Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24210/21.8T8LSB.L2-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
INQUÉRITO PRÉVIO
AMNISTIA
PROCESSO LABORAL
FACTOS NÃO ALEGADOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/24/2024
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 – A apresentação sob o título “Conclusões” de um arrazoado repetitivo da precedente alegação não motiva o indeferimento do recurso, mas sim o convite ao aperfeiçoamento das conclusões que, naquelas circunstâncias, devem ser tidas como deficientes.
2 – A introdução nos autos de matéria não alegada, ainda que eventualmente resultante da prova, pressupõe que se acione em 1ª instância o mecanismo previsto no Art.º 72º do CPT.
3 – As nulidades da sentença, seja por omissão de pronúncia, seja por excesso, seja ainda por contradição, são vícios de forma que afetam a estrutura ou os limites da decisão, não se confundindo com erros de julgamento.
4 – Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador, com funções de gestão, que aprova a emissão de cheques titulando quantias devidas a entidades diversas em benefício de pessoas singulares cuja legitimidade para receber tais quantias não foi aferida.
5 – O início do procedimento prévio de inquérito, desde que seja necessário para fundamentar a nota de culpa, interrompe a contagem do prazo de prescrição do procedimento constante do Art.º 329º/1 do CT, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.
6 – Para aferir da caducidade do poder disciplinar compete ao A. alegar e provar o conhecimento dos factos pelo empregador.
7 – A Lei 38-A/2023 de 2/08 (lei da amnistia) não se aplica em sede de infrações disciplinares laborais de direito privado.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, Autor nos autos à margem identificados, doravante Recorrente, notificado da sentença proferida e com a mesma não se conformando, quer quanto à matéria de facto, mediante a reapreciação da prova gravada infra elencada, quer quanto à matéria de direito, interpõe recurso de apelação daquela decisão.
Pede que se reconheçam as nulidades da sentença nele identificadas, revogando-se a decisão da 1ª Instância, por Acórdão que perfilhe:
A. A reapreciação da matéria de facto, conforme prova gravada em audiência de julgamento, dando como assente e provado (nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 640º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi, art.º 1º do CPT) que:
e) O Ministro do Interior da Guiné-Bissau, esteve presente (em conjunto com o Diretor Financeiro desse mesmo Ministério e do Comissário da Polícia de Ordem Pública) no interrogatório feito na Segunda Esquadra de Bissau (no qual esteve pessoalmente presente aquele Ministro do Interior e o Diretor Financeiro daquele mesmo Ministério) no dia 07.01.2021 ao Dr. BB (Diretor Comercial da Empresa X);
f) No decurso do mencionado interrogatório, o Diretor Financeiro da Empresa X, BB, ficou detido na Segunda Esquadra de Bissau;
g) O Diretor Financeiro da Empresa X, BB ficou ciente de que aquela diligência de interrogatório tinha sido motivada pela alteração do procedimento de pagamento/devolução de valores por créditos detidos por entidades Governamentais, até aí feito a pessoas singulares, facto que era agora colocado em causa pelo Ministério do Interior;
h) Os pagamentos/devoluções a pessoas singulares foram expressamente indicados por escrito em missivas previamente remetidas para esse efeito pelos Ministérios da Guiné-Bissau à Empresa X;
B. A prescrição do procedimento disciplinar,
C. A insusceptibilidade do “inquérito prévio” produzir efeitos interruptivos da contagem dos prazos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 329º do CT, mormente pela sua desnecessidade;
D. A caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar ao Recorrente;
E. A violação do direito de consulta do procedimento disciplinar que fixou a sanção de repreensão registada anteriormente aplicada ao Recorrente;
F. A violação dos direitos constitucionais de defesa do Recorrente, pela Recorrida, bem como do direito ao silêncio (na vertente do direito à não autoincriminação) e à presunção de inocência;
G. A inexistência de um alegado comportamento culposo do Trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho
H. Reconhecendo-se as demais circunstâncias que no caso são relevantes Julgando-se assim procedente a oposição apresentada pelo Trabalhador, condenando-se a Recorrida pela ilicitude do despedimento, procedendo-se à imediata reintegração do Recorrente no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, determinando-se o pagamento de todas as retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento, indemnizando-se aquele por todos os danos patrimoniais causados, a saber: todas as retribuições (incluindo subsídios de férias e de natal) que deixou de auferir desde o despedimento, até ao trânsito em julgado, acrescidas de juros de mora a fixar desde a citação até integral pagamento, descontando-se os valores que aquele tenha auferido não fora o despedimento (Cfr. al. a) do n.º 2 do artigo 390º do CT) e o subsídio de desemprego atribuível ao trabalhador (Cfr. al. c) do n.º 2 do artigo 390º do CT), o qual deverá ser posteriormente entregue pela empregadora à SS, sem dedução do período verificado desde o despedimento até à propositura da ação (Cfr. al. b) do n.º 2 do artigo 390º do CT, a contrario senso), por não ter decorrido/mediado entre aqueles dois momentos o prazo de 30 dias fixado na lei.
Condenando-se a Recorrida nas custas de parte.

