta de 22/9/11.
Por despacho de 25/11/2013, a requerida intervenção provocada foi indeferida.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a oposição à execução improcedente, não só pela falta de pagamento das prestações do seguro e da sua cessação, mas também por não se encontrarem preenchidos os requisitos para que fosse accionado, por o estado de saúde do segurado não se encontrar na definição de Invalidez Absoluta e Definitiva contratada.
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Inconformados com esta decisão, os oponentes dela interpuseram recurso e formularam, a terminar, as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“-O tribunal a quo valorizou a prova testemunha para comprovar os factos alegados pela Embargada quando só se comprova por Prova documental e que cabia à embargada/recorrida alegar e provar falta de pagamento do seguro de vida.
- E, por isso, o Tribunal a quo não procedeu à aplicação das normas jurídicas aplicáveis do artigo 615nº2d) por o tribunal se pronunciar sobre matéria - valor probatório da testemunha para comprovar os factos alegados pela Embargada que só se comprovam por Prova documental – que não podia tomar conhecimento porque o ónus da prova cabeia à embragada /recorrida.
- O tribunal a quo não fundamentou esclareceu o conceito jurídico de Invalidez Absoluta e Definitiva nem subsumiu os factos ao conceito;
- E, por isso, verificou-se a não aplicação das normas jurídicas previstas artigo 615º nº1b) pela falta de fundamentação por reproduzir o relatório pericial e posição da recorrida sem explicitar as circunstância concretas que o recorrente ao reúne para não ser enquadrável neste conceito e sem subsumir os factos aos conceitos jurídico no caso Invalidez Absoluta e Definitiva e a subsunção dos factos no conceito jurídico resultante do contrato de Seguro de vida.
- Os recorrentes consideram que não ficou provado os factos 18, 19, 20, 21, 24 e 24 dados como provados pelo Tribunal a quo.
- Os factos supra foram dados como provados sem realidade documental - o não pagamento antecipado do seguro de vida.
- A recorrida em sede de contestação e sede de audiência de julgamento a recorrida não juntou tais documentos para comprovar os factos alegados.
- O tribunal a quo deu como provado os factos tendo por base prova testemunhal quando deveria ter feito prova com as cartas a comunicar o não pagamento do prémio do seguro aos aqui recorrentes – prova documental, o que não sucedeu.
- O tribunal a quo não poderia ter considerado unicamente a prova testemunhal e dados como provados os factos 18 a 21, 23 e 24, sem que tivesse sido junto documento escrito e válido que comprovasse os mesmos, podendo os embargantes /recorrentes terem exercido o direito ao contraditório sobre tais documentos e factos alegados.
- O recorrente considera que não ficou provado os seguintes factos dados como provados pelo Tribunal a quo factos nº26 a 28 porque o tribunal a quo considerou que o recorrido não tem uma incapacidade de autonomia e gestão da sua pessoa e património, mantendo-se em pleno das suas capacidades de mobilização, alimentação e gestão do seu quotidiano, mas não tomou em consideração que tais atividades implicam que o recorrido exerça uma atividade remunerada.
- O tribunal a quo considera que “O mesmo poderá realizar outras atividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interação social”. Sem fundamentar o que consiste tais atividades laborais.
- O tribunal a quo socorrido das perícias médicas debruçou-se sobre a problemática da incapacidade do recorrido BB, como se tivesse analisar incapacidade duma pessoa para efeitos de inabilitação.
- A pessoa que “poderá realizar outras atividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interação social” é cidadão dependente dum terceiro que provenha o seu sustento, mas não dependente para ser considerada o padecer de Invalidez Absoluta e Definitiva.
- Se o recorrente BB poderá realizar outras atividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interação social, significa que não poderá exercer a sua profissão (guarda prisional) e não pode exercer nenhuma atividade profissional interação social.
- Ao analisar o mercado de trabalho e as dinâmicas de interação social cada vez mais exigentes em qualquer empresa e nos cargos de funcionário publico, implica ser impossível encontrar uma atividade profissional e dignamente remunerada para o recorrente exercer.
- E, chega-se à conclusão que o recorrido, na realidade só pode exercer atividades ocupacionais, que não são remuneradas.
- O embargante/recorrente não ter uma incapacidade de autonomia e gestão da sua pessoa e património, mantendo-se em pleno das suas capacidades de mobilização, alimentação e gestão do seu quotidiano, ser totalmente funcional em termos de autonomia e gestão do seu quotidiano sem necessidade de apoio de terceiros é falso porque necessita que terceiro provenha o seu sustento.
- A capacidade laboral do recorrente (atividades a nível profissional que não envolvam grande interação social) é tão restritiva que, na realidade, se enquadra numa incapacidade invalidez absoluta e definitiva.
- A situação de pensionista não permite acautelar os seus encargos com a sua reforma actual motivada pela sua doença, sem um atividade profissional.
- O tribunal a quo não podia ter dado como provado os factos 26 a 28, uma vez que a incapacidade do recorrente é enquadrável incapacidade invalidez absoluta e definitiva porque a impossibilidade de realizar outras atividades a nível profissional que não envolvam grande interação social obsta que o recorrente possa exercer qualquer atividade remunerada e prover o seu sustento e cumprir os seus compromisso financeiros, designadamente o pagamento da prestação da casa morada de família.
- O tribunal a quo não definiu o conceito de Invalidez Absoluta e Definitiva contratada no seguro de vida nem as característica necessárias para que a situação do recorrente fosse enquadrável.
- O tribunal não fundamenta em que medida a “incapacidade permanente e absoluta para o exercício da profissão de guarda prisional” e que “O mesmo poderá realizar outras atividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interação social” não é Invalidez Absoluta e Definitiva.
- O tribunal a quo considerou que autonomia do recorrente não permite enquadrar Invalidez Absoluta e Definitiva, sem contudo explicar o conceito em causa e os respetivos pressupostos e requisitos.
- A fundamentação peca por reproduzir o relatório pericial e posição da recorrida sem explicitar as circunstância concretas que o recorrente ao reúne para não ser enquadrável neste conceito e cabe ao tribunal subsumir os factos aos conceitos jurídicos no caso Invalidez Absoluta e Definitiva.
- Não é suficiente afirmar que o recorrido pode ser atividade profissional desde que não haja interação social: pois, não é percetível o conceito jurídico da incapacidade atribuída ao recorrente.
- E, tendo sido demonstrado as circunstâncias de saúde e vivência do recorrente (testemunhas AP e HS) não se compreende os fundamentos legais que leva a concluir que o recorrido tem uma vida autónoma e independente.
- E, nem a tribunal a quo explica o que pretende considera com vida autónoma e independente quando o recorrente não pode trabalhar e prover pelo seu sustento.
- O tribunal a quo não fundamentou esclareceu o conceito jurídico de Invalidez Absoluta e Definitiva nem subsumiu os factos ao conceito.
- E, por isso, verificou-se a não aplicação das normas jurídicas previstas artigo 615º nº1b) pela falta de fundamentação por reproduzir o relatório pericial e posição da recorrida sem explicitar as circunstância concretas que o recorrente ao reúne para não ser enquadrável neste conceito e sem subsumir os factos aos conceitos jurídico no caso Invalidez Absoluta e Definitiva e a subsunção dos factos no conceito jurídico resultante do contrato de Seguro de vida.
Nestes termos em que, nos melhores de Direito e com o suprimento de V.Excl.s, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se a que a douta oposição à execução mediante embargo de executado seja considerada procedente por provada.
Assim fazendo-se JUSTIÇA!”.
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O exequente/recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:
“A. No requerimento de interposição de recurso, o Recorrente indica que o recurso que interpõe é “de APELAÇÃO, cf. artigo 644º nº1 a) do C.P.C, está em tempo, cf. nº 1 e 7 do artigo 638º do C.P.C., deverá subir nos próprios autos, cf artigo 645º do CPC. E quanto aos efeitos, entende o oponente ser efeito suspensivo considerado que o imóvel objeto de penhora e prosseguimento da sua venda nestes autos é a casa de habitação e morada de família, cf. nos termos do nº4 do artigo 647ºdo CPC e por analogia ao disposto do nº3b) do artigo 647º do C.P.C”
B. Pois bem, ao presente recurso, de apelação, não se aplica o efeito suspensivo nos termos configurados no art. 647.º, n.º 3, al. b), do CPC.
