Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MICAELA SOUSA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO MÚTUO HIPOTECÁRIO AMORTIZAÇÃO PRESTAÇÕES MENSAIS INCUMPRIMENTO PRESCRIÇÃO PRAZO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/06/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | I – Em conformidade com a jurisprudência uniformizada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 30 de Junho de 2022, publicado no DR I Série de 22 de Setembro de 2022, acertado o reembolso de quantia mutuada em prestações mensais e sucessivas de capital e juros, verificando-se o fim do plano de amortização acordado e vencidas todas as prestações, sem que tivesse ocorrido vencimento antecipado com base em incumprimento, o prazo prescricional aplicável é o de cinco anos em relação ao vencimento de cada prestação. II – O artigo 781.º do Código Civil não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento imediato (e automático) de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, constituindo antes um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato todas as prestações. III – Embora ao abrigo do princípio da autonomia as partes possam estipular em sentido diverso, não contendo nenhuma das cláusulas contratuais uma qualquer alusão a “vencimento automático” das prestações ou imediato, decorrente da mera verificação do incumprimento, não é possível concluir que as partes tenham querido estipular o vencimento imediato de todas as prestações independentemente de interpelação. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., com sede à Avenida João XXI, 63 Lisboa apresentou, em 10 de Março de 2022, requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra A e B, residentes à Praça da ..., Nº …, 2700-238 Amadora , C e D, residentes à Praça da ..., Nº …, 2700-238 Amadora, para cobrança da quantia exequenda no valor global de 143 495,96 €, com base em título executivo constituído por escritura pública denominada de Mútuo com Hipoteca, celebrada a 25 de Fevereiro de 2009, mediante a qual emprestou aos executados C e D, a importância de 100 000,00 €, pelo prazo de 15 anos, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título, tendo sido constituída, para garantia das obrigações decorrentes do empréstimo, uma hipoteca a favor do exequente sobre a fracção autónoma designada pela letra I, correspondente ao terceiro andar esquerdo do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado na Praça da ... n.º .., freguesia de Venteira, concelho de Amadora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o n.º 826 da dita freguesia, e inscrita na matriz sob o artigo 1626, fracção que foi adquirida pelos executados C e D, conforme aquisição registada pela AP. 2266 de 2012/04/11 (cf. Ref. Elect. 20680946 dos autos de execução). Em 4 de Abril de 2022 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre a fracção autónoma acima identificada (cf. Ref. Elect. 20802047 dos autos de execução). Em 9 de Maio de 2022, os executados deduziram oposição à execução mediante embargos de executado com a seguinte ordem de fundamentos (cf. Ref. Elect. 21019685): - Excepção de prescrição da dívida exequenda – conforme resulta dos documentos juntos, o prazo de amortização do empréstimo era de 15 anos a contar de 25 de Fevereiro de 2009, em prestações mensais constantes, de capital e juros, tendo ficado estipulado que a Caixa pode considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, entre outras situações, no caso de incumprimento pela parte devedora, ou por qualquer dos restantes contratantes, de qualquer obrigação deste contrato; no requerimento executivo a exequente invoca que os executados C e D interromperam o pagamento das prestações em 25/01/2011; a Caixa nunca notificou os embargantes/executados C e D da resolução do contrato de mútuo, exigindo de imediato o pagamento da totalidade da dívida (capital e juros), o que não era obrigada, face ao disposto na cláusula 15º n.º 1 do Documento Complementar; a citação para a acção executiva ocorreu no dia 07/04/2022; relevante para efeitos de aplicação do prazo previsto no art.º 310º, e) do Código Civil é o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e uma parcela de juros remuneratórios; tendo-se vencido a totalidade da dívida no valor de 95 335,01 € no dia 25/01/2011, sem que a embargada tenha exigido imediatamente a totalidade da dívida, o que apenas fez decorridos mais de 11 anos sobre o seu vencimento, pelo que se verificou a sua prescrição; - Deve ser declarada extinta por prescrição a dívida exequenda e, subsequentemente, a extinção da presente execução, bem como da hipoteca que recai sobre o imóvel, nos termos do art.º 730º, a) do Código Civil; - Os executados A e B adquiriram, por compra, aos executados C e D, a fracção autónoma “I” objecto de penhora, sendo que a hipoteca se extingue pela extinção da obrigação a que serve de garantia, pelo que extinta a obrigação exequenda, por prescrição, deixa de ter qualquer fundamento a manutenção da garantia (hipoteca) da dívida prescrita; - Os 3 anos de juros do crédito hipotecário iniciaram-se com a mora dos devedores, em 25/01/2011, pelo que o período de juros da hipoteca terminou em 24/01/2014, estando prescritos os juros remuneratórios como os moratórios e os juros da hipoteca, nos termos do art.º 310º, d) do Código Civil; - Inexequibilidade do título executivo - os juros e comissões e outras prestações acessórias enumerados nos n.ºs 15, 16 e 17 do requerimento executivo estão ilíquidos, dependendo de uma liquidação por simples cálculo aritmético, pelo que a exequente tem que indicar as operações que efectuou para liquidar a obrigação exequenda, indicando se se trata de juros remuneratórios, a data a partir da qual os calculou, o período de cálculo, a taxa que aplicou em cada período e, no caso dos juros moratórios, o termo inicial do período de contagem, o período abrangido e a taxa aplicada, não tendo a exequente dado cumprimento ao disposto no art. 713º do Código de Processo Civil[1]. Pedem que seja julgada procedente a excepção de prescrição, com a sua absolvição do pedido e declarada extinta também a hipoteca registada a favor da embargada Caixa Geral de Depósitos, S. A., pela Apresentação n.º 4038º, de 19/02/2009, da fracção autónoma acima identificada; para o caso de tais pedidos serem julgados improcedentes, que seja reconhecida a inexequibilidade do documento n.º 1 dado à execução ou, assim se não entendendo, que era necessário previamente à instauração desta execução que a embargada interpelasse cada um dos executados a resolver o contrato de mútuo bancário e a declarar vencida a totalidade das prestações ainda não pagas, para que tal contrato se tornasse exequível, o que não aconteceu; assim não sucedendo, sempre a execução só deverá prosseguir em relação à dívida de capital, acrescida apenas dos juros moratórios que se venceram, dia a dia, nos últimos 5 anos, pois, todos os juros anteriores se encontram extintos por prescrição, e bem assim os juros da hipoteca, ressalvados os 3 anos previstos no art.º 693º n.º 2 do Código Civil. Em 16 de Maio de 2022 foi proferido despacho que admitiu liminarmente os embargos de executado e ordenou a notificação do exequente para contestar (cf. Ref. Elect. 137578640). A exequente contestou impugnando parcialmente a matéria de facto alegada e argumentando nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 21243465): - Impugnou os factos atinentes à falta de interpelação para o pagamento integral da dívida e à prescrição, referindo que os executados/mutuários C e D Acresce, em 18/11/2016, foram integrados no âmbito do PERSI - (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), conforme cartas que juntou, procedimento extinto em 5 de Março de 2020; - A 12/08/2021 foram os mutuários C e D interpelados, para regularização no prazo de 30 (trinta) dias dos valores em dívida, com a menção expressa que daria entrada acção executiva; - O prazo de prescrição é de 20 (vinte) anos, que ainda não decorreu, pois que face ao incumprimento verificado, considerou-se vencida e não paga a obrigação de pagamento e, por conseguinte, vencidas e não pagas todas as prestações fixadas no contrato, sendo que desde a interrupção do pagamento das prestações, na data de 25/01/2011, e considerando-se vencidas e não pagas todas as prestações, o prazo aplicável ao montante total é o de 20 (vinte) anos; - Assim, mantém-se activa a hipoteca registada a favor da embargada, sobre o imóvel penhorado; - O nº 2 do art.º 693º do Código Civil não proíbe que se executem juros de mais de três anos, apenas não beneficiando da garantia hipotecária, sendo que os que excedam esse período serão exigíveis como crédito comum; - O documento apresentado como título preenche os respectivos requisitos, sendo determinável a liquidação dos juros, porque dele consta a taxa de juro contratada; - O incumprimento por parte dos mutuários de qualquer das suas obrigações, aí se incluindo o pagamento atempado dos juros, implica automaticamente o vencimento de toda a dívida, o que sucedeu. Pugna pela improcedência dos presentes embargos de executado e prosseguimento da execução. Em 27 de Fevereiro de 2023, realizou-se audiência prévia no decurso da qual os embargantes refutaram a recepção das cartas a que o embargado se reporta na contestação (cf. Ref. Elect. 