Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO IGUALDADE DOS CREDORES | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/20/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | - O processo especial de revitalização, visa a viabilização ou recuperação do devedor, que é agora elevada a fim essencial do CIRE. Assim, sendo despoletado o PER, ao mesmo deve ser conferida relevância e protecção, por referência a outras acções que contendam com o património do devedor e, a fortiori, relativamente ao próprio processo de insolvência, o que transparece do disposto no artº 17º- E. - O principio da igualdade dos credores previsto no artigo 194º do CIRE não obsta ou impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria e, mesmo que perante credores inseridos na mesma classe, nada impede a possibilidade de se estabelecerem diferenciações, exigindo-se tão só que a estas não presida a arbitrariedade, antes se mostre evidenciado estarem elas assentes em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado. - No âmbito do PER, a satisfação dos direitos dos credores deixa de ocupar o lugar privilegiado que até então vinha tendo no CIRE, passando, após a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, o objectivo principal a incidir sobre a possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação. (sumário elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO G... apresentou-se ao processo especial de revitalização, alegando sérias dificuldades para cumprir as suas obrigações vencidas, propôs um plano que consiste na dilatação no tempo dos prazos de pagamento das suas obrigações de curto e médio prazo e reestruturados os contratos existentes, com vista à sua recuperação e requerendo a nomeação de administrador judicial provisório. Instruído o processo, nomeado o administrador judicial provisório (nos termos da alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C, do CIRE, foi o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora G..., sujeito a aprovação, tendo o administrador judicial provisório junto aos autos o documento a que alude o nº 4 do artº 17º-F, do CIRE, com o resultado da votação, indicando ele que o plano proposto havia merecido a aprovação dos credores, uma vez que recolheu o voto favorável de 76,74% da totalidade dos votos emitidos, correspondendo a mais de metade (85,91%) a créditos não subordinados nos termos previstos no nº 1 do artº 212º do CIRE Por requerimento de A..., E..., F... J..., J..., J..., L.., N..., P..., R... e T..., apresentado a fls 293 a 297, foi solicitada a não homologação do plano. Em síntese, alegaram que a aprovação do Plano e respectiva homologação são manifestamente mais desfavoráveis para os requerentes do que aquela que ficariam sem plano. A insolvente G... respondeu, pugnando pela manutenção da homologação do Plano. Foi proferida DECISÃO a que alude o nº 5do artº 17-F, do CIRE nos seguintes termos: “Julgo improcedentes os pedidos de não homologação nos termos vistos e, em consequência, entendo ser de homologar o Plano, nos seguintes termos: A requerente G..., viu o seu plano aprovado. Procedeu-se à sua publicação. Nada havendo em contrário, homologo-o, condenando as partes ao seu cumprimento, nos seus precisos termos, excepção feita aos créditos da Fazenda Nacional a quem este Plano não vincula ou produz efeitos”. Não se conformando com tal decisão, dela recorreram A..., E..., F..., J..., J..., J..., L..., N..., P..., R... e T..., credores da devedora no processo especial de revitalização, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª – O Plano Especial de Revitalização Homologado, prevê o pagamento dos créditos salariais aos recorrentes em 60 prestações mensais após 2 anos de carência. 2ª – Os recorrentes ficam sujeitos ao recebimento dos seus créditos no prazo 7 anos até que seja integralmente liquidado. 3ª - Com a não homologação do Plano Especial de Revitalização, e a consequente insolvência, passar-se-ia à imediata liquidação do activo da devedora para pagamento dos seus credores. 4ª – Os recorrentes são credores privilegiados, pelo que teriam preferência no pagamento de uma só vez com o produto da venda dos bens da devedora. 5ª - Poderiam ainda recorrer ao Fundo de Garantia Salarial, para antecipação dos seus créditos. 6ª - O Plano Especial de Revitalização é manifestamente menos favorável para os recorrentes do que a liquidação da devedora ou mesmo sem plano. 7ª – Os recorrentes, com a homologação do Plano Especial de Revitalização, não têm certeza de que irão receber o seu crédito, face à impossibilidade de incumprimento. 8ª - O Plano Especial de Revitalização homologado permite à devedora dispor do seu património, uma vez que não fica como garantia de pagamento dos créditos salariais. 9ª - Nada garante, em caso de incumprimento, que a devedora seja detentora de património para garantir o pagamento dos créditos dos recorrentes. 