C. Salvo o devido respeito por melhor e mais douta opinião nos presentes autos não se discute a propriedade da casa de habitação dos executados.
D. Discute-se, outrossim, a exigibilidade ou não da obrigação exequenda nos termos configurados pela exequente no requerimento executivo.
E. Ademais, não foi alegado pelos executados prejuízo considerável nem tão pouco se ofereceram para prestar caução, nos termos do n.º 4 do art. 647.º do CPC.
F. Desta feita, ao presente recurso apenas poderá ser atribuído meramente devolutivo, nos termos do n.º 1 do art. 647.º do CPC, o que deverá ser fixado em caso de subida do mesmo ao Tribunal da Relação.
G. Por outro lado, a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelo Recorrente não merece qualquer relevo, pois além de desprovida de qualquer fundamento admissível é demonstrativa da assunção de uma clara postura de má-fé, com vista exclusiva a protelar o normal andamento dos autos.
H. Isto considerando que a decisão recorrida não considerou os factos impugnados como provados, baseada exclusivamente na prova testemunhal oferecida conforme a mera leitura do decisório permite identificar.
I. A decisão foi sim baseada em prova documental e testemunhal. E em que prova documental se baseou a fundamentação dos factos n.os 18 a 21, 23 e 24 da decisão? Nos documentos juntos com a oposição deduzida, especialmente aquele que se traduz numa missiva escrita e assinada pelo próprio Recorrente, endereçada à Seguradora, no qual o mesmo reconhece os mesmos factos que agora impugna, nomeadamente que “V.Exas tem o direito a reivindicar o pagamento em atraso, da minha parte. Se não cumpri é realmente porque não posso” (sublinhado nosso). (vide documento n.º 3 junto com a oposição).
J. Do exposto resulta que o próprio Recorrente reconheceu/confirmou, ainda que por via de documento que juntou, que não procedeu ao pagamento dos prémios do seguro.
K. Considere-se ainda que, o Recorrente impugnou os factos dados por provados n.os 26, 27 e 28, colocando não só em causa as perícias médicas concretizadas como o testemunho prestado pelo próprio irmão do Recorrente e pela companheira do primeiro, tratando-se de pessoas com convivência próxima com o mesmo, que apenas corroboraram o resultado da perícia dos autos quanto ao estado de saúde do Recorrente, desta senda por entender que a prova dos autos deveria reflectir que o mesmo é dependente de terceiros para sobreviver, o que não corresponde à realidade, nem serve de fundamentação à impugnação concretizada.
L. Pelo exposto, deve improceder o recurso no que concerne à impugnação da matéria de facto, mantendo-se, sem alteração, a matéria de facto colocada em crise.
M. Por último, o Recorrente alega que “O tribunal não enquadra e justifica o conceito Invalidez Absoluta e Definitiva de modo a fundamentar o não enquadramento legal na cláusula do contrato de seguro.” E que “A situação concreta do recorrente é suscetivel dum enquadramento jurídico, o que não aconteceu nestes autos porque o facto de poder realizar outras atividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interação social não é enquadramento legalmente.”, o que não corresponde à verdade.
N. Da sentença recorrida, cujo teor ora se transcreve por facilidade de exposição, resulta que “De acordo com a alínea g) do ponto 3.4 das condições especiais, os prémios devem ser pagos enquanto decorre a análise do sinistro. E após análise de todos os elementos clínicos que foram facultados à Seguradora, esta concluiu que o estado de saúde do segurado/oponente não se enquadra na definição de Invalidez Absoluta e Definitiva contratada, conforme definição da cobertura contida no ponto 8.2 das Condições Especiais, não havendo, por isso, lugar ao pagamento de qualquer indemnização. E tal conclusão foi comunicada pela Seguradora ao Oponente por carta registada de 22 de Setembro de 2011.”
O. A definição de Invalidez Absoluta e Definitiva que se encontra definida nos termos de cobertura contida no ponto 8.2. das Condições Especiais do contrato de seguro outorgado, é considerada quando um segurado “por consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, e na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos ordinários da vida corrente: lavar-se, alimentar-se, vestir-se e deslocar-se.”
P. Ora os argumentos do Recorrente prendem-se com a interpretação da definição contratualizada, demonstrando apenas confusão entre a diferença entre uma real Invalidez Absoluto e Definitiva do ponto de vista físico, geradora de dependência de terceiros, conforme a definição ínsita no contrato prevê com a putativa dependência do Recorrente em terceiros para ajuda com os problemas financeiros inerentes a não estar capacitado para exercer especificamente as suas antigas funções enquanto guarda prisional.
Q. Inexiste, neste enquadramento qualquer nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, sendo, aliás, a mesma clara quanto aos fundamentos relativos ao não preenchimento dos requisitos contratualizados para que o Recorrente fosse enquadrado naquele grau de incapacidade.
R. Por tudo quanto foi alegado, deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, na integra, a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão,
negando provimento ao recurso e, em consequência, confirmando, integralmente a douta decisão recorrida far-se-á, como sempre,
inteira e sã JUSTIÇA!”.
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O recurso foi admitido, por despacho de 1/2/2023, como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, ao abrigo dos arts. 629.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), 647.º, n.º 1, do C.P.C. aplicáveis ex vi artigos 852.º e 853.º, n.º 1, do mesmo diploma.
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Por despacho de 27/2/23, a Exmª Srª juiz a quo, proferiu despacho sobre as invocadas nulidades da sentença, sustentando, fundamentadamente, que as mesmas não existem.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Questão prévia:
Recebido o presente recurso neste Tribunal da Relação, foram solicitadas diversas informações à CGA com vista a melhor esclarecer a situação de aposentação do recorrente e o resultado das perícias efectuadas nos autos, tendo aquela entidade respondido a 5/5/23 (ref. 632602), 1/8/23 (ref. 646052) e 31/10/23 (ref. 657826), altura em que foi enviada cópia de todo o processo do pensionista/recorrente até à atribuição da incapacidade atribuída pela Junta Médica, constando do primeiro ofício, entre outros, cópia do auto da Junta médica realizada a 20/4/2010.
Perante toda a documentação que a CGA fez juntar aos autos a pedido deste tribunal e certidão junta pelo próprio recorrente com a petição inicial, revela-se inócua a pretensão do recorrente suscitada no seu requerimento de 13/11/23 (ref. 659797), que assim se indefere.
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II. Questões a decidir
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são:
- as nulidades da sentença;
- a impugnação da matéria de facto;
- saber se ocorre nulidade da cláusula contratual contida no art. 2 das Condições Especiais do contrato de seguro celebrado entre os executados e a seguradora VV e se este tribunal pode dela conhecer;
- saber se, em face da matéria de facto apurada, a situação de saúde do segurado o reconduz a uma situação de incapacidade que o impede de exercer qualquer tipo de actividade remunerada.
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III. Fundamentação de facto
A sentença sob recurso considerou provada a seguinte matéria de facto:
“1- Por escritura pública de 30.07.2004, lavrada nas notas do Primeiro Cartório Notarial do Barreiro, a cargo da Notária Lic. T….., os Executados confessaram-se devedores da quantia de € 90.000,00, por empréstimo que lhes foi concedido pelo Banco Exequente, ao abrigo das normas para o regime geral de crédito a habitação.
2- Em garantia do pagamento da quantia mutuada, à qual acresce juros contabilizados à taxa anual de 4,720% acrescida de uma sobretaxa de 2% em caso de mora, e ainda, a quantia de € 3.600,00 relativos a despesas judiciais e/ou extra-judiciais que o Banco Exequente tenha de efectuar no caso de ir a em juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, constituiu a favor do Exequente hipoteca voluntária (sendo o montante máximo assegurado de € 111.744,00) sobre o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua…, descrito na Conservatória do Registo Predial de …. conforme se pode ver da certidão da escritura que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida (doc. 1).