142867566). Em 26 de Junho de 2023 foi proferido despacho saneador-sentença que julgou procedente a excepção de prescrição, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 142941065): “Termos em que decido julgar procedente a exceção da prescrição da obrigação exequenda e por conseguinte a presente oposição à execução e declarar a prescrição da totalidade do direito de crédito peticionado pela exequente na ação executiva de que dependem estes autos e, em consequência, extinta a execução na sua totalidade quanto aos executados/opoentes C e D, A e B, não cabendo, contudo, ao Tribunal ordenar o cancelamento da hipoteca.” Inconformada com o decidido, veio a embargada Caixa Geral de Depósitos, S. A. interpor recurso, concluindo a sua motivação nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 23945393): 1. Julgou o Tribunal a quo procedente à oposição à execução, apresentada Embargantes C e D, A e B, em consequência, declarou prescrito o direito de crédito de que a Exequente/Embargada peticionou na execução, com a legal consequência de extinção da ação executiva contra aqueles Embargantes. 2. Atento o previsto no artigo 781º do Código Civil, a falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento antecipado das restantes. 3. A falta de pagamento de uma prestação tem por efeito a perda do benefício do prazo para o devedor, sendo para tal suficiente, que o credor interpele o devedor para o cumprimento da obrigação ainda não paga, o que fez a ora Recorrente através do envio de missiva com interpelação do Embargante para liquidação dos valores em divida, em 12.08.2021. 4. Verificado o incumprimento do plano de amortização da dívida inicialmente acordado, aplicável ao presente caso, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. 5. Desde a interrupção do pagamento das prestações, considerando-se vencidas e não pagas todas as prestações, o prazo aplicável é o prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos, conforme defendido pela ora Recorrente em sede de contestação de embargos. 6. Senão vejamos, o prazo de prescrição é aplicável ao montante total e, não a cada uma das prestações de amortização de capital e juros. 7. Pelo contrário, o defendido no douto acórdão uniformizador reporta-se à prescrição no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. 8. Considerando o incumprimento contratual e, o vencimento da dívida, não poder-se-á considerar a previsão legal invocada no douto acórdão, uma vez que esta respeita a prestações periódicas, o que, in casu, deixou de existir. 9. Acresce, em virtude do incumprimento verificado, que os valores em dívida retomam novamente a natureza original, de acordo de pagamento de capital e juros, ficando sem efeito o plano prestacional acordado, voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza de capital e de juros, e por conseguinte fica o capital sujeito ao prazo ordinário de vinte anos. 10. Entende a Recorrente, que a situação enquadra-se nos termos previstos nos artigos 309º e 311º do Código Civil. 11. Não se conformando a Recorrente com a douta decisão. 12. No entanto, e caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se concede, considera-se com o devido respeito e s.m.o., que o douto tribunal a quo interpretou mal o douto acórdão uniformizador de jurisprudência – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022. 13. Pois bem, ficou provado que foi celebrado um mútuo com hipoteca através de escritura acompanhada do respetivo Documento Complementar, entre a ora Recorrente e os mutuários C e D. 14. O contrato de mútuo foi celebrado por 15 anos a contar de 25 de fevereiro de 2009, ou seja, 180 meses (cláusula 8ª do Documento Complementar). 15. O empréstimo seria amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a 1ª no dia correspondente do mês seguinte ao último mês do período de carência e as restantes em igual dia dos meses seguintes (cláusula 9ª n.º 1 do Documento Complementar). 16. Ficou também provado que os devedores não pagaram a prestação que se venceu em 25.01.2011, nem as que posteriormente se venceram. 17. A ora Recorrente podia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento, entre outras situações, no caso de: - Incumprimento pela parte devedora, ou por qualquer dos restantes contratantes, de qualquer obrigação deste contrato (cláusula 15ª n.º 1 al. a) do Documento Complementar). 18. Ficou ainda estipulado que, em caso de incumprimento da parte devedora (mutuários) traduzido no não pagamento pontual das prestações acordadas, a mutuante Caixa Geral de Depósitos poderia considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades e garantias e executar a constituída hipoteca se e quando a parte devedora deixe de cumprir qualquer das cláusulas deste contrato, designadamente, quando vencida e não paga qualquer das prestações referidas e não haja prorrogação, renovação, reforma ou substituição permitida pela parte credora (cláusula 15ª al. a) do Documento Complementar). 19. Sucede, porém, que esse vencimento não é automático. O vencimento imediato de todas as prestações não opera automaticamente, estando dependente da manifestação de vontade nesse sentido, por parte do credor. 20. Conforme o douto Acórdão STJ de 28.09.2022, processo n.º 554/20.5T8AGH.L1.S1 (Relator: BARATEIRO MARTINS) refere, o artigo 781.º do CC não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento imediato (e automático) de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, constituindo antes um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato todas as prestações, ou seja, que não prescinde que o credor manifeste a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui. 21. Prossegue aquele aresto, com a afirmação de que, «como é muito evidente, com todo o respeito por opinião diversa, o credor, assim como tem a faculdade de exigir o pagamento imediato de todas as prestações, tem também a faculdade de não exigir tal pagamento imediato, sendo que, enquanto o não fizer, o devedor não fica constituído em mora (a não ser naquelas prestações que se forem vencendo de acordo com o plano prestacional) e não se inicia o curso da prescrição (cfr. art. 306.º/1 do C. Civil) em relação a montantes/prestações que ainda não são exigíveis». 22. Consideramos que, há que ter presente que o facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações, mas apenas após a necessária interpelação para cumprir, significa que, enquanto não tiver havido interpelação a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida, Cfr., neste sentido, Ac. STJ de 26-01-2021 (relatora: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ), proferido na revista n.º 20767/16.3T8PRT-A.P1.S1. 23. Assim, conclui-se que até à comunicação aos mutuários para pagar o valor integral então em dívida, que ocorreu em 12/08/2021, manteve-se o plano de vencimento das prestações, o que significa, ao invés do que se decidiu em primeira instância, que não estão prescritas todas as prestações, por não se ter vencido todo o crédito na data de incumprimento da primeira prestação. 24. Pelo que, deverá o Despacho Recorrido ser Revogado e substituído por outro em que seja proferida decisão que considere a aplicação ao caso do prazo de prescrição ordinário de 20 (vinte) anos, o que se requer. 25. Ou caso assim não se entenda, que seja revogado por outro que considere que a data de vencimento antecipado das restantes prestações ocorreu não na data de incumprimento da primeira prestação vencida e não paga, mas sim 30 (trinta) dias após a recepção da carta de 12/08/2021, enviada pela ora Recorrente aos executados mutuários C e D, interpelando-os para pagamento. 26. Entende assim a ora Recorrente que o Tribunal fez uma aplicação errada das normas jurídicas aplicáveis aos factos em causa in casu, incorrendo assim num desvio da realidade factual ou jurídica, por falsa representação da mesma, ou erro de interpretação ou de determinação da norma aplicável ou de aplicação do direito. 27. [repetido] 28. Não obstante, sempre o Douto Despacho merece censura, devendo ser Revogado e substituído por outro que se pronuncie no sentido da não prescrição do crédito da Recorrente, julgando, por conseguinte, improcedente a oposição à execução, deduzida pelos Recorridos/Embargantes C e D, A e B, prosseguindo os autos os ulteriores termos até final, para liquidação dos valores em dívida junto da Recorrente. Pugna pela procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença e sua substituição por outra que não reconheça a prescrição da obrigação exequenda. Os embargantes A e B apresentaram contra-alegações sustentando que deve ser mantida a decisão proferida em 1ª instância (cf. Ref. Elect. 24112517). Recorreram também os embargantes/executados A e B da sentença de mérito proferida, cuja motivação concluíram do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 23999516): 1.ª – Na parte dispositiva da sentença proferida na oposição à execução, não consta decisão do tribunal a ordenar o cancelamento da penhora, apesar de, na fundamentação da sentença o M.º Juiz a quo, ter invocado e exposto matéria de direito, no sentido de que, encontrando-se extinta a obrigação exequenda, com a consequente extinção da execução, deverá ser cancelada a penhora (art.º 58º n.º 2 do Código do Registo Predial). Por outro lado, no que respeita ao cancelamento da hipoteca que recai sobre o mesmo imóvel, o M.º Juiz a quo entendeu que ao tribunal não cabe, no âmbito da execução ordenar o cancelamento da mesma. Vamos analisar as duas questões: A – Cancelamento da penhora 2.