10ª - Sem a homologação do Plano Especial de Revitalização, os recorrentes tinham a certeza que receberiam o seu crédito ou pelo menos parte dele, através da venda de património da devedora ou por via do Fundo de Garantia Salarial. 11ª - O Plano Especial de Revitalização, homologado desvirtua a finalidade, uma vez que não é crível que o mesmo seja viável, a devedora a laborar com dois colaboradores não consegue empreitadas que permitam pagar o passivo de € 2.000.000.00. 12ª – O Plano Especial de Revitalização trata de modo diferenciado os vários credores privilegiados, prevendo o pagamento em prestações mensais para os mesmos, com início de pagamento imediato para a Fazenda Pública e Segurança Social, aos contrário dos créditos laborais, cujo pagamento apenas se inicia após um período de carência de 2 anos. 13ª - O Plano Especial de Revitalização, não respeita princípio da igualdade previsto no artº 194º do CIRE, uma vez que os recorrentes têm um tratamento diferenciado dos demais credores privilegiados. 14ª - Estando sujeitos a um tratamento menos favorável no que diz respeito ao início de pagamento. 15ª - Assim, a douta sentença proferida, ao homologar o Plano Especial de Revitalização, viola um princípio do processo de Insolvência e de Recuperação de Empresa, pelo que deverá ser revogada. Termina, pedindo que seja revogada a sentença que homologou o Plano Especial de Revitalização. Dispensados os vistos, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO A) Fundamentação de facto A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório que antecede. B) Fundamentação de direito Estatui o artº 17-A nº 1 do CIRE, introduzido pela Lei 16/2012, de 20/04 que o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. E o artigo 17º-C preceitua o seguinte: 1- O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação. 2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura. 3 - Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adoptar os seguintes procedimentos: a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações; …. O processo especial de revitalização, visa a viabilização ou recuperação do devedor, que é agora elevada a fim essencial do CIRE. Assim, sendo despoletado o PER, ao mesmo deve ser conferida relevância e protecção, por referência a outras acções que contendam com o património do devedor e, a fortiori, relativamente ao próprio processo de insolvência, o que transparece do disposto no artº 17º- E. Desde logo do seu nº1 quanto à generalidade das acções, o qual estatui que: “A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C – nomeação do administrador provisório -obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”. E, bem assim, do seu nº6, no que respeita ao processo com pedido de declaração de insolvência: “Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação”. Preceitua o artigo 17º- F do CIRE, o seguinte: (Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor). 1 — Concluindo -se as negociações com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, em que intervenham todos os seus credores, este deve ser assinado por todos, sendo de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa da mesma pelo juiz, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos. 2 — Concluindo -se as negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, sem observância do disposto no número anterior, o devedor remete o plano de recuperação aprovado ao tribunal. 3 — Considera -se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º -D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida. 4 — A votação efectua -se por escrito, aplicando-se-lhe o disposto no artigo 211º com as necessárias adaptações e sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor e elabora um documento com o resultado da votação. 5 — O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º 6 — A decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal, nos termos dos artigos 37º e 38º, que emite nota com as custas do processo de homologação. 7 … Consideram os credores, ora apelantes que se encontram numa situação menos favorável do que interviriam na ausência de Plano. É que o Plano prevê para os trabalhadores uma moratória de dois anos, o que também impõe uma desigualdade no pagamento entre credores. A sentença recorrida entendeu que não existe violação do princípio da igualdade, já que o tratamento diferenciado entre credores e por classes idênticas teve como suporte essencial a viabilidade do Plano e, consequentemente, a manutenção dos postos de trabalho dos trabalhadores, e bem assim, na medida em que tais credores aceitaram viabilizar o fornecimento de matérias-primas para a manutenção dessa actividade. Dentro dessas classes o tratamento é idêntico. Cumpre decidir. O artº 194º do CIRE estatui que “o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas (nº 1); o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável (nº 2). Como