3- Tal hipoteca encontra-se registada pela inscrição correspondente à Ap. 32 de 1992/04/02, como se vê da certidão de teor que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida (doc. 2) e que também pode ser consultada através do site www.predialonline.pt com o código …..
4- O empréstimo seria liquidado em 25 anos, em 30 prestações mensais constantes, sucessivas de capital e juros, com vencimento no dia 02 de cada mês, com a respectiva regularização de juros.
5- Na mencionada escritura estabeleceu-se que os referidos empréstimo e hipoteca se regulam ainda pelos termos constantes do documento complementar.
6- No documento complementar da mencionada escritura de hipoteca estabeleceu-se que as importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente daquele contrato, tornar-se-iam imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora, alienação ou arrendamento do bem hipotecado, assim como em caso de incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das obrigações dele decorrentes.
7-Conforme estabelecido, os Executados foram efectuando o pagamento das prestações devidas, porém, no dia 02.02.2011 não pagaram a prestação respectiva, nem qualquer das subsequentes, pelo que o mencionado empréstimo encontra-se em incumprimento desde aquela data.
8- Nesta data (10.02.2012) o empréstimo, em capital, encontra-se reduzido a € 75.197,50, estando esse mesmo montante em dívida, a que acrescem juros contabilizados à taxa de 4,204% (taxa anual de 2,204% acrescida de uma sobretaxa de 2% em caso de mora), desde a data de incumprimento (02.02.2011) até efectivo e integral pagamento, e que à data de hoje totalizam € 3.230,59.
9- Assim sendo, na data (10.02.2012), e garantido pela referida hipoteca, os Executados devem ao Exequente a quantia global de € 78.428,09, correspondendo € 75.197,50 capital e € 3.230,59 a juros de mora vencidos, a que acrescem os juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.
10 - Valor correspondente aos juros de mora calculados à taxa de 4,204% (taxa de 2,204%, acrescida da sobretaxa de 2%, em caso de mora), sobre a verba de capital de € 75.197,50, desde a data do incumprimento (02.02.2011) até à presente data (10.02.2012), no valor global de € 3.230,59.
11 - Assim, os executados devem ao Banco exequente o montante global de € 78.428,09 (€ 75.197,50+ € 3.230,59), acrescido dos juros de mora vincendos, calculados sobre a verba de capital.
12- No seguimento do empréstimo celebrado, o executado e esposa celebraram um seguro de vida apólice nº 52/321372, com a Seguradora VV, cujo prémio mensal era €49,54 (quarenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), o capital seguro o montante de €85.530,18 (oitenta e cinco mil quinhentos e trinta euros).
13- O seguro supra referido garante ao executado e subscritor da apólice BB, o pagamento do montante em dívida do empréstimo celebrado com a exequente, quer por morte, quer por Invalidez Absoluta Definitiva, cfr Documento nº1 junto com a petição de embargos.
14- O executado BB padece de um “Distúrbio grave de personalidade”, conferido pela Junta médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 20 de Abril de 2010, que considerou que o executado é “absoluta e permanente incapaz para o exercício das suas funções”, como Documento nº 2 junto com a petição de embargos.
15- O executado BB encontra-se, absoluta e definitivamente impedido de exercer a atividade profissional que exercia, estando também, incapaz de exercer qualquer atividade remunerada.
16- O executado informou a Segurada VV da sua situação de invalidez, tendo junto as documentações solicitadas como cartas que se junta como Documentos nº 3, 4, 5 e 6 juntos com a petição de embargos.
17- O executado BB é o pensionista nº …da Caixa Geral de aposentações, recebendo a título de reforma por deficiência a quantia mensal de €697,09 (seiscentos e noventa e sete euros e nove cêntimos), conforme documento nº 7 junto com a petição de embargos).
18- Em Fevereiro de 2011, participou o sinistro para accionar a cobertura de invalidez todavia o mesmo Oponente não efectuou o pagamento dos prémios referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2010.
19 - E por carta de 3 de Janeiro de 2011 a Seguradora lembrou o Oponente que não foram os prémios da Apólice referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2010, que se tinham vencido respectivamente em 1-11-2010 e 1-12-2010.
20 - Nessa carta solicitava-se o pagamento no prazo de 30 dias a contar da data da carta, sob pena de ser anulado o respectivo contrato.
21 - E tais prémios não foram pagos.
22 - De acordo com a alínea g) do ponto 3.4 das condições especiais, os prémios devem ser pagos enquanto decorre a análise do sinistro.
23- E após análise de todos os elementos clínicos que foram facultados à Seguradora, esta concluiu que o estado de saúde do segurado/oponente não se enquadra na definição de Invalidez Absoluta e Definitiva contratada, conforme definição da cobertura contida no ponto 8.2 das Condições Especiais, não havendo, por isso, lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
24- E tal conclusão foi comunicada pela Seguradora ao Oponente por carta registada de 22 de Setembro de 2011.
25 – Resulta da avaliação realizada ao embargante em 15 de setembro de 2017 que o mesmo apresenta uma incapacidade permanente e absoluta para o exercício da profissão de guarda prisional mas não uma incapacidade permanente e irreversível para o exercício de uma actividade remunerada.
26- O embargante não tem uma incapacidade de autonomia e gestão da sua pessoa e património, mantendo-se em pleno das suas capacidades de mobilização, alimentação e gestão do seu quotidiano.
27 – O embargante mantem-se totalmente funcional em termos de autonomia e gestão do seu quotidiano sem necessidade de apoio de terceiros.
28- O mesmo poderá realizar outras actividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interacção social”.
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IV. Do objecto do recurso            
1.Das nulidades da sentença
O recorrente alega, em primeiro lugar, que o tribunal a quo valorizou prova testemunhal que só por documento se podia provar e, por esse motivo, pronunciou-se sobre factos de “que não podia tomar conhecimento”, assim violando o disposto no art. 615º, 1, d) do CPC.
Por outro lado, defende que a sentença recorrida não fundamentou o conceito jurídico de Invalidez Absoluta e Definitiva, nem subsumiu os factos ao conceito, verificando-se, desse modo, a “não aplicação das normas jurídicas previstas no art. 615º, 1, b) do CPC, pela falta de fundamentação por reproduzir o relatório pericial e posição da recorrida sem explicitar as circunstâncias concretas que o recorrente não reúne para não ser enquadrável neste conceito”.
Como é sabido, as nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no art. 615º do CPC.
Tais vícios, designados como “error in procedendo”, respeitam apenas à estrutura ou aos limites da sentença.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 17/10/2017, disponível in www.dgsi.pt, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má percepção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito.
Com excepção das previstas na al. a) do nº 1 do art. 615º e no artigo 666º, nº 1, segunda parte, estas nulidades respeitam ao teor do acto decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objecto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento.
Quanto à primeira nulidade defendida, que o recorrente subsume à al. d) do nº 1 do art. 615º, é clara a sua falta de fundamento. O facto de o julgador ter valorado prova testemunhal em detrimento de prova documental para dar como assente um determinado facto, em nada contende com o excesso de pronúncia, directamente relacionado com o disposto nos arts. 608º e 609º do CPC. Ora, no caso concreto, independentemente de uma eventual errada apreciação da prova, não se vê que o tribunal a quo tenha conhecido questões não suscitadas pelas partes.
No que respeita à segunda apontada nulidade, prevista na al. b) do nº 1 do CPC, adiantamos desde já que a mesma também não se verifica. Esta nulidade ocorre quando a sentença não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A fundamentação da sentença tem regulamentação específica na norma do artigo 607º do CPC, que dispõe: (…)
“2. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Ora, no caso em apreço, resultam claramente da sentença recorrida os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão recorrida. O que o recorrente defende é que o tribunal não subsumiu os factos àquela que entende ser a correcta interpretação do conceito de “Invalidez Absoluta e Definitiva” do contrato de seguro celebrado pelos executados.
Termos em que improcedem, in totum, as nulidades apontadas à sentença recorrida.  