ª – No que respeita ao cancelamento da penhora que recai sobre esse imóvel, o M.º Juiz a quo, na fundamentação da sentença, relativamente a essa matéria, deixou bem claro que a extinção da obrigação exequenda, por prescrição, com a consequente extinção da execução, implica o cancelamento da penhora, a qual teve lugar na execução e em consequência da execução, pelo que a mesma deve ser cancelada (art.º 58º n.º 2 do Código do Registo Predial). No entanto e como seria previsível, da parte dispositiva da sentença, não consta decisão do tribunal a ordenar o cancelamento da penhora sobre o já mencionado imóvel, o que se torna necessário para, após o trânsito em julgado da referida sentença, se requerer junto da Conservatória do Registo Predial respetiva, o seu cancelamento. Na verdade, 3.ª – Na oposição à execução, os opoentes/executados invocaram, na petição inicial, como causa de pedir, a extinção da obrigação exequenda por prescrição da mesma, ao abrigo do art.º 310º als. d) e e) do Código Civil e, no pedido, formularam a procedência da referida exceção perentória, com a consequente extinção da execução e, na sequência e como consequência da procedência dessa exceção perentória e da extinção da execução, pediram também o cancelamento tanto da penhora como da hipoteca incidentes, uma e outra, sobre o imóvel de que os recorrentes são proprietários. 4.ª – A exequente, Caixa Geral de Depósitos, SA, foi notificada para contestar a petição inicial da oposição à execução deduzida pelos executados/opoentes, tendo a oposição à execução decorrido com todas as garantias de contraditoriedade e de igualdade de armas, pois, a oposição à execução segue, presentemente, a tramitação da ação declarativa, com processo comum, embora reduzida a dois articulados: petição inicial e contestação. 5.ª – Pela sentença proferida, no âmbito da oposição à execução, o tribunal declarou extinta, por prescrição, a obrigação exequenda e, consequentemente, a extinção da execução. (vide parte dispositiva da sentença). 6.ª – Assim, extinguindo-se a execução, impunha-se, como consequência lógica, que o tribunal, na parte dispositiva da sentença, ordenasse o cancelamento da penhora, tanto mais que, na fundamentação da mesma, como já acima se deixou dito, o M.º Juiz a quo referiu que extinta, por prescrição, a obrigação exequenda e, consequentemente, a extinção da execução, impunha-se que tivesse sido ordenado o cancelamento da penhora. Contudo, 7.ª – Certamente, por mero lapso, o M.º Juiz a quo, não transpôs para a parte dispositiva da sentença, tal conclusão, nada tendo decidido a esse respeito, pelo que 8.ª – Se requer que à parte dispositiva da sentença seja aditado que o tribunal ordene o cancelamento da penhora (consequência lógica da extinção da execução). B – Quanto ao cancelamento da hipoteca 9.ª – No n.º 4 do art.º 732º do CPC estabelece-se que a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte. E o n.º 6 desse preceito dispõe que “para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.” 10.ª – De acordo com o n.º 6, transcrito na conclusão que antecede, a decisão de mérito constitui caso julgado material quanto à existência, à validade e à exigibilidade da obrigação exequenda, pelo que o trânsito em julgado da decisão de mérito proferida na oposição à execução por embargos impede que a existência, a validade e a exigibilidade da obrigação exequenda possam ser novamente invocadas e apreciadas num outro processo, seja ele declarativo ou executivo. 11.ª – Tanto a penhora sobre o imóvel penhorado como também a hipoteca que recaem sobre o mesmo imóvel estão conexionadas com a existência, a validade e a exigibilidade da obrigação exequenda, razão pela qual 12.ª – Tendo a douta sentença sob recurso julgado procedente a oposição à execução deduzida pelos executados/opoentes contra a exequente/oponida Caixa Geral de Depósitos, SA, com a consequente declaração de julgar extinta, na sua totalidade, a obrigação exequenda, e consequentemente ordenou a extinção da execução, resulta daí ou, pelos menos, é razoável tirar a ilação de que, em consequência da extinção da execução, deverá ser ordenado tanto o cancelamento da penhora como também da hipoteca incidentes sob o já mencionado imóvel, pois, tanto a penhora como a hipoteca têm como finalidade última, o pagamento da obrigação exequenda. Assim, 13.ª – Salvo melhor entendimento, na pressuposição de que a decisão de mérito, na parte que julgou extinta a obrigação exequenda e determinou a extinção da execução, transite em julgado, não tem qualquer justificação que se mantenham quer a penhora quer a hipoteca sobre o imóvel que servia de garantia ao pagamento da obrigação exequenda. 14.ª – Como da parte dispositiva da douta sentença sob recurso, não consta decisão do tribunal a ordenar nem o cancelamento da penhora nem o cancelamento da hipoteca (aliás, quanto ao cancelamento da hipoteca, o M.º Juiz entendeu que não cabe ao tribunal ordenar o seu cancelamento no âmbito da execução), é necessário que a sentença contenha expressamente, na sua parte dispositiva, decisão no sentido de se proceder tanto ao cancelamento da penhora como da hipoteca que recaem sobre o já identificado imóvel, tendo como suporte tal sentença transitada em julgado, a fim de se proceder ao seu cancelamento na Conservatória do Registo Predial, onde esse imóvel se onde descrito. 15.ª – É que, nos termos dos art.ºs 53º-A e 58º do Código do Registo Predial para se proceder ao cancelamento tanto da hipoteca como da penhora é necessária decisão judicial, com trânsito em julgado que determine tais cancelamentos. Mais se acrescenta: 16.ª – Como é de jurisprudência consolidada, a hipoteca, por natureza, é um direito acessório que só existe em função da obrigação cujo cumprimento assegura, pelo que desta relação de acessoriedade decorre que a hipoteca deverá, em princípio, manter-se apenas enquanto durar o crédito garantido. 17.ª – No caso destes autos e no âmbito da oposição à execução deduzida pelos executados/opoentes, o tribunal declarou extinta por prescrição a obrigação exequenda e, em consequência, declarou extinta a execução (ver parte dispositiva da sentença). 18.ª – A extinção da obrigação exequenda, cujo cumprimento era garantido pela hipoteca, implica a extinção desta (art.º 730º al. a) do Código Civil). No entanto, o M.º Juiz a quo, apreciando esta questão, entendeu que, no âmbito da execução, não há lugar ao seu cancelamento, decisão esta com a qual os recorrentes não se conformam. Na verdade, 19.ª – Destinando-se a hipoteca a garantir o cumprimento da obrigação, se a obrigação garantida se extinguir, a hipoteca deixou de ter qualquer razão que justifique a sua existência, não havendo fundamento para que perdure e se mantenha depois de estar atingida a finalidade que esteve na génese da sua constituição, traduzida na garantia do cumprimento da obrigação. Extinta a obrigação, independentemente da causa da extinção, extingue-se a hipoteca (art.º 730º al. a) do Código Civil) Por outro lado, 20.ª – Parece não ter qualquer justificação ou fundamento, a decisão do M.º Juiz a quo, quando este refere que no âmbito da execução não cabe ao tribunal ordenar o cancelamento da hipoteca. 21.ª – Só que os executados/opoentes, na petição inicial da oposição à execução (verdadeira ação declarativa enxertada na ação executiva, que decorreu com todas as garantias de contraditoriedade e da observância do princípio da igualdade de armas, enxertada na execução) pediram no caso de procedência da exceção de prescrição da obrigação exequenda, com a consequente extinção da execução, que o tribunal ordenasse o cancelamento tanto da penhora como da hipoteca incidente sobre o imóvel identificado no n.º 2 do pedido. Assim, 22.ª – Uma vez que os executados/opoentes deduziram a oposição à execução, será na sentença que aí vier a ser proferida que deverá ser determinado o cancelamento tanto da penhora como da hipoteca em causa. 23.ª – Se tal questão não for decidida na oposição à execução, não se vê, como é que, numa futura ação declarativa, possa o tribunal ordenar o cancelamento da mesma, uma vez que, a obrigação exequenda, ou seja, o direito de crédito já não se encontra na esfera jurídica da exequente. 24.ª – É que a extinção do direito de crédito que era garantido pela hipoteca, independentemente da causa da extinção, tem como consequência a extinção da hipoteca, pelo que, nessa eventual futura ação declarativa, a intentar contra Caixa Geral de Depósitos, SA, esta não terá legitimidade nem formal nem substancial para contestar, uma vez que o direito de crédito de que foi titular, já não se encontra na sua esfera jurídica e, por outro lado não tem interesse em contradizer, pois, desse facto não lhe advém qualquer prejuízo ou vantagem. 25.ª – É que a par da legitimidade processual existe a legitimidade material ou substancial. A parte pode ser dotada de legitimidade processual por ser um dos sujeitos processuais, na relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor e ter, por isso, interesse em demandar ou contradizer à luz do art.º 30º do CPC. Contudo, se a parte não tiver o direito material correspondente (legitimidade material ou substantiva) não tem fundamento para apresentar a contestação por, como já acima se referiu, o direito de crédito já não se encontrar na sua esfera jurídica. Aliás, 26.