ensinam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[1] “a razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que está agora assumida, no artº 47º do Código. Para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos. Mas, a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito. O que está vedado é, na falta de acordo dos credores, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idêntica”. Como resulta do artigo 192º do CIRE, o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado. Essencial é ainda que, no âmbito das diferenciações adoptadas, as razões objectivas que justificam o tratamento diferenciado de determinados credores e plasmadas no plano de recuperação, neste último se encontrem com clareza e rigor devidamente concretizadas, identificadas e explicadas (cfr artº 195º do CIRE), maxime que do plano resulta a ratio que justifica, exige e aconselha (em razão sobretudo do objectivo último pretendido de, no final, se conseguir uma efectiva revitalização do devedor) o tratamento diferenciado conferido a certos credores. É que, a assim não suceder, legítimo é então concluir estar-se na presença de uma diferença de tratamento que, porque não explicada, é em última análise arbitrária discricionária ou discriminatória, que é o mesmo que dizer não objectivamente justificada, impondo-se portanto ao juiz o dever de recusar oficiosamente a homologação do plano de recuperação[2]. O principio da igualdade dos credores não obsta ou impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria e, mesmo que perante credores inseridos na mesma classe, nada impede a possibilidade de se estabelecerem diferenciações, exigindo-se tão só que a estas não presida a arbitrariedade, antes se mostre evidenciado estarem elas assentes em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado. No caso dos autos e como bem nota o Plano aprovado (Cfr fls 279), a recuperação assume-se de longo como a melhor solução, mais satisfatória no interesse dos credores e da requerente G...; a recuperação aponta para um retorno muito superior ao do valor de uma hipotética declaração de insolvência; assegura-se a manutenção de uma empresa, mantém-se e proporcionar-se-à a criação de emprego; aos credores é efectuado o pagamento do capital acordado e ou reconhecido; mantém-se uma unidade produtiva, assim como o dinamismo económico e comercial da zona geográfica onde está instalada e, finalmente, não se fomenta a destruição de uma empresa com meio século de actividade e que o know how adquirido tem que ser aproveitado na sua plenitude. Deste modo e contrariamente à opinião dos apelantes, a aprovação do PER nos termos apresentados são manifestamente mais favoráveis do que uma eventual declaração de insolvência e a subsequente liquidação do activo da devedora para pagamentos dos seus credores. Na verdade, no âmbito do PER, a satisfação dos direitos dos credores deixa de ocupar o lugar privilegiado que até então vinha tendo no CIRE, passando, após a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, o objectivo principal a incidir sobre a possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação. Por conseguinte, as razões acabadas de apontar, além de objectivas, são justificativas da diferenciação entre credores plasmada no plano de recuperação conducente à revitalização da devedora, o que obriga a considerar verificada a previsão do nº 1, in fine, do artº 194º do CIRE e, inevitavelmente, conduz à improcedência da apelação no que concerne à invocada violação do principio da igualdade. SÍNTESE CONCLUSIVA - O processo especial de revitalização, visa a viabilização ou recuperação do devedor, que é agora elevada a fim essencial do CIRE. Assim, sendo despoletado o PER, ao mesmo deve ser conferida relevância e protecção, por referência a outras acções que contendam com o património do devedor e, a fortiori, relativamente ao próprio processo de insolvência, o que transparece do disposto no artº 17º- E. - O principio da igualdade dos credores previsto no artigo 194º do CIRE não obsta ou impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria e, mesmo que perante credores inseridos na mesma classe, nada impede a possibilidade de se estabelecerem diferenciações, exigindo-se tão só que a estas não presida a arbitrariedade, antes se mostre evidenciado estarem elas assentes em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado. - no âmbito do PER, a satisfação dos direitos dos credores deixa de ocupar o lugar privilegiado que até então vinha tendo no CIRE, passando, após a Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, o objectivo principal a incidir sobre a possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação. III - DECISÃO Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos apelantes. Lisboa, 20 de Novembro de 2014 Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais Isoleta de Almeida Costa
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