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2.Da impugnação da matéria de facto.
2.1. Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância.
Dispõe o artigo 640º do CPC, que:
 “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 – O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º”.
E, nos termos do artigo 662º, nº 1 do CPC, que tem por epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os recursos da matéria de facto podem envolver objectivos diversificados:
- Alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (art. 662º, nº 1 do CPC);
- Ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC);
- Apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).
Quanto a este último objectivo dos recursos da matéria de facto, diz-nos Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 2022, 7ª ed., pp. 356 e ss, que a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.
Como concretização de tais patologias enuncia o citado autor que as decisões sob recurso “podem revelar-se total ou parcialmente deficientes”, “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.
Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.
Pode, assim, “revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objectiva de factos relevantes”; nesse caso, ao invés de anular a decisão da 1ª instância, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”.
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No caso dos autos, o oponente entende que os factos enunciados nos pontos 18 a 21, 23, 24, 26 a 28 dos factos provados deveriam ter sido dados como não provados.
Relativamente aos pontos 18 a 21, sustenta que o tribunal a quo se baseou apenas em prova testemunhal, já que o exequente não juntou aos autos quaisquer documentos que comprovassem os factos ali enunciados.
A este respeito, a motivação do tribunal assentou no seguinte:
“A convicção do Tribunal assentou na prova documental junta aos autos a qual se mostra corroborada com a prova testemunhal produzida. (…) Por seu lado, a testemunha…, funcionária no Banco…. afirmou que tem conhecimento de que o seguro não foi pago pelo embargante e por tal, foi cancelado.
As testemunhas revelaram conhecimento directo dos factos tendo as suas declarações merecido credibilidade.
As declarações das testemunhas mostram-se concordantes com o teor dos documentos juntos aos autos”.
A matéria factual em causa foi alegada pelo exequente na contestação e não foi submetida a contraditório, uma vez que foi dispensada a audiência preliminar – despacho de 19/3/2014, ao abrigo dos art. 508º-B, nº 1, a) do CPC na redacção dada pelo DL 226/2008). O exequente não juntou quaisquer documentos com a contestação. Os únicos documentos que poderiam dizer respeito a esta matéria foram juntos pelo executado com a petição inicial da oposição, nomeadamente o documento nº 3, composto por duas cartas. Uma dirigida à Seguradora VV, datada de 6/6/2011, onde em resposta a carta anterior dirigida por esta, responde que está “reformado por invalidez absoluta e permanente desde Abril de 2010, não atribuída pela Junta Médica da CGA, a ela sugerida pela Exmª Junta Médica ADSE (…), elementos que me dão por incapaz. Tendo o Banco A, que proceda à regularização do montante em dívida, embora espere O atestado de incapacidade da CGA (…). Cabe a V/ Eªs cumprir com a Lei, uma vez que foi a várias Juntas Médicas da ADSE, que sugere à Junta CGA para me ser atribuída incapacidade absoluta e permanente. Cabe agora aos Senhores analisar e aprofundar o assunto se é que tem dúvida. Por agora, acho ter dado elementos suficientes, para darem seguimento ao processo. Uma vez que eu também vou exigir, do vosso Banco ou da Vossa Seguradora os montantes que paguei desde Abril de 2010, desde que foi reconhecida a minha incapacidade”.
A outra carta, também datada de 6/6/11, foi dirigida pelo executado ao exequente Banco A, na qual se pode ler “Exmos. Senhores, Relativamente ao assunto da vossa carta datada de 27/5/2011, tenho a dizer o seguinte: V. Exas tem o direito de reivindicar o pagamento em atraso da minha parte. Se não cumpri é porque realmente não posso. Estou reformado por incapacidade absoluta e perante desde Abril de 2010 (…) Tenho um Seguro feito no VV Seguradora o qual foi escolhido por V. Exas, aonde lhes poderão exigir o pagamento integral do montante em dívida das futuras prestações. Cabe agora aos senhores analisar e aprofundar o assunto se é que tem dúvida”.
Em 17/5/2011, a Seguradora VV, remeteu carta ao executado, acusando a recepção de documentação e solicita novos elementos “de forma a darmos continuidade à análise do processo de sinistro, e porque os documentos recepcionados não correspondem ao solicitado, vimos por este meio reiterar o pedido dos seguintes elementos (…). Mais informamos de que, sem estes elementos não poderemos levar a cabo a respectiva análise/conclusão do processo de sinistro” (documento nº 4). E, apenas em 22/9/2011, a mesma seguradora remete ao executado uma carta em que o informa que após análise da documentação clínica enviada concluíram que a “Invalidez da qual o segurado é portador não se enquadra no previsto nas condições especiais dos seguros complementares do Seguro. Face ao Exposto, não há lugar ao pagamento solicitado” (documento nº 6).
Ainda acerca desta matéria de facto depôs a testemunha …, gerente de balcão do Banco A onde o executado era cliente. Ouvida a gravação deste depoimento, resulta apenas que a razão de ciência da testemunha resulta da consulta do processo do cliente, ou seja, verificou que havia um seguro de vida que foi “cancelado” por falta de pagamento.
Ora, é verdade que na carta dirigida ao exequente a 6/6/2011 (doc. 3), o executado menciona “pagamento em atraso, da minha parte”, não se referindo em concreto aos prémios de seguro e a que meses. Poder-se-ia argumentar que ao executado cabia fazer prova do pagamento de tais prémios de seguro (sendo certo que na maioria das vezes estes estão englobados nas prestações bancárias devidas pelo mútuo contratado). Mas mais uma vez lembramos que, a este respeito não foi cumprido o contraditório.
Por outro lado, importa salientar que dos autos não consta qualquer documento de onde resulte a notificação ao executado do alegado “cancelamento/anulação do contrato de seguro”, nem tão pouco a remessa da carta referida nos pontos 19 e 20 dos factos provados. Aliás, de acordo com os pontos referidos menciona-se que o contrato de seguro seria anulado no prazo de 30 dias caso o executado não regularizasse os prémios referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2010, já vencidos. No entanto, além da ausência de prova documental (e a inconsistente prova testemunhal), a alegada anulação é incongruente com a troca de correspondência entre executado e a Seguradora que até Setembro de 2011 continua a analisar a situação do oponente quanto à alegada Incapacidade, nunca tendo mencionado até essa data a anulação do contrato de seguro.
Temos, assim, que os pontos 19 a 21 devem transitar para os factos não provados. Quanto ao ponto 18, por se desconhecer a data da participação do sinistro, nem tão pouco se o executado não pagou os referidos meses de Novembro e Dezembro de 2010, passará a ter a seguinte redacção:
“18- Em data anterior a 6/6/2011, participou o sinistro para accionar a cobertura de invalidez”, transitando os restantes factos para a matéria de facto não provada.
Quanto aos pontos 23 e 24 dos factos provados, não vemos como possa assistir razão ao recorrente. Na verdade, tal como referido na motivação do tribunal a quo, a convicção “assentou na prova documental junta aos autos” e, a este respeito, o documento nº 6 junto com a petição inicial não deixa margem para dúvidas. Permanecerão, pois, inalterados os referidos pontos.
A respeito dos pontos 26 a 28, defende o recorrente que o tribunal ao dar como provada a matéria ali referida não analisou casuisticamente as limitações do executado, tecendo depois variadas considerações que não se prendem com a valoração da prova, mas antes com o “não enquadramento jurídico” pelo tribunal do conceito de invalidez absoluta e definitiva. A este respeito, e mostrando-se devidamente motivada pelo tribunal a referida matéria de facto (“as testemunhas….e ….., esclareceram que as circunstâncias de saúde e vivência em que se encontra o embargante bem como as suas limitações. No confronto com o resultado da prova pericial junta aos autos, o Tribunal considera as suas declarações complementares do resultado pericial mas (na parte em que não são inteiramente concordantes) concede maior relevância ao resultado pericial atenta a qualidade da médica especializada que procedeu à realização da perícia (…) Ainda, por último o Tribunal considerou a perícia médica constante dos autos realizada em 2017”), não se vê motivo para eliminar tais pontos dos factos provados.