ª – A decisão de mérito, proferida na oposição à execução, que aprecie a relação material controvertida que se discute na causa, uma vez transitada em julgado, tem a virtualidade de ter força obrigatória tanto dentro como fora do processo em que foi proferida, tornando-se vinculativa e constituindo caso julgado material entre as partes. Assim, 27.ª – Extinguindo-se o direito de crédito que é garantido pela hipoteca, esta, por força do art.º 730º al. a) do Código Civil, extingue-se, razão pela qual parece não ter fundamento a decisão do M.º Juiz a quo no sentido de o cancelamento da hipoteca só poder ter lugar fora do âmbito da execução. 28.ª – O M.º Juiz a quo, ao não ter ordenado, na parte dispositiva da sentença sob recurso, o cancelamento tanto da penhora como o cancelamento da hipoteca, uma e outra incidentes sobre o imóvel identificado nos autos, de que os recorrentes são proprietários, cometeu um erro de julgamento por inadequada interpretação e aplicação da lei (art.ºs 607º, 608º e 732º n.º 6 do CPC e art.º 730º al. a) do Código Civil). Terminam requerendo que, mantendo-se o decidido quanto à parte que lhes foi favorável, seja aditada ao dispositivo da sentença a ordem de cancelamento da penhora sobre o imóvel e de cancelamento da hipoteca que sobre ele recai, inscrita pela Apresentação n.º 4038 em 19/02/2009, a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A.. Recebidos os autos nesta Relação, em 28 de Novembro de 2023 foi proferido despacho, pela ora relatora, dando conta da possibilidade de vir a ser tida por improcedente a excepção de prescrição e ordenou a audição das partes quanto às demais questões objecto do litígio, nos termos do disposto no art.º 665º, n.ºs 2 e 3 do CPC (cf. Ref. Elect. 20780130). Por requerimento de 12 de Dezembro de 2023, os embargantes C e outros vieram reiterar que a exequente não indicou os critérios que utilizou para apurar o valor da quantia exequenda, incluindo, quanto aos juros remuneratórios, a data a partir da qual os calculou e a taxa aplicada, nem a data a partir da qual calculou os juros moratórios, pelo que a obrigação exequenda não reúne os requisitos previstos no art.º 713º do CPC, sustentando que deve manter-se inalterada a decisão recorrida e, assim se não entendendo, concluir-se que o requerimento executivo não reúne os pressupostos para que a execução possa prosseguir, com o respectivo indeferimento (cf. Ref. Elect. 665136). * II – OBJECTO DO RECURSO Quando a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, o recorrente pode restringir o recurso a qualquer delas, especificando no requerimento a decisão de que recorre – cf. art.º 635º, n.º 2 do CPC. Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, n.º 3, do CPC), contudo o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cf. n.º 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso. Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, ou seja, a pronúncia do tribunal ad quem apenas poderá incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo ser confrontado com questões novas - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 139. Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, perante as conclusões da alegação dos embargantes/apelantes e da embargada/apelante, o objecto dos presentes recursos consiste na apreciação do seguinte: a) Da prescrição da obrigação exequenda, prazo aplicável e início do seu curso; b) Do cancelamento da penhora e da hipoteca; c) Da liquidez da obrigação exequenda. Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir. * III - FUNDAMENTAÇÃO 3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO A decisão recorrida considerou demonstrados os seguintes factos: 1. Entre a Caixa Geral de Depósitos, S.A. (na qualidade de mutuante) e C e D (na qualidade de mutuários), foi outorgada a escritura pública de “MÚTUO COM HIPOTECA”, datada de 25.02.2009, cuja cópia se mostra junta com o requerimento executivo e o teor se dá por reproduzido. 2. Por via da referida escritura, a exequente, no exercício da sua actividade bancária, concedeu aos executados/opoentes, “um empréstimo da quantia de cem mil euros, importância de que estes se confessam, desde já, devedores”. 3. Mais estipularam as partes, “Que em garantia: a) do capital emprestado, no referido montante; b) dos respectivos juros até à taxa anual de oito vírgula duzentos e quarenta e seis por cento, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal; e c) das despesas extrajudiciais que a parte credor fizer, incluindo as despesas para segurança ou reembolso dos seus créditos e as emergentes do presente contrato, que para efeitos de registo se fixam em quatro mil euros, a parte devedora constitui hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, SA, sobre o seguinte imóvel: Fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao terceiro andar, esquerdo, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado na Praça da ..., n.º .., localidade e freguesia de Venteira, concelho de Amadora, descrito na primeira Conservatória do Registo Predial de Amadora sob o número oitocentos e vinte e seis, da dita freguesia, afecto ao regime da propriedade horizontal, nos termos da Apresentação vinte e oito, de um de Setembro de il novecentos e noventa e sete, com a aquisição registada a favor da parte devedora, nos termos da Apresentação trinta e seis, de dez de Dezembro de mil novecentos e noventa e sete, achando-se o prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1626; Que atribuem ao imóvel hipotecado o valor de cento e cinquenta mil euros;” 4. A referida hipoteca encontra-se inscrita a favor do exequente pela AP.4038 de 2009/02/19 (cf. cópia da certidão de teor predial junta com o requerimento executivo). 5. A aquisição, por compra, da referida fracção “I”, sobre a qual recai a hipoteca supra identificada, encontra-se registada a favor dos executados/opoentes A e B, pela AP.2266 de 2012/04/11 (cf. cópia da certidão de teor predial junta com o requerimento executivo). 6. De acordo com o Documento Complementar que acompanha a referida escritura pública: “6ª (Prazo de carência do empréstimo) O prazo de carência do capital do empréstimo não poderá exceder doze meses, a contar da data do presente contrato. 7ª (Pagamento dos juros) Durante o período de carência não há lugar a amortização do capital do empréstimo e, os juros, calculados dia a dia, serão liquidados e pagos no final de cada mês. Posteriormente serão incluídos nas prestações adiante referidas na cláusula décima. 8ª (Prazo da amortização) O prazo para a amortização do empréstimo é de quinze anos a contar de hoje. 9ª (Prestações) 1- O empréstimo será amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros vencendo-se a primeira no dia correspondente do mês seguinte ao último mês do período de carência e as restantes em igual dia dos meses seguintes. […] 14ª (Incumprimento/Exigibilidade Antecipada) 1 —A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente: a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação deste contrato; b) Incumprimento pela parte devedora de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a Caixa ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo; c)Venda, permuta, arrendamento, cedência de exploração ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da Caixa, dos bens que que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte do uso corrente; d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto, arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens; e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito; 2- Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados. 15ª (Vencimento Antecipado) A parte credora poderá, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca se e quando: a) A parte devedora deixe de cumprir qualquer das cláusulas deste contrato, designadamente quando vencida e não paga qualquer das prestações referidas e não haja prorrogação, renovação, reforma ou substituição permitida pela parte credora; b) O bem ora hipotecado vier a ser objecto de execução, arresto, penhora ou de outra forma de apreensão judicial, alienado, locado, objecto de consignação de rendimentos ou, de algum modo, onerado ou desvalorizado, sem que para tanto haja autorização da parte credora; c) A parte devedora deixe de pagar pontualmente todas as contribuições, taxas ou impostos a que se encontre obrigada, nomeadamente perante o Fisco e a Segurança Social e de comprovar esses pagamentos sempre que tal lhe seja solicitado pela parte credora e esta considerar que a situação de mora no cumprimento de tais obrigações implica um aumento de risco de crédito.” 7. A exequente elaborou as cartas datadas de 18.11.2016, juntas com o articulado da contestação, relativas à abertura e encerramento do PERSI, aí identificando como destinatários os executados/opoentes C e D. 8. A exequente remeteu aos executados/opoentes C e D – por correio registado com aviso de recepção, cujos avisos de recepção vieram devolvidos sem que nos mesmos tivesse sido aposta qualquer assinatura dos destinatários –, as cartas datadas de 12.08.2021, com o seguinte teor: 9. A exequente remeteu aos executados/opoentes as cartas datadas de 16.12.2021, com o seguinte teor: * 3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO 3.2.1. Da prescrição da obrigação exequenda Tendo presente que o título executivo é constituído por um mútuo bancário, celebrado no dia 25 de Fevereiro de 2009, em que o empréstimo deveria ser amortizado em prestações mensais constantes, de capital e juros, vencendo-se a primeira no dia correspondente do mês seguinte ao último mês do período de carência e as restantes em igual dia dos meses seguintes, tendo ficado estipulado que a Caixa podia considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de incumprimento pela parte devedora, de qualquer obrigação do contrato, a decisão recorrida, afirmando estar demonstrado que os executados mutuários interromperam o pagamento das prestações em 25 de Janeiro de 2011, nada mais tendo pago para efeitos do reembolso e que, de acordo com as cláusulas 14º e 15ª do documento complementar, a exequente podia, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a hipoteca se a parte devedora deixasse de cumprir qualquer das cláusulas do contrato, designadamente, quando vencida e não paga qualquer das prestações, considerou que a exequente tinha lançado mão desse direito. Isto é, que a embargada considerou vencida toda a dívida em 25 de Janeiro de 2011, data a partir da qual calculou os juros sobre a totalidade da dívida vencida, como decorre do seu requerimento executivo e da operação de liquidação da obrigação exequenda e veio exigir o pagamento da totalidade das prestações acordadas, através da presente execução. Mais se considerou na decisão que a exequente o fez num momento – 10 de Março de 2022- em que há muito se encontrava prescrito todo o direito de crédito exequendo, convocando a aplicação do prazo previsto no art.º 310º, e) do Código Civil e a jurisprudência fixada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência[2] n.º 6/2022. A exequente/embargada insurge-se contra o assim decidido argumentando o seguinte: - Está junta aos autos a carta de 12 de Agosto de 2021, mediante a qual os embargantes mutuários foram informados do valor total da dívida; - Verificado o incumprimento do plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltar a assumir a sua natureza original de capital e juros, sendo o prazo de prescrição aplicável o ordinário, de vinte anos, não sendo aplicável a jurisprudência do aludido acórdão, que respeita a prestações periódicas que, no caso, deixaram de existir; - Mesmo que assim se não entenda, conforme o que decorre das cláusulas do contrato, o vencimento imediato da totalidade das prestações não é automático, dependendo de manifestação de vontade nesse sentido por parte da credora, pelo que até à comunicação aos mutuários para pagar o valor integral em dívida, que ocorreu em 12 de Agosto de 2021, se manteve o plano de vencimento das prestações, não estando prescritas todas elas, por não se ter vencido todo o crédito na data do incumprimento da primeira prestação. Nas suas contra-alegações, os embargantes/titulares do bem hipotecado referem que não está provado que a carta de 12 de Agosto de 2021 tenha sido expedida, pois que os avisos de recepção foram devolvidos sem qualquer assinatura, pelo que não existiu interpelação antes da citação verificada a 7 de Abril de 2022; mais referem que no requerimento executivo, a exequente afirma que os mutuários deixaram de pagar a partir de 25 de Janeiro de 2011 e que tal facto determinou o vencimento de toda a dívida, pelo que a partir dessa data a exequente podia exigir o pagamento da totalidade da dívida e não o fez, daí que, sendo aplicável o prazo prescricional de cinco anos, a obrigação exequenda está prescrita. O art.º 310º do Código Civil estatui que prescrevem no prazo de cinco anos as prestações expressamente mencionadas nas respectivas alíneas a) a f) do mencionado normativo legal e, residualmente, “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis” (alínea g)). Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2020, processo n.º 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1[3], prestações “periodicamente renováveis” são “as que resultam de uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, prestações essas caracterizadas pela presença de uma nota de autonomia de cada uma delas dentro de um programa contratual em curso, em que existe uma conexão intrínseca entre as prestações e os diversos espaços temporais em que é possível seccionar a sua duração global”. É sabido também que o fundamento da fixação deste prazo quinquenal, por contraposição ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos estabelecido no art.º 309º do Código Civil, radica no interesse de protecção do devedor, ou seja, tem por fim evitar que, por inércia do credor quanto à exigência das prestações periodicamente renováveis, estas se acumulem, tornando excessivamente oneroso o pagamento a cargo daquele, considerações que não podem deixar de ser aplicáveis no caso de quotas de amortização de capital, pois que com elas se pretendeu precisamente suavizar o reembolso do capital e tratá-lo como juros. Ou seja, não seria aceitável que se admitisse o concurso de duas prescrições distintas sobre uma obrigação que as partes tinham como unitária e incindível, o que sucederia se se aplicasse a um dos elementos da quota – a parcela do capital – o prazo de prescrição ordinária e a outra – os juros – a prescrição curta. Assim, a doutrina e a jurisprudência foram entendendo que o plano de amortização transforma a dívida numa série de prestações em termos periódicos por um longo número de anos - o que também pode conduzir a uma acumulação de valores atrasados, o que faria incorrer o devedor no risco de incapacidade de solver a dívida -, assumindo que num contrato de financiamento deste género está em causa uma obrigação fraccionada ou repartida. Isto é, não se trata de uma obrigação periodicamente renovável, em termos estritos, mas sim de uma obrigação única, cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações, a pagar em datas diferidas, até que o montante da dívida se encontre completamente pago. Como tal, embora seja uma obrigação única, porque o seu cumprimento tem lugar através de prestações fraccionadas no tempo - como é o caso das prestações mensais sucessivas que constam de um plano de amortização alegadamente acordado entre as partes -, compostas por uma parte de capital e outra parte pelos juros, deve considerar-se aplicável às quotas de amortização do capital o regime da prescrição quinquenal estabelecido na alínea e) do art.º 310º do Código Civil. Ora, quanto à aplicação do prazo de cinco anos às quotas de amortização do capital e juros não parecia existir dissonância na doutrina e na jurisprudência, desde que o plano de amortização inicial se mantivesse inalterado. Se tal se modificasse, por via, designadamente, do seu incumprimento, ocorrendo a antecipação do vencimento de todas as prestações, então, entendiam uns que perante o vencimento antecipado se mantinha o prazo de prescrição de cinco anos e outros, que se passaria a aplicar ao capital em dívida a prescrição ordinária – cf. seguindo o segundo entendimento, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral Tomo IV 2007, pp. 174-175 – “[…] numa ocasião pode suceder que, por força do contrato, o não pagamento de uma prestação provoque o vencimento das restantes; pois bem: a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois este é o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de… quotas de amortização” (entendimento, aliás, reiterado pelo autor na anotação ao art.º 310º in Código Civil Comentado, I – Parte Geral, CIDP 2020, pág. 892). A primeira posição vinha sendo seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça. A segunda era observada por parte jurisprudência das Relações[4], que considerava que o vencimento imediato das prestações restantes significava que o plano de pagamento escalonado antes acordado deixava de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, de modo que, desmontado o plano de amortização, os valores em dívida voltavam a assumir a sua natureza original de capital e de juro, não subsistindo nenhuma razão para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional, daí que a primeira estaria sujeita ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos e a segunda ao prazo de cinco anos – cf. neste sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-04-2016, processo n.º 525/14.0TBMGR-A.C1 e do Tribunal da Relação de Évora de 12-04-2018, processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1. Na decisão recorrida desprezou-se a relevância da previsão normativa do art.º 781º do Código Civil por as partes terem estipulado no contrato de mútuo a consequência da falta de pagamento das prestações, conforme cláusulas 14ª e 15ª, podendo a mutuante considerar imediatamente vencida toda a dívida e exigir, sem necessidade de aviso, todas as responsabilidades garantidas, considerando que tinha sido o que tinha sucedido, tendo a Caixa considerado vencida a totalidade da dívida em 25 de Janeiro de 2011, data a partir da qual calculou os juros peticionados, pelo que, ao interpor a acção executiva de que estes autos constituem apenso apenas em 10 de Março de 2022, já tinha decorrido o prazo de cinco anos, que teve por aplicável à situação. No que concerne ao prazo prescricional aplicável, importa ter presente que a discussão que se travava quanto à transmutação da obrigação por via do vencimento antecipado das prestações e aplicação do prazo curto de prescrição deixou de subsistir face à publicação do AUJ do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, de 30 de Junho de 2022, publicado no DR I Série de 22 de Setembro de 2022 que uniformizou a jurisprudência no seguinte sentido: “I — No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II — Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” Aí se expendeu a propósito da questão o seguinte: “A considerar-se, como em diversas decisões das Relações (1), que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant). Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam. Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros. E pese embora devermos considerar que, “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados”, como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a “acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor” que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor. Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR -A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis. “Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º”. Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado. A “ratio” das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).” E quanto ao sentido da uniformização de jurisprudência, quanto a saber-se se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido – cf. art.º 306º, n.º 1, 1ª parte do Código Civil), aduz-se o seguinte: “Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que: — No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. — Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” Perante o sentido da uniformização de jurisprudência efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça não podem, como é evidente, ser acolhidos os argumentos invocados pela apelante para sustentar a aplicação do prazo ordinário de prescrição, porquanto, quer o programa contratual de amortização se mantivesse alterado, quer tenha ocorrido, como a apelante pretende, o vencimento antecipado das prestações por via da interpelação que alega ter dirigido aos embargantes para liquidação dos valores em dívida, sempre o prazo prescricional a aplicar seria o de cinco anos, neste último caso, a contar da data da comunicação do vencimento antecipado das prestações. Portanto, quanto ao prazo de prescrição, tem-se por resolvida a questão de que é o de cinco anos previsto no art.º 310º, e) do Código Civil. Questão distinta do prazo de prescrição aplicável e que aqui vem suscitada pela apelante é a de saber o modo como se conta o curso desse prazo, ou melhor, o seu dies a quo. Tal como resulta da jurisprudência firmada pelo AUJ n.º 6/2002, ocorrendo o vencimento antecipado, nos termos do art.º 781.º do Código Civil, das quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, continua a aplicar-se às quotas assim antecipadamente vencidas o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310.º, e) do Código Civil, prazo que se inicia e começa a correr, em relação a todas as quotas assim vencidas, na data em que ocorreu o vencimento antecipado, por ser nesta data que o direito passa a poder ser exercido – cf. art. 306.º, n.º 1 do Código Civil. Sucede que, neste caso – e este é o busílis da questão –, a decisão da 1ª instância considerou que a exequente, porque no seu requerimento executivo liquidou a obrigação de juros a partir de 25 de Janeiro de 2011, data do incumprimento da primeira prestação devida e não paga[5], exerceu a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações por referência a essa data, em que considerou vencida a totalidade da dívida, razão pela qual, o prazo de prescrição de cinco anos se contaria desde aí e, como tal, à data da interposição da execução (10 de Março de 2022), estaria prescrita a totalidade da dívida. Ora, não se pode acompanhar este entendimento. Há que ter em atenção, como é doutrina comum, que o art.º 781.º[6] do Código Civil não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento imediato (e automático) de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, constituindo antes um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato todas as prestações, ou seja, o seu funcionamento exige que o credor manifeste a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui. Isto é, exige-se a interpelação – a produção duma declaração receptícia –, pela qual o credor manifeste junto do devedor a sua pretensão de se aproveitar da perda do benefício do prazo decorrente do art.º 781º do Código Civil. Na verdade, tem sido entendido que o imediato vencimento a que se reporta o art.º 781º do Código Civil corresponde apenas à imediata exigibilidade e não que o prazo de pagamento de todas as prestações seja o da primeira prestação em falta. Tal como explicita João Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª edição, pág. 52: “Se o comprador faltar ao pagamento de qualquer delas, imediatamente se vencerão, por força do preceito transcrito [] todas as que ainda estejam em dívida. O inadimplemento do devedor, quebrando a relação de confiança em que assenta o plano de pagamento escalonado no tempo, justifica a perda do benefício do prazo quanto a todas as prestações previstas para futuro. O credor fica, por conseguinte, com o direito de exigir a realização, não apenas da prestação a que o devedor faltou, mas de todas as prestações restantes, cujo prazo ainda se não tenha vencido. Assim se deve interpretar o texto do artigo 781º, e não no sentido de que, vencendo-se imediatamente, ex vi legis, as prestações restantes, o devedor comece desde esse momento a responder pelos danos moratórios. O vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindido consequentemente da interpelação do devedor.” No mesmo sentido, ao que se depreende, veja-se Pedro Romano Martinez, in Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, Coordenação António Menezes Cordeiro, CIDP 2021, pág. 986: “[…] a expressão “importa o vencimento de todas” pode ser interpretada como mais uma hipótese de exigibilidade antecipada, que acresce às previstas no 780º; sendo qualificada como exigibilidade antecipada […] tendo o devedor faltado ao pagamento de uma prestação, o credor pode interpelá-lo, reclamando o cumprimento das demais prestações. Na falta de interpelação, pese embora o incumprimento de uma prestação, as prestações seguintes vencem-se na data prevista. Como a norma é supletiva, mesmo seguindo a via interpretativa de se tratar de exigibilidade antecipada, nada obsta a que se convencione o vencimento automático.” Não se discernindo razões para se afastar esta interpretação, para a qual, aliás, propende a maioria da doutrina e da jurisprudência, tem de se concluir que o vencimento antecipado a que alude o art.º 781º do Código Civil depende da interpelação ao devedor pelo credor, exigindo o pagamento ou o cumprimento de todas as prestações, vencidas na sequência da falta de pagamento de uma prestação. Todavia, não sendo a norma do art.º 781º do Código Civil uma norma imperativa, a existir uma qualquer cláusula estipulada num contrato, atribuindo outras consequências à mora do devedor será esta a prevalecer, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Código Civil. Acresce que, nos termos do disposto no art.º 782º do Código Civil, a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que tenha assumido uma garantia pessoal (fiança ou aval) ou tenha dado um bem seu em garantia da obrigação (hipoteca ou penhor) – cf. Ana Prata, Código Civil Anotado, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 1016. No caso em apreço, face ao teor das cláusulas que as partes consignaram no documento complementar ao contrato de mútuo que celebraram, designadamente as cláusulas 14ª e 15ª reproduzidas no ponto 6. dos factos provados, crê-se ser de retirar que aquelas apenas pretenderam remeter para o já estatuído no art. 781º do Código Civil, pois que ali apenas se consignou que em caso de incumprimento pela parte devedora, a Caixa “poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento” (cf. n.º 1 da Cláusula 14ª) e que a “parte credora poderá, sem necessidade de aviso, considerar imediatamente vencidas e exigíveis todas as responsabilidades garantidas e executar a constituída hipoteca” (Cláusula 15ª). Ou seja, em nenhuma dessas cláusulas se verteu uma qualquer alusão a “vencimento automático” das prestações ou imediato, decorrente da mera verificação do incumprimento, expressão que, a ter sido incluída, poderia permitir a asserção de que as partes teriam querido estipular o vencimento imediato de todas as prestações independentemente de interpelação, tendo elas feito consignar apenas que esse era um direito da Caixa, logo, que esta o poderia exercer ou não. A mera referência ao direito do banco a considerar o empréstimo vencido, tornando exigível todo o montante em dívida viabiliza a ilação de que as partes apenas pretenderam remeter para o regime constante do preceito acima referido, ou seja, consignando o direito do credor a exigir o cumprimento de todas as prestações, perdendo o devedor o benefício do prazo. Assim, neste caso, para que a exequente pudesse exigir dos executados a totalidade da dívida tinha de proceder à sua interpelação, dando-lhes conta de que considerava vencidas todas as prestações acordadas. A apelante vem sustentar que tal sucedeu com a remessa aos executados/mutuários, C e D, da carta de 12 de Agosto de 2021, em que lhes teria exigido o pagamento da totalidade das prestações vencidas. Porém, por um lado, do teor dessa carta extrai-se, tão-somente, que a exequente exigiu o pagamento dos valores vencidos, pois que nela declarou, relativamente à operação com o número PT 00350148000999985[7], que se mantinha ainda um capital vincendo de 21 625,83 €, para além de advertir que, “não sendo liquidados os referidos valores, serão dadas por integralmente vencidas a totalidade do capital mutuado em dívida, juros e demais encargos”, o que só pode significar que a exequente comunicou o montante até então em dívida, exigindo esse pagamento, mas não comunicou nem considerou vencida a totalidade da dívida. Por outro lado, mesmo que assim não fosse – que é -, sempre se tornaria inviável tomar os mutuários como interpelados para o pagamento da totalidade da dívida, pois que não resultou demonstrado que as cartas por eles tenham sido recebidas, atenta a devolução dos avisos de recepção, sem qualquer assinatura aposta. Ora, tratando-se a interpelação de uma declaração receptícia, a sua eficácia exige que tenha chegado ao conhecimento do destinatário, facto que não se mostra demonstrado nos autos, antes pelo contrário - cf. art.º 224º do Código Civil (sendo certo que a apelante não impugnou a matéria de facto apurada). De igual modo, nada de útil se pode retirar do ponto 9. dos factos provados, onde se alude apenas à remessa aos executados de cartas, com data de 16 de Dezembro de 2021, em que a Caixa comunicava a perda do benefício do prazo e o vencimento antecipado de todas as quantias, sendo que também quanto a estas nenhuma prova foi efectuada quanto à sua eventual recepção pelos executados. Na falta de demonstração de uma efectiva interpelação dos embargantes, seja dos mutuários, seja dos prestadores da garantia de hipoteca, para pagamento da totalidade da dívida vencida e tendo-se referido que o art. 781.º do Código Civil não prevê, em caso de falta de realização de uma prestação, o vencimento imediato (e automático) de todas as prestações previstas para a liquidação da obrigação, constituindo antes um benefício/faculdade que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato todas as prestações, revelando a intenção do credor de se aproveitar do benefício que a lei lhe atribui, não pode considerar-se que tal interpelação aconteceu em Janeiro de 2011, ou seja, 9 anos antes de ter sido exteriorizado o primeiro sinal inequívoco de que a exequente pretendia aproveitar-se da perda do benefício do prazo, ou seja, ao momento da instauração da execução (com citação a 7 de Abril de 2022 – cf. Ref. Elect. 20890059). Como disso se dá expressa nota no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2022, processo n.º 554/20.5T8AGH.L1.S1 mencionado pela recorrente, o credor, tal como tem a faculdade de exigir o pagamento imediato de todas as prestações, tem também a faculdade de não exigir esse pagamento imediato e, enquanto o não fizer, o devedor não fica constituído em mora (a não ser naquelas prestações que se forem vencendo de acordo com o plano prestacional) e não se inicia o curso da prescrição (cf. art. 306.º, n.º 1 do Código Civil) em relação a montantes/prestações que ainda não são exigíveis. Também neste sentido, veja-se o que, a propósito, se explicita no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6-10-2022, processo n.º 3254/21.5T8GMR-A.G1: “[…] o prazo de prescrição da totalidade da dívida não se inicia no momento em que o credor podia despoletar a perda do prazo, mas o não faz, mas tão só do momento em que fez operar o vencimento antecipado das prestações (que pode não coincidir com as primeiras prestações não pagas […]). É que se se entender que o prazo de prescrição começa a contar do momento em que a entidade bancária pode usar da prerrogativa de considerar vencida toda a prestação (ou de resolver o contrato) significaria que caso o credor deixasse correr mais de cinco anos sobre o primeiro incumprimento, não só sofreria a inexigibilidade das prestações prescritas imposta pelo citado artigo 310º nº 1 alínea e) do Código Civil, como também veria prescrita a possibilidade de resolver o contrato no futuro, com base em outras obrigações não prescritas e não pagas, o que não tem qualquer cabimento nem na letra, nem no espírito da lei. O que está sujeito à prescrição de cinco anos são as obrigações pecuniárias de amortização do capital pagáveis com os juros, não o direito a resolver o contrato ou a recorrer à possibilidade de fazer operar a perda do benefício da perda do prazo com base no incumprimento. Estes direitos prescrevem no prazo geral de vinte anos. […] é a data de vencimento atribuída à obrigação, no uso da prerrogativa de que beneficia o credor (e dentro dos seus limites) que é de considerar: não é possível dissociar o início do prazo da prescrição da data em que a obrigação global se considera vencida e exigível.” Significa isto que, neste caso, na falta de interpelação anterior dirigida aos devedores, com vista ao vencimento antecipado das prestações, até à citação na execução, manteve-se o plano de vencimento das prestações, logo, não estão prescritas as prestações que naquela data ainda não estavam vencidas (atente-se que o programa contratual previa um prazo de 15 anos a contar da data da sua celebração, em 25 de Fevereiro de 2009, pelo que o seu termo só ocorreria em 25 de Fevereiro de 2024) e/ou que se haviam vencido há menos de 5 anos (ou seja, as prestações vencidas em data posterior a Março de 2017). Em síntese: = no decurso do ano de 2016, prescreveram as primeiras prestações incumpridas pelos embargantes e vencidas a partir de 25 de Janeiro de 2011, data do início do incumprimento pelos mutuários; = também se encontram prescritas em 2022 (no 5º dia posterior à instauração da execução, que teve lugar em 10 de Março de 2022 – cf. art.º 323º, n.º 2 do Código Civil), as prestações vencidas depois de 2011 até à prestação de Março de 2017, pela decorrência do prazo de cinco anos; = mas relativamente às prestações vencidas depois de Março de 2017 e mais ainda sobre as que se venceram antecipadamente em 2022, não decorreu o prazo prescricional de cinco anos até ao 5º dia posterior à data da instauração da execução. Assiste, assim, razão à recorrente, pois que se impõe reconhecer que o crédito exequendo apenas parcialmente se mostra prescrito, o que implica que a execução se extingue também apenas parcialmente, devendo prosseguir para cobrança do crédito vencido e não pago – cf. art.º 732º, n.º 6 do CPC; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3ª Edição, pág. 477. Em face disto, devendo a execução prosseguir para cobrança das prestações não pagas vencidas depois de Março de 2017 (mantendo-se devidas e exigíveis as vencidas desde aí), não pode, naturalmente, ser levantada a penhora, nem a hipoteca ser extinta e cancelada a respectiva inscrição registal, garantias que se mantêm para assegurarem a cobrança coerciva do valor em dívida, sendo certo que não há notícia de ter existido expurgação da hipoteca – cf. art.ºs 601º, 686º, 697º, 721º, 730º, a) a contrario, 817º e 818º do Código Civil e art.ºs 54º, n.º 2, 735º, n.º 2, 817º do CPC. Nesta sede, resulta prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelos embargantes A e B no seu recurso, que visavam, precisamente, o levantamento da penhora e o cancelamento da hipoteca – cf. art.ºs 608º, n.º 2 ex vi 663º, n.º 2 do CPC. Contudo, para além de suscitar a prescrição da obrigação exequenda, os embargantes suscitaram a questão da iliquidez da obrigação (e não propriamente, como identificaram, a inexequibilidade do título), pelo facto de, segundo eles, no que concerne aos juros e comissões estes permanecerem por liquidar, embora, segundo referem, a sua liquidez dependa de simples cálculo aritmético, devendo a exequente indicar as operações que efectuou e os factos em que se baseou, o que não fez, pelo que a obrigação não reveste as características indicadas no ponto 22. do requerimento executivo (ser certa, líquida e exigível), questão não apreciada por ter ficado prejudicada em face do decidido quanto à prescrição. No entanto, atento o estatuído no art.º 665º, n.º 2 do CPC, importa agora conhecer de tal matéria. Nos termos do art. 716º, n.º 1 do CPC, sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido. Uma qualquer liquidação implica um cálculo aritmético, mas necessariamente um cálculo aritmético juridicamente relevante, quanto aos factos em que se baseia e, bem assim, aos efeitos que dela decorrem. Tendo em conta o tratamento processual a conferir aos factos, o regime da liquidação distingue-se em liquidação dependente de simples cálculo aritmético e liquidação não dependente de simples cálculo aritmético. A primeira tem lugar por referência a factos que estão claramente definidos no título executivo ou que podem ser oficiosamente conhecidos pelo Tribunal e agente de execução, tais como os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permite esse conhecimento, como sucede na execução de juros moratórios, em que os factos são o montante do capital mutuado, a data de celebração do contrato, o prazo decorrido e a taxa de juro convencionada ou quando a liquidação da prestação remete para o saldo de uma conta corrente. Já na liquidação não dependente de simples cálculo aritmético há também lugar a um cálculo aritmético, mas que contende com matéria de facto que não está abrangida pela segurança do título executivo, ou factos que não são notórios ou de conhecimento oficioso e que, como tal, são susceptíveis de discussão, como quando se pede em execução de sentença o pagamento compulsivo do capital e juros de um empréstimo, além de despesas judiciais e extrajudiciais, cujo montante global foi calculado em quantia certa na petição inicial, mas a execução depende do apuramento de factos e consequente apreciação valorativa, por exemplo, quanto aos montantes das amortizações efectuadas e sua imputação (se ao capital, se aos juros), à discriminação das despesas da execução e modo de liquidação, questões que devem ser apreciadas judicialmente, num processo declarativo acessório, que é o incidente de liquidação – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 446. Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-03-2019, processo n.º 5576/17.0T8LSB.L1-1: “… A liquidação dependerá de simples cálculo aritmético quando a mesma possa realizar-se exclusivamente com base no que consta do título executivo e, por isso, sem recurso a quaisquer elementos a ele estranhos, como sucederá, por exemplo, nos casos da liquidação da obrigação de juros…”. Castro Mendes considera que ainda nos encontramos no domínio do simples cálculo aritmético quando este se “baseie em números que possam ser provados por documentos juntos com o requerimento inicial”. Por seu turno “a liquidação que não depende de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, um cálculo aritmético, assenta em factos (i.e., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem do conhecimento oficioso, são passíveis de controversão”. Em face do exposto temos que a distinção entre depender ou não de simples cálculo aritmético assenta fundamentalmente na ideia de que a liquidação se basta ou não com o simples fazer contas, trabalhar com números, em que a controversão possível é apenas relativamente à exactidão desses números e dos correspondentes cálculos. E daí que adiramos à posição expressa por Castro Mendes, pois que nesses casos não estamos perante uma indagação factual (susceptível de controversão e produção de prova) necessária a apurar um valor necessário para o cálculo mas apenas perante a mera obtenção de um valor numérico cuja exactidão pode ser imediatamente verificada.” Na liquidação por simples cálculo aritmético o exequente deve especificar no requerimento executivo os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir por um pedido líquido – cf. art.ºs 724º, n.º 1, h) e 716º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Nesses casos, o exequente terá apenas de enunciar as operações efectuadas, ou seja, os dados de que partiu e o resultado alcançado, sendo que tais elementos serão, ainda assim, sujeitos ao contraditório a exercer através de embargos de executado – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II – Processo de Execução, Processos Especiais e Processo de Inventário Judicial, 2020, pág. 47. Tal sucede, designadamente, como é o caso dos autos, quando continuam a vencer-se juros, situação em que o exequente deve enunciar no requerimento executivo a liquidação dos juros vencidos, de acordo com o título executivo e a natureza da obrigação, sendo os vincendos liquidados a final pelo agente de execução –cf. art.º 716º, n.º 2 do CPC. Ora, como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-10-2012, processo n.º 2073/10.9T2AVR.C1, “para que se possa falar em obrigação ilíquida é necessário que o seu valor não esteja apurado ou não seja conhecido das partes (ou, pelo menos, do devedor), quer porque está dependente de factos ou operações adicionais que ainda não ocorreram ou não foram realizadas, quer porque esses factos ou operações ainda não foram levados ao conhecimento do devedor, de tal forma que este não está em condições de saber qual o exacto conteúdo da sua obrigação”. Não é o que sucede na situação sub judice. Com efeito, baseando-se a execução em contrato de mútuo e decorrendo das respectivas cláusulas e, bem assim, das que integram o documento complementar, o valor mutuado e a taxa anual com base na qual seriam calculados os juros e a sobretaxa devida – cf. cláusula 3ª do documento complementar e, bem assim, o modo de cálculo dos juros moratórios – cf. cláusula 4ª do documento complementar – e as despesas devidas, e tendo a exequente indicado o valor em dívida e apresentado a data a partir da qual contabilizou juros e o montante das comissões devidas, não se pode deixar de reconhecer que procedeu à liquidação da obrigação exequenda, tal como lho impunham os normativos supra citados. Nada obsta, contudo, que os executados coloquem em crise os valores contabilizados e o modo como foram calculados, designadamente, com base nos critérios que resultam do título executivo, mas isso não significa que a obrigação não seja líquida e exequível. Acresce que em face do reconhecimento da prescrição parcial da dívida exequenda sempre se imporá, ou será aconselhável, que, antes do prosseguimento da execução, o tribunal recorrido, fazendo apelo ao seu dever de gestão processual e ao princípio da cooperação, convide a exequente a corrigir a liquidação efectuada, com base no ora decidido – cf. art.ºs 551º, n.º 1, 6º e 7º do CPC. Por fim, cumpre apenas referir que, não obstante no final do seu requerimento inicial os embargantes tenham sustentado a extinção da execução por falta de título executivo porque, previamente à sua instauração, a embargada não interpelou cada um dos executados comunicando a resolução do contrato de mútuo e declarando vencida a totalidade das prestações, certo é que transcorrida tal petição inicial não se encontra correspondência na alegação que integre a causa de pedir de um tal pedido, ao menos com essa amplitude. De todo o modo, sempre se dirá que, conforme resulta do anteriormente expendido, está demonstrado que não existiu interpelação prévia à instauração da execução seja aos executados/mutuários, seja aos executados/garantes. Sabe-se também que quando a obrigação está sujeita a prazo, enquanto este estiver a decorrer, o credor não pode reclamar a realização da prestação, porque o prazo é concedido justamente como lapso de tempo de que ele dispõe para cumprir. A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor. O vencimento da totalidade das prestações do mútuo dependia, no caso, como se viu, de uma interpelação da embargada dirigida aos executados, comunicando que se prevalecia desse direito de considerar vencidas todas as prestações por força do incumprimento de uma delas, sucedendo, porém, que a falta de comunicação do banco aos embargantes implica tão-só que a obrigação apenas se considera vencida com a sua citação, tal como resulta do disposto no art. 610º, n.º 2, b) do CPC. O que vale por dizer que a falta de interpelação dos embargantes releva tão-somente para efeitos da contagem dos juros moratórios, que se começam a contar desde a citação. Assim, a falta de interpelação dos embargantes, não sendo exigida para preenchimento da livrança, vem a ser suprida pela citação para os termos do processo executivo, relevando esta como o momento em que a prestação passa a ser exigível, por com aquela ocorrer o vencimento da dívida – cf. art. 610º, n.º 2, b) do CPC – e ainda para efeitos de constituição do devedor em mora – cf. art. 805º, n.º 1 do Código Civil -, daí que se deva entender, tal como concluiu o tribunal recorrido, que os juros de mora devem ser calculados apenas desde a data da citação, o que relevará para efeitos da liquidação da obrigação (que, como se viu, carece de ser corrigida, em conformidade com o ora decidido). Procede, parcialmente, a apelação. * Das Custas De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria. A embargada/recorrente decai apenas parcialmente quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo e dos apelados, na proporção do respectivo decaimento. Quanto ao recurso deduzido pelos embargantes A e B, não se constatando a existência de despesas integrantes do conceito de encargos e não tendo existido intervenção da recorrida, não tem esta qualquer direito de crédito a título de custas de parte no confronto dos recorrentes, sendo que se mostra paga a taxa de justiça devida[8], não havendo lugar ao pagamento de custas stricto sensu (encargos e custas de parte). * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que se substitui pela seguinte: a. julgar parcialmente procedente a oposição à execução por embargos de executado, na matéria atinente à excepção de prescrição, declarando prescritas as prestações decorrentes do contrato de mútuo referido no ponto 1. dos factos provados vencidas em datas pretéritas a Março do ano de 2017, devendo a execução prosseguir para cobrança do demais peticionado. Custas do recurso interposto pela Caixa Geral de Depósitos, S. A. a cargo da apelante e dos apelados, na proporção do respectivo decaimento. * Lisboa, 6 de Fevereiro 2024 Micaela Marisa da Silva Sousa Cristina Coelho (alterei a minha posição face ao teor do AUJ 6/2022). Rute Sabino Lopes _______________________________________________________ [1] Adiante designado pela sigla CPC. [2] Adiante designado pela sigla AUJ. [3] Acessível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem. [4] Como disso se dá conta no acórdão daquele Tribunal de 10-09-2020, supra mencionado, onde se identificam as decisões proferidas num sentido e outro e para onde se remete. [5] Cf. ponto 15. do seu requerimento executivo. [6] “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.” [7] Correspondente à identificação da operação atinente ao contrato de mútuo que deu à execução, conforme consta do requerimento executivo. [8] Cf. Ref. Elect. 23999516. |