Apresentou, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:
1. O carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (Cfr. n.º 3 do art.º  351º do CT) não foram adequadamente considerados na sentença, estando por isso incorretamente julgados (Cfr. al. a) do n.º do art.º 640º do CPC, ex vi art.º  1º do CPT) desde logo face aos depoimentos prestados em audiência de julgamento (Cfr. passagens da gravação infra indicadas), o que impunham decisão diversa.
2. A decisão devia, nomeadamente, ter tido em consideração as circunstâncias inventariadas pelo modo de relacionamento, enquadramento social, jurídico e político que as autoridades da Guiné-Bissau mantinham entre si e com a Empresa X (empresa onde o Recorrente se encontrava destacado, por determinação da Recorrida) que determinaram o comportamento do Trabalhador, o qual naquele enquadramento e conjetura não teve um comportamento culposo.
3. Sem qualquer sentido depreciativo, os factos ocorreram na Guiné-Bissau, jurisdição e latitude com regras e procedimentos muito próprios que foram sobejamente identificados em audiência de julgamento, não tendo o Tribunal a quo levado em devida conta esses aspetos, ao invés do que se impunha, já que a matéria controvertida não teve lugar em Portugal.
4. O dever laboral cuja violação foi imputada ao Recorrente corresponde ao reembolso de dinheiro a pessoas singulares e não a entidades públicas (in casu, Ministérios da Guiné-Bissau), conforme, segundo a Empregadora, deveria ter ocorrido, contudo, constam dos autos as missivas oficiais que a Empresa X (societariamente participada pela Recorrida) recebeu, em papel timbrado do Estado Maior General das Forças Armadas, do Ministério do Interior, do Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, todos da República da Guiné-Bissau, as quais foram subscritas pelos respetivos titulares daqueles mais altos cargos dos mencionados órgãos governamentais Guineenses, ali sendo exarada a manifesta indicação de que os pagamentos deviam ser, precisamente, feitos às pessoas singulares expressamente ali indicadas.
5. É esta a suposta violação, culposa, dos deveres laborais que compõe o motivo alegadamente constitutivo do direito da Recorrida despedir o seu Trabalhador (como mais de 30 anos de antiguidade. Cfr. 1º ponto dos factos provados), com pretensa justa causa, quando a culpa é apreciável, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (Cfr. n.º 2 do art.º 487º do CC) e considerando que a sanção disciplinar deve ser proporcional à culpabilidade do infrator (Cfr. n.º 1 do art.º 330º do CT), atendendo à ponderação feita às circunstâncias do caso. Cfr. n.º 4 do art.º 357º do CT.
6. A sentença considerou provado que: (a) Em 13 de Março de 2017, o Estado Maior General das Forças Armadas remeteu à Empresa X uma carta assinada por CC – identificado como “Coronel” e Chefe da Divisão dos Recursos e Material – a solicitar a devolução em numerário remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro, através de cheque a favor de FF. Cfr. ponto 38 dos factos provados; (b) Em 28 de Março de 2017, o Ministério do Interior remeteu à Empresa X uma carta assinada por DD – identificado como “Coronel” e Diretor de Logística e Património do referido Ministério –, a solicitar a devolução em numerário do remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro, através de cheque a favor de EE. Cfr. ponto 39 dos factos provados; (c) As missivas dirigidas ao autor, requeriam o pagamento de reembolsos a favor de pessoas singulares, acima identificadas sem indicar a relação destas com as referidas entidades ou motivo para receber aqueles reembolsos. Cfr. ponto 40 dos factos provados; (d) Tais cheques a favor de FF foram aprovados e assinados pelo autor ou apenas aprovados por este e assinados por outros colaboradores da Empresa X, a seguir melhor discriminado. Cfr. ponto 41 dos factos provados;
7. O Tribunal a quo considerou que, pela sua natureza e consequências, segundo critérios de objetividade e razoabilidade, a conduta do Trabalhador impossibilita a subsistência do vínculo laboral, porque não deveria ter aprovado reembolsos a pessoas singulares, apesar de isso decorrer (expressamente) do teor das várias missivas que os diversos Ministérios em causa fizeram chegar àquela empresa. Cfr. pontos 38 a 41 e 56 dos factos provados.
8. O Tribunal a quo sufragou aquele entendimento apesar dos Ministérios em causa terem créditos e reembolsos a reclamar à Empresa X, atenta a prova supra elencada e dada como assente (Cfr. pontos 34 e 35 dos factos provados), considerando a este respeito que “a gravidade do comportamento culposo do trabalhador deve ser aferida com base em critérios de objetividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não naquilo que a entidade patronal considere subjetivamente como tal” (Cfr. 3º parágrafo da pág.ª 82 da sentença), isto apesar de incumbir ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo presunção legal de culpa (que é aqui inexistente). Cfr. n.º 1 do art.º 487º do CC.
9. Porém – como ponto fulcral – impunha-se, antes de mais, apurar se existiu alguma lesão concreta para a Recorrida, i.e. um dano pecuniário e a este respeito a Empregadora nunca alegou sequer, quer na nota de culpa, quer na decisão, quer no seu articulado de motivação do despedimento (no qual nem fez qualquer pedido de cariz pecuniário) que o Recorrente tenha causado qualquer dano financeiro à Empresa X ou à própria Petrogal, apesar dos supra citados reembolsos.
10. Bem assim, em nenhum momento a Recorrida alegou, quer na nota de culpa, quer na decisão, quer no seu articulado de motivação do despedimento que qualquer um dos supra identificados Ministérios da Guiné-Bissau (que solicitaram os reembolsos (entretanto concretizados a pessoas singulares, no seguimento das missivas oficiais daquelas entidades governamentais da Guiné-Bissau) à Empresa X) tenham vindo, posteriormente, a reclamar novamente aqueles valores, por alegadamente não os terem recebido.
11. O que aliás nem faria qualquer sentido, pois foram aquelas entidades governamentais [Estado Maior General das Forças Armadas, Ministério do Interior e Ministério da Presidência do Conselho de Ministros (da República da Guiné-Bissau)] que, expressamente, solicitaram os reembolsos às pessoas singulares que melhor consideraram nos respetivos ofícios dirigidos à Empresa X e que pressionaram (veja-se até, na presença de um Ministro de Estado, no decurso de um ato de inquérito policial. Cfr. matéria de facto cuja reapreciação se indicará infra) os Trabalhadores da Empresa X (durante um inquérito policial ocorrido em Janeiro de 2021) nesse sentido.
12. Note-se aliás a este respeito e segundo a sentença: “compulsada a imputação feita ao autor, em nenhum momento, dela se pode retirar, objetivamente, a imputação de factos que constituam a prática de um crime (...) tanto mais que há uma omissão total quanto a benefícios para o autor pela referida prática”. Cfr. 7º parágrafo da pág. 53 da decisão recorrida.
13. De facto, o Recorrente, limitou-se a proceder em conformidade com aquelas missivas, executando o ali solicitado, nomeadamente, com “GG, à data Diretora Administrativa e Financeira da Empresa X” (Cfr. ponto 55 dos factos provados) e com HH (Diretora Geral da Empresa X. Cfr. último parágrafo da pág.ª 46 e do 1º parágrafo da pág.ª 47 da sentença) conforme resulta dos Docs. 58 e 22 juntos com o procedimento de inquérito preliminar da Empresa X (respetivamente indicados na 7ª linha do quadro apresentado na 12ª pág.ª do articulado de motivação do despedimento e na 5ª linha do quadro apresentado na 8ª pág.ª daquela mesma peça processual).
14. Os reembolsos (dos quais deriva a imputação disciplinar formulada contra o Trabalhador) foram feitos a favor de quem havia sido previamente identificado nas cartas, oficiais, enviadas por aquelas entidades governamentais: Estado Maior General das Forças Armadas, Ministério do Interior e Ministério da Presidência do Conselho de Ministros (da República da Guiné-Bissau) e mesmo considerando, nomeadamente, as regras dos art.ºs 523º, 577º, 550º, 770º, al. a), 762º, n.ºs 1 e 3, todos do Código Civil Português, não se descortina sequer qualquer má-fé ou culpa do Recorrente, o qual – naqueles casos concretos, dentro do carácter de relacionamento entre as partes e atentas as demais circunstâncias relevantes. Cfr. n.º 3 do art.º 351º do CT – atuou como um bom pai de família, seguindo as indicações prévias e escritas dos credores, em face das circunstâncias de cada caso.
15. Na nota de culpa, na decisão e no articulado de motivação do despedimento, não foram invocadas, nem imputadas, nem analisadas quaisquer regras jurídicas da Guiné-Bissau, eventualmente aplicáveis à Empresa X que pudessem contrariar aquelas previsões do Código Civil Português, mas ainda assim o Tribunal a quo deu como provado um Regulamento (Cfr. ponto 63 dos factos provados) que – paralelamente – não se deu como provado (nem isso poderia ser referido, pois não foi produzida qualquer prova nesse sentido) que a Recorrida tivesse dado a conhecer aquele documento ao Recorrente e, consequentemente, que este o conhecesse, realidade que teria de ser tida em consideração, sob pena de irrelevância da existência daquele instrumento regulamentar de cariz interno da Petrogal.
16. Não se deu como provado na sentença, nem a Recorrida sequer alegou que: (i) na elaboração do regulamento interno de empresa tenha sido ouvida a comissão de trabalhadores; (ii) o regulamento interno tenha sido afixado na sede da empresa e nos locais de trabalho, de modo a possibilitar o seu pleno conhecimento, a todo o tempo, pelos trabalhadores, sem o que o mesmo não produz efeitos.
17. Só naquele contexto juridicamente cumulativo – consagrado no art.º 99º do CT – é que um regulamento interno produz efeitos e o Tribunal a quo não considerou, sequer, que o Regulamento em causa seja válido ou que produza efeitos, mas tão só que o mesmo existe, dando ainda assim e subsequentemente – com o devido respeito – o salto (i)lógico da violação daquele instrumento por parte do Trabalhador.
18. Aqui, o Tribunal a quo falhou ao não concretizar uma análise crítica da prova respeitante ao ponto 62 dos factos provados, deixando por explicar as ilações daí resultantes, a fim de especificar os fundamentos que terão sido decisivos para a sua convicção, quanto à violação dos deveres aludidos no citado 6º parágrafo da pág. 97 da sentença. Cfr. n.º 4 do art.º 607º do CPC, ex vi, art.º 1º do CPT.
19. Só o comportamento culposo de um Trabalhador é que pode constituir justa causa de despedimento (Cfr. n.º 1 do artigo 351º do CT) e em síntese, faltou aferir – realidade que a sentença não cuidou de apreciar – se o comportamento do Recorrente quanto ao alegado incumprimento dos deveres resultantes do Regulamento NT-R-002 – Competências de Aprovação no Grupo Galp é, ou não, culposo.
20. A sentença contém uma lacuna insuprível quanto à pretensa culpa do Trabalhador incumprir um Regulamento a respeito do qual não se provou que o mesmo fosse válido [i.e.: (i) que na elaboração do regulamento interno de empresa tenha sido ouvida a comissão de trabalhadores;
(ii) que o regulamento interno tenha sido afixado na sede da empresa e nos locais de trabalho, de modo a possibilitar o seu pleno conhecimento, a todo o tempo, pelos trabalhadores, sem o que o mesmo não produz efeitos] e conhecido pelo mesmo.
21. Aliás, o Tribunal a quo salientou inclusivamente um facto que demonstra, claramente, que o Regulamento NT-R-002 – Competências de Aprovação no Grupo Galp não é do conhecimento dos Trabalhadores da Recorrida (e que por isso, consequentemente, o seu eventual incumprimento não é culposo por parte do Recorrente), já que considerou provado que: “em 22.09.2021, a ré foi notificada do Parecer da Comissão de Trabalhadores da Petrogal” (Cfr. ponto 21 dos factos provados) e neste documento (Cfr. Decisão disciplinar) pode ler-se: “...estranhamos também que as práticas referidas quanto à conduta do trabalhador quando se refere a ultrapassar as competências financeiras que lhe foram atribuídas durante o exercício das suas funções, nunca tenham sido detetadas/auditadas pela Empresa... é evidente porque foi exaustivamente abordada a pretendidas ilegitimidade da Empresa no exercício do poder disciplinar que ficará para escrutínio por quem de direito, ficando a CCT com o ónus de registar as malhas jurídicas em que a Administração enreda os trabalhadores da Empresa que trabalham noutras do Grupo ou fora dele...”.
22. Aquele Parecer da Comissão de Trabalhadores da Recorrida facultou ao Tribunal a quo um elemento muito relevante (que inclusivamente até foi considerado provado) para perceber que o Regulamento em causa, apesar de até poder existir, é desconhecido dos Trabalhadores, conforme resulta daquele documento e deste modo o Regulamento NT-R-002 – Competências de Aprovação no Grupo Galp, é ineficaz e não produz efeitos para os fins previsto no n.º 3 do art.º 99º do CT, evidenciando a este propósito que o Recorrente não agiu com culpa.
23. A sentença proferida é assim nula, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (ex vi, art.º 1º do CPT), porquanto o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, em concreto a violação, pelo Recorrente, dos deveres resultantes do Regulamento NT-R-002 – Competências de Aprovação no Grupo Galp quando este documento, afinal não reúne os requisitos de ineficácia, pelo que não produz efeitos e evidencia a ausência de culpa do Trabalhador a esse respeito, devendo reconhecer-se a ilicitude do despedimento pois o motivo justificativo é improcedente. Cfr. al. b) do art.º 381º do CT.
24. Para além do exposto, decorre do último parágrafo da pág. 46 e do 1º parágrafo da pág.ª 47 da sentença que o Tribunal a quo fundou a sua convicção, nomeadamente, “na apreciação crítica do depoimento das testemunhas (...) BB (contabilista;
Diretor Comercial na Empresa X, desde 03.03.2020; conhece o autor com quem trabalhou na Guiné Bissau) (...) e documentos juntos aos autos”.
25. A este propósito o Tribunal a quo não considerou, nos factos provados, o conteúdo completo daquele testemunho (de BB: contabilista; Diretor Comercial na Empresa X) produzido em audiência de julgamento, mormente no que se reporta ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso são relevantes, o que deveria ter motivado a sua indicação na matéria de facto dada como provada.
26. Para os efeitos do disposto na 1ª parte da al. a) do art.º 640º do CPC, ex vi, art.º 1º do CPT, indicam-se as passagens exatas da gravação em que se funda o recurso, quanto à testemunha BB: [03:08]; [04:17]; [04:29]; [04:49]; [05:01]; [05:15]; [05:38]; [07:30]; [07:34]; [07:43]; [07:47]; [07:54]; [08:03]; [13:07]; [17:13]; [17:40]; [17:46]; [17:50]; [18:01]; [18:19]; [18:28]; [18:50]; [19:01]; [19:30]; [19:36]; [20:03]; [20:18]; [20:32]; [20:45]; [21:05]; [21:24]; [21:43]; [20:55]; [22:06]; [22:28]; [22:38]; [22:41]; [22:54]; [22:59]; [33:14]; [34:03]; [34:17]; [34:30]; [34:36]; [34:48]; [34:59]; [37:58]; [39:00]; [39:10].
27. De acordo com a provada gravada naquelas passagens exatas da gravação, o Diretor Comercial da Empresa X (BB), foi chamado a prestar declarações numa esquadra de Polícia (tendo por base os factos imputados ao Recorrente), por ordem do Ministério do Interior da Guiné-Bissau, ali tendo ficado detido entre as 5 da tarde e as 10 da noite de 07.01.2021 (tendo de permeio sido solto e, entretanto, novamente, detido), tendo estado pessoalmente presente nessa inquirição policial o Ministro do Interior da Guiné-Bissau e o Diretor Financeiro daquele Ministério – numa evidente demonstração de interferência dos poderes governamentais num assunto que aparentava ser de justiça, quando afinal não o era, bem revelador da total ausência de separação de poderes naquele foro – fruto da alteração do modo de devolução de créditos (a pessoas singulares) que determinadas entidades Governamentais da Guiné-Bissau, até então, tinham reclamado à Empresa X, na sequência de solicitações escritas dos respetivos Ministérios.
28. A detenção, feita através de uma voz de prisão, não se baseou em qualquer fundamento, o qual não foi comunicado, quer verbalmente, quer por escrito, quando comparativa e resumidamente (face à situação com a qual aquela Testemunha foi confrontada no dia 07.01.2021, na mencionada esquadra de polícia da Guiné-Bissau), de acordo com as regras vigentes em Portugal, um detido: (i) é obrigatoriamente constituído arguido (se for suspeito, realidade que nem sequer se evidenciou no caso em apreço), de acordo com a al. c) do n.º 1 do art.º 58º do CPP (daí emergindo o conjunto de direitos e deveres processuais melhor elencados no art.º 61º do CPP), nomeadamente; (ii) tem o direito de ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade, conforme a al. c) do n.º 1 do art.º 61º do CPP; (iii) tem o direito ao silêncio, de acordo com a al. d) do n.º 1 do art.º 61º do CPP; (iv) tem o direito de constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor, de acordo com a al. e) do n.º 1 do art.º 61º do CPP; (v) lida, naquele âmbito, com «órgãos de polícia criminal», i.e. entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados no CPP. Cfr. al. c) do n.º 1 do art.º 1º do CPP.
29. Ao invés do que sucede em Portugal, na Guiné-Bissau e no caso em apreço (na situação com que aquela Testemunha foi confrontada no dia 07.01.2021, na mencionada esquadra de polícia e salvo as devidas diferenças que a legislação Guineense possa contemplar, i.e. atentas as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Cfr. n.º 3 do art.º 351º do CT), foi concretizada: (i) uma detenção (repartida por dois momentos sucessivos), sem motivo previamente ou posteriormente indicado/comunicado; (ii) apesar disso o detido não foi, consequentemente, constituído arguido; (iii) o detido não viu ser respeitado o seu direito ao silêncio; (vi) ao detido não lhe foi garantido o direito de constituir advogado ou de solicitar a nomeação de um defensor; (v) o detido lidou naqueles atos com o Ministro do Interior da Guiné-Bissau e o Diretor Financeiro daquele Ministério.
30. As particularidades do carácter das relações entre as partes no presente caso são as seguintes:
(i) Os factos ocorreram foram do território nacional, onde a Petrogal tem sede; (ii) Os factos tiveram lugar na Guiné, onde tem sede a Empresa X, à luz da legislação Guineense, de acordo com os procedimentos e costumes locais e em função do relacionamento que ao longo dos anos se desenvolveu entre os Ministérios do Estado Guineense e a Empresa X; (iii) A mudança de procedimentos até aí concretizados, de devolução de valores de reembolso a pessoas singulares expressamente identificadas (especialmente relacionadas com os respetivos Ministérios) nas missivas oficiais remetidas Ministérios em causa motivaram, “tão só” – veja-se – a convocação (da testemunha cujos trechos de depoimento foram anteriormente transcritos) para inquérito (pelo Ministério do Interior) numa esquadra de Polícia da Guiné-Bissau, do Diretor Comercial da Empresa X (Testemunha: BB), na presença – note-se – do Ministro do Interior da Guiné-Bissau e do Diretor Financeiro daquele Ministério, verificando-se entretanto a sua detenção, entre as 5 da tarde e as 10 da noite de 07.01.2021
(tendo de permeio sido solto e, entretanto, novamente, detido, pelas 7 da tarde).
31. Estão em causa circunstâncias especialmente significativas e reveladoras, face à forma, enquadramento social, político e até jurídico, perante a qual as autoridades da Guiné-Bissau mantinham o seu relacionamento com a Empresa X (empresa onde o Recorrente se encontrava destacado) e exerciam o seu poder, determinando o comportamento do Trabalhador da Petrogal, cujo comportamento, naquele enquadramento e conjetura não pode ser considerado culposo, ou máxime, analisável mediante uma culpa muito diminuída, a que se soma a ausência de culpa quanto ao alegado incumprimento do Regulamento NT-R-002 –Competências de Aprovação no Grupo Galp, pelas razões já expostas.
32. A sentença não apresentou uma reflexão critica da prova testemunhal supra identificada, deixando de retirar as ilações necessárias dos factos instrumentais, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e daí extraindo as evidências apuradas, até com a simples base nas mais elementares regras de experiência (Cfr. n.º 4 do art.º 607º do CPC), apesar do Tribunal a quo dispor dos elementos probatórios necessários para, além dos pontos 28 e 29 dos factos provados e nessa sequência, dar igualmente como assente e provado (nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 640º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi, art.º 1º do CPT) que: (a) O Ministro do Interior da Guiné-Bissau, esteve presente (em conjunto com o Diretor Financeiro desse mesmo Ministério e do Comissário da Polícia de Ordem Pública) no interrogatório feito na Segunda Esquadra de Bissau (no qual esteve pessoalmente presente aquele Ministro do Interior e o Diretor Financeiro daquele mesmo Ministério) no dia 07.01.2021 ao Dr. BB (Diretor Comercial da Empresa X); (b) No decurso do mencionado interrogatório, o Diretor Financeiro da Empresa X, BB, ficou detido na Segunda Esquadra de Bissau; (c) O Diretor Financeiro da Empresa X, BB ficou ciente de que aquela diligência de interrogatório tinha sido motivada pela alteração do procedimento de pagamento/devolução de valores por créditos detidos por entidades Governamentais, até aí feito a pessoas singulares, facto que era agora colocado em causa pelo Ministério do Interior; (d) Os pagamentos/devoluções a pessoas singulares foram expressamente indicados por escrito em missivas previamente remetidas para esse efeito pelos Ministérios da Guiné-Bissau à Empresa X.
33. O Tribunal ad quem está em condições de reconhecer – ao invés do que o fez o Tribunal a quo – que ocorreram no caso em análise circunstâncias especialmente significativas e reveladoras, face à forma, enquadramento social, político e até jurídico, perante a qual as autoridades da Guiné-Bissau mantinham o seu relacionamento com a Empresa X (empresa onde o Recorrente se encontrava destacado) e que determinaram o comportamento do Trabalhador da Petrogal, cuja conduta, naquele enquadramento e conjuntura não pode ser considerado culposo, ou máxime, analisável mediante uma culpa muito diminuída e, assim sendo, o motivo justificativo deve ser considerado improcedente, nos termos da al. b) do art.º 381º do CT.
34. O carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias supra assinaladas e que no caso são (muito) relevantes não foram (e deviam ter sido) considerados na sentença – e por isso estão incorretamente julgados. Cfr. al. a) do n.º do art.º 640º do CPC, ex vi art.º 1º do CPT – existindo depoimentos prestados em audiência de julgamento que impunham decisão diversa.
35. Ficou ainda assente que a Recorrida “por escrito datado de 01.07.2021” comunicou “a intenção de (...) proceder ao (...) despedimento por justa causa”, do Recorrente, o qual “tomou conhecimento da (...) nota de culpa a 02.07.2021” (Cfr. pontos 14 e 15 dos factos provados) e que “os factos continuados (...) ocorreram (...) entre 09.02.2017 e 10.06.2020” (Cfr. 2º parágrafo da pág.ª 53 da sentença recorrida), sendo que a este propósito o Tribunal a quo considerou que: “o prazo de prescrição se iniciou a partir desse dia, independentemente do conhecimento pela ré quanto àqueles factos” 1 (Cfr. 5º parágrafo da pág.ª 53 da sentença recorrida), porém, o início da contagem do prazo de prescrição concretizou-se em 11.06.2020 e findou em 11.06.2021, data em que prescreveu o direito de exercer o poder disciplinar por parte da Petrogal. Cfr. al. b) do art.º 279º do CC, v.s. n.º 1 do art.º 329º do CT.
36. De acordo com a decisão preferida: “compulsada a imputação feita ao autor, em nenhum momento, dela se pode retirar, objetivamente, a imputação de factos que constituam a prática de um crime (...) tanto mais que há uma omissão total quanto a benefícios para o autor pela referida prática” (Cfr. 7º parágrafo da pág.ª 53 da sentença recorrida); Simultaneamente, a sentença indica (vide 1º e 2º parágrafos da pág.ª 54 daquela decisão) que o procedimento disciplinar foi instaurado em 08.06.2021 e desse modo dentro do prazo de 1 (um ano) subsequente à alegada práticas dos factos, concluindo-se ali: “donde resulta que àquela data não estava prescrito o procedimento disciplinar, improcedendo a exceção invocada pelo autor”.
37. Ao este propósito a doutrina entende que: (i) “a notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 3 do art.º 329 (ex vi do art.º 353º, n.º 3)” 2; (ii) “o que releva para a interrupção do prazo não é o início do procedimento, mas a notificação ao trabalhador da nota de culpa (artigo 353º, 3)” 3; (iii) “o procedimento disciplinar para despedimento inicia-se com a comunicação escrita ao trabalhador da intenção de despedimento” 4; (iv) “quando se alude aos prazos (...) de um ano, o legislador assenta no pressuposto de que o procedimento se inicia com a acusação (nota de culpa)”.
38. Sobre esta matéria, a doutrina também reputa que: (i) “a nota de culpa deverá ser entregue ao trabalhador dentro dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 329º (em princípio, dentro do ano subsequente à prática da infração disciplinar e nos 60 dias subsequentes à tomada de conhecimento de tal infração) (…) juntamente com a nota de culpa, o empregador deverá comunicar ao trabalhador, por escrito, «a intenção de proceder ao seu despedimento» (n.º 1 do artigo 353º)” 6; (ii) finalizando, “este prazo interrompe-se com o recebimento da nota de culpa” 7 ; (iii) efetivamente, “a iniciativa processual compete ao empregador (...) pode traduzir-se, desde logo na instauração de um processo disciplinar, com a competente entrega da nota de culpa ao trabalhador” 8; (iv) contudo, “o procedimento disciplinar inicia-se com a comunicação da nota de culpa, já que é esta que interrompe os prazos de prescrição e caducidade daquele”. Cfr. 1º ponto do sumário do Ac. TRE, de 13.07.2017, proferido por unanimidade, no proc. n.º 1758/16.0T8EVR.E1.
39. Só a notificação da nota de culpa ao trabalhador é que interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329º e se o último facto pretensamente censurável, sob o ponto de vista disciplinar, ocorreu a 10.06.2020 (Cfr. 2º parágrafo da pág.ª 53 da sentença recorrida) é manifesto e evidente que tendo o Recorrente sido notificado da nota de culpa em 02.07.2021 (Cfr. pontos 14 e 15 dos factos provados) essa comunicação não foi concretizada
dentro do prazo de prescrição de 1 (um) ano (findo em 11.06.2021), previsto no n.º 1 do art.º 329º do CT, interrompível com a notificação da nota de culpa. Cfr. n.º 3 do art.º 353º do CT.
40. Se a notificação da nota de culpa ocorreu – indubitavelmente – em 02.07.2021, nesta data já havia passado (manifestamente) o prazo de 1 ano consagrado no n.º 1 do art.º 329º do CT e inexistindo nos autos “a imputação de factos que constituam a prática de um crime (...) tanto mais que há uma omissão total quanto a benefícios para o autor pela referida prática” [Cfr. 7º parágrafo da pág.ª 53 da sentença recorrida] importa, em sede de recurso e face à ocorrência de fundamentos em oposição com a decisão, reconhecer a nulidade da sentença proferida, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (ex vi, art.º 1º do CPT), já que os fundamentos estão em oposição com a decisão, ou se assim não se entender, segundo a al. d) do n.º 1 do mesmo normativo, em virtude do Tribunal a quo se ter deixado de pronunciar sobre questões que devia apreciar.
41. O Tribunal ad quem deverá assim reconhecer a prescrição do procedimento disciplinar e desse modo o reconhecimento da correspondente exceção perentória, que importa a absolvição do pedido (Cfr. n.º 3 do art.º 576º do CPC, ex vi, art.º 1º do CPT), devendo considerar-se ilício o despedimento em causa, pelo decurso dos prazos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 329º do CT (Cfr. art.º 382º, n.º 1 do CT), revogando-se a sentença, desta feita, julgando-se procedente a oposição apresentada pelo Recorrente, condenando-se a Recorrida no pedido: (i) reconhecer a ilicitude do despedimento; (ii) procedendo-se à imediata reintegração daquele na empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (iii) determinando-se o pagamento pela Recorrida de todas as retribuições que o Recorrido deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial que declare a ilicitude do despedimento; (iv) condenando-se a Recorrida nas custas de parte.
42. O Tribunal a quo também considerou indevidamente que: “(...) o processo de inquérito, foi conduzido de forma diligente, tanto mais que teve a duração de oito dias incluindo fins de semana. Discordamos também da sua desnecessidade pois sendo certo que acabou por acolher o inquérito levado a cabo na Empresa X, julgamos ter sido aquele o tempo necessário para a aferir das diligências naquelas feitas, na análise e na decisão do seu acolhimento”. Cfr. 4º parágrafo da pág. 65 da sentença.
43. A este propósito o Tribunal a quo teria (em tese) de socorrer-se do disposto no art.º 352º do CT para considerar tempestivo o procedimento disciplinar, só que inexistiu um verdadeiro ato de inquérito no âmbito daquele alegado “inquérito prévio” promovido pela Petrogal e mesmo que assim não seja é claro que o mesmo não foi sequer necessário.
44. Porém, aquele pretenso “inquérito prévio” terá de ser considerado como completamente infrutífero para os fins interruptivos consagrados no artigo 352º do CT, pois a mencionada antecâmara do processo disciplinar carece (para ser válida, processual e legalmente proveitosa) de ser 9, cumulativamente: (a) necessária para averiguar os factos que devem constar da nota de culpa (o que não se verifica, conforme infra exposto); (b) iniciada nos 30 dias seguintes à suspeita dos factos a averiguar (o que não ocorreu, conforme infra exposto);
(c) conduzida de forma diligente (o que não se manifesta, conforme infra exposto); e (d) respeitadora do prazo de 30 dias para notificação da nota de culpa após a conclusão do inquérito prévio (o que não se constata, conforme infra exposto).
45. O que ficou provado não demonstra sequer qualquer necessidade de existência do processo prévio de inquérito da Petrogal e consultado o processo disciplinar é patente que aquele 2º procedimento de inquérito prévio (iniciado em 01.06.2021 e terminado em 08.06.2021. Cfr. artigos 123º e 124º da nota de culpa), não contém uma única diligência apta a sustentar a sua necessidade, para efeitos de fundamentação da nota de culpa (é disto que se trata na previsão
do artigo 352º do CT).
46. É assim evidente a inutilidade e a total dispensabilidade daquele procedimento de inquérito prévio (iniciado em 01.06.2021 e terminado em 08.06.2021. Cfr. artigos 123º e 124º da nota de culpa), porquanto o mesmo foi apenas uma óbvia “imagem refletida” do espelho do 1º PPI da Empresa X, entidade que é detida pela Petrogal e naquele hiato temporal não houve lugar a qualquer diligência em sentido próprio (que fosse de algum modo indispensável ou sequer necessária à formulação da nota de culpa), pelo que, deste modo, houve lugar a falta de pronúncia sobre questões que deviam ter sido apreciadas – atenta a prova documental junta aos autos – implicando a nulidade da sentença proferida. Cfr. al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (ex vi, art.º 1º do CPT).
47. Pelo confronto do conhecimento temporal destes factos resulta que o expediente promovido com qualquer um dos PPI´s (seja o 1º, seja o 2º) é improcedente quer de facto, quer de direito e é completamente infrutífero para os fins interruptivos consagrados no artigo 352º do CT, devendo ser reconhecida a verificação da concomitante exceção perentória, impondo-se a absolvição total, do A., do pedido (Cfr. artigo 576º, n.º 3 do CPC, ex vi, art.º 1º do CPT), reconhecendo-se que a Petrogal iniciou o procedimento disciplinar para além dos prazos legalmente previstos no artigo 329º, n.ºs 1 e 2 do CT e confrontada com esse facto, procurou utilizar o inquérito prévio – que não era minimamente necessário para elaborar a nota de culpa, com a descrição circunstanciada dos factos imputáveis ao Trabalhador – com o único propósito de se socorrer da pretendida interrupção daqueles prazos. Cfr. artigo 352º do CT.
48. O Recorrente só foi notificado da nota de culpa em 02.07.2021, i.e., inapelavelmente após (muito mais) 60 dias da data de conhecimento pela R., desde 26.01.2021 (data de início do 1º
PPI), dos factos em apreço e de resto, o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração (Cfr. artigo 329º, n.º 2 do Código do Trabalho), pelo que quando não seja cumprido aquele prazo, caduca o poder disciplinar sobre os factos em crise, devendo assim ser reconhecida a verificação da concomitante exceção perentória, impondo-se a absolvição total, do A., do pedido (Cfr. artigo 576º, n.º 3 do CPC, ex vi, art.º 1º do CPT) e deste modo o despedimento deverá ser considerado ilícito, pelo decurso dos prazos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 329º do CT. Cfr. art.º 382º, n.º 1 do CT.
49. Acresce que, o Tribunal a quo não pode ignorar que a Recorrida teve em consideração na sua decisão (vide art.ºs 105º e 221º do articulado de motivação de despedimento) o facto de ao Recorrente ter sido aplicada anteriormente uma repreensão escrita “dada a conhecer ao Autor em 28 de novembro de 2019 (fls. 250 e 251 do Procedimento Disciplinar). Cfr. art.º 221º do articulado de motivação do despedimento.
50. A este propósito, a sentença foi proferida em 28.08.2023, ou seja, quando já havia sido publicada a Lei n.º 38-A/2023, de 02.08 (vigente desde 01.09.2023), que nos termos da al. b) do n.º 2 do art.º 2 e do art.º 5 amnistiou as infrações disciplinares praticadas por quaisquer trabalhadores-arguidos, cuja sanção aplicável não for superior a suspensão, apenas ficando excecionadas as infrações que, simultaneamente, constituírem ilícitos penais não amnistiados por esta lei, o que não constando dos autos como provado terá de ser desconsiderado no sentido em que inexistiram.
51. No caso dos autos, a pré-existência de registo disciplinar não é irrelevante e mais significativo é se o mesmo não existir, ou se, conforme aqui é imperioso, a sanção em causa tiver sido amnistiada, i.e., deixar de poder ser tida em consideração, pelo que, neste contexto jurídico, em decurso da referida Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, face à respetiva produção de efeitos a factos ocorridos até às 00:00 horas de 19.06.2023 e considerando que os motivos da sanção disciplinar anterior foram dados “a conhecer ao Autor em 28 de novembro de 2019 [(fls. 250 e 251 do Procedimento Disciplinar)”. Cfr. art.º 221º do articulado de motivação do despedimento], é manifesto que estiveram em causa factos ocorridos antes das 00:00 horas de 19.06.2023.
52. A sentença é assim igualmente nula, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (ex vi, art.º 1º do CPT), por tomar conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento (dando como provada uma sanção disciplinar prévia que se encontra amnistiada e cuja norma aplicável já havia sido publicada no momento em que a sentença foi proferida 10) ou se assim não se entender, por deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (reconhecer a amnistia da sanção disciplinar prévia), devendo reconhecer-se a ilicitude do despedimento pois o motivo justificativo é improcedente (Cfr. al. b) do art.º 381º do CT), neste caso específico por não se ter atendido às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
53. Ainda a respeito do procedimento disciplinar precedente, o pedido de consulta do mesmo (que afinal veio a ser tido em consideração para ponderar a medida da sanção aplicada ao Recorrente) não era uma questão de (im)pertinência, principalmente quando se preconizava (na nota de culpa em causa) o despedimento do Trabalhador, pois segundo o n.º 1 do art.º 355º do CT «o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.»
54. Sem aquela consulta o Recorrente não pôde avaliar circunstâncias muito relevantes, nomeadamente: (i) tempestividade da notificação da nota de culpa no procedimento disciplinar de 2019, atento o disposto no art.º 329º do CT (patenteando o modus operandi da Petrogal em matéria disciplinar); (ii) quais os atos de instrução, eventualmente aceites e levados a cabo nesse outro procedimento disciplinar (de 2019), em função da resposta então apresentada; (iii) qual a ponderação da resposta dada àquela 1ª nota de culpa – tempestivamente apresentada pelo Trabalhador – v.s. a fundamentação da decisão nesse outro procedimento disciplinar (de 2019); (iv) qual a ponderação de interesses feita, na comparação entre os factos subjacentes aos procedimentos disciplinares de 2019 v.s. o de 2021, perante os pretensos deveres laborais em causa; (v) qual a proporcionalidade entre o resultado final dos dois procedimentos disciplinares (de 2019 v.s. o de 2021); (vi) concretizando a comparação da fundamentação das duas decisões (de 2019 v.s. de 2021);
55. A conexão daqueles dois procedimentos disciplinares é por demais evidente, pois ambos os processos visavam o Recorrente, importando (entre outros motivos) aferir – pela consulta do pretérito processo disciplinar – qual havia sido o comportamento da Recorrida relativamente ao domínio do poder disciplinar (naquele 1º processo v.s. o mais recente, desde logo por se tratar de matéria suscitável e entretanto suscitada na resposta à nota de culpa do processo disciplinar de 2021), qual fora a respetiva postura quanto à vigência e aplicação do Regulamento NT-R-002 – Competências de Aprovação no Grupo Galp e o respetivo desfecho (mormente para enquadrar a pré-existência real de antecedentes disciplinares, os quais podem ser considerados na decisão final), quando, em ambos os casos, estavam em causa factos ocorridos na Guiné-Bissau e por isso fora da esfera territorial da Petrogal.
56. O disposto no artigo 355º, n.º 1 do CT foi assim violado pela Recorrida, atenta a conduta adotada relativamente às questões de modo de consulta dos autos disciplinares e face ao impedimento de acesso ao procedimento disciplinar de 2019, que lhe foram colocadas por escrito, o que infringiu o direito de defesa do Recorrente, determinando, nos termos do disposto no artigo 382º, nºs 1 e 2 al. c) do CT, a invalidade do procedimento disciplinar e, consequentemente, a ilicitude do despedimento que a Recorrida operou entretanto.
57. O direito a consultar o processo é um direito preparatório da defesa do Recorrente e não uma mera “faculdade”, cuja pertinência é sindicável (conforme o considerou o Tribunal a quo) e a ponderação da relevância da consulta na defesa do trabalhador deve ser feita atualmente com as necessárias cautelas e este direito impunha que o empregador colocasse o procedimento disciplinar à disposição do Trabalhador entre o termo inicial e o termo final do prazo de consulta e de resposta à nota de culpa, e, também, que não tornasse essa mesma consulta complexa de forma a obstaculizá-la.
58. Nesta medida a sentença proferida é nula, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (ex vi, art.º 1º do CPT), porquanto o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (violação do direito de consulta do processo. Cfr. n.º 1 do art.º 355º do CT), devendo reconhecer-se aquela invalidade e concomitante ilicitude do despedimento (Cfr. n.º 1 do art.º 382º do CT), por não ter sido respeitado o direito do trabalhador consultar o processo. Cfr. al. c) do n.º 2 do art.º 381º do CT.
59. Está ainda em causa a violação dos direitos constitucionais de defesa do recorrente; direito ao silêncio (na vertente do direito à não autoincriminação) e à presunção de inocência e tal como salientado pelo Tribunal a quo no 1º parágrafo da pág.ª 74 da sentença: “o autor insurge-se contra a tomada de declarações suas no âmbito do processo prévio de inquérito na Empresa X, aproveitadas para a sua incriminação no processo disciplinar e, por isso violadora do seu direito ao silêncio, do seu direito à não autoincriminação e à presunção de inocência”.
60. Na decisão proferida lê-se que o Tribunal a quo “tem por certo o direito do trabalhador de não prestar declarações em seu desfavor, de não confessar a sua culpa, por aplicabilidade do princípio da presunção de inocência (artigo 32º, n.º 2, CRP) aplicado ao processo disciplinar” (Cfr. 2º parágrafo da pág.ª 74 da sentença) e a este respeito a decisão proferida considera que daí “decorre naturalmente que o trabalhador tem o direito de não prestar declarações”. Cfr. 3º parágrafo da pág. 74 da sentença.
61. Porém, na sentença considerou-se que “a tomada de declarações do autor em processo prévio de inquérito na Empresa X não constitui violação de qualquer garantia de defesa do autor, designadamente a sua presunção de inocência” (Cfr. 2º parágrafo da pág.ª 75 da decisão), pelo que, a sentença proferida é nula, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (ex vi, art.º 1º do CPT), porquanto o Tribunal a quo sustentou fundamentos em oposição com aquela fração deliberativa, diga-se até, numa situação de ambiguidade, que torna aquela parte da mesma ininteligível.
62. O CT e a CRP não admitem que as declarações tomadas a alguém (que ainda não é Arguido, visto que ainda não existia qualquer processo disciplinar) possam depois ser tomadas em consideração para efeitos da Acusação (nota de culpa) ao declarante aí visado (conforme os pontos 52º e 53º da nota de culpa) e num processo disciplinar vigora o princípio da presunção da inocência, acolhido no artigo 32º, n.ºs 2 e 10º da CRP e assim, a prova coligida no processo disciplinar tem que legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados, para além de toda a dúvida razoável, bem como do circunstancialismo que rodeou a prática da infração imputada.
63. O direito de defesa do Recorrente foi duplamente violado em sede de inquérito prévio e no próprio processo disciplinar, visto que aquele primeiro veio fundamentar aquele outro e a própria nota de culpa não se coibiu de ter isso em saliente consideração [conforme supra transcrito e tal como resulta do ponto 14 do factos provados (Cfr. págs. 4 e 5 da sentença)] o que ficou assente (vide pontos 52º e 53º, respetivamente das págs. 19ª e 20ª da sentença).
64. Todas as declarações prestadas em sede de inquérito pelo Recorrente e toda a prova carreada nessa fase que tenha sido concretiza nesse decurso não pode ser considerada, como foi, para efeitos de procedimento disciplinar, nem para a decisão subsequente e muito menos para o sentido da sentença que a esse respeito foi proferida, por força da violação dos princípios constitucionais supra identificados, pelo que a sentença proferida é assim nula, nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 615º do CPC (ex vi, art.º 1º do CPT), porquanto o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar [violação dos direitos constitucionais de defesa do Recorrente, do direito ao silêncio (na vertente do direito à não autoincriminação) e à presunção de inocência] devendo reconhecer-se a invalidade e concomitante ilicitude do despedimento (Cfr. n.º 1 do art.º 382º do CT), por não ter sido respeitado o direito de resposta à nota de culpa (Cfr. al. c) do n.º 2 do art.º 381º do CT), na medida em que àquela acusação já tinha em consideração (vejam-se os seus pontos 52º e 53º) a confissão do Recorrente, quando o mesmo ainda nem sequer tinha apresentado a sua defesa.

PETROGAL, S.A., Ré nos autos à margem identificados, tendo sido notificada de Recurso de Apelação apresentado pelo Autor, vem apresentar as suas Contra-Alegações, pugnando pela manutenção da sentença.

O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer do qual resulta não ter fundamento a pretensão do recorrente no sentido da alteração da decisão de facto e, bem assim, não merecer censura a sentença quanto ao mais.

Responderam ambas as partes, o Apelante para repetir argumentos já tecidos nas alegações e a Apelada para manter quanto alegara em sede de contra-alegações.

*

Os autos resumem-se como segue:
AA, intentou a presente ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude de despedimento contra Petrogal, S.A..
A empregadora apresentou articulado de motivação do despedimento.
O trabalhador apresentou contestação por exceção e impugnação.
Pede, além das consequências da alegada ilicitude do despedimento, em reconvenção a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de €15.636,00 (quinze mil, seiscentos e trinta e seis euros), equivalente a três meses de retribuição, de danos não patrimoniais.
Notificada a ré respondeu à matéria de exceção.
Foi proferida decisão que julgou ilícito o despedimento por ter julgado procedente a exceção inominada de não ter a ré junto o processo disciplinar completo aos autos, decisão da qual a ré interpôs recurso, que veio a ser julgado procedente, determinando a prossecução dos autos.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, após, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição apresentada pelo/a trabalhador/ao despedimento e, em consequência, decidiu:
1 – Absolver a Petrogal, S.A., do pedido.
2. Custas da ação a cargo do autor (art.º 537º n.º 1 e 2 CPC).

***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – Não existe justa causa de despedimento?
2ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
3ª – A sentença é nula?
4ª – Ocorreu prescrição do procedimento disciplinar?
5ª – Ocorreu caducidade do poder disciplinar?
6ª – Deveria ter sido aplicada a amnistia decorrente da lei 38-A/23 de 2/08?
7ª – Foi violado o Art.º 355º do CT?
8ª – As declarações prestadas em processo prévio de inquérito não podem valorar-se?

Previamente, importa analisar a questão suscitada pela Apelada nas contra-alegações, a saber, indeferimento do recurso por ausência de conclusões.

***

FUNDAMENTAÇÃO:

Vejamos, então, se o recurso deverá ser indeferido por ausência de conclusões.
Infelizmente é uma constante a apresentação de peças de recurso sem respeito pelas normas contidas nos Art.º 81º/1 do CPT e 639º do CPC.
No caso em apreciação fomos confrontados com uma peça contendo, sob o título conclusões, um arrazoado composto de 202 parágrafos (!), correspondentes, ipsis verbis, à precedente alegação.
Daí que, confrontados com tal peça, tenhamos efetuado convite para apresentação de uma peça onde se realizasse uma efetiva síntese.
Isto porque, conforme se vem entendendo, quer na Doutrina, quer na Jurisprudência, a circunstância de na parte relativa a “conclusões” nada se sintetizar reconduz-se, não a ausência de conclusões, mas sim a uma situação de deficiência na peça respetiva. Circunstância em que, por força do disposto no Art.º 639º/3 do CPC, a parte deve ser convidada a aperfeiçoá-las, designadamente sintetizando-as de modo a dar cumprimento ao disposto no Art.º 639º/1 do CPC.
Assim, a consequência para a apresentação de conclusões com a deficiência apontada não é o indeferimento do recurso, circunstância que motiva a improcedência da questão suscitada.

Em presença do convite formulado o Apelante veio apresentar nova peça, agora composta de 64 parágrafos. Peça essa sobre a qual a Apelada não teceu quaisquer comentários.
Consideramos que continua evidente a falta de sintetização a que se reporta o Art.º 639º/1 do CPC. Sintetização absolutamente crucial na delimitação do objeto do recurso, sendo a partir das conclusões que se identificam as questões a decidir.
A peça apresentada não é minimamente clara, implicando uma atividade desnecessária e desgastante na identificação das questões a decidir. Contudo, não podemos deixar de considerar que se registou uma efetiva redução (designadamente com a expurgação de depoimentos que constavam na peça antecedente).
Nessa medida, consideramos cumprido o convite e prosseguiremos na apreciação das questões suscitadas.

***
A vários passos se invoca a nulidade da sentença.
Em primeiro lugar a nulidade por aplicação do disposto no Art.º 615º/1 – d) do CPC - excesso de pronúncia.
Afirma o Recrte. que a sentença se pronunciou sobre a violação por si dos deveres resultantes do supra mencionado Regulamento NT-R-002 quando este documento não reúne os requisitos de “ineficácia[1]”.
O Apelante contradiz-se! Começa por afirmar que o tribunal a quo não considerou, sequer, que o regulamento seja válido ou eficaz, tendo-se limitado a afirmar a sua existência, e depois vem arguir a presente nulidade!
Compulsada a sentença, tirando a referência à provada existência do regulamento, a única referência que vemos ser efetuada limita-se a uma afirmação desprovida de conteúdo na pág. 97[2]. Tão desprovida de conteúdo que o próprio Apelante evidencia que a mesma não o considerou válido. É, aliás, uma evidência, que a sentença afirmou a justa causa tendo na base a violação dos deveres consagrados no Art.º 128º do CT (pág. 98).
Assim, sem necessidade de outros considerandos, consideramos improcedente esta vertente da questão.

A nulidade da sentença vem também suscitada tendo na sua base a oposição entre os fundamentos e a decisão no concernente à prescrição (Art.º 615º/1 - c) do CPC).
Esta questão prende-se com a prescrição do procedimento, mencionada nas conclusões 35ª e 39ª, pelo que nos deteremos sobre a mesma adiante.
Para já cumpre apenas sublinhar que não se confundem os vícios de forma da sentença com eventuais erros de julgamento.
Na verdade, as nulidades são vícios de formação ou atividade, referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão. Por isso, afetam o silogismo judiciário, ou seja, a peça processual que é a decisão. Nada têm a ver com erros de julgamento, seja em matéria de facto, seja em matéria de direito. Neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 10/09/2019, Proc.º 800/10.3TBOLH-8.
Ora, tal como vem apresentada, a questão situa-se no âmbito do erro de julgamento e como tal virá a ser apreciada.
Improcede, pois, a suscitada nulidade.

Identificamos ainda a invocação de nulidade da sentença na conclusão 52ª, seja por excesso de pronúncia, seja por omissão de pronúncia!
Desta feita porque a sentença não se pronunciou sobre a aplicabilidade da Lei 38-A/23 de 2/08 relativamente a uma sanção de reprensão registada sofrida anteriormente.
Diremos apenas que a sentença não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar visto a lei, à data da respetiva prolação, não ter entrado em vigor[3].

A arguição de nulidade da sentença prossegue, desta vez no âmbito da conclusão 58ª – omissão de pronúncia sobre violação do direito de consulta.
Pretende-se ver reconhecida a ilicitude do despedimento fundada na violação do direito de consulta.
Um olhar atento sobre a sentença permite constatar que a questão foi analisada a pág. 70 e ss., pelo que não se pode equacionar qualquer omissão do Tribunal neste conspecto.
Improcede a questão também deste ponto de vista.

Por fim, na conclusão 61ª nova invocação de nulidade da sentença, desta vez porque o tribunal recorrido sustentou que a tomada de declarações ao A. em processo prévio de inquérito não constitui violação de qualquer garantia de defesa.
 Ora, mais uma vez o Apelante confunde realidades. E mais uma vez não está aqui em causa qualquer vício de forma, antes um eventual vício de fundo consubstanciando matéria para aquilatar de algum erro de julgamento.
Improcede, pois, a questão.

***

Prosseguiremos na discussão analisando o erro de julgamento da matéria de facto.
Tal erro vem suscitado a dois passos: conclusão18ª e conclusões 24ª e ss.
Ali invoca-se a ausência de análise crítica da prova relativamente ao ponto 62 do acervo fático, e aqui visa-se a adição de um conjunto de factos alegadamente resultantes do depoimento de uma testemunha.
No concernente ao ponto 62 parece-nos existir lapso na indicação. Verdadeiramente o que está em causa é o ponto 63 que dá por reproduzido o Regulamento NT-R-002, junto a fls. 277 a 279 do processo prévio de inquérito.
Mencionando aquele ponto de facto o documento que consubstancia o Regulamento, não vemos que outra fundamentação pudesse constar da sentença. Ademais, afirmando o Apelante que o tribunal recorrido não considerou a eficácia de tal regulamento, mas tão só que o mesmo existe, a presente impugnação carece de sentido útil.

Quanto à matéria cuja adição se propugna – vide conclusão 32ª – não vemos, tal como salienta a Apelada, que a mesma tenha sido alegada.
Nessas circunstâncias, sem prévia implementação na 1ª instância do mecanismo previsto no Art.º 72º/1 do CPT, está vedada à Relação a atividade propugnada, ou seja, a definição ex novo de factualidade eventualmente relevante para a decisão final, nomeadamente por, conforme alega o Recrte. a matéria em questão permitir uma maior amplitude na apreciação da justa causa de despedimento – a apreciação do carater das relações entre as partes.
Sendo certo que o regime processual laboral permite a adição de factos não alegados tidos como relevantes para a boa decisão da causa, também o é que tal adição pressupõe que seja impulsionado o mecanismo previsto no Art.º 72º do CPT, o que não ocorreu.
Efetivamente, se no decorrer da produção de prova surgirem factos que, não tendo sido alegados, se tenham como relevantes para a boa decisão da causa, o tribunal pode tomá-los em consideração na decisão da matéria de facto.
Contudo, não poderão adquirir-se factos relativamente aos quais o procedimento ali consignado não tenha sido observado, ou seja, a aquisição pressupõe a enunciação dos ditos factos pelo julgador e a observância do contraditório.
Este mecanismo, à semelhança do que já ocorria no âmbito da anterior versão do Código de Processo de Trabalho, tem que ser levado a cabo durante a audiência de discussão e julgamento, estando vedado à Relação, em sede de recurso, pô-lo em marcha. Neste sentido, para além dos nossos Ac. proferidos nos Proc.º 3957/16.6T8FNC, 2485/17.7T8CSC e 2210/13.1TTLSB-A, também o Ac. da RP de 16/01/2017, Proc.º 2311/14.9T8MAI. E ainda os Acórdãos do STJ de 18-04-2018, Procº 205/12.1TTGRD, da RLx de 16-03-2016, Procº 37/13.0TBHRT e de 07-10-2019, Procº 3633/17.2T8VFR, da RE de 26-04-2018, Procº 491/17.0T8EVR e da RC de 28-04-2017, Procº 2282/16.7T8LRA, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
Improcede, deste modo, a questão em apreciação.

***

OS FACTOS:
Com relevância para a discussão da causa estão provados os seguintes factos:
1. O autor foi admitido ao serviço da ré, em 18 de Março de 1991, mediante “contrato de trabalho”, junto a fls. 2 do processo disciplinar apenso e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, para exercer as funções de “Assessor de 3.ª”.
2. Em 18 de Junho de 2014, a ré e o autor celebraram um “Aditamento ao Contrato de Trabalho”, junto a fls. 3 a 5 do processo disciplinar apenso e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, mediante o qual o autor passou a estar sujeito ao regime de pluralidade de empregadores, todos eles pertencentes ao Grupo GALP.
3. A ré passou a figurar como empregador titular.
4. Desde então, o autor passou a exercer as funções inerentes à categoria profissional de Consultor Especializado II, podendo, inclusivamente, exercer funções de coordenação ou chefia de outros profissionais e, nesse contexto, funções em quaisquer negócios direta ou indiretamente explorados pela ré.
5. A convite da ré e, pelo período inicial de 2 anos, com início em 1 de Novembro de 2014, o autor foi destacado para a Guiné Bissau, com o intuito de gerir e desenvolver as operações da ré nesse país (ré e co-empregadora GMI), nomeadamente exercer a gestão da sociedade EMPRESA X, Lda.
6. No âmbito do destacamento, o autor assumiu, assim, as funções de Diretor Geral e Administrador Executivo da Empresa X.
7. Tendo cessado tais funções em 26 de Janeiro de 2021.
8. A Empresa X é uma sociedade comercial constituída ao abrigo das leis da Guiné-Bissau, detida pela co-Empregadora Galp Marketing Internacional, S.A., através da participação na Petrogal Guiné Bissau, Lda., e com a qual a ré e todas as empresas pertencentes ao Grupo Galp Energia, desenvolvem a sua atividade na Guiné Bissau.
9. A Empresa X dedica-se, entre outros, ao fornecimento de combustíveis e lubrificantes a entidades públicas e privadas.
10. A Empresa X levou a cabo um inquérito preliminar, comunicado à ré, em 27 de Maio de 2021.
11. Por deliberação do Conselho de Administração da ré de 28 de Maio de 2021, foi deliberado em seu nome e, em representação das demais co-empregadoras a instauração de processo prévio de inquérito sobre os factos trazidos ao seu conhecimento pela comunicação do inquérito preliminar em 27 de Maio de 2021.
12. O processo prévio de inquérito teve início no dia 1 de Junho de 2021.
13. O processo prévio de inquérito foi encerrado no dia 8 de junho de 2021, com o relatório final, junto a fls. a 430 a 433 do processo disciplinar apenso e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
14. Por escrito datado de 1 de Julho de 2021, a ré comunicou ao autor a intenção das empregadoras de proceder ao seu despedimento com justa causa, anexando a nota de culpa, junta a fls. 33 a 59 e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, assinaladamente, o seguinte:
“1.º
A Empregadora é uma sociedade anónima que se dedica (i) à refinação de petróleo bruto e seus derivados; (ii) ao transporte, distribuição e comercialização de petróleo bruto e seus derivados de gás natural; (iii) à pesquisa e exploração de petróleo bruto e de gás natural; (iv) à produção, transporte e distribuição de energia elétrica e térmica proveniente de sistemas de cogeração e energias renováveis, incluindo a conceção, construção e operação de sistemas ou instalações; e v) quaisquer outras atividades industriais, comerciais, de investigação ou de prestação de serviços conexas com as referidas nas alíneas anteriores, bem como a prestação de serviços de gestão e administração a outras sociedades com as quais se encontre, direta ou indiretamente, em relação de capital.
2.º
Na prossecução das respetivas atividades a Empregadora vem, desde há largos anos, expandindo a sua presença além território português.
Com efeito,
3.º
A Empregadora tem presença, direta ou indireta, em 10 países distintos além de Portugal, nomeadamente, mas sem limitar, Angola, Brasil, Cabo Verde, Espanha, Guiné-Bissau, Moçambique, Namíbia, São Tomé e Príncipe, Reino de Eswatini e Timor-Leste.
4.º
A Empregadora desenvolve a sua atividade na Guiné-Bissau em associação com a sociedade instituída ao abrigo das leis da Guiné-Bissau, denominada EMPRESA X, LDA. (“Empresa X”) uma sociedade comercial detida pela Co-Empregadora Galp Marketing Internacional, S.A., através da participação da Petrogal Guiné-Bissau, todas pertencentes ao Grupo Galp Energia.
Por seu turno,
5.º
O Trabalhador-Arguido foi admitido ao serviço da Empregadora em 18 de março de 1991, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de “Assessor de 3.ª”, conforme cópia do referido contrato de trabalho (o “Contrato de Trabalho”) – conforme cópia do mesmo junta aos autos de procedimento disciplinar.
6.º
Em 18 de junho de 2014, a Empregadora e o Trabalhador-Arguido celebraram um aditamento ao Contrato de Trabalho, mediante o qual o Trabalhador-Arguido passou a estar sujeito ao regime de pluralidade de empregadores – todos do Grupo Galp– conforme cópia do mesmo junta aos autos de procedimento disciplinar.
7.º
No âmbito do Aditamento atrás referido, a Empregadora passou a figurar como Empregador Titular, posição que mantém até à data.
8.º
De igual modo, e desde então, o Trabalhador-Arguido passou a exercer as funções inerentes à Categoria Profissional de Consultor Especializado II, podendo, inclusivamente, exercer funções de coordenação ou chefia de outros profissionais e, nesse contexto, funções em quaisquer negócios direta ou indiretamente explorados pela Empregadora (…).
9.º
No âmbito das funções atribuídas, alocado à Unidade Comercial da Galp Marketing Internacional, o Trabalhador-Arguido visitava com alguma regularidade os países onde as entidades empregadoras operam, nomeadamente países africanos, sendo, portanto, conhecedor do funcionamento destes contextos económicos.
Ora,
10.º
Sem prejuízo da atividade e presença da Empregadora (e Co Empregadores) em diversos países com legislação, contextos, usos, costumes e formas de estar diferentes da cultura da jurisdição na qual esta tem sede (Portugal), a Empregadora não deixa de se orientar pelos mais elevados standars de atuação, pautando-se por padrões internacionais de conformidade, independentemente do concreto local onde opera.
11.º
É, portanto, expetável por parte da Empregadora que o Trabalhador-Arguido exerça as suas funções – em condições normais ou em âmbito de destacamento – com o maior rigor e zelo, quer no cumprimento das suas obrigações contratuais (resultantes do Contrato de Trabalho) e, bem assim, no cumprimento da legalidade.
E por isso,
12.º
A convite da Empregadora, e pelo período inicial de 2 anos, com início em 1 de novembro de 2014, o Trabalhador-Arguido foi destacado para a Guiné-Bissau, com o intuito de gerir e desenvolver as operações da Empregadora nesse país (Empregadora titular e Co-Empregadora GMI), nomeadamente exercer a gestão da Empresa X, entidade que, conforme acima referido, é uma sociedade participada da Empregadora.
13.º
No âmbito do referido destacamento, o Trabalhador-Arguido assumiu as funções de Diretor-Geral e Administrador Executivo da Empresa X, figurando como responsável máximo daquela entidade, cabendo-lhe, nomeadamente, dirigir e supervisionar a atividade e operações da Empresa X, no interesse daquela e da Empregadora.
14.º
A Empresa X, por sua vez, dedica-se, entre outros, ao fornecimento de combustíveis e lubrificantes a entidades públicas e privadas.
15.º
O Trabalhador-Arguido era responsável, neste contexto, pela direção e controlo dos diversos departamentos da Empresa X nomeadamente, mas sem limitar, dos serviços corporativos (onde se incluem os departamentos de contabilidade e tesouraria), dos recursos humanos, operações e departamento comercial, entre outros, conforme resulta de cópia de organigrama daquela entidade junta aos autos de procedimento disciplinar.
16.º
Assumiu, por isso, uma posição de chefia à qual correspondiam grandes responsabilidades e um elevado grau de confiança, sendo, sinalagmaticamente, merecedoras de um grande rigor, zelo e diligência por parte do Trabalhador-Arguido.
17.º
O destacamento atrás mencionado cessou em 26 de janeiro de 2021.
Ora, sucede, que
18.º
Em 27 de maio de 2021, a administração da Empregadora tomou conhecimento, por comunicação da Empresa X, de factos de cariz extremamente grave e de comportamentos assumidos pelo Trabalhador-Arguido no exercício de funções, potencialmente qualificados como violações graves dos respetivos deveres profissionais.
Com efeito,
19.º
Confrontada com determinadas desconformidades, a Empresa X determinou e procedeu localmente a um processo de inquérito para averiguação de factos ocorridos no âmbito da respetiva atividade; factos, esses, passíveis de ser enquadrados como violação de deveres profissionais dos seus colaboradores com, potencialmente, enquadramento criminal.
20.º
Tais desconformidades foram suscitadas na sequência da receção de um ofício da Polícia de Ordem Pública da Guiné Bissau, no dia 5 de janeiro de 2021, para prestação de declarações/esclarecimentos na Segunda Esquadra, em Bissau, no dia 7 de janeiro de 2021, a pedido do Ministério da Administração Interna.
21.º
Aquando da prestação de declarações, pelo Diretor do Departamento comercial da Empresa X, cargo que ocupa desde 3 de março de 2020, BB -, foi percetível a existência de irregularidades na realização de acertos de contas com entidades públicas governamentais.
Aqui chegados, e de modo a melhor contextualizar:
22.º
A Empresa X, no âmbito da sua atividade, fornece combustíveis e lubrificantes ao Ministério do Interior da Guiné Bissau, ao Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné Bissau e ao ministério da Presidência do Conselho de Ministros da Guiné Bissau.
23.º
Estes fornecimentos contratualizados respeitavam ao consumo de determinadas quantidades de combustíveis e lubrificantes para cada um daqueles Ministérios, sendo tais fornecimentos antecipadamente pagos pelo Ministério das Finanças da Guiné Bissau através de cheques emitidos pela Direcção-Geral do Tesouro.
24.º
Sucede que amiúde, nem o Ministério do Interior, o Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné Bissau, nem tão pouco o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, consumiam a totalidade do montante de combustíveis e lubrificantes contratados e pagos.
Desta feita,
25.º
Em virtude de um consumo parcial, o pagamento de produtos que não consumidos era suscetível de gerar um crédito na esfera daqueles Ministérios.
26.º
Situação que poderia ocasionar um reembolso no montante correspondente ao valor não consumido ou um crédito na conta corrente destas entidades a compensar com fornecimentos futuros – estando aqui precisamente em causa reembolsos e procedimentos inerentes aos mesmos.
Acontece que,
27.º
Aquando do interrogatório por parte do órgão de polícia acima identificado, tomou a Empresa X conhecimento que existiriam indícios de reembolsos que não teriam chegado à titularidade de quem de direito.
28.º
Perante tal surpresa, e compulsados os arquivos da Empresa X, confirmou-se a existência de missivas a solicitar a execução de reembolsos a favor de determinados titulares que não aquela entidade.
29.º
Concretamente, a favor de pessoas individuais sem aparente conexão com aquelas autoridades governamentais.
30.º
Razão pela qual, tais reembolsos não chegaram à titularidade de quem de direito (i.e. dos Ministérios).
31.º
É neste concreto contexto que se apura que tais pedidos chegaram à Empresa X quando esta estava sob a direção do Trabalhador-Arguido e, bem assim, que os pagamentos foram processados (a favor de pessoas individuais estranhas àquelas entidades) não só com o seu conhecimento, mas sob instruções expressas do mesmo.
(…)
34.º
Em 13 de Março de 2017, o Estado-Maior General das Forças Armadas remeteu à Empresa X uma carta assinada por CC – identificado como “Coronel” e Chefe de Divisão dos Recursos e Material – a solicitar a devolução em numerário do remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro, através de cheque a favor de FF, (…).
35.º
Em 28 de Março de 2017, o Ministério do Interior remeteu à Empresa X uma carta assinada por DD – identificado como “Coronel” e Diretor-Geral de Logística e Património do referido Ministério -, a solicitar a devolução em numerário do remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro, através de cheque a favor de EE, (…).
36.º
Conforme resulta do teor dos documentos ora juntos, as referidas missivas requeriam o pagamento de reembolsos a favor de pessoas singulares (FF e EE), sem que fosse devidamente identificada a eventual ligação destas aqueles Ministérios.
E assim,
37.º
Entre 9 de fevereiro de 2017 e 10 de junho de 2020, foram emitidos 42 (quarenta e dois) cheques a favor de FF, no montante de XOF 918.913.004,00 (sensivelmente EUR 1.400.873,84), cujas cópias fazem parte do Inquérito junto aos autos de procedimento disciplinar sob o Documento n.º 4 a 11 e 16 e a 49 do Inquérito.
38.º
Tais cheques foram aliás, na sua larga maioria, assinados pelo Trabalhador-Arguido, em conjunto com outros trabalhadores da Empresa X – conforme resulta dos atrás mencionados documentos juntos aos autos de procedimento disciplinar.
E
39.º
As emissões de tais cheques a favor de FF, entre 9 de fevereiro de 2017 e 10 de junho de 2020, foram expressamente aprovadas pelo Trabalhador-Arguido, conforme resulta da correspondência de suporte que acompanha as cópias dos respetivos cheques – Documentos nº 4 a 11 e 16 e a 49 do inquérito, junto aos autos de procedimento disciplinar.
40.º
Nesta supra mencionada correspondência, por correio eletrónico, é possível verificar a autorização dada pelo Trabalhador-Arguido, replicando aos pedidos de emissão de cheque com a menção “Aprovado”.
41.º
Isto tudo, sem prejuízo do procedimento em causa estar aprovado na globalidade pelo Trabalhador-Arguido, conforme resulta da aposição manuscrita da palavra “Aprovado” e da sua rubrica na respetiva carta – cuja cópia qual faz parte do inquérito junto aos autos de procedimento disciplinar sob o Documento n.º 1.
Por seu turno,
42.º
E sem razão aparente ou justificação, entre 13 de agosto de 2017 e 4 de setembro de 2017, foram emitidos 5 (cinco) cheques a favor de CC (Coronel), funcionário e Chefe de Divisão dos Recursos Material do Estado-Maior General das Forças Armadas – subscritor da atrás referida carta datada de 13 de março de 2017.
43.º
Ascendendo, os atrás referidos cheques, ao montante total de XOF 163.308.825,00 (aproximadamente EUR 248.962,70).
44.º
Todos estes pagamentos efetuados a favor de CC entre 13 de Agosto de 2017 e 4 de setembro de 2017, encontram-se acompanhados de documentação de suporte, inclusivamente, da aprovação pelo Trabalhador-Arguido, como melhor se verifica das cópias dos referidos cheques, cada uma acompanhada de mensagens eletrónicas a aprovar a respetiva emissão – Documento n.º 12 a 15 do Inquérito, junto aos autos do procedimento disciplinar.
No entanto,
45.º
O beneficiário de tais pagamentos não é sequer, tão pouco, o beneficiário indicado no pedido inicial, datado de 13 de março de 2017 – Documento n.º 1 parte integrante do inquérito junto aos autos de procedimento disciplinar.
Ou seja,
46.º
Os pagamentos não foram realizados à ordem realizados à ordem de FF, conforme alegada instrução na carta do Estado Maior General das Forças Armadas.
47.º
Tendo sido, assim, aprovados e realizados pagamentos à ordem de um outro beneficiário, sem razão aparente.
48.º
Mas sobretudo, sem que tal tivesse sido posto em causa pelo Trabalhador-Arguido.
Paralelamente,
49.º
Entre 16 de agosto de 2017 e 15 de agosto de 2018, foram emitidos cheques a favor de EE (e não “EE”, como consta da carta datada de 28 de março de 2017), no montante total de XOF 209.444.514,00 (sensivelmente EUR 319.296,10) – Documento nº 52 a 70 do Inquérito, junto aos autos do procedimento disciplinar.
50.º
A emissão de tais cheques foi autorizada e aprovada pelo Trabalhador-Arguido, conforme resulta de cópia das comunicações de suporte que acompanham a cópia de cada cheque– Documentos n.º 52 a 70 do Inquérito, junto aos autos de procedimento disciplinar.
51.º
Os cheques foram também na sua maioria, assinados pelo Trabalhador-Arguido.
52.º
Confirmando-se, por isso, que ao aprovar os pagamentos e assinar os respetivos cheques, o Trabalhador-Arguido acompanhava este assunto, estando ciente que estavam a ser realizados pagamentos em nome de pessoas singulares, ao invés das instituições visadas ou, sequer, da entidade pagadora (o Ministério das Finanças).
53.º
O que aliás, é confirmado pelo próprio Trabalhador-Arguido, conforme resulta do respetivo auto de declarações, tomadas no dia 7 de fevereiro de 2021, no âmbito do processo de Inquérito, junto aos autos de procedimento disciplinar.
Adicionalmente,
54.º
Foram emitidos 4 (quatro) cheques a favor de II, entre 8 de maio de 2017 e 6 de fevereiro de 2019, funcionário do Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, todos acompanhados com os documentos de suporte (i.e. emails de aprovação pelo Trabalhador-Arguido).
55.º
Esses 4 (quatro) pagamentos, no montante total de XOF 24.043.993,00 (sensivelmente EUR 36.654,83) estão associados a aparentes reembolsos ao Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, tal como resulta das comunicações associadas, e às notas de débito que acompanham as cópias dos respetivos cheques – Documentos n.º 72 a 75 do Inquérito, junto aos autos de procedimento disciplinar.
56.º
Nestes casos inexiste, tão pouco, qualquer instrução que justifique a realização de pagamentos a uma pessoa singular (II) e não ao respetivo Ministério.
57.º
Contudo, todos eles foram aprovados pelo Trabalhador-Arguido e, inclusivamente, todos os cheques foram por si igualmente assinados, em conjunto com a GG (à data Diretora Administrativa e Financeira da Empresa X) – novamente, Documentos n.º 72 a 75 do Inquérito, junto aos autos de procedimento disciplinar.
De todo o modo
58.º
Em 28 de junho de 2019, o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros remeteu uma carta à Empresa X, a solicitar a devolução em numerário do remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro (correspondente ao montante de XOF 20.000.000,00) –cuja cópia é parte integrante do Documento n.º 76 do Inquérito, junto aos autos de procedimento disciplinar.
59.º
Como é possível confirmar no supra referido documento, não é sequer feita referência à ordem de quem deveria o pagamento ser realizado.
No entanto,
60.º
O mesmo não deixou de ser aprovado e autorizado pelo Trabalhador-Arguido conforme resulta da anotação manuscrita pelo próprio na referida carta datada de 28 de junho de 2019 – cuja cópia é parte integrante do Documento n.º 76 do Inquérito, junto aos autos do procedimento disciplinar.
61.º
Tendo, também neste caso, o Trabalhador-Arguido assinado o referido cheque à ordem do referido II.
62.º
Assim, entre 8 de maio de 2017 a 3 de julho de 2019, a Empresa X emitiu 5 (cinco) cheques a favor de II, no montante total de XOF 44.043.993,00 (aproximadamente EUR 67.144,63) – Documentos n.º 72 a 75 do Inquérito, junto aos autos de procedimento disciplinar.
Resulta de tudo isto,
63.º
Que o Trabalhador-Arguido acompanhava o desenrolar de pagamentos a terceiros que não os Ministérios, estando perfeitamente ciente de tal facto, já que era quem sempre aprovava a emissão de cheques e assinava a maioria destes.
64.º
Uma prática que não estava pois em conformidade não só com as regras vigentes no Grupo a que a sua Empregadora pertence nem, tão pouco, em conformidade com as boas práticas de gestão.
(…).”
15. O autor tomou conhecimento da comunicação acima referida e respetiva nota de culpa a 2 de Julho de 2021.
16. O autor respondeu à nota de culpa, nos termos que constam do escrito junto a fls. 68 a 114 do processo disciplinar e, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo sido requeridas diligências probatórias, designadamente a inquirição de testemunhas e a junção aos autos de cópia avaliações de desempenho desde a admissão do trabalhador na empresa e o percurso e evolução de carreira dentro do Grupo Galp.
17. A resposta à nota de culpa foi rececionada no dia 19 de Julho de 2021.
18. Por despacho de 12 de Agosto de 2021, foi indeferida a junção aos autos das avaliações de desempenho do autor no exercício das respetivas funções na Guiné-Bissau.
19. Foram juntas aos autos de procedimento disciplinar o resumo das avaliações referentes aos anos de 2014 a 2020 e as avaliações referentes aos anos de 2016 a 2020, o resumo do percurso profissional do autor.
20. Foi ainda junto ao procedimento disciplinar o registo disciplinar do autor e comunicação de sanção aplicável de onde consta a aplicação de uma repreensão registada.
21. Em 15.09.2021, a ré remeteu notificou a Comissão de Trabalhadores junto da Petrogal, S.A..
21. Em 22.09.2021, a ré foi notificada do Parecer da Comissão de Trabalhadores da Petrogal.
22. Em 29.09.2021 foi emitido o Relatório Final, junto a fls. 322 a 367 do processo disciplinar apenso a estes autos.
23. Por deliberação de 1 de Outubro de 2021, o Conselho de Administração da ré, em nome próprio e, com poderes para o efeito, em representação da Galp Emergia, S.A., Galp Gás Natural, S.A., Galp Power S.A., Galp West África, S.A. (anteriormente denominada Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A.) e Galp Marketing Internacional, S.A., deliberou aplicar ao autor a sanção de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação.
24. Por escrito de 7 de Outubro de 2021, remetido pela ré ao autor, por carta registada e aviso de receção, comunicou-lhe a primeira que “… o Conselho de Administração em nome próprio e em representação das demais co-Empregadoras da Galp Emergia, S.A., Galp Gás Natural, S.A., Galp Power S.A., Galp West África, S.A. (anteriormente denominada Galp Exploração e Produção Petrolífera, S.A.) e Galp Marketing Internacional, S.A., entendeu, por deliberação de 1 de Outubro de 2021”,aplicar-lhe a sanção de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação, pelos fundamentos constantes do referido relatório final acima referido e, cuja cópia e certificação da deliberação remeteu em anexo.
25. O autor rececionou a comunicação acima referida no dia 12 de Outubro de 2021.
26. No âmbito do destacamento na Guiné-Bissau, o autor assumiu as funções de Diretor-geral e Administrador Executivo da Empresa X, figurando como responsável máximo daquela, cabendo-lhe, nomeadamente, dirigir e supervisionar a atividade e operações da Empresa X, no interesse daquela e da ré.
27. O autor era responsável, neste contexto, pela Direcção e controlo dos diversos departamentos da Empresa X nomeadamente, mas sem limitar, dos serviços corporativos, onde se incluem os departamentos de contabilidade e tesouraria, dos recursos humanos, operações e departamento comercial, entre outros.
28. No dia 5 de Janeiro de 2021, foi recebido na Empresa X um ofício da Polícia de Ordem Pública da Guiné Bissau, para prestação de declarações/esclarecimentos na Segunda Esquadra, em Bissau, no dia 7 de Janeiro de 2021, a pedido do Ministério da Administração Interna guineense.
29. Aquando da prestação de declarações pelo Diretor do Departamento Comercial da Empresa X, BB, cargo que ocupa desde 3 de Março de 2020, foi confrontado com a existência de alegadas irregularidades na realização de acertos de contas com entidades públicas governamentais.
30. A Empresa X, no âmbito da sua atividade, fornece combustíveis e lubrificantes ao Ministério do Interior da Guiné Bissau, ao Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné Bissau e ao Ministério da Presidência do Conselho de Ministros da Guiné Bissau.
31. Estes fornecimentos contratualizados respeitavam ao consumo de determinadas quantidades de combustíveis e lubrificantes para cada um daqueles dos Ministérios, sendo tais fornecimentos antecipadamente pagos pelo Ministério das Finanças da Guiné Bissau através de cheques emitidos pela Direcção Geral do Tesouro.
32. Sucede que amiúde, nem o Ministério do Interior, o Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné Bissau, nem o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, consumiam a totalidade do montante de combustíveis e lubrificantes contratados e antecipadamente pagos.
33. Em virtude de um consumo parcial, o pagamento de produtos não consumidos era suscetível de gerar um crédito na esfera daqueles Ministérios.
34. Esta situação poderia ocasionar um reembolso no montante correspondente ao valor não consumido ou um crédito na conta corrente destas entidades a compensar com fornecimentos futuros.
35. A Empresa X tomou conhecimento no interrogatório policial que existiam indícios que existiam reembolsos que não teriam chegado à titularidade daquelas entidades.
36. Surpreendida com estes factos, compulsados os seus arquivos, a Empresa X confirmou a existência de missivas a solicitar a execução de reembolsos a favor de determinados titulares que não aquelas entidades.
37. Concretamente a favor de pessoas individuais.
38. Em 13 de Março de 2017, o Estado Maior General das Forças Armadas remeteu à Empresa X uma carta assinada por CC – identificado como “Coronel” e Chefe da Divisão dos Recursos e Material – a solicitar a devolução em numerário remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro, através de cheque a favor de FF.
39. Em 28 de Março de 2017, o Ministério do Interior remeteu à Empresa X uma carta assinada por DD –identificado como “Coronel” e Diretor de Logística e Património do referido Ministério -, a solicitar a devolução em numerário do remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro, através de cheque a favor de EE.
40. As missivas dirigidas ao autor, requeriam o pagamento de reembolsos a favor de pessoas singulares, acima identificadas sem indicar a relação destas com as referidas entidades ou motivo para receber aqueles reembolsos.
41. Tais cheques a favor de FF foram aprovados e assinados pelo autor ou apenas aprovados por este e assinados por outros colaboradores da Empresa X, a seguir melhor discriminado:








42. As emissões de tais cheques a favor de FF, entre 9 de Fevereiro de 2017 e 10 de Junho de 2020 foram expressamente aprovadas pelo autor.
43. Entre 13 de Agosto de 2017 e 4 de Setembro de 2017, foram emitidos 5 (cinco) cheques a favor de CC (Coronel), funcionário e Chefe da Divisão dos Recursos Material do Estado Maior General das Forças Armadas, subscritor da carta acima referida de 13 de Março de 2017.
44. Estes cheques ascenderam ao montante total de XOF 163.308.825,00, aproximadamente EUR 248.962,70, a seguir discriminados:

45. Todos estes pagamentos efetuados a favor de CC entre 13 de Agosto de 2017 e 4 de Setembro de 2017, encontram-se acompanhados de documentação de suporte, incluindo a aprovação pelo autor.
46. CC não é indicado como beneficiário dos pagamentos na missiva de 13 de Março de 2017, onde é indicado FF.
47. O autor não pôs em causa o pagamento a JJ.
48. Entre 16 de Agosto de 2017 e 15 de Março de 2018, foram emitidos cheques a favor de KK (e não EE como consta da carta datada de 28 de Março de 2017), no montante total de XOF 209.444.514,00, sensivelmente EUR 319.296,10, a seguir discriminados:


49. A emissão de tais cheques foi autorizada e aprovada pelo autor.
50. Destes onze foram, além de aprovados, também assinados pelo autor.
51. Adicionalmente, foram emitidos 4 (quatro) cheques a favor de II entre 8 de Maio de 2017 e 6 de Fevereiro de 2019, funcionário do Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, todos acompanhados com os emails de suporte (emails de aprovação do autor).
52. Os 4 (quatro) pagamentos, no montante de XOF 24.043.993,00, sensivelmente EUR 36.654,83, discriminados da seguinte forma:


53. Os pagamentos referidos no número anterior estão associados a alegados reembolsos ao Ministério da Presidência do Conselho de Ministros.
54. O autor aprovou os referidos pagamentos sem qualquer instrução a determinar o mesmo a pessoa singular, designadamente II.
55. Assinando os cheques em conjunto com GG, à data Diretora Administrativa e Financeira da Empresa X.
56. Em 28 de Junho de 2019, o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros remeteu uma carta à Empresa X a solicitar a devolução em numerário do remanescente do valor de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção Geral do Tesouro, correspondente ao montante de XOF 20.000.000,00, sensivelmente EUR 30.489,80.
57. Sem fazer qualquer referência a quem deveria ser realizado o pagamento.
58. Tendo o mesmo sido aprovado e autorizado pelo autor.
59. E assinado o cheque n.º 3233249, de 03.07.2019, à ordem de II.
60. Entre 8 de Maio de 2017 e 3 de Julho de 2019, a Empresa X emitiu 5 (cinco) cheques a favor de II, no montante global de XOF 44.043.993,00 (aproximadamente EUR 67.144,43, pagamentos aprovados pelo autor.
61. BB teria já alertado o autor para o facto de as devoluções estarem a ser realizadas a favor de pessoas singulares que terá concordado que o procedimento tinha de ser corrigido.
62. BB ocupa o cargo de Diretor do Departamento Comercial desde 3 de Março de 2020.
63. Dá-se por reproduzido o Regulamento NT-R-002 – Competências de Aprovação no Grupo Galp, junto a fls. 277 a 279 do processo prévio de inquérito.
64. O autor mediante email datado de 06.07.2021, enviado pelas 16h58, aos Instrutores do processo disciplinar, requisitou que o procedimento disciplinar, o processo prévio de inquérito (mencionado na nota de culpa) e o processo disciplinar instaurado em 2019, ficassem à sua disposição.
65. Foi solicitada a amabilidade de ser facultada a referida documentação por via eletrónica, mormente por email.
66. Na mesma data, 06.07.2021, pelas 19h39, os Instrutores do processo disciplinar recusaram o envio da documentação por via eletrónica, disponibilizando-se para consulta no respetivo escritório sito na Av. …, Lisboa, mediante marcação prévia, alegando, “…dada a implementação do regime de teletrabalho a que estão sujeitos a maioria dos colaboradores do nosso escritório, incluído os ora subscritores”.
67. Mais alegaram os Instrutores do processo disciplinar que “…a consulta de processo em local próprio (pelo trabalhador ou por quem este mandate para o efeito), assegura a integridade e confidencialidade do processo, que é constituído por documentos de natureza particular e confidencial que … são de teor sigiloso e sensível não devendo ser duplicados”.
68. Mais aludindo, quanto a ser facultada uma cópia, por via eletrónica, a circunstância do processo em questão conter
“…dados pessoais de vários outros colaboradores do Grupo Galp. Assim, seguindo-se o princípio da minimização e da licitude de tratamento previsto no Regulamento Geral Sobre a Proteção de Dados, não nos é possível duplicar o mesmo e disponibilizá-lo por canais digitais”.
69. A 06.07.2021, pelas 19h57, o Mandatário do autor solicitou a indicação de dia e hora, para consulta do referido procedimento disciplinar, processo prévio de inquérito (mencionado na nota de culpa) e do processo disciplinar instaurado em 2019.
70. Em 07.07.2021, pelas 13h10, os Instrutores do processo disciplinar, sem indicarem dia e hora para o efeito, solicitaram a indicação de disponibilidade do Mandatário do autor, com referência a data e hora, dizendo, “para que possamos organizar internamente (i) agendamento de sala para o efeito e (ii) deslocação ao escritório para acompanhamento de consulta ao processo.”
71. Relativamente ao outro processo disciplinar, datado de 2019, cuja consulta foi igualmente solicitada, os Instrutores do processo disciplinar transmitiram o seguinte: “uma vez que não fomos os instrutores designados para instrução de tal processo, sugerimos que o Exmo. Colega contacte diretamente a Petrogal, S.A., caso pretenda proceder à consulta dos respetivos elementos.”
72. No mesmo dia, 07.07.2021 e decorridos 7 minutos, pelas 13h17, foi transmitido pelo Mandatário do autor aos Instrutores do processo disciplinar, o seguinte: “Irei subscrever substabelecimento em Colega de escritório, o qual documentarei prontamente logo que me confirme o dia e hora em causa, existindo disponibilidade da nossa parte para qualquer dia útil, entre as 10h00 e as 16h00”.
73. No mesmo dia 07.07.2021, pelas 15h36, os Instrutores do processo disciplinar sugeriram “…o dia de amanhã (8 de julho), a partir das 11h00, com interrupção para almoço (entre as 13h00 e 14h00) caso seja necessário continuar a consulta do processo no período da tarde”.
74. No mesmo dia 07.07.2021, pelas 16h33, foi junto substabelecimento, indicando-se que a mesma deslocação em causa ocorreria “no dia de amanhã, 08 de Julho pelas 11h00, conforme V/disponibilidade previamente indicada, com vista à consulta do processo disciplinar em curso e do antecedente processo prévio de inquérito (mencionado na nota de culpa)”.
75. Nesta comunicação foi reiterada a “consulta do processo disciplinar instaurado em 2019 e seguindo o indicado no V/prezado e-mail de ontem (das 13h10), procederemos em conformidade com o ali sugerido”, “dependendo apenas da indicação do endereço eletrónico e do departamento em causa da V/Constituinte, o que solicitamos”.
76. Ainda no mesmo dia, 07.07.2021, pelas 20h22, os Instrutores do processo disciplinar, referiram: “No que concerne ao pedido adicional do Exmo. Colega, vamos diligenciar, junto da N/Cliente, pela obtenção de indicação da pessoa responsável e, bem assim, os respetivos contactos.”
77. Em 08.07.2021, pelas 10h12, foi acusada a receção daquele e-mail dos Instrutores do processo disciplinar e da informação prestada, ficando a aguardar pela “indicação em falta, relativamente à indispensável consulta do processo disciplinar instaurado em 2019, com vista ao exercício do direito de defesa do N/Constituinte.”
78. Em 09.07.2021, pelas 13h09, foi requerida nova análise daqueles autos, o que foi deferido, na mesma data, às 16h16 pelos Instrutores do processo disciplinar, sendo confirmada a disponibilidade, “para a próxima segunda-feira, dia 12 de julho, no mesmo período anteriormente proposto”.
79. O que motivou novo e-mail, enviado pelas 16h29, no qual se mencionou o seguinte: “A N/Ilustre Colega estará no V/escritório no dia 12 de Julho, pelas 11h00, conforme V/disponibilidade previamente indicada, com vista à consulta do processo disciplinar em curso e do antecedente processo prévio de inquérito (mencionado na nota de culpa)”.
80. A 13.07.2021, pelas 11h29, os Instrutores do processo disciplinar referiram o seguinte: “A respeito do exame e consulta de anterior processo disciplinar, consultada a nossa cliente, muito agradecemos que nos informe a respeito da fundamentação da necessidade de consulta de tal processo para aferição, em termos instrutórios, da pertinência da mesma. Com efeito, o processo havido em 2019, que não foi por nós instruído, não só não reporta aos mesmos factos, como não foi tão-pouco mencionado neste processo que se encontra a decorrer. Como tal, face à ausência de cabimento legal à luz das normas constantes do Código do Trabalho, afigura-se necessária, deste modo, a apresentação da necessidade de consulta do anterior processo.”
81. No mesmo dia 13.07.2021, pelas 12h12, o autor, através de Mandatário, disse por e-mail, «No V/prezado e-mail de 07.07.2021, das 13h10, lográmos ler o seguinte: “Com efeito, uma vez que não fomos os instrutores designados para instauração de tal processo, sugerimos que o Exmo. Colega
contacte diretamente a Petrogal, S.A., caso pretenda proceder à consulta dos respetivos elementos” e ainda, «Entretanto, no V/prezado e-mail de 07.07.2021, das 20h22, lográmos ler o seguinte: “No que concerne ao pedido adicional do Ex.mo Colega, valos diligenciar, junto da N/Cliente, pela obtenção de indicação da pessoa responsável e, bem assim, os respetivos contactos”, daquele modo e “com o máximo respeito, não alcançamos a consonância da inflexão de disponibilização de acesso à consulta do processo disciplinar instaurado em 2019.”
82. No mesmo dia, 13.07.2021, pelas 12h38, os Instrutores do processo disciplinar, responderam, “Esclarecendo: o processo a que foi solicitada a consulta não foi por nós instruído e nesta justa medida, desconhecemos o respetivo teor. Mais, por não ter conexão com o processo em curso não cabe a nós, instrutores no processo, autorizar ou ordenar tal exame. Como tal, tal pedido deveria ser endereçado à N/Constituinte. Conforme compreenderá, a posição da N/Constituinte quanto à consulta daquele processo, carece de aferição da validade e pertinência do seu pedido – o que, nesta data, tanto nós, como a N/Constituinte, desconhecemos por completo. Nesta medida, solicitou-nos a nossa Cliente que o Exmo. Colega apresentasse a respetiva fundamentação quanto àquela solicitação, já que estão abertas comunicações entre advogados.”
83. O autor respondeu em 15.07.2021,”Lamento que não nos tenha sido facultado o acesso ao processo disciplinar instaurado em 2019, relativo ao qual havia sido, expressamente, sugerido que entrássemos em contacto diretamente a Petrogal, com o V/compromisso subsequente de, inclusivamente, diligenciarem junto da V/Cliente, pela obtenção de indicação da pessoa responsável e, bem assim, os respetivos contactos, tudo conforme os já anteriormente citados V/e-mails de 07.07.2021, das 13h10 e das 20h22. Face à tardia mudança, súbita e inesperada, de ser garantido o pleno direito de consulta do N/Constituinte, foi o mesmo impedido pela V/Constituinte e R., de exercer plenamente o seu direito legal de defesa e contraditório, o que afinal se revelou desde início, pese embora a aparente disponibilidade inicialmente manifestada.”
84. Em 8 de Julho de 2021, a Ilustre Mandatária do autor Ex.ma Senhora Dra. LL, procedeu à consulta do processo disciplinar e processo prévio de inquérito que o antecede.
85. Em 12 de Julho de 2021, a Ilustre Mandatária do autor Ex.ma Senhora Dra. LL, procedeu à consulta do processo disciplinar e processo prévio de inquérito que o antecede.
86. O autor auferia a retribuição mensal de €5.212,00.
87. O autor sofreu quando se encontrava a trabalhar na Guiné Bissau por destacamento da ré um enfarte agudo do miocárdio.

***

O DIREITO:

A questão central a decidir na apelação, extraída das conclusões a vários passos, é a inexistência de justa causa de despedimento.
Numa afirmação que mal se compreende, diz o Apelante que os factos ocorreram na Guiné-Bissau, num contexto de relacionamento entre as respetivas autoridades e a sociedade EMPRESA X, o que determinou o seu comportamento visto ali existirem regras e procedimentos muito próprios.
A Apelada contrapõe com o ultraje que uma tal afirmação consubstancia porquanto o A. quer dizer que a sua conduta deveria ser apreciada com a condescendência e benevolência que, segundo o mesmo, são habituais ou costumeiras na avaliação de comportamentos do mesmo teor cometidos na Guiné-Bissau.
Decidindo!
Nem o acervo fático cuja prova se obteve, nem a alegação do Apelante, permitem identificar o contexto pressuposto naquela afirmação. Afirmação que, assim, se terá que quedar por uma insinuação incompreensível.
Dir-se-á que o Apelante estava vinculado a uma empresa portuguesa, exercendo um cargo de responsabilidade, devendo ser esse o contexto a levar em conta.
Isto posto, vamos aos factos:
Cabia ao A., destacado na Guiné-Bissau, a gestão da empresa EMPRESA X, sociedade detida pela co-Empregadora Galp Marketing Internacional, S.A., através da participação na Petrogal Guiné Bissau, Lda., e com a qual a ré e todas as empresas pertencentes ao Grupo Galp Energia desenvolvem a sua atividade naquele país.
No âmbito do destacamento o autor assumiu as funções de Diretor-geral e Administrador Executivo da Empresa X, figurando como responsável máximo daquela, cabendo-lhe, nomeadamente, dirigir e supervisionar a atividade e operações da Empresa X, no interesse daquela e da ré.
A Empresa X, no âmbito da sua atividade, fornece combustíveis e lubrificantes ao Ministério do Interior da Guiné Bissau, ao Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné Bissau e ao Ministério da Presidência do Conselho de Ministros da Guiné Bissau. Estes fornecimentos contratualizados respeitavam ao consumo de determinadas quantidades de combustíveis e lubrificantes para cada um daqueles dos Ministérios, sendo tais fornecimentos antecipadamente pagos pelo Ministério das Finanças da Guiné Bissau através de cheques emitidos pela Direcção Geral do Tesouro.
Sucede que amiúde, nem o Ministério do Interior, o Estado Maior General das Forças Armadas da Guiné Bissau, nem o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, consumiam a totalidade do montante de combustíveis e lubrificantes contratados e antecipadamente pagos.
Em virtude de um consumo parcial, o pagamento de produtos não consumidos era suscetível de gerar um crédito na esfera daqueles Ministérios, situação que poderia ocasionar um reembolso no montante correspondente ao valor não consumido ou um crédito na conta corrente destas entidades a compensar com fornecimentos futuros.
Em 13 de Março de 2017, o Estado Maior General das Forças Armadas remeteu à Empresa X uma carta assinada por CC – identificado como “Coronel” e Chefe da Divisão dos Recursos e Material – a solicitar a devolução em numerário remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro, através de cheque a favor de FF.
Em 28 de Março de 2017, o Ministério do Interior remeteu à Empresa X uma carta assinada por DD – identificado como “Coronel” e Diretor de Logística e Património do referido Ministério -, a solicitar a devolução em numerário do remanescente de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção-Geral do Tesouro, através de cheque a favor de EE.
As missivas dirigidas ao autor, requeriam o pagamento de reembolsos a favor de pessoas singulares, acima identificadas sem indicar a relação destas com as referidas entidades ou motivo para receber aqueles reembolsos.
Tais cheques[4] a favor de FF, emitidos entre 9/02/2017 e 10/06/2020, foram aprovados e assinados pelo autor ou apenas aprovados por este e assinados por outros colaboradores da Empresa X (v. pontos 41 e 42).
As emissões de tais cheques a favor de FF, entre 9 de Fevereiro de 2017 e 10 de Junho de 2020 foram expressamente aprovadas pelo autor.
Entre 13 de Agosto de 2017 e 4 de Setembro de 2017, foram emitidos 5 (cinco) cheques a favor de CC (Coronel), funcionário e Chefe da Divisão dos Recursos Material do Estado Maior General das Forças Armadas, subscritor da carta acima referida de 13 de Março de 2017.
Estes cheques ascenderam ao montante total de XOF 163.308.825,00, aproximadamente EUR 248.962,70 (v. ponto 45).
Todos estes pagamentos efetuados a favor de CC entre 13 de Agosto de 2017 e 4 de Setembro de 2017, encontram-se acompanhados de documentação de suporte, incluindo a aprovação pelo autor.
CC não é indicado como beneficiário dos pagamentos na missiva de 13 de Março de 2017, onde é indicado FF.
O autor não pôs em causa o pagamento a JJ.
Entre 16 de Agosto de 2017 e 15 de Março de 2018, foram emitidos cheques a favor de KK (e não EE como consta da carta datada de 28 de Março de 2017), no montante total de XOF 209.444.514,00, sensivelmente EUR 319.296,10 (v. ponto 48).
A emissão de tais cheques foi autorizada e aprovada pelo autor.
Destes onze foram, além de aprovados, também assinados pelo autor.
Adicionalmente, foram emitidos 4 (quatro) cheques a favor de II entre 8 de Maio de 2017 e 6 de Fevereiro de 2019, funcionário do Ministério da Presidência do Conselho de Ministros, todos acompanhados com os emails de suporte (emails de aprovação do autor).
Os 4 (quatro) pagamentos, no montante de XOF 24.043.993,00, sensivelmente EUR 36.654,83 (v. ponto 52).
Os pagamentos referidos no número anterior estão associados a alegados reembolsos ao Ministério da Presidência do Conselho de Ministros.
O autor aprovou os referidos pagamentos sem qualquer instrução a determinar o mesmo a pessoa singular, designadamente II, assinando os cheques em conjunto com GG, à data Diretora Administrativa e Financeira da Empresa X.
Em 28 de Junho de 2019, o Ministério da Presidência do Conselho de Ministros remeteu uma carta à Empresa X a solicitar a devolução em numerário do remanescente do valor de combustíveis e lubrificantes pagos pelo Ministério das Finanças, Secretaria de Estado do Tesouro, Direcção Geral do Tesouro, correspondente ao montante de XOF 20.000.000,00, sensivelmente EUR 30.489,80, sem fazer qualquer referência a quem deveria ser realizado o pagamento. Tendo o mesmo sido aprovado e autorizado pelo autor. E assinado o cheque n.º 3233249, de 03.07.2019, à ordem de II.
Entre 8 de Maio de 2017 e 3 de Julho de 2019, a Empresa X emitiu 5 (cinco) cheques a favor de II, no montante global de XOF 44.043.993,00 (aproximadamente EUR 67.144,43,) pagamentos aprovados pelo autor.
BB, Diretor do Departamento Comercial, teria já alertado o autor para o facto de as devoluções estarem a ser realizadas a favor de pessoas singulares que terá concordado que o procedimento tinha de ser corrigido.

Em presença destes factos a sentença considerou violados os deveres enunciados no Art.º 128º (não indicando quais os deveres) e, assim, verificada justa causa de despedimento.
Os factos ocorreram entre Fevereiro de 2017 e Junho de 2020. Logo, é aplicável o CT aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02, sem as alterações introduzidas entre 2021 e 2023.
Em presença do descritivo acima enunciado, dúvidas não restam de que se mostra violado o dever de zelo (Art.º 128º/1-c) do CT), violação ocorrida em alto e relevante grau. Não só pelos montantes em presença -2.036.277,07€-, como também pelo lapso temporal em que se foram registando as ocorrências, como ainda pela circunstância de não ter o Apelante cuidado de verificar a relação dos beneficiários dos cheques emitidos com as entidades constantes das missivas solicitantes. E, bem assim porque, tal como afirma a Apelada, aquele se permitiu institucionalizar procedimentos contrários às mais elementares regras de boa gestão e razoabilidade.
A atividade laboral conexiona-se, como é sabido, com um conjunto de deveres acessórios que, a par com o dever de trabalhar, enforma a complexidade da situação jurídica laboral do trabalhador.
O dever de zelo e diligência na realização do trabalho encontra-se especificamente previsto no Art.º 128º/1-c) do CT, sendo um dever integrante da prestação principal e aquele que permite avaliar do modo de cumprimento dessa prestação.
Conforme ensina Maria do Rosário Palma Ramalho, “a medida do zelo ou da diligência do trabalhador no desenvolvimento da atividade laboral deve ser aferida segundo o critério geral do bom pai de família, tendo em conta o contexto laboral em concreto. Assim, a atuação do trabalhador será diligente se corresponder ao comportamento normalmente exigível para aquele tipo de trabalhador, naquela função em concreto” (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 6ª Ed., Almedina, 284).
Considerando as funções a que estava adstrito o Apelante, é claro para nós que o mesmo não usou da diligência devida no concreto circunstancialismo, tendo atuado ao arrepio de princípios e padrões de legalidade e do rigor que tais funções pressupõem. Violados, desta forma, os deveres mencionados, importará, agora, aquilatar do preenchimento dos demais pressupostos do conceito de justa causa.

Para efeito de determinação da gravidade da conduta há que atender a critérios de razoabilidade especificados na lei, ou seja, é imperioso, que se possa concluir pela irremediabilidade na rutura da relação de trabalho, o mesmo será dizer pela inexigibilidade de manutenção do contrato.
E, assim, existe justa causa “quando o estado de premência do despedimento seja de julgar mais importante que os interesses opostos na permanência do contrato” (Ac. STJ de 14/03/00, CJASTJ, T. I, 2000, 280).
Como adverte Pedro Romano Martinez, perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo. Como o comportamento culposo do trabalhador tanto pode advir da violação de deveres principais como de deveres acessórios, importa, em qualquer caso, apreciar a gravidade do incumprimento, ponderando a viabilidade de a relação laboral poder subsistir.” (Da Cessação do Contrato, 2015, 3ª edição, págs. 427 e 428.)
“A subsistência do contrato é aferida no contexto de um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma” (Ac. do STJ de 28.01.2016, proc. 1715/12.6TTPRT.P1.S1).
Daí que na apreciação da justa causa se deva atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (Art.º 351º/3 do CT).
O Apelante põe o enfoque no carater das relações entre as partes, menção efetuada a vários passos da sua peça processual.
É certo que os reembolsos foram efetuados a pessoas identificadas em papel timbrado de entidades oficiais.
Contudo, era imperioso que o Apelante confirmasse a legitimidade destas remessas nos termos em que são solicitadas, o que não fez. Nem mesmo em presença da advertência levada a cabo pelo Diretor Comercial, não obstante reconhecer que o procedimento tinha de ser corrigido. O que é bem evidenciador de que não era alheio à desconformidade da prática em curso. Qualquer bom pai de família confirmaria a legitimidade das remessas naquelas circunstâncias, pois se os reembolsos eram devidos às entidades com as quais a empresa contratara, a que propósito seriam remetidos a pessoas singulares?
Ainda que o A. acredite que a Guiné-Bissau se paute por regras distintas, a sua responsabilidade era para com a empresa empregadora, impondo-se que não permitisse a institucionalização de comportamentos menos rigorosos.
Ora, não obstante aquela afirmação, em parte alguma o Apelante enuncia o distinto traçado das regras a que se reporta.
Afirma o Apelante que não se apurou a existência de dano ou que as entidades em causa tenham vindo após reclamar os valores entregues às pessoas singulares.
É verdade. Porém, essa poderá ser uma circunstância atenuante a ponderar em sede indemnizatória. Não é excludente da sua culpa.
Quanto à menção ao regulamento interno e respetivo conhecimento ou não, não tendo a sentença efetuado alguma imputação nesse sentido[5], é espúria a questão para aquilatar da justa causa.
Dos factos cuja prova se obteve não vemos que circunstâncias sociais, políticas ou jurídicas possam ser aqui equacionadas e que imponham algum juízo distinto.
As únicas circunstâncias capazes de influenciar a decisão são os factos acima relatados - a responsabilidade do cargo desempenhado pelo Apelante, a sua antiguidade ao serviço da R., a gravidade da conduta, circunstâncias que exigiam do mesmo uma atitude cuidadosa e zelosa.
Não há, pois, como ter o presente despedimento como ilícito por ausência de justa causa.
Improcede a questão em apreciação.

*

Deter-nos-emos agora sobre a 4ª questão – Ocorreu prescrição do procedimento disciplinar?
A questão vem desenvolvida nas conclusões 35ª e ss.
O Art.º 329º/1 do CT dispõe que o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.
Sobre esta matéria discorreu-se na sentença:
A contagem da prescrição inicia-se no momento da prática da infração.
Quer isto dizer que ainda que a entidade empregadora só venha a ter conhecimento dos factos muito tempo depois da sua consumação, está-lhe vedada a instauração de processo disciplinar desde que sobre os mesmos tenha já decorrido o aludido prazo de um ano.
No que concerne às chamadas infrações continuadas tal prazo conta-se quando findar o último ato que a integra (vide por todos Ac. STJ de 30.04.2008, domiciliado em www.dgsi.pt).

Tal como bem faz notar o Professor Menezes Cordeiro o princípio da celeridade determina que, na instância disciplinar laboral, as medidas a tomar o sejam com rapidez. A pendência de conflitos disciplinares pode conduzir a deterioração das relações profissionais e humanas na empresa.
Além disso, o decurso de um lato espaço de tempo entre uma infração e a sanção tira, a esta, o seu significado próprio (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, Reimpressão, pág. 757).
O decurso do aludido prazo de prescrição é interrompido com a comunicação da nota de culpa e pela instauração de procedimento prévio de inquérito.
Tratando-se de infração continuada a prescrição do procedimento disciplinar começa a contar-se da data em que se praticou o último ato integrado na globalidade das condutas ilícitas.
Se a infração disciplinar se traduzir numa omissão de cumprimento de deveres do trabalhar, a prescrição não começa a correr enquanto se mantiver tal omissão, uma vez que nestes casos a infração só cessa quando o comportamento omissivo é substituído pela execução dos deveres em causa (cf. Ac. do Tribunal Relação de Lisboa de 15.12.1999, domiciliado www.dgsi.pt).
No caso, em suma, a ré imputa ao trabalhador/autor a aprovação de reembolsos de pagamento de combustível em excesso, a favor de pessoas singulares e sem conexão com as entidades beneficiárias dos referidos combustíveis.
Estamos, pois, perante factos continuados que se consubstanciam em reembolsos que ocorreram, de acordo com a ré, entre 09.02.2017[6] e 10.06.2020.
Estando perante uma infração continuada, o prazo de prescrição inicia-se, independentemente da data do conhecimento pela empregadora, quando cesse o referido comportamento.
No caso, o último cheque aprovado foi emitido em 10.06.2020 (cf. facto n.º 42).
Donde resulta que o prazo de prescrição se iniciou a partir desse dia, independentemente do conhecimento pela ré quanto àqueles factos.
Tem razão o autor quando diz que não beneficia aqui a ré do prazo prescricional de factos que constituam crime.
Com efeito, compulsada a imputação feita ao autor, em nenhum momento, dela se pode retirar, objetivamente, a imputação de factos que constituam a prática de um crime, designadamente de corrupção, tanto mais que há uma omissão total quanto a benefícios para o autor pela referida prática.
Ora, resulta que o processo disciplinar foi instaurado no dia 08.06.2021, ou seja, dentro do prazo de um ano subsequente à alegada prática dos referidos factos.
Donde resulta que àquela data não estava prescrito o procedimento disciplinar, improcedendo assim a exceção invocada pelo autor.
Defende o Apelante que a relevância do facto interruptivo se situa na notificação da nota de culpa e não na abertura do processo disciplinar.
Parece-nos que sem razão.
Dispõe o Art.º 352º do CT que caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no nºs. 1 ou 2 do Art.º 329º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo.
No caso temos que em 1/06/2021 se iniciou o procedimento prévio de inquérito, procedimento que foi encerrado a 6/06/2021, vindo a R. a comunicar ao A. a intenção de despedimento e anexando nota de culpa em 1/07/2021.
Em presença dos factos em discussão afigura-se-nos indiscutível a necessidade daquele procedimento, pelo que o seu início, em 1/06/2021 interrompeu o prazo em curso[7]. Interrupção que não sofre qualquer mácula dada a diligência posta no mesmo – o encerramento deu-se 5 dias depois – e a nota de culpa foi comunicada dentro do lapso temporal acima mencionado. Por último, a R. tomara conhecimento de inquérito preliminar levado a cabo pela EMPRESA X em 27/05/2021, pelo que, tendo implementado o procedimento prévio de inquérito logo do dia 1/06 agiu diligentemente.
Neste sentido, Pedro Romano Martinez, segundo qual em presença do disposto no Art.º 329º/1 e 2 “há que atender, pois, a dois prazos distintos: um de sessenta dias e outro de um ano. Os mencionados prazos interrompem-se com a comunicação da nota de culpa (Art.º 353º, nº 3 do CT 2009) e com a instauração do procedimento prévio de inquérito (Art.º 352º do CT 2009) (Direito do Trabalho, 2010, 5ª Ed., IDT e Almedina, 1061).[8]
Ora, com a interrupção do prazo inutiliza-se todo o tempo decorrido até então, pelo que não se verifica prescrição do procedimento.
Termos em que improcede a questão em apreciação.

*

E avançamos para a 5ª questão – Ocorreu caducidade do poder disciplinar?
Sobre a questão a sentença adiantou, entre outros, que:
o procedimento disciplinar deve exercer-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar teve conhecimento da infração (art.º 329º, nº 2 do CT).
O decurso deste prazo de caducidade é interrompido com a comunicação da nota de culpa e pela instauração de procedimento prévio de inquérito (disposições conjugadas dos art.ºs 352º e 353º, nº 3 do CT/2009).
Mas o processo prévio de inquérito apenas tem eficácia interruptiva se:
- for necessário para fundamentar a nota de culpa;
- for instaurado no prazo máximo de 30 dias após a suspeita da existência de comportamentos irregulares;
- se não mediarem mais de trinta dias entre a sua conclusão e a notificação da nota de culpa; 352º do CT é um procedimento constituído, no essencial, pelo conjunto de atos necessários para se apurarem factos com eventual relevo disciplinar, as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os mesmos ocorreram e as consequências deles eventualmente decorrentes.
Em suma, destina-se a verificar a existência da infração, as circunstâncias determinativas da sua gravidade e a identificação dos respetivos agentes.
Por último, importa relevar, como se sumariou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.03.2012, domiciliado em www.dgsi.pt, que “I – É ao trabalhador que compete o ónus da alegação e prova de que foi excedido o prazo para iniciar-se o procedimento disciplinar. II – Tal implica demonstrar a data em que o empregador ou o superior hierárquico com competência disciplinar tomou conhecimento dos factos constantes da nota de culpa, o que constitui o termo inicial de tal prazo, bem como a data em que a nota de culpa foi recebida pelo trabalhador, o que constitui o termo final do mesmo prazo.
(…).”
No caso, temos por certo, que o Conselho de Administração da ré teve conhecimento dos factos em 27 de Maio de 2021. O autor não alegou nem provou que o conhecimento dos factos por quem detinha o poder disciplinar tivesse ocorrido em data anterior. Era sobre o autor que invocou a matéria de exceção que recaía esse ónus (artigo 342.º, n.º 2, CC).
O processo prévio de inquérito foi iniciado em 1 de Junho de 2021 e encerrado no dia 8 de Junho de 2021.
Ao contrário do que o autor diz, o processo de inquérito, foi conduzido de forma diligente, tanto mais que deve a duração de oito dias incluindo fins-de-semana. Discordamos também da sua desnecessidade pois sendo certo que acabou por acolher o inquérito levado a cabo na Empresa X, julgamos ter sido aquele o tempo necessário para aferir das diligências naquelas feitas, na análise e na decisão do seu acolhimento.
A nota de culpa foi concluída em 30 de Junho de 2021 e, a sua notificação ao autor ocorreu no dia 2 de Julho de 2021, estando assim dentro dos prazos prescritos na lei.
Nesta conformidade, não podem deixar de improceder a exceção da caducidade do direito de exercício da ação disciplinar da ré pelos factos imputados ao autor e da caducidade do procedimento disciplinar.
Pelas razões que supra já adiantámos, não nos merece censura o juízo assim efetuado.
Improcede, pois, a questão em apreciação.

*

Em 6º lugar pretende o Apelante que deveria ter sido aplicada a amnistia decorrente da Lei 38-A/23 de 2/08.
A Lei 38-A dispõe:
Artigo 6.º
Amnistia de infrações disciplinares e infrações disciplinares militares
São amnistiadas as infrações disciplinares e as infrações disciplinares militares que não constituam simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela presente lei e cuja sanção aplicável, em ambos os casos, não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar.
O Apelante suscita a questão não por referência à infração conducente ao despedimento, mas sim à infração que deu azo a uma repreensão registada mencionada no ponto 20 do acervo fático, alegando que a existência de registo disciplinar não é irrelevante na ponderação a levar a cabo nos autos.
Não se vê que a sentença tenha dado especial ou, sequer, alguma relevância ao sancionamento naqueloutro processo.
De todo o modo, os comportamentos sancionáveis em direito privado laboral não estão previamente tipificados, de modo a que se possa concluir pela aplicabilidade, em face do tipo – inexistente- desta ou daquela sanção. Circunstância que afasta in limine a aplicabilidade do Art.º 6º da Lei.
Na verdade, a sanção a aplicar depende sempre de ponderação a efetuar pelo empregador em presença da infração perpetrada.
Por outro lado, não estamos em sede contraordenacional, pelo que o Art.º 5º não tem aqui qualquer cabimento.
Improcede, pois, a questão em apreciação.

*

Prosseguimos com a análise da 7ª questão – Foi violado o Art.º 355º do CT?
Dispõe-se aqui que o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa…
A matéria atinente ao direito de consulta encontra respaldo nos pontos 64 a 85 do acervo fático.
A questão em apreciação não se prende, contudo, com a consulta do procedimento que deu origem à decisão aqui impugnada.
Prende-se com um procedimento datado de 2019, mostrando-se cabalmente justificada a impossibilidade de, no contexto do procedimento disciplinar atinente a estes autos, dar acesso ao mesmo. As consequências eventualmente advenientes da recusa de consulta devem discutir-se no âmbito de alguma ação que vise o mesmo.
No acervo fático a ponderar nesta ação consta a aplicação de uma outra sanção disciplinar – ponto 20. Sem que, contudo, a sentença lhe tenha atribuído alguma relevância.
Ora, sendo embora verdade que o registo disciplinar pode constituir motivo de ponderação na sanção a aplicar, o recurso incide sobre a sentença. Não sobre a decisão de despedimento.
Termos em que improcede a questão em apreciação.

*

Por último, a questão 8ª - As declarações prestadas em processo prévio de inquérito não podem valorar-se?
Ponderou-se na sentença:
Temos por certo o direito do trabalhador de não prestar declarações em processo disciplinar em seu desfavor, de não confessar a sua culpa, por aplicabilidade do princípio da presunção da inocência (artigo 32.º, n.º 2, CRP) aplicado ao processo disciplinar.
Donde decorre naturalmente que o trabalhador tem o direito de não prestar declarações.
Contudo, parece-nos não assistir razão ao autor uma vez que compulsado o processo disciplinar, designadamente quanto à imputação de factos feita na nota de culpa, aquele funda-se em declarações de outros trabalhadores tomadas em sede de processo prévio de inquérito tomadas pela Empresa X bem como em elementos documentais.
 Donde a tomada de declarações ao autor em processo prévio de inquérito na Empresa X não constitui violação de qualquer garantia de defesa do autor, designadamente a sua presunção de inocência.
Concordamos com esta argumentação.
Acrescentamos apenas que a lei põe à disposição do Trabalhador uma específica ação para apreciação judicial do despedimento, sendo que, tanto a regularidade, como a licitude do despedimento apenas podem ser apreciadas por tribunal judicial (Art.º 387º/1 do CT). Nesta ação compete ao empregador a motivação do despedimento e o respetivo ónus da prova.
Ora, no caso nem sequer vem impugnada a decisão contendo o acervo fático provado, situação que permitiria aquilatar do bem ou mal fundado de tal acervo. Por outro lado, não diz o Apelante em que é que saiu prejudicado com eventual valoração das suas declarações, valoração que não foi efetuada nesta ação conforme elucida a sentença – vd. pg. 46 a 48. Qualquer valoração em sede de inquérito é irrelevante perante a necessidade de recurso a uma ação judicial.
Termos em que é infundada a questão em apreciação.
 
<>

As custas devidas pela apelação constituem encargo do Apelante, que ficou vencido (Art.º 527º do CPC).

*
***
*

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique.

Lisboa, 24/01/2024
MANUELA FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
“Acompanho a decisão, sem prejuízo de considerar que a Lei da amnistia não é aplicável às infrações laborais, conforme voto da Dr.ª Celina Nóbrega.”
CELINA NÓBREGA
"Concordo com o decidido relativamente à inaplicabilidade da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (Lei da Amnistia), mas ainda entendo que a inaplicabilidade da mencionada Lei decorre do seguinte fundamento:
O empregador, não o Estado, é o titular do poder disciplinar e é a ele que incumbe aferir da oportunidade do seu exercício e escolher, de entre o rol das sanções disciplinares e com respeito pelos limites estabelecidos no n.º 3 do artigo 328.º do CT, aquela que, em seu entender, se adequa ao caso concreto. Apenas a posteriori caberá ao Tribunal o controlo e fiscalização das sanções aplicadas pelo empregador sem que, contudo, lhe seja permitida a alteração das mesmas. Assim, a interpretação de que a Lei da Amnistia quando refere “infrações disciplinares” inclui os ilícitos de natureza laboral praticados por trabalhadores vinculados a empregadores privados, para além de esvaziar o poder disciplinar do empregador, sem que, para tanto, se altere o Código do Trabalho quanto a esse poder, representaria uma intromissão por parte do Estado na gestão e organização das empresas privadas, não permitida pela Constituição da República Portuguesa, por chocar com o direito à livre iniciativa, à liberdade de iniciativa e de organização empresarial (art.ºs 61.º n.º 1, 80.º al. c) e 82.º n.º 2 da CRP) (vide António de Lemos Monteiro Fernandes e João Vilaça, em RH Magazine, 12 de Setembro de 2023, consultável em https://rhmagazine.pt/atualidade-laboral-estarao-as-infracoes-laborais-cobertas-pela-amnistia/
*
Quanto à impugnação da matéria de facto, entendo que, no caso de se tratar de factos essenciais não alegados pelas partes, o Tribunal da Relação deve anular a decisão com vista à ampliação da matéria de facto (art.º 662.º n.º 2 al. c) do CPC), o que não sucede no presente caso. "
***
______________________________________________________
[1] Será eficácia
[2] O autor violou os deveres que sobre si impendiam “designadamente quanto às normas contidas no Regulamento acima identificado”. Em parte alguma são referenciadas tais normas.
[3] A sentença está datada de 28/08/2023 e a lei entrou em vigor em 1/09/2023
[4] 41 cheques
[5] A não ser a menção vaga acima referida
[6] Conforme tabela que integra pontos 41 e ponto 42
[7] Com o que se discorda do Apelante, nomeadamente porque uma coisa é o inquérito preliminar levado a cabo pela EMPRESA X, outra a avaliação que a R. deve fazer dos factos de que está a tomar conhecimento. Não se vê que a lei exija diligências próprias como parece pressupor o A. na conclusão 45ª.
[8] De salientar que a referência à lição de Pedro Furtado Martins nas conclusões ao Art.º 329º/2 e não ao nº 1