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Finalmente, ao abrigo do art. 662º, nº 2, c) do CPC, constando do processo os elementos necessários à alteração da matéria de facto dada como provada, e perante a notória contradição entre a parte final do ponto 15, por um lado, e os pontos 25 e 28, por outro, entende-se que do ponto 15 dos factos provados (correspondente ao ponto 7 da petição inicial) deverá ser eliminada a matéria de facto a partir de “estando também incapaz para exercer qualquer actividade remunerada”. Aliás, neste Tribunal da Relação as partes foram notificadas, ao abrigo do art. 3º, nº 3 do CPC, para se pronunciarem dessa possível contradição (cfr. despacho de 20/3/2023), apenas se pronunciando o recorrente no sentido de que “o facto 15 (…) retracta a convicção do tribunal analisada à data da realização da audiência de julgamento, tendo por base a realidade visualizada e analisada pela prova testemunhal (….)”. No entanto, a motivação do tribunal aponta em sentido contrário, como a prova pericial realizada nos autos e informações da CGA assim o vieram a confirmar, todas elas consentâneas com os pontos 25 e 28 dos factos provados (cfr. ofícios juntos aos autos de 5/5/23, 1/8/23, 31/10/23).
Ainda, nos termos e ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 607º, nº 4, e 663º, nº 2 do CPC, entende-se aditar a seguinte factualidade ao rol dos factos provados, que revela interesse para a decisão, resultante dos documentos juntos aos autos a 10/12/2013 pelo recorrente (não impugnados) e ofícios da CGA de 5/5/2023 e de 1/8/23 solicitados por este Tribunal:
- Segundo as “As Condições Especiais Seguro de Invalidez Absoluta e Definitiva Complementar do Seguro de Vida Temporário Anual Renovável Associado a Contratos de Mútuo” (documento junto a 10/12/2013, ref. citius 3282308, que aqui se dá por reproduzido), relativas ao contrato de seguro referido no ponto 13, “O Segurado é considerado em estado de invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade por acidente de trabalho e doenças Profissionais oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da invalidez. Entende-se por ato elementar da vida corrente:
• Lavar-se: significa efectuar todos os actos necessários à manutenção de um nível de higiene correcto.
• Alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa.
• Vestir-se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente.
• Deslocar-se no local de residência habitual” (art. 2º).
- Por Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada no dia 20/4/2010, deferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações por despacho de 20/5/2010, foi o autor BB considerado “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções com o seguinte fundamento: “Distúrbio grave de personalidade”, com base na al. a) do nº 2 do art. 37º do DL 498/72 de 9/12.
- No referido Auto de Junta Médica, realizado em 20/4/2010, à questão “O examinado está absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções?” foi respondido: “Sim”; à questão “O examinado sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho, foi respondido: “Não”.
- A 20/5/2010 foi enviada notificação ao autor informando que ao abrigo do disposto no art. 97º do Estatuo da Aposentação - DL nº 498/72 de 9/12 lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho da Direcção da CGS e que o valor da pensão para o ano de 2010 era de € 792,12.
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2.2. Considerando que houve alterações introduzidas na decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade (provada e não provada) a atender para efeito da decisão a proferir (as alterações operadas a negrito):
Factos provados
1- Por escritura pública de 30.07.2004, lavrada nas notas do Primeiro Cartório Notarial do Barreiro, a cargo da Notária Lic. T, os Executados confessaram-se devedores da quantia de € 90.000,00, por empréstimo que lhes foi concedido pelo Banco Exequente, ao abrigo das normas para o regime geral de crédito a habitação.
2- Em garantia do pagamento da quantia mutuada, à qual acresce juros contabilizados à taxa anual de 4,720% acrescida de uma sobretaxa de 2% em caso de mora, e ainda, a quantia de € 3.600,00 relativos a despesas judiciais e/ou extra-judiciais que o Banco Exequente tenha de efectuar no caso de ir a em juízo para manter e assegurar o seu crédito e acessórios, constituiu a favor do Exequente hipoteca voluntária (sendo o montante máximo assegurado de € 111.744,00) sobre o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua….., descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o n.º …e inscrito na matriz sob o art…., conforme se pode ver da certidão da escritura que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida (doc. 1).
3- Tal hipoteca encontra-se registada pela inscrição correspondente à Ap. 32 de 1992/04/02, como se vê da certidão de teor que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzida (doc. 2) e que também pode ser consultada através do site www.predialonline.pt com o código de acesso….
4- O empréstimo seria liquidado em 25 anos, em 30 prestações mensais constantes, sucessivas de capital e juros, com vencimento no dia 02 de cada mês, com a respectiva regularização de juros.
5- Na mencionada escritura estabeleceu-se que os referidos empréstimo e hipoteca se regulam ainda pelos termos constantes do documento complementar.
6- No documento complementar da mencionada escritura de hipoteca estabeleceu-se que as importâncias em dívida cujo pagamento seja obrigação emergente daquele contrato, tornar-se-iam imediatamente exigíveis em caso de arresto, penhora, alienação ou arrendamento do bem hipotecado, assim como em caso de incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das obrigações dele decorrentes.
7-Conforme estabelecido, os Executados foram efectuando o pagamento das prestações devidas, porém, no dia 02.02.2011 não pagaram a prestação respectiva, nem qualquer das subsequentes, pelo que o mencionado empréstimo encontra-se em incumprimento desde aquela data.
8- Nesta data (10.02.2012) o empréstimo, em capital, encontra-se reduzido a € 75.197,50, estando esse mesmo montante em dívida, a que acrescem juros contabilizados à taxa de 4,204% (taxa anual de 2,204% acrescida de uma sobretaxa de 2% em caso de mora), desde a data de incumprimento (02.02.2011) até efectivo e integral pagamento, e que à data de hoje totalizam € 3.230,59.
9- Assim sendo, na data (10.02.2012), e garantido pela referida hipoteca, os Executados devem ao Exequente a quantia global de € 78.428,09, correspondendo € 75.197,50 capital e € 3.230,59 a juros de mora vencidos, a que acrescem os juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.
10 - Valor correspondente aos juros de mora calculados à taxa de 4,204% (taxa de 2,204%, acrescida da sobretaxa de 2%, em caso de mora), sobre a verba de capital de € 75.197,50, desde a data do incumprimento (02.02.2011) até à presente data (10.02.2012), no valor global de € 3.230,59.
11 - Assim, os executados devem ao Banco exequente o montante global de € 78.428,09 (€ 75.197,50+ € 3.230,59), acrescido dos juros de mora vincendos, calculados sobre a verba de capital.
12- No seguimento do empréstimo celebrado, o executado e esposa celebraram um seguro de vida apólice nº 52/321372, com a Seguradora VV, cujo prémio mensal era €49,54 (quarenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), o capital seguro o montante de €85.530,18 (oitenta e cinco mil quinhentos e trinta euros).
13- O seguro supra referido garante ao executado e subscritor da apólice BB, o pagamento do montante em dívida do empréstimo celebrado com a exequente, quer por morte, quer por Invalidez Absoluta Definitiva, cfr Documento nº1 junto com a petição de embargos.
14- O executado BB padece de um “Distúrbio grave de personalidade”, conferido pela Junta médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 20 de Abril de 2010, que considerou que o executado é “absoluta e permanente incapaz para o exercício das suas funções”, como Documento nº 2 junto com a petição de embargos.
15- O executado BB encontra-se, absoluta e definitivamente impedido de exercer a atividade profissional que exercia.
16- O executado informou a Segurada VV da sua situação de invalidez, tendo junto as documentações solicitadas como cartas que se junta como Documentos nº 3, 4, 5 e 6 juntos com a petição de embargos.
17- O executado BB é o pensionista nº …da Caixa Geral de aposentações, recebendo a título de reforma por deficiência a quantia mensal de €697,09 (seiscentos e noventa e sete euros e nove cêntimos), conforme documento nº 7 junto com a petição de embargos).
18- Em data anterior a 6/6/2011, participou o sinistro para accionar a cobertura de invalidez.
19 – (…).
20 – (…).
21 – (…).
22 - De acordo com a alínea g) do ponto 3.4 das condições especiais, os prémios devem ser pagos enquanto decorre a análise do sinistro.
23- E após análise de todos os elementos clínicos que foram facultados à Seguradora, esta concluiu que o estado de saúde do segurado/oponente não se enquadra na definição de Invalidez Absoluta e Definitiva contratada, conforme definição da cobertura contida no ponto 8.2 das Condições Especiais, não havendo, por isso, lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
24- E tal conclusão foi comunicada pela Seguradora ao Oponente por carta registada de 22 de Setembro de 2011.
25 – Resulta da avaliação realizada ao embargante em 15 de setembro de 2017 que o mesmo apresenta uma incapacidade permanente e absoluta para o exercício da profissão de guarda prisional mas não uma incapacidade permanente e irreversível para o exercício de uma actividade remunerada.
26- O embargante não tem uma incapacidade de autonomia e gestão da sua pessoa e património, mantendo-se em pleno das suas capacidades de mobilização, alimentação e gestão do seu quotidiano.
27 – O embargante mantem-se totalmente funcional em termos de autonomia e gestão do seu quotidiano sem necessidade de apoio de terceiros.
28- O mesmo poderá realizar outras actividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interacção social.
29- Segundo as “As Condições Especiais Seguro de Invalidez Absoluta e Definitiva Complementar
do Seguro de Vida Temporário Anual Renovável Associado a Contratos de Mútuo” (documento junto a 10/12/2013, ref. citius 3282308, que aqui se dá por reproduzido), relativas ao contrato de seguro referido no ponto 13, “O Segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade por acidente de trabalho e doenças Profissionais oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da invalidez. Entende-se por ato elementar da vida corrente:
• Lavar-se: significa efectuar todos os actos necessários à manutenção de um nível de higiene correcto.
• Alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa.
• Vestir-se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente.
• Deslocar-se no local de residência habitua” (art. 2º das Condições Especiais).
30 - Por Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações realizada no dia 20/4/2010, deferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações por despacho de 20/5/2010, foi o autor BB considerado “absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções com o seguinte fundamento: “Distúrbio grave de personalidade”, com base na al. a) do nº 2 do art. 37º do DL 498/72 de 9/12.
31 - No referido Auto de Junta Médica, realizado em 20/4/2010, à questão “O examinado está absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções?” foi respondido: “Sim”; à questão “O examinado sofre de incapacidade permanente e absoluta para toda e qualquer profissão ou trabalho, foi respondido: “Não”.
32 - A 20/5/2010 foi enviada notificação ao autor informando que ao abrigo do disposto no art. 97º do Estatuo da Aposentação - DL nº 498/72 de 9/12 lhe foi reconhecido o direito à aposentação, por despacho da Direcção da CGS e que o valor da pensão para o ano de 2010 era de € 792,12.
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Factos Não provados
a) O executado está também, incapaz de exercer qualquer atividade remunerada.
b) Foi em Fevereiro de 2011 que o executado participou o sinistro para accionar a cobertura de invalidez; o oponente não efectuou o pagamento dos prémios referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2010.
c) Por carta de 3 de Janeiro de 2011 a Seguradora lembrou o Oponente que não foram os prémios da Apólice referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2010, que se tinham vencido respectivamente em 1-11-2010 e 1-12-2010.
d) Nessa carta solicitava-se o pagamento no prazo de 30 dias a contar da data da carta, sob pena de ser anulado o respectivo contrato.
e) E tais prémios não foram pagos.
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3. Reapreciação de direito.
3.1. Saber se ocorre nulidade da cláusula contratual art. 2 contida nas Condições Especiais do contrato de seguro celebrado entre os executados e a seguradora VV e se este tribunal pode dela conhecer.
Conforme se pode verificar do relatório, a primeira instância indeferiu, e bem, a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros VV, mas não se absteve de apreciar a alegada falta de pagamento dos prémios de seguro (que de acordo com as condições especiais determinavam a anulação do contrato) e sobre se o estado de saúde do segurado se enquadrava ou não na definição de Invalidez Absoluta e Definitiva contratada, de acordo com as condições especiais, tal como defendido pelo exequente na contestação, para desse modo concluir que no caso concreto “não se encontram preenchidos os requisitos para que fosse accionado” o referido seguro. Também as partes se pronunciaram sobre essas matérias nas suas alegações de recurso e respectivas conclusões.
Conforme resulta dos factos provados, por escritura pública de 30/07/2004, os executados CC e BB confessaram-se devedores da quantia de € 90.000,00, por empréstimo que lhes foi concedido pelo Banco Exequente, ao abrigo das normas para o regime geral de crédito a habitação. Em garantia do pagamento da quantia mutuada, constituíram a favor do Exequente hipoteca voluntária (sendo o montante máximo assegurado de € 111.744,00) sobre o prédio urbano, destinado a habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o nº…. Tal hipoteca encontra-se registada pela inscrição correspondente à Ap. 32 de 1992/04/02.
Sem dúvida que a escritura pública dada à execução constitui título executivo e a causa de pedir corresponde à quantia mutuada não restituída, i.e., o incumprimento do contrato de mútuo.
No entanto, o oponente entende que perante o seguro de Vida celebrado pelos executados com a Seguradora VV e dada a situação de se encontrar absoluta e definitivamente impedido de exercer qualquer actividade remunerada, o que foi comunicado à Seguradora, é esta a responsável pelo pagamento da quantia exequenda e não os executados.
No fundo, o executado defende a inexigibilidade da obrigação exequenda (arts. 731º e 729º, e) do CPC), por defender a vinculação da seguradora, à obrigação de pagar a quantia exequenda.
Importa, pois, ponderar se os segurados estão em posição de fazer funcionar a garantia do contrato de seguro celebrado.
No caso concreto, sabemos que no seguimento do empréstimo celebrado, os executados celebraram um seguro de vida com a Seguradora VV e que o seguro garante ao executado e subscritor da apólice o pagamento do montante em dívida do empréstimo celebrado com a exequente, quer por morte, quer por invalidez absoluta e definitiva (pontos 12 e 13 dos factos provados).
Como normalmente acontece nestes casos, para proteger e garantir a satisfação do seu crédito, os bancos mutuários recorrem a soluções externas ao vínculo obrigacional que lhes conferem uma tutela mais forte do que a que é oferecida pelo património do devedor. Assim, além de nas escrituras de mútuo para habitação integrarem, as mais das vezes, hipotecas sobre bens integrados no património dos mutuários, os bancos exigem ainda a vinculação de um terceiro que possa responder pelos mutuários no cumprimento da obrigação ou pelas consequências do seu não cumprimento.
É o caso dos seguros de vida, como o dos autos (sendo seguradora a VV), em que o banco exequente é beneficiário do seguro (até ao limite do capital seguro) e os mutuários do crédito as pessoas seguradas.
Os mutuários/segurados são aqueles cujo risco de vida, saúde ou integridade física tenha sido aceite pela seguradora depois da recepção das declarações de adesão, quer dizer, do documento de consentimento da pessoa segura na efectivação do seguro (cfr. a “Nota Informativa sobre as condições Gerais e Especiais do seguro de Vida Anual Renovável Associado aos Contratos de Mútuo”, documento junto a 10/12/2013, referido no ponto 29 dos factos provados). Os mutuários, por sua vez, também são beneficiários e, por via disso, assiste-lhes o direito de exigir da seguradora a realização da prestação, ainda que a favor do banco mutuante, dessa forma se exonerando do valor em dívida (caso se verifique o sinistro objecto da garantia).
A seguradora garante a obrigação dos mutuários no caso de verificação do sinistro, mas essa obrigação de garantia não se substitui à obrigação assegurada. Por esse motivo, o banco mutuante pode exigir dos mutuários o cumprimento da obrigação de restituição das quantias mutuadas e da remuneração acordada e, nesse caso, podem os mutuários, depois de satisfeita a obrigação, demandar a seguradora em acção de regresso pedindo o reembolso do montante pago ao mutuante.
No entanto, atendendo às circunstâncias em que é celebrado este tipo de contratos de seguro, mediante a imposição por parte do banco mutuante, o âmbito da cobertura e a “obrigatória” indicação do beneficiário, cujo crédito será satisfeito com a verificação do sinistro, por uma seguradora com solvabilidade garantida e, como no caso concreto, fazendo parte do mesmo grupo económico, não se compreenderia que o mutuante procurasse, em primeiro lugar satisfazer o seu crédito à custa dos segurados, quando se verifique o sinistro. Tal atitude seria, no mínimo, contrária ao princípio da boa fé que deve presidir na execução da relação contratual (art. 762º, nº 2 do CC).
Certo é que o banco mutuante pode sempre demonstrar que, na situação em concreto, a seguradora declinou validamente a sua responsabilidade por entender que o contrato de seguro foi anulado, é inválido ou não se verifica o sinistro ou o sinistro não preenche as condições contratadas, não estando a coberto da garantia do seguro. Como se escreve no Ac. da RC de 21/1/14, “Assim como nada impõe que seja o segurado a convencer o segurador do seu dever de prestar, nada impede que aquele convença o tomador ou o beneficiário do seguro de que o segurador se constituiu no dever de prestar. E é-lhe lícito fazê-lo na contestação à execução que lhe tenha sido movida pelo mutuário, dado que a oposição à execução mais não é que um processo declarativo instaurado pelo executado, contra o exequente, que corre por apenso à execução (art. 817 nº 1, proémio, do CPC de 1961 e 732 nº 1, proémio, do NCPC)” (cfr.; em sentido contrário, cfr. Ac. da RG de 24/7/2012 e da RL de 14/10/14, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
É o que acontece nos autos. Como se referiu, nos presentes autos foi discutida não só se ocorria a anulação do contrato de seguro por falta de pagamento dos prémios, mas também o preenchimento ou não dos requisitos da Invalidez Absoluta e Definitiva, previstos na cláusula, art. 2º, das Condições Especiais do Seguro.
Vejamos.
Estando na presença de um contrato de seguro renovável anualmente, é aplicável ao caso o regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo DL 72/08 de 16 de Abril, em face do regime transitório que consta do seu art. 2º, nº 2.
Também não se suscitam dúvidas sobre a aplicação às cláusulas especiais do contrato de seguro celebrado, o regime das cláusulas contratuais gerais previsto no DL 442/85 de 25 de Outubro.
Assim, ao contrato de seguro celebrado entre executados e seguradora VV, aplicam-se não só as disposições que resultaram do acordo de vontade das partes e que constam das condições particulares, como se aplicam as condições especiais e gerais da apólice que constituem, em regra, cláusulas contratuais gerais determinadas pela seguradora, a que os segurados aderem.
O executado pretende valer-se da “garantia complementar” contratada com a seguradora VV, ou seja, da “Invalidez Absoluta e Definitiva”, sustentando que está “absoluta e definitivamente impedido de exercer qualquer actividade remunerada”. 
Ora, segundo as “As Condições Especiais Seguro de Invalidez Absoluta e Definitiva”, relativas ao contrato de seguro em causa, “O Segurado é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade por acidente de trabalho e doenças Profissionais oficialmente em vigor no momento do reconhecimento da invalidez. Entende-se por ato elementar da vida corrente:
• Lavar-se: significa efectuar todos os actos necessários à manutenção de um nível de higiene correcto.
• Alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa.
• Vestir-se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente.
• Deslocar-se no local de residência habitual” (ponto 29 dos factos provados).
Esta “invalidez ou incapacidade adicional” consistente na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida, tal como definidos, importa especial ponderação à luz do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85 de 25 de Outubro).
Como se sabe, esta regulamentação surge perante a constatação de que a negociação dos contratos assente no princípio da igualdade formal das partes não corresponde, as mais das vezes, à realidade concreta. A massificação do comércio jurídico levou ao surgimento de contratos que não são precedidos de fase negocial, limitando-se a liberdade contratual à aceitação ou não de determinada proposta apresentada, com cláusulas unilateralmente fixadas. Tal regime pretende salvaguardar os interesses da parte contratualmente mais fraca, surgindo como uma emanação do princípio da boa fé. De acordo com o nº 1 do art. 1º do referido diploma, cláusulas contratuais gerais são aquelas que são "elaboradas sem prévia negociação individual", ou seja, são prévia e unilateralmente definidas por um dos contraentes, tendo em vista uma generalidade e pluralidade de pessoas que não as vão negociar e influenciar, no âmbito de um padrão negocial uniformizado.
Note-se que de acordo com o nº2 do mesmo artigo “O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.
No caso dos autos, não obstante estarmos perante um contrato  individualizado (ou seja adaptado à relação concreta), resulta certo que os executados se limitaram a aderir às referidas cláusulas gerais e especiais do contrato de seguro, previamente estabelecidas, como se extrai da “Nota Informativa sobre as condições Gerais e Especiais do seguro de Vida Anual Renovável Associado aos Contratos de Mútuo”, onde se estipula que, para cada segurado, a “Adesão” tem início no momento em que o beneficiário disponibiliza o crédito e “desde que o Segurador tenha comunicado a sua aceitação”.
Assim, importa apreciar se, à luz do indicado diploma, a referida incapacidade “adicional” ou “cumulativa” é, ou não, uma cláusula válida, e a levar em conta na ponderação do caso concreto, como fez a sentença recorrida. 
O art. 15º do DL 446/85, estabelece o princípio geral de proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé. E, as cláusulas proibidas contrárias à boa fé são nulas, conforme dispõe o art. 12º do mesmo diploma.
Coloca-se assim a boa fé como princípio orientador das cláusulas contratuais gerais. Este princípio é concretizado no art. 16º que dispõe:
"Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente:
a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado".
"Uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificada" (Araújo de Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, DL nº 446/85 anotado, pág. 172).
No caso dos contratos de seguro de vida, como o dos autos, o risco da Invalidez ou Incapacidade que se pretende garantir, tem em vista acautelar as consequências que podem advir para os segurados da circunstância de poderem ficar numa situação tal de debilidade funcional, que os torna incapazes de auferir os normais rendimentos do seu trabalho, ou de outro trabalho remunerado.
Analisando o teor do conceito “Invalidez Absoluta e Definitiva” da cláusula do art. 2º das Condições Especiais do contrato, verifica-se que a mesma exige para o accionamento do seguro, não só que o executado, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada, como também “e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente”, seguindo-se depois a descrição do que se entende por cada um desses actos em concreto (lavar-se, alimentar-se, vestir-se e deslocar-se no local de residência habitual).
Cremos que esta exigência “cumulativa” reduz de forma substancial e desproporcionada os casos de verificação do risco de cobertura de invalidez ou incapacidade, pois ao fazer referência a actos da vida muito básicos, vai para além da verificação objectiva da incapacidade para o segurado fazer uma vida normal e de continuar a exercer a sua actividade profissional de forma a poder assegurar um rendimento, risco esse que está na origem da celebração do contrato de seguro (note-se que é mais que normal verificar-se a situação em que o segurado está incapaz de exercer uma profissão remunerada, sem estar num estado de dependência contínua de assistência de terceiro para os supra referidos actos da vida diária, nomeadamente alimentar-se e vestir-se ou tratar da sua higiene. No fundo, esta exigência cumulativa a que nos reportamos representa uma restrição da intervenção da seguradora que é injustificada em face da finalidade que está na origem da celebração do contrato de seguro. O tal “equilíbrio contratual” fica afectado pela imposição de uma cláusula em que o contraente mais forte limita de tal forma a possibilidade de preenchimento da condição do accionamento do seguro, num sentido que vai além da razão de ser do próprio seguro e que satisfaz apenas a sua posição contratual e os seus interesses. Além disso, e não menos importante, a referida cláusula defrauda a confiança ou expectativa depositada pelos segurados na celebração do contrato, pois que nesse momento tiveram em vista acautelar-se daquelas situações em que ficam impossibilitados de auferir um rendimento que lhes permita cumprir com as suas obrigações, e não prevêem a necessidade de, além disso, se  encontrarem igualmente numa situação de total dependência de um terceiro (quase em estado “vegetal”). Essa cláusula é, também por isso, contrária à boa fé.
Como se fundamenta, de forma expressiva no Ac. do STJ de 27/9/2016, disponível in www.dgsi.pt “A intencionalidade dos contraentes de um contrato de seguro associado a contrato de mútuo concedido para aquisição de habitação própria consiste, pelo contrário, e como sublinham os Recorrentes, em prevenir a hipótese de perder, por invalidez, a sua capacidade de ganho e consequentemente, a sua habitação. Por conseguinte, esta denominada cláusula-surpresa, por não ser normal a sua inclusão num contrato, previamente negociado entre contraentes, com aquela finalidade de precisamente assegurar o cumprimento do contrato de mútuo, é manifestamente contrária ao princípio da boa-fé objectiva. O desequilíbrio contratual entre as partes é significativo, por colocar o consumidor/aderente do contrato de seguro associado ao contrato de mútuo numa posição em que, ao invés de prevenir uma situação de eventual impossibilidade de obter rendimentos do trabalho e de consequente incumprimento do contrato de mútuo, deixa-o numa situação como se não existisse esse contrato de seguro, apesar de ter procedido ao pagamento dos prémios devidos. (...) o segmento da dita cláusula especial 7.1 que exige que a pessoa segurada tenha que ficar na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efetuar os atos ordinário da vida corrente é claramente abusivo, por contrário ao vetor da boa-fé". No mesmo sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 27/05/2010, de 18/09/2014, 16/12/16, da RP de 23/12/17, da RL de 1/6/17, RG de 11/7/2017, todos disponíveis na mesma página.
Conclui-se, pois, que a referida cláusula, no referido segmento em que exige a “obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente” é nula, de acordo com o disposto nos arts. 12º, 15º e 16º do DL 446/85.
Apesar desta questão não ter sido suscitada pelo oponente na petição inicial e a primeira instância dela não se ter ocupado, o recorrente levanta a questão nas suas alegações (ponto 95) e dada a frequência com que o tema tem sido discutido na nossa jurisprudência, teria sido avisado que o recorrido se tivesse manifestado a esse respeito. De qualquer forma, nada impede que este tribunal aprecie a referida nulidade uma vez que é de conhecimento oficioso – art. 286º do CC (neste sentido, cfr., entre outros, Acs. do STJ de 10/7/2008 e 27/9/2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
*
3.2. Apreciemos, agora, se, em face da matéria de facto apurada, a situação de saúde do segurado o reconduz a uma situação de incapacidade que o impede de exercer qualquer tipo de actividade remunerada, tendo em conta o conceito de Invalidez Absoluta e Definitiva consagrado nas Cláusulas Especiais do contrato de seguro (agora sem a cláusula cumulativa da “obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente”, porque nula).
De acordo com as condições especiais do contrato de seguro em causa, o segurado “é considerado em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada”.
 De acordo com a matéria de facto provada a este respeito, sabemos que o recorrente padece de um “Distúrbio grave de personalidade”, conferido pela Junta médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 20 de Abril de 2010, que o considerou “absoluta e permanente incapaz para o exercício das suas funções (pontos 14 e 30 dos factos provados). O executado encontra-se, absoluta e definitivamente impedido de exercer a actividade profissional que exercia (ponto 15). O recorrente é pensionista da Caixa Geral de aposentações, recebendo a título de reforma por deficiência (ponto 17).
Resulta igualmente provado que o recorrente apresenta uma incapacidade permanente e absoluta para o exercício da profissão de guarda prisional, mas não uma incapacidade permanente e irreversível para o exercício de uma actividade remunerada (ponto 25). No entanto, o mesmo só poderá realizar outras actividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interacção social (ponto 28).
O recorrido defende que o estado de saúde do oponente não se enquadra na definição de Invalidez Absoluta e Definitiva contratada, o que aliás lhe foi comunicado pela Seguradora VV, que, com esse argumento, declinou a responsabilidade no pagamento da indemnização.
Em razão dos factos provados, a par da determinação da pensão atribuída pela CGA ao oponente, por incapacidade, absoluta e definitiva para o exercício da sua actividade profissional e a fundamentação que lhe serve de base, distúrbio grave de personalidade, sabemos que o executado apenas pode exercer actividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interacção social.
Perante este quadro, não podemos deixar de concluir que o recorrente se apresenta numa situação que se revela, no fundo, impeditiva do exercício de qualquer actividade que lhe permita receber um rendimento para cumprir com as suas obrigações, nomeadamente perante o banco, beneficiário do seguro contratado.
Por um lado, encontrando-se aposentado pela CGA, por incapacidade permanente e absoluta para o exercício da profissão de guarda prisional, não poderá desempenhar qualquer outra função pública, conforme estabelece o art. 78º do DL 498/72 de 9/12 (Estatuto da Aposentação, nem qualquer outra actividade remunerada de acordo com a versão actualizada da referida lei). Por outro lado, pode legitimamente perguntar-se, como faz o recorrido nas suas alegações: que profissão remunerada pode exercer o recorrente sem que envolva grande interacção social? Na verdade, não é difícil perceber, perscrutando o mercado de trabalho, que não existe uma tal profissão. O recorrente teria sempre de manter “interacção social” com a entidade empregadora, colegas de trabalho, público em geral, deslocar-se para o trabalho, não se descortinando o que entenderam os Senhores Peritos ao qualificar como “grande” a interacção social que ainda assim permitiria ao recorrente exercer uma profissão remunerada. Qual entidade patronal que, sabendo que o recorrente está aposentado por “distúrbio grave de personalidade”, empregaria um tal trabalhador? O banco recorrido, aceitando como boa a resposta da Seguradora, pertencente ao mesmo grupo económico, tão pouco se apresentou a justificar, minimamente, em que medida poderia o executado exercer uma outra profissão remunerada perante o quadro factual apresentado.
Tudo para concluir que a situação de doença do executado se traduz, afinal, numa invalidez absoluta e definitiva para efeitos de verificação do sinistro coberto pelo seguro em questão, pelo que não se pode manter a sentença recorrida.
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Sumário (elaborado pela relatora ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):
I – Numa execução movida pelo banco mutuante, beneficiário de um seguro de vida, celebrado na sequência de um crédito à habitação, dadas as circunstâncias que presidiram à celebração do contrato de seguro, nada impede que, em embargos de executado, este convença o beneficiário do seguro que a seguradora se constituiu no dever de prestar, por ter ocorrido o sinistro;
II - No caso dos contratos de seguro de vida, o risco da Invalidez ou Incapacidade que se pretende garantir tem em vista acautelar as consequências que podem advir para os segurados da circunstância de poderem ficar numa situação tal de debilidade funcional, que os torna incapazes de auferir os normais rendimentos do seu trabalho, ou de outro trabalho remunerado;
III – A cláusula inserida nas condições especiais do contrato de seguro que exige que o segurado além de ficar “total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada”, deva ficar, “simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente”, é abusiva e contrária à boa fé, sendo por isso nula de acordo com os arts. 12º, 15º e 16º do DL 446/85 de 25/10, o que pode ser declarado pelo tribunal, por ser de conhecimento oficioso;
IV – Estando provado que o recorrente se encontra aposentado por incapacidade absoluta e definitiva para o exercício da sua actividade profissional de guarda prisional por distúrbio grave de personalidade, apenas podendo exercer “actividades a nível profissional e ocupacional que não envolvam grande interacção social”, não se pode deixar de concluir que o recorrente preenche o conceito de invalidez absoluta e definitiva referido nas Condições Especiais do contrato de seguro, por não ser possível descortinar que tipo de actividade remunerada poderia o recorrente exercer nessas condições.
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V - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, declarar procedente a oposição.
Custas da apelação e da oposição pelo recorrido.
Notifique.

Lisboa, 8/2/2024
Carla Figueiredo
Maria do Céu Silva
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros