Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10759/21.6T8LSB-B.L1-2
Relator: SUSANA MARIA MESQUITA GONÇALVES
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
RESIDÊNCIA ALTERNADA
BENEFICIÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (elaborado pela Relatora nos termos do disposto no artigo 663º, n.º 7, do CPC):
I. O artigo 143º do Código Civil permite a possibilidade de nomeação de dois acompanhantes em rotatividade, estabelecendo-se um regime de residência alternada da beneficiária com cada um deles em sintonia com essa rotatividade, desde que tal solução salvaguarde o superior interesse da beneficiária.
II. Não sendo possível concluir pela adequação de um tal regime - que implica a residência alternada da beneficiária com cada um dos acompanhantes - ao estado de saúde da beneficiária, não se poderá afirmar que a sua aplicação salvaguarda o superior interesse da beneficiária e, assim sendo, o mesmo não deverá ser implementado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I. Relatório.
Instaurou o Ministério Público o presente processo especial de acompanhamento de maior, pedindo que seja decretado o acompanhamento de “A”, com aplicação da medida de representação geral com administração total dos bens, incluindo a movimentação de contas bancárias, e com limitação do exercício pela Beneficiária da celebração de negócios da vida corrente e, pelo menos, do direito pessoal de fixar domicílio e residência e de testar, exceto se, em sede de exame pericial cuja realização requereu, se vier a apurar que o seu estado de saúde lhe permite o exercício de tais direitos.
Pediu igualmente que seja nomeada como Acompanhante da Beneficiária a sua filha, “B”, e que integrem o Conselho de Família (…) e (…), ambas amigas da Beneficiária.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que a Beneficiária nasceu em 20.04.1948 e que padece de síndrome demencial do tipo Alzheimer, o que a impede de reger a sua pessoa e os seus bens.
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Ordenada a citação da Beneficiária, constatou o Senhor Oficial de Justiça a impossibilidade daquela ser citada em razão da respetiva falta de discernimento, termos em que foi nomeado Defensor Oficioso à Beneficiária, o qual, devidamente citado para os termos da causa, não deduziu resposta ao requerimento inicial do Ministério Público.
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Entretanto, em 12.05.2021, “C”, filho da Beneficiária, apresentou um requerimento nos autos, no qual, designadamente, alega que a sua irmã “B” não é pessoa idónea para representar a Beneficiária e que é o único que apresenta condições para o efeito.
Com esse requerimento arrolou testemunhas.
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O Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, através do Gabinete Médico-Legal e Forense do Oeste, procedeu à perícia médico legal da Beneficiária, tendo elaborado o respetivo relatório no qual concluiu que a Beneficiária é portadora de Perturbação Neurocognitiva Major em Doença de Alzheimer que a impede, de forma irreversível, de governar autonomamente a sua pessoa e bens.
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Na sequência de pedido nesse sentido, em 12.10.2021 foi deferido a “C” o acompanhamento dos autos.
Por requerimentos de 18.10.2021, 11.01.2022 e 03.02.2022, “C” insistiu no sentido de ser nomeado Acompanhante da Beneficiária.
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Em requerimento de 25.01.2022, “B”, filha da Beneficiária, sustentou o deferimento da pretensão deduzida pelo Ministério Publico na sua petição inicial e arrolou testemunhas.
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A Beneficiária foi ouvida pelo Tribunal no dia 08.04.2022.
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Em 21.04.2022, o Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Pelo exposto, julga-se a ação procedente, e:
1) Decreta-se a medida de acompanhamento de representação geral para a Beneficiária “A”.
2) Determina-se a constituição de conselho de família, sendo vogais os filhos da Beneficiária: “B” e “C”.
3) Nomeia-se como acompanhante legal da Beneficiária um dos filhos, a indicar pelo conselho de família”.
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Reunido o Conselho de Família em 02.06.2022, conforme respetiva ata, o mesmo pronunciou-se, por unanimidade, no sentido de que devem ser nomeados como Acompanhantes da Beneficiária ambos os filhos desta, cabendo à filha “B” tratar da gestão das questões patrimoniais da Beneficiária e ao seu filho “C” a função de cuidar de todas as questões relacionadas com a saúde da Beneficiária.
O Conselho de Família deliberou ainda por unanimidade que doravante o mesmo seria constituído por (…) e (…), ambos amigos da Beneficiária.
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Em 06.06.2022, o Tribunal de 1.ª instância proferiu decisão do seguinte teor:
Compulsados os autos:
Atento o teor da sentença proferida e considerando a ata de reunião do Conselho de Família:
Nomeia-se “B” como acompanhante legal da Beneficiária “A”.
Nomeia-se “C” como acompanhante legal substituto da Beneficiária, cf. artigo 900.º, n.º 2, do Código do Processo Civil.
Notifique-se”.
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Inconformado com a decisão de 06.06.2022, dela recorreu “C”.
O recurso foi admitido e tramitado em separado (Apenso A).
Em Setembro de 2022 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão que julgou procedente o recurso e anulou a decisão recorrida.
Nesse acórdão escreveu-se:
Nestes termos, quer por o Conselho de Família não ter tomado posição expressa quanto à pessoa ou pessoas que devem no dia a dia cuidar da Beneficiária, quer por os autos não conferirem a este Tribunal elementos probatórios quanto à pessoa ou pessoas que devam ser nomeadas como acompanhantes da Beneficiária, importa anular a decisão recorrida e remeter os autos ao Tribunal recorrido a fim de aí prosseguirem seus termos.
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Por requerimento de 08.08.2022 “C” informou o Tribunal da sua decisão de levar a Beneficiária para junto de si, bem como das razões que, na sua opinião, justificam essa decisão.
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Por despacho de 07.11.2022 foi determinada a realização de reunião do Conselho de Família para tomar posição expressa acerca da pessoa que deve no dia a dia cuidar da Beneficiária.
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Reunido o Conselho de Família em 06.12.2022, consta da respetiva ata o seguinte:
 “Aberta a diligência pelas 15:08 horas, pela Digna Magistrada do Ministério Público foi explicado o propósito/objeto da presente reunião de Conselho de Família, para tomar posição expressa quanto à pessoa que deve no dia a dia cuidar da Beneficiária, tal como determinado em despacho.
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Seguidamente, pela Digna Magistrada do Ministério Público foi perguntado se mantêm tudo o que está na anterior ata de Conselho de Família (no sentido de como está a decorrer), não estando o irmão “C” de acordo.
Dada a palavra ao Sr. “C” no uso da mesma, em síntese, disse que quanto à questão patrimonial que fique com a irmã como determinado, mas pretende ser ele a gerir as questões do dia a dia da Beneficiária, bem como as questões de saúde e de residência da mesma.
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Seguidamente, dada a palavra à Sr.ª “B” no seu uso disse pretender ser a própria a cuidar da Beneficiária no dia a dia, como sempre o foi, e entende que o irmão não tem condições psicológicas para o fazer.
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Perante total desavença e completa animosidade entre os dois irmãos, elementos do Conselho de Família e atentas as posições extremadas entre ambos, a digna Magistrada do Ministério Público apelou ao bom senso, tentou chamar à razão ambos os elementos do Conselho de Família, apelando até à sensibilidade que o caso denota, ao eventual tempo de vida da Beneficiária, sendo certo que em nada resultou mostrando-se ambos os irmãos em total animosidade, mantendo as posições extremadas, "fugindo" até ao expresso objeto da presente reunião de Conselho de Família, entendendo o Sr. “C” que deveria ser o próprio a cuidar da mãe no dia a dia, no entanto negando a possibilidade de se deslocar à residência onde atualmente a Beneficiária se encontra (casa da filha “B” – Rua (…)), mesmo quando sugerido de forma alternada, pretendendo alterar a residência atual da Beneficiária, pois em seu entender não se poderá dissociar o “quem deve cuidar no dia-a-dia da Beneficiária” com a residência da mesma.
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Perante as posições assumidas, pela Digna Magistrada do Ministério Público foi proferida a seguinte:
PROMOÇÃO
Entende o Ministério Público que face à total desavença e completa animosidade entre os irmãos, elementos do Conselho de Família, os mesmos não estão em condições de tomar qualquer posição relativamente ao objeto desta reunião, motivo pelo qual o Ministério Público consigna que irá requerer ao Tribunal que designe a constituição de um novo Conselho de Família a fim de tomar posição quanto ao objeto da reunião de hoje.
(gravação: de 00h:0m:01s a final).
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Em 07.12.2022, o Ministério Público expôs o seguinte:
Realizada que foi a reunião do Conselho de Família em 06.12.2022, atenta a posição antagónica assumida pelos elementos que o compõe não foi possível a obtenção de acordo entre estes.
Por outro lado, atenta a ausência de elementos nos autos que permitam ao Ministério Público propender para alguma das posições assumidas, não foi possível tomar posição.
Acresce que no entendimento do Ministério Público face à clara desavença e total animosidade entre os irmãos, os quais são os elementos que compõem o conselho de família e, concomitantemente, ambos indicados a exercer o cargo de Acompanhante por deliberação da reunião que antecede, embora em área diversa, não se encontram os mesmos em condições de tomar posição quanto ao objeto da reunião do último Conselho de Família, considerando o fundamento legitimador que subjaz a este instituto, pelo que, considera-se que só será profícua a realização de novo conselho de Família se o mesmo for composto por outros elementos que não os indicados acompanhantes.
Por outro lado, não resultando dos autos quaisquer elementos que indiquem que algum dos Acompanhantes não poderá/deverá cuidar da beneficiária no dia-a-dia, nada temos a opor a que sejam ambos designados como cuidadores diários, em alternância.
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Todavia:
Considerando que os atuais vogais do conselho de família são os únicos 2 filhos da beneficiária, que é viúva, e atendendo ao objeto da reunião do conselho de família, entendo que não é de realizar nova reunião com novos vogais com o mesmo objeto”.
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Em 12.12.2022, “C” apresentou requerimento (que reiterou em 20.01.2023), do qual consta:
(…)
Nessa perspetiva e uma vez que ambos os filhos da Beneficiária pretendem ter a oportunidade de prestar cuidados à mesma e de a acompanhar diariamente nos seus últimos tempos de vida, o ora Interessado, com o apoio agora manifestado pela Exma. Senhora Procuradora, requer a V. Exa. se digne ordenar que ambos os filhos da Beneficiária sejam nomeados acompanhantes da mesma, nos termos do acordado na primeira sessão do Conselho de Família (quanto às questões patrimoniais e às questões de saúde), (…) mais se determinando que a Beneficiária deverá passar a residir alternadamente com cada um deles por períodos de 1 semana ou 15 dias (…)”.
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Em 16.01.2023, “B” requereu o seguinte:
(…)
- Por tudo isto e por tudo o que já se escreveu noutros requerimentos e que aqui se dão por reproduzidos, deverá ser deferido o que foi requerido em sede de petição inicial pelo Ministério Público e ser nomeada como acompanhante legal da Beneficiária (para todos os assuntos) a filha mais velha “B” (…)”.
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Por despacho de 20.04.2023 foi determinada a inquirição das testemunhas arroladas e a elaboração de relatório social sobre a situação sócio familiar e condições habitacionais em que se encontra a Beneficiária.
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Foi junto em 22.05.2023 relatório social datado de 16.05.2023.
Foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes.
Foram prestadas declarações de parte pelos dois filhos da Beneficiária.
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Em 23.08.2023 o Tribunal a quo proferiu decisão na qual concluiu:
(…)
Pelo exposto:
1. Nomeia-se “B” como acompanhante legal da beneficiária “A”.
2. Nomeia-se “C” como acompanhante legal substituto da beneficiária “A”.
3. Nomeia-se vogal do conselho de família e protutor: (…).
4. Nomeia-se vogal do conselho de família: (…).
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Não se conformado com essa decisão, dela veio recorrer “C”.
Reproduzem-se aqui as respetivas conclusões:
1. O presente recurso de apelação interposto pelo ora Recorrente tem por objeto a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo que nomeou “B” como acompanhante legal da Beneficiária e “C” como acompanhante legal substituto da Beneficiária.
2. Crê o Recorrente, com o devido respeito pela opinião do Meritíssimo Juiz a quo, que a decisão deste padece de uma imperfeita interpretação da realidade dos factos em causa, da prova produzida nos autos e, no que toca às questões de Direito, uma errada subsunção dos factos ao Direito aplicável.
3. Decorre da sentença recorrida, que a motivação para a decisão sobre a matéria de facto provada resulta dos depoimentos das seguintes testemunhas: (…), e ainda dos documentos juntos aos autos e das declarações de parte de cada um dos filhos da Beneficiária.
4. No entanto, constitui fundamento para o presente recurso o facto de os depoimentos das testemunhas “D”, “E” e “F” não terem sido devidamente valorados pelo Tribunal a quo, a par de ter sido ignorada parte da prova documental constante dos autos, o que conduziria, certamente, à improcedência da ação, como veremos.
5. Nas presentes alegações analisam-se em detalhe alguns dos factos e das provas que se considera que impunham uma decisão diferente da proferida.
6. O Meritíssimo Juiz a quo não faz qualquer juízo sobre a capacidade do filho da Beneficiária, aqui Recorrente, para cuidar da sua mãe, focando-se apenas nos períodos em que o mesmo residiu no estrangeiro - o que, certamente, tem pouca ou nenhuma relevância para a matéria que se discute na presente ação - e na visita ocorrida no passado dia 7 de Agosto de 2022.
7. Nessa visita e tal como transparentemente comunicou a este Tribunal, o Recorrente levou a Beneficiária, optando que a mesma pernoitasse em sua casa, de forma a garantir que a mesma comparecia às consultas médicas que o Recorrente tinha agendado para a sua mãe.
8. Foi com base tão somente neste episódio, que a decisão recorrida veio a entender que o Recorrente “não esteve à altura da situação (...) contrariando o combinado com a sua irmã.”, tendo chegado à conclusão que “deve ser a filha da Beneficiária quem deve continuar a cuidar da sua mãe no dia-a-dia.”.
9. Ora, não se pode conceder que o Tribunal a quo tome uma decisão de tamanha importância para esta família com base num episódio isolado, sem que exista qualquer prova de que a Beneficiária tivesse sido maltratada ou tivesse corrido qualquer tipo de risco nas mãos do seu filho.
10. É necessário, desde logo, ter em consideração que, no momento em que tal ocorreu, não estava regulado, por decisão transitada em julgado, o acompanhamento da Beneficiária, o que significa que, em rigor, o Recorrente não cometeu qualquer ilícito, tendo, na realidade, exercido os seus direitos enquanto filho da Beneficiária.
11. Com efeito, a sentença do Tribunal a quo que tinha designado a Recorrida como acompanhante da Beneficiária, proferida a 21.04.2022, foi objecto de recurso por parte do aqui Recorrente, com efeito suspensivo, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado, por acórdão proferido a 15.09.2022, que a mesma padecia de nulidade.
12. Nesse sentido, dificilmente se compreende o juízo de valor feito pelo Tribunal a quo quanto à atitude do Recorrente, ignorando, por completo, que o mesmo não cometeu qualquer ilícito.
13. Saliente-se que, conforme resulta dos autos, a atuação do Recorrente teve como única e exclusiva finalidade garantir condições dignas, confortáveis e adequadas de vida à sua mãe e afastá-la dos maus-tratos e negligência a que o mesmo considera que a Beneficiária se encontrava sujeita nas mãos da Recorrida, sobretudo em termos de acompanhamento médico.
14. Com efeito, aquilo que o Recorrente pretendia era, precisamente, proporcionar à Beneficiária um acompanhamento médico regular e altamente especializado, à altura da doença de que a mesma sofre, permitindo, assim, que a doença regredisse ou, pelo menos, que não avançasse de forma tão galopante, como se tem verificado nos últimos anos.
15. A título de exemplo, saliente-se que a Recorrida nunca proporcionou sessões de fisioterapia à Beneficiária, o que seria essencial para estabilizar o estado de saúde da mesma.
16. Destaca-se, neste ponto, o depoimento da testemunha “D” – cuja inquirição foi completamente ignorada pelo Tribunal a quo – em que a mesma assegura que a Beneficiária nunca teve fisioterapia no intervalo de tempo em que a cuidadora trabalhou em casa da Beneficiária, primeiro em Lisboa e depois na Ericeira (cfr. Minuto 00:21:25 da gravação com o n.º 20230526103423_20185418_2871106).
17. A mesma testemunha referiu ainda que a Beneficiária terá ido ao médico apenas uma vez durante o tempo que trabalhou em casa desta (cfr. Minuto 00:22:20 da mesma gravação).
18. Resta concluir que a Recorrida não presta os adequados cuidados à Beneficiária, na medida em que não lhe proporciona um acompanhamento médico regular e especializado, como o Recorrente pretendia prestar, se lhe fosse permitido pela irmã e pelas instâncias judiciais.
19. Por outro lado, importa salientar que, conforme resulta dos autos, os filhos da Beneficiária acordaram, na reunião de conselho de família de 02.06.2022 que o ora Recorrente seria nomeado acompanhante da mesma, em particular, ficando responsável por desempenhar as funções relacionadas com todas as questões de saúde da Beneficiária, designadamente decisão na marcação de consultas, na sua comparência às mesmas, na adesão às terapêuticas prescritas e à necessidade de intervenções cirúrgicas (cfr. respectiva acta).
20. Ou seja, em sede de reunião do Conselho de Família e embora com extrema preocupação e renitência, transparentemente manifestada, o Recorrente acabou por acolher a proposta e conselho do Ministério Público no sentido de, pelo menos de forma temporária, repartir o cargo de acompanhante com a sua irmã, na expectativa de que tal solução pudesse, a curto prazo minimizar a falta de cuidados médicos da Beneficiária e contribuir, a médio/curto prazo, para um regime de acompanhamento mais efectivo por parte do Recorrente, inclusive no que respeita à residência da Beneficiária.
21. No seguimento de tal acordo, alcançado entre os filhos da Beneficiária, em sede de Conselho de Família, o Recorrente – tendo ficado responsável por todas as questões de saúde relativas à mesma – agendou diversas consultas e exames médicos.
22. O Recorrente solicitou à sua irmã que lhe prestasse informação sobre os cuidados de saúde prestados à Beneficiária nos últimos dois anos, tendo concluído aquilo que suspeitava, i.e., que a Beneficiária não estava a receber quaisquer cuidados adequados ao seu estado de saúde, não tendo tido uma única consulta médica presencial nos últimos dois anos e não tendo tido qualquer acompanhamento ao nível da fisioterapia.
23. Veja-se que, conforme veio a ser confirmado pela declaração do Dr. (…) junta aos autos pela Recorrida (requerimento de 22.08.2022), o mesmo confirmou que num período de 24 meses, ou seja, de dois anos, a Beneficiária teve apenas duas teleconsultas, não tendo tido qualquer consulta presencial de neurologia.
24. Ora, na sequência da referida reunião e acordo alcançado em Conselho de Família, o Recorrente tratou imediatamente de agendar os necessários exames e consultas médicas para a Beneficiária ser convenientemente avaliada e acompanhada – inclusive pelo seu neurologista, Professor Dr. (…) – tendo a sua irmã decidido unilateralmente cancelar as referidas consultas e impedir a Beneficiária de aceder a tais cuidados essenciais.
25. E como se tal não fosse já suficientemente grave, como suspeitava o Recorrente e foi confirmado pela própria “B” na sessão do Conselho de Família de dia 6 de Julho, a mesma procedeu a tais desmarcações porque ia estar de férias nos dias em causa e, consequentemente, “não tinha disponibilidade” pessoal para as mesmas, confirmando que sobrepunha as suas férias aos interesses de saúde da Beneficiária, inclusive impedindo o Recorrente de garantir esses mesmos cuidados à mãe de ambos, durante a sua ausência e em cumprimento do acordo celebrado quanto à repartição de competências no acompanhamento da Beneficiária.
26. Acresce que resulta do relatório elaborado pela médica neurologista que consultou a Beneficiária em Agosto de 2022, que esta última deveria ser acompanhada em consulta semestralmente.
27. Ou seja, resulta de toda a documentação junta aos autos e, bem assim, do teor do que foi discutido, definido e acordado em sede de Conselho de Família – que o Tribunal a quo ignorou por completo – que, apesar de a Beneficiária necessitar de acompanhamento médico, pelo menos, com periodicidade semestral, não era isso que vinha sucedendo desde que a Recorrida resolveu, sem consultar o Recorrente, levar a Beneficiária para sua casa.
28. Na apreciação da atitude do Recorrente de, em Agosto de 2022, levar a Beneficiária para sua casa, por forma a garantir que a mesma tinha o necessário e adequado acompanhamento médico – veja-se que a Recorrida apenas se comprometeu a tais consultas agendadas pelo Recorrente, na sequência do referido episódio – o Tribunal a quo limitou-se a referir que o Recorrente não “esteve bem”.
29. No entanto, quanto à atitude da Recorrida, ao desmarcar as consultas médicas agendadas pelo Recorrente, ao não respeitar o acordo estabelecido em sede de Conselho de Família e ao não garantir o adequado acompanhamento médico da Beneficiária, o Tribunal a quo nada diz, limitando-se a referir que a filha da Beneficiária está em melhores condições de cuidar da sua mãe no dia-a-dia.
30. Em suma, o Tribunal a quo limitou-se, na sentença recorrida, a fazer uma apreciação, quase moral, da postura do Recorrente no dia 7 de Agosto de 2022, não fazendo, no entanto, qualquer apreciação face a esta e a outras posturas da Recorrida (sendo que a Recorrida violou frontalmente o acordo celebrado em conselho de família ao desmarcar as consultas médicas da Beneficiária agendadas pelo Recorrente).
31. O Tribunal a quo, sem que exista qualquer justificação para o efeito e conforme tem ocorrido desde o início do presente processo, aplicou, quanto aos filhos da Beneficiária, dois pesos e duas medidas.
32. O Recorrente não se pode conformar com tal entendimento simplista plasmado na sentença recorrida que ignora, por completo, a atitude da Recorrida em incumprir o acordado em sede de conselho de família, desmarcando as consultas agendadas pelo Recorrente e que ignora, igualmente, a fundamentação apresentada pelo Recorrente para justificar os seus actos, in casu, o facto de ter ficado com a mãe na sua residência no dia 7 de Agosto de 2022.
33. Face ao exposto, deverá ser alterado o elenco de factos provados passando a incluir o seguinte facto, por provado, “A Beneficiária, estando aos cuidados da sua filha, não tem acompanhamento médico regular e especializado”.
34. Mais se acrescenta que é curioso ver como a sentença recorrida nada refere sobre a capacidade e as condições do Recorrente para cuidar da sua mãe e com ela residir, não obstante essa matéria ter sido objeto de prova testemunhal.
35. Por um lado, o depoimento da testemunha “E” foi absolutamente perentório ao afirmar que o Recorrente não sofre, nem nunca sofreu, de qualquer doença do foro mental ou psicológico que o impeça de cuidar da sua mãe (Cfr. minuto 01:15:09 da gravação 20230526103423_20185418_2871106), contrariamente ao que tinha sido invocado pela Recorrida.
36. Esta testemunha confirmou, ainda que o Recorrente vive numa propriedade inserida na zona do Parque Natural de Sintra – Cascais, que adquiriu precisamente com o intuito de poder viver na mesma com a sua mãe, dando-lhe todas e as melhores condições possíveis.
37. Tendo tal sido expressamente dito pela testemunha que afirmou que “Ficaria, sem dúvida. O objetivo da quinta que ele comprou em Sintra, é mesmo esse [passar tempo com a mãe].”, cfr. Minuto 01:01:06 da gravação 20230526103423_20185418_2871106.
38. Por outro lado, a testemunha “F”, agente da GNR, também teve oportunidade de testemunhar - por se ter deslocado ao local no dia 7 de Agosto de 2022 - que o Recorrente vive numa casa bastante grande, com jardim e com boas condições habitacionais.
39. O agente da GNR, “F”, afirmou relativamente à casa do Recorrente que “era uma casa bastante grande e com boas condições” (cfr. minuto 00:01:31 da gravação 20230526141016_20185418_2871106) e que “Tinha, aparentemente, boas condições habitacionais. Quando chegamos lá ao local o senhor deixou-nos entrar, mostrou-nos as condições da casa.” (cfr. minuto 00:02:14 da gravação 20230526141016_20185418_2871106).
40. Ao presenciar o tratamento que o Recorrente e a(s) cuidadora(s) deram à Beneficiária, a testemunha “F” comprovou no seu depoimento, que “Aparentemente estava tudo bem, tanto as condições habitacionais quanto com a saúde da senhora, não pudemos verificar nada de errado.” (cfr. minuto 00:05:50 da gravação 20230526141016_20185418_2871106).
41. A testemunha “F” conclui ainda que o Recorrente mostrou-se “sempre carinhoso, bastante carinhoso [com a mãe]” (cfr. minuto 00:09:40 da gravação 20230526141016_20185418_2871106).
42. Uma vez que os factos 5 e 6 do elenco de factos provados destacam as condições habitacionais e a capacidade e condições da Recorrida para prestar cuidados à Beneficiária, entende-se que, face ao testemunho do agente da GNR, “F”, deveria integrar a matéria de facto provada, que o Recorrente detém condições habitacionais e técnicas (nomeadamente através da contratação de cuidadoras, referidas pela testemunha “F”) para cuidar da Beneficiária, ressalvando ainda o cuidado afetivo e carinhoso destacado pela mesma testemunha.
43. Mais se refira, por último, que este foi precisamente o entendimento do Ministério Público nos presentes autos, conforme resulta das alegações da Digna Magistrada que referiu que “apresentam os dois [Recorrente e Recorrida] também boas condições de habitabilidade relativamente àquilo que poderiam proporcionar à Beneficiária, à sua mãe.” (cfr. minuto 01:37:19 da gravação 20230630102453_20185418_2871106).
44. Nestes termos, deveria ter sido incluído no elenco de factos provados o seguinte facto provado: “O Recorrente tem condições habitacionais para que a Beneficiária resida consigo e capacidades para cuidar da mesma”, o que se requer.
45. Acresce que, tal como “E” no seu depoimento, a única preocupação do Recorrente neste momento é o bem-estar da mãe.
46. Há mais de dois anos que o Recorrente deixou a sua mulher e a sua casa na Austrália para se dedicar exclusivamente à sua mãe, direito esse que lhe tem sido vedado pela sua irmã e também agora pelas instâncias judiciais.
47. A este respeito, “E” esclareceu no seu depoimento que “A única razão de ele [Recorrente] estar cá [em Portugal] neste momento, e falámos disso diariamente, é tentar a custódia da mãe para garantir tudo o que a D. “A” não está a ter acesso neste momento.” (cfr. minuto 00:52:22 da gravação 20230526103423_20185418_2871106).
48. Em suma, a prova demonstra que o Recorrente não tem qualquer outro interesse se não partilhar a residência da mãe com a irmã e cuidar da mãe nos últimos dias da sua vida, tendo realizado elevados sacrifícios pessoais, única e exclusivamente, com a referida finalidade.
49. Por conseguinte, o facto 8 do elenco de factos provados, “O filho da Beneficiária residiu no estrangeiro entre 2003 e Julho de 2021, tendo viajado nesse período temporal para Portugal, passando aqui algum tempo não concretamente apurado.”, deveria passar a ter a seguinte redação, por tal decorrer da prova produzida: “O filho da Beneficiária residiu no estrangeiro entre 2003 e Julho de 2021, tendo viajado nesse período temporal para Portugal, com o objetivo de acompanhar a mãe e garantir os seus cuidados, nomeadamente os de saúde até ao fim da vida desta, passando aqui algum tempo não concretamente apurado.”.
50. Face ao exposto, ficou provado nos presentes autos que o Recorrente oferece excelentes condições para poder ser, igualmente, acompanhante da sua mãe, podendo oferecer-lhe dessa forma a atenção, os cuidados pessoais, médicos e de saúde que a mesma carece.
51. Salienta-se ainda que a sentença recorrida estabeleceu que a Beneficiária continuaria aos cuidados da filha, ora Recorrida, “Sem prejuízo do direito a visitas, a concretizar posteriormente, se necessário”.
52. Ora, tendo o Tribunal a quo determinado que a residência da Beneficiária se manteria com a filha, não se compreende a razão pela qual não foram, desde logo, concretizados os direitos de visita do Recorrente.
53. Acontece que o Recorrente não sabe se estes direitos de visita se cingem à possibilidade de visitar a mãe durante umas horas nas tardes de domingo em casa e sobre total vigilância da irmã (situação que o Recorrente não pode aceitar), ou se abrangem – como é desejo e direito do Recorrente - a possibilidade de o Recorrente trazer a sua mãe para sua casa e passar com ela, por exemplo, fins-de-semana e períodos de férias.
54. Caso improceda o presente recurso, e o pedido de fixação de um regime de residência alternada da Beneficiária entre os dois filhos não seja admitido – o que apenas se considera por cautela de patrocínio, sem conceder -, o Recorrente requer que o Tribunal se pronuncie sobre o conteúdo dos direitos de visita atribuídos ao Recorrente, concretizando os mesmos (os quais deverão incluir visitas, sempre que o estado de saúde da Recorrente o permitir, fora da casa e vigilância da Recorrida).
55. Esta possibilidade de o Recorrente ir buscar a sua mãe, levando-a a passear ou a passar o fim-de-semana em sua casa revela particular importância tendo em conta o grau de conflitualidade entre os irmãos.
56. Note-se que a Recorrida impede o Recorrente de visitar a mãe de ambos fora da casa onde vive a Recorrida, e que esse é um ponto de discórdia entre os irmãos que deverá ser sanado por decisão judicial, nos presentes autos, pois faz parte da regulação do regime aplicável ao maior acompanhado.
57. Foram evidenciadas pela testemunha “E” as dificuldades do Recorrente para visitar a sua mãe, tendo referido a este respeito que “Neste momento [o Recorrente] não consegue [passar tempo e passear com a mãe], tentou fazê-lo mas por imposição da irmã, ela limitava muito as visitas ao seu quintal e a dar umas voltas com a mãe ali pela zona, por tempo limitado e penso que com a cuidadora (...), sempre junto dele.” (Cfr. minuto 00:52:30 da gravação 20230526103423_20185418_2871106).
58. Pese embora a testemunha tenha referido expressamente que o Recorrente não pode visitar a sua mãe livremente, tal não foi, s.m.o., devidamente valorado pelo Tribunal a quo.
59. Note-se que, contrariamente ao que o presente processo parece fazer crer, a Recorrida decidiu, sem qualquer legitimidade para tal, unilateralmente, retirar os pais de casa e levá-los para a sua residência, colocando entraves aos contactos entre o Recorrente e os mesmos.
60. Contudo, o Recorrente é tão filho da Beneficiária, como a Recorrida é sua filha, tem tantas condições como a Recorrida para tratar da mesma, tem demonstrado carinho, afecto, interesse e elevado sacrifício pessoal apenas para poder privar e tratar da Beneficiária nos últimos anos da sua vida.
61. Tudo questões ignoradas pelo Tribunal a quo na simplista fundamentação que apresenta da decisão recorrida.
62. Face à prova produzida nos presentes autos, sobre esta matéria, em particular, requer-se que seja dado como provado que “O Interessado “C” não tem acesso a visitar livremente a mãe, sem qualquer obstáculo.”.
63. Não se vislumbram razões para que a Beneficiária, caso a residência se mantenha com a filha, não possa passar períodos de tempo alargados com o filho na casa deste, desfrutando assim da companhia e de tempo de qualidade com os seus dois filhos nesta fase final da sua vida.
64. O Recorrente já demonstrou, não só o desejo e vontade de ter mais tempo com a sua mãe, mas igualmente que assegurará todas as condições necessárias para que estes tempos de convívio e visitas com a mãe decorram da forma mais segura e tranquila possível, acautelando todos os aspetos relacionados com a saúde frágil da sua mãe.
65. Com efeito, para além de o Tribunal regular os termos dos direitos de visita do Recorrente, poderá igualmente definir quaisquer aspetos que o Recorrente deva acautelar para poder levar a sua mãe para a sua casa, pernoitando com este, visto que o Recorrente tudo fará para acautelar todas necessidades da sua mãe.
66. Em suma, pese embora o peticionado pelo Recorrente seja a repartição igualitária do tempo da mãe entre os filhos, requer-se à cautela e subsidiariamente, que a decisão judicial se pronuncie sobre os direitos de visita do Recorrente à mãe, em detalhe.
67. Quanto ao local das visitas, requer-se que o Recorrente possa visitar a sua mãe fora da casa onde reside a Recorrida e onde o Recorrente não é, nem se sente bem-vindo, ficando a Beneficiária a pernoitar com o Recorrente na casa deste.
68. Acresce que não resulta da matéria de facto provada (conforme bem referido pela Digna Magistrada do Ministério Público nas suas alegações finais) que seja prejudicial para a Beneficiária a alteração de espaços ou que as visitas ocorreram em casa do Recorrente - e não na casa da Recorrida - gerem qualquer perturbação para a mãe de ambos.
69. Não se vislumbram, assim, motivos para que tal pedido do Recorrente não possa ser atendido.
70. No que concerne ao tempo das visitas, o Recorrente requer – mais uma vez, à cautela - que os períodos de visita do Recorrente à sua mãe sejam de cinco dias, por exemplo de quarta a domingo, pedindo subsidiariamente, que os períodos de visita não sejam nunca inferiores a um fim-de-semana completo de quinze em quinze dias.
71. Adicionalmente, o Recorrente reitera que a sua motivação para ser nomeado como acompanhante da sua mãe não consiste em ter acesso ao património da Beneficiária, conforme foi alegado, mas não provado, pela Recorrida.
72. O objetivo do Recorrente é tão somente oferecer à sua mãe uma melhor qualidade de vida, que não tem podido usufruir nos últimos anos.
73. Dentro desta qualidade de vida que o Recorrente quer proporcionar, inclui-se o acompanhamento médico regular e completo, terapias e cuidados de saúde de qualidade, condições de habitabilidade que não impliquem viver numa cave, que o mesmo, pese embora a decisão do Tribunal a quo, o Recorrente considera inadequada a habitação (especialmente para uma idosa com mobilidade reduzida), e todos os cuidados que a Beneficiária merece tendo em conta a qualidade de vida que sempre teve até ter sido levada pela própria filha para aí viver, sendo afastada da sua residência, em Lisboa, nos últimos 40 anos.
74. O Recorrente tem consciência de que a decisão recorrida considerou como provado que a Beneficiária reside numa casa (adaptada) com excelentes condições de habitabilidade. Pese embora o Recorrente não aceite, em termos pessoais, que se considere como “excelentes condições de habitabilidade”, residir numa cave/garagem adaptada, com difícil acesso – lamentando que o standard do que são consideradas “excelentes condições” para efeitos de avaliação técnica seja tão baixo – o mesmo opta por não recorrer de tal factualidade.
75. Não obstante, ainda que se considere que a Recorrida oferece, na cave da sua residência, “excelentes condições” de habitabilidade para a Beneficiária, também o Recorrente oferece excelentes condições, inclusive com espaços amplos, com muita luz e circulação de ar natural e com acesso a extensos espaços exteriores, onde a Beneficiária pode apanhar sol e passear em toda a segurança.
76. Decorre dos artigos 25.º e 64.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), que todos os cidadãos têm direito à proteção da integridade física e da saúde, bem como o direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar (cfr. artigo 65.º da CRP).
77. Veja-se, a este respeito, igualmente, o disposto no artigo 72.º da CRP, que preserva as pessoas de terceira idade, defendendo as condições de habitabilidade e convívio familiar e pugnando por evitar o isolamento dessas gerações.
78. Refira-se, ainda, a propósito da aplicação de “dois pesos e duas medidas” na apreciação das capacidades e motivações dos dois filhos da Beneficiária, o facto de o Tribunal a quo ter ignorado por completo a actuação da Recorrida de apropriação ilícita do património dos pais, conforme foi alegado e provado pelo Recorrente.
79. Com efeito, o Tribunal a quo não teve qualquer renitência em formular um juízo de valor face à postura do Recorrente em levar a Beneficiária no dia 7 de Agosto de 2022 (não obstante as motivações do mesmo, no interesse da Beneficiária), mas ignorou o facto de a Recorrida estar a ser alvo de investigação criminal face a evidentes ilícitos cometidos com o propósito de se apropriar do património dos pais, aproveitando a debilidade física e cognitiva dos mesmos.
80. E não se diga que, não tendo ainda sido concluído o inquérito nos autos que correm termos relativos a tais ilícitos, o Tribunal a quo não os podia ter valorado.
81. Como é consabido, o facto de tais situações estarem a ser alvo de investigação criminal – com as implicações próprias que daí venham a resultar – não significa que os mesmos não tenham, ou devam ter, também implicações civis, mormente ao nível do presente processo de maior acompanhado.
82. Por esse motivo, o Recorrente não só alegou expressamente nos presentes autos, como juntou prova cabal, da prática de tais ilícitos por parte da Recorrida.
83. No entanto, o Tribunal a quo limitou-se a requerer informações ao processo-crime – informações essas que não puderam ser prestadas por ainda estar em curso o inquérito – tendo ignorado e tendo-se recusado a valorar, do ponto de vista civil, os referidos factos.
84. O Recorrente forneceu ao Tribunal a quo todos os elementos necessários para apreciar a questão em apreço, através do requerimento datado de 18.10.2021, com a referência 30558079, estando este em condições para apreciar as verdadeiras motivações da Recorrida para ter a Beneficiária sob o seu exclusivo controlo.
85. Assim, o Recorrente deu conhecimento aos autos da queixa-crime por si apresentada e do decurso do processo-crime com o n.º (…)/21.9T9LSB na (…).ª Secção do Departamento de Investigação e Acção Penal.
86. Conforme resulta dos factos demonstrados na referida queixa-crime e documentos a ela anexos – que se encontram ainda em investigação pelo Ministério Público mas que foram juntos aos presentes autos – o Recorrente teve conhecimento que o património imobiliário dos pais tinha sido alienado a terceiros, em concreto, o imóvel que era bem comum do casal, sito Rua (…).
87. Tal alienação ocorreu a 10.08.2020, mediante contrato particular de compra e venda e mútuo com hipoteca, no qual constam como outorgantes (…) e (…), pais do Recorrente e da Recorrida, sendo que aquele interveio por si e na qualidade de procurador da sua mulher.
88. Na procuração subjacente ao negócio a Beneficiária alegadamente “confere” poderes a (…), para, em seu nome e representação, “prometer vender, vender da proporção dos respectivos direitos, e em seu nome outorgar e assinar a escritura de compra e venda, pelo preço e condições que entender, receber o preço e dar quitação” o referido prédio.
89. Acontece que a referida procuração foi lavrada em Santa Maria da Feira, no dia 10.08.2020, mediante termo de autenticação, perante o advogado (…), portador da cédula profissional n.º (…), tendo a Recorrida assinado a mesma a rogo da Beneficiária, por esta última “não poder assinar”.
90. Fica por demais evidente (tendo resultado provado nos presentes autos, conforme decisão do Tribunal a quo ao subscrever as conclusões do relatório pericial do IML que arbitram “a data de início da incapacidade total apurada ao ano de 2018”) que, em 2020, a Beneficiária já tinha um grau de incapacidade total que, naturalmente, a impedia de ter consciência dos actos que praticava e a compreensão necessária para a outorga da procuração em causa.
91. É, igualmente, evidente que a Recorrida tinha perfeita consciência da referida incapacidade total, não só porque convivia com a mesma, como por ter sido ela própria a despoletar os presentes autos de maior acompanhado nesse mesmo ano de 2020.
92. Ainda que seja necessário concluir o processo crime para que se prove que o dinheiro resultante da venda do património em causa foi objecto de apropriação por parte da Recorrida – nomeadamente, segundo crê o Recorrente, para a compra da casa na Ericeira para onde a mesma levou a Beneficiária, sem consultar o Recorrente – o facto de a Recorrida ter assinado a rogo a referida procuração é, por si só, um facto ilícito que o Tribunal a quo não podia ter, pura e simplesmente, ignorado.
93. Por conseguinte, tais factos revelam (ou, pelo menos, indiciam fortemente) que o interesse da Recorrida em ser nomeada acompanhante da Beneficiária não tem por finalidade promover pelo bem-estar e saúde desta, mas sim beneficiar do ponto de vista patrimonial da pensão mensal recebida por aquela, tal como tudo indica terá feito com o produto da venda do imóvel identificado na queixa-crime apresentada.
94. Por último, um dos principais fundamentos utilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão recorrida é o facto de, em seu entender, pese embora o artigo 143.º, n.º 3 do Código Civil permita a designação de vários acompanhantes, com diferentes funções, se afigurar impraticável atribuir a função de acompanhantes a ambos os filhos da Beneficiária, uma vez que os irmãos estão de relações cortadas.
95. A lei processual civil permite a designação de vários acompanhantes - vide artigos 143.º, n.º 3 do CC e 900.º, n.º 2 do CPC, não sendo pressuposto para o efeito que os acompanhantes nomeados tenham uma relação cordial ou algum tipo de relação.
96. Outrossim, considera o Tribunal a quo que não se afigura aplicável ao acompanhamento de maior o regime previsto no artigo 1906.º, n.º 6 do Código Civil, o qual prevê o seguinte: “Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.” (destaque nosso).
97. Independentemente da relação entre os acompanhantes e do acordo entre eles, sempre que a designação de vários acompanhantes corresponda ao superior interesse da Beneficiária, deverá ser essa a decisão a proferir neste tipo de processos, tendo em consideração o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP.
98. O regime jurídico aplicável, nos dias de hoje, aos maiores acompanhados, foi portador de uma maior flexibilização do que era, até então, o regime da interdição/inabilitação, precisamente para permitir uma maior adequação de medidas/regime a cada caso concreto, i.e., a cada beneficiário concreto.
99. Em bom rigor, esta flexibilização veio dar ao acompanhado a possibilidade de ter vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um.
100. Neste seguimento, o acórdão refere que: “(...) artigo 143º (...) o que não será admissível é o exercício em simultâneo do cargo de acompanhante por mais do que uma pessoa, a não ser que lhes sejam atribuídas concretas funções e se especifiquem as atribuições de cada um (...) não é efectivamente admissível a nomeação de várias pessoas para exercerem em simultâneo o cargo se não forem especificadas as atribuições que competem a cada um.” (sublinhado e realce nosso).
101. Será, portanto, de entender que, na medida em que ao beneficiário é permitido ser acompanhado por duas ou mais pessoas, também este poderá, atendendo às circunstâncias do caso concreto, ver ser-lhe fixado um regime de residência alternada.
102. Ora, o facto de os Interessados nos presentes autos estarem de relações cortadas não impede (bem pelo contrário) que ambos sejam nomeados acompanhantes e se fixe um regime de residência alternada para a Beneficiária, desde que se estipule, com precisão, os períodos de residência (alternada) e as respetivas funções de cada acompanhante.
103. Há jurisprudência que corrobora este entendimento, leia-se que “O artigo 143º do CC só permite a nomeação de mais do que um acompanhante para o exercício do cargo em simultâneo se forem atribuídas concretas funções e se especifiquem as atribuições de cada um, mas não afasta a possibilidade de nomeação de mais do que um acompanhante se o cargo for exercido apenas por um, num período de tempo concretamente fixado e em regime de rotatividade.” (sublinhado e realce nosso), cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 315/18.1T8MAC.G1, de 17-09-2020.
104. O que se pretende não é que ambos os irmãos sejam nomeados acompanhantes, para exercerem em simultâneo esse cargo, sob pena de surgirem obstáculos práticos, designadamente dúvidas sobre a competência, individual ou conjunta, para a tomada de decisões ou, inclusivamente, a tomada de decisões contraditórias.
105. O Recorrente pretende e entende ser justo, no caso em apreço, que sejam designados dois acompanhantes, em que cada um deles seria responsável por cuidar a tempo inteiro da sua mãe, por determinado período.
106. Não existindo, assim, qualquer uma sobreposição no exercício de funções, que possa tornar o regime de acompanhamento ingovernável, mas antes uma repartição de tempo de qualidade entre os vários filhos maiores, desde que aptos para o efeito.
107. Ambos os filhos já demonstraram ter competências emocionais e condições habitacionais desejáveis para um regime de residência alternada, pelo que se afigura sensato estabelecer um regime de acompanhamento repartido.
108. Nos presentes autos, aquilo que se afiguraria razoável, na perspetiva do Recorrente e do Ministério Publico, seria o exercício do cargo de acompanhante pelo Recorrente e pela Recorrida, em regime de rotatividade.
109. Segundo o disposto no artigo 1874.º do Código Civil, percebemos que recai sobre os filhos um dever de assistência relativamente aos pais idosos.
110. Analisada a prova carreada aos presentes autos, independentemente da relação entre os Interessados, ambos têm o direito de continuar a beneficiar do convívio próximo com a sua mãe.
111. Até as testemunhas da Recorrida disseram que o Recorrente gosta muito da mãe e trata muito bem dela, sendo que a cuidadora atual da Beneficiária, (…), disse que se vê que o Recorrente gosta verdadeiramente da mãe.
112. Da mesma forma, não existe qualquer fundamento médico que impeça a solução em causa.
113. Chama-se a atenção para as alegações final da Digna Magistrada do Ministério Público, ao referir que “nem da perícia nem de outros instrumentos instrutórios dos autos resulta qualquer impedimento médico que possa digamos, impedir, uma decisão deste género, e que levasse a senhora a não poder sair de casa. A senhora não está acamada, vai deambulando, ainda com ajuda...” (sublinhados e realces nossos), cfr. minuto 01:43:22 da gravação 20230630102453_20185418_2871106.
114. Nestes termos e tal como foi expressamente defendido pelo Ministério Público nos presentes autos, não existe qualquer fundamento para impedir que o Recorrente, tal como a Recorrida, possa prestar os referidos cuidados do dia-a-dia, o afecto e o carinho à Beneficiária.
115. Uma vez que ambos os filhos da Beneficiária pretendem acompanhá-la diariamente nos seus últimos tempos de vida, vem o Recorrente requerer que a decisão recorrida seja substituída por outra que permita que ambos os filhos da Beneficiária sejam nomeados acompanhantes da mesma, mais se determinando que a Beneficiária deverá passar a residir alternadamente com cada um deles por períodos de 1 a 3 meses, assim permitindo que a mesma beneficie do acompanhamento e presença de ambos os filhos.
116. Esta será a única solução compatível com o espírito da lei, que respeita os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé (cfr. artigo 266.º da CRP) e faz prevalecer o dever de assistência permanente dos filhos em relação aos pais, previsto no artigo 1874.º do Código Civil.
117. Mais importante do que o espírito da lei é a vontade que a Beneficiária expressaria, se a doença assim lho permitisse.
118. Destaca-se o que foi referido pela Digna Magistrada do Ministério Público (em exclusiva defesa dos interesses da Beneficiária) em sede de alegações finais, tendo sido perentória na solução que propõe: “É o facto de não haver entendimento, é o facto desta relação de conflituosidade, que permite à lei e à jurisprudência, e quanto a isso vou já indicar aqui os acórdãos, que se chama a responsabilidade dos dois irmãos, sejam os dois nomeados acompanhantes em regime de rotatividade. (...) entendemos que deverá este Tribunal nomear como acompanhantes ambos os filhos, os quais irão exercer os poderes inerentes à representação geral e à administração total de bens, em períodos de seis meses alternados. Eu diria a começar os seis meses, (...) a ter início com o filho, que efetivamente já não está com a mãe há algum tempo e tempo o dever de cuidar da mesma, (...) o convívio igual forma com os dois filhos, cremos que esta é a forma que vai de encontro não só àquilo que a lei diz, que é o dever de assistência por parte de ambos os filhos, à pretensão de ambos, ambos querem cuidar da mãe, e àquilo que é o presumível interesse da mãe, da Beneficiária, que é o convívio igual com ambos os filhos. Cremos que se a mãe pudesse manifestar a sua vontade neste momento, iria dizer que queria estar com os dois filhos.”, (sublinhado se destaques nossos), cfr. Minuto 01:38:51 da gravação já supra referida.
119. Face ao exposto, face à prova produzida, e tendo em consideração que o Recorrente está sozinho em Portugal a lutar exclusivamente pela sua mãe, requer-se a este ilustre Tribunal que faça justiça, dando oportunidade aos dois filhos de cuidarem da mãe nos últimos tempos de vida, conforme expressamente defendido pelo Ministério Público.
120. Tudo visto, verifica-se que deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por outra que designe ambos os filhos da Beneficiária como seus acompanhantes legais, em regime de rotatividade, conforme promovido pelo Ministério Público, com todas as demais e devidas consequências legais.
*
O Ministério Público apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem:
1ª – No recurso de apelação interposto por “C”, filho da beneficiária “A” constituem-se como questões a decidir no seu âmbito:
- saber quem no dia – a – dia irá cuidar da beneficiária “A” e
- designação de acompanhantes e em que termos.
2ª – A decisão recorrida é a douta sentença proferida em 23.08.2023, com a referência 427351338, na qual se decidiu:
- nomear “B” como acompanhante legal da beneficiária “A”;
- nomear “C” como acompanhante legal substituto da referida beneficiária;
- nomear vogal do conselho de família e protutor: (…) e
- nomear vogal do conselho de família (…).
3ª – O Tribunal a quo optou por nomear apenas um acompanhante principal, designadamente a filha “B”, tendo nomeado o filho “C” como acompanhante substituto.
4ª – Ora, este último entende reunir condições de facto e de direito para também ele poder ser acompanhante principal e daí que pretenda valer a sua posição para um exercício desse cargo em regime de alternatividade com a sua irmã, ou seja, em paridade de situações e condições e com um sistema definido de visitas.
5ª – O Ministério Público renova, nesta sede, a posição que assumiu em sede de alegações de audiência final, na sequência da qual concluiu que ambos os filhos da beneficiária têm condições relevantes para revestirem a qualidade de acompanhantes, a título principal, em regime, pleno, mas em rotatividade e com salvaguarda de um regime de visitas para o acompanhante que não se encontra em exercício principal.
6ª – Salientam-se, pois, os seguintes aspetos que se entende deverem ser valorizados e que são comuns a ambos os acompanhantes nomeados pela douta sentença recorrida:
- “B” e “C” são ambos filhos da beneficiária, tendo, por isso o direito e a responsabilidade de cuidar da mãe – art.º 1874º do CC;
- ambos têm relação afetiva com a mãe, pretendendo cuidar dela, no dia – a – dia, manifestando interesse e pugnando nesse sentido;
- nenhum deles irá cuidar da beneficiária direta e exclusivamente, visto que ambos irão ter cuidadoras que assumirão o cuidar básico/necessário direto e que eles irão exercer respetivamente as suas profissões/ocupações; ambos irão, sim, determinar o modo do cuidar da beneficiária;
- ambos têm condições de habitabilidade adequadas à situação de doença da beneficiária, o que resulta do relatório social, quanto à requerente e da prova testemunhal, quanto ao filho, ora apelante;
7ª – Há que ponderar o interesse presumível da beneficiária, critério norteador do processo de maior acompanhado, já que não o manifestou anteriormente nem pode manifestá-lo, na atualidade, em estar com ambos os filhos nesta fase da sua vida, podendo, justamente, ainda beneficiar da presença e contributo efetivo de cada um deles para uma vivência digna e harmoniosa.
8ª – Acresce que, em concreto, existe um substrato de relações cortadas entre os dois irmãos que complica toda a situação, mas que também se mostra passível de ser ajustado aos interesses da beneficiária e aos direitos – deveres dos acompanhantes filhos e que consiste no mencionado exercício do cargo de acompanhante a título principal e pleno dessas funções, por um certo período, que poderá oscilar entre um mês e três meses ou três meses e seis meses (mas que se entende deve, em concreto ser fixado), com visitas para o outro irmão, que não se encontra em fase de acompanhante principal, ou seja, em regime de rotatividade.
9ª – Nesse tipo de exercício, em alternância, ora se é acompanhante a título principal ora se exerce o direito de visitas, em contrapartida.
10ª – O direito de visitas deve ser estabelecido de modo consistente, exequível, frequente e regular para o filho que não se encontra a exercer o cargo de acompanhante principal.
11ª – Por exemplo, estabelecendo-se a passagem de um fim de semana de quinze em quinze dias com o acompanhante que não está em exercício principal desse cargo.
12ª – Esta posição encontra acolhimento na jurisprudência vertida no douto acórdão proferido em 17.09.22 pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que abordou a questão da nomeação de mais do que um acompanhante, transcrevendo-se aqui o seu ponto nº 4 por interessar ao objeto da apelação:
“ IV- O artigo 143º do CC só permite a nomeação de mais do que um acompanhante para o exercício do cargo em simultâneo se forem atribuídas concretas funções e se especifiquem as atribuições de cada um, mas não afasta a possibilidade de nomeação de mais do que um acompanhante se o cargo for exercido apenas por um, num período de tempo concretamente fixado e em regime de rotatividade.”
13ª – Verifica-se, pois, que, atenta a natureza e escopo do regime de maior acompanhado, o interesse presumível de “A”, a beneficiária, o interesse positivo manifestado por “B” e “C”, ambos os filhos daquela, atendendo às condições apresentadas por ambos, justifica-se que o exercício do cargo de acompanhante a título principal possa ficar atribuído a cada um deles, em regime de alternância e com contrapartida na fixação do direito de visitas para o acompanhante em não exercício principal.
14ª – Em face do exposto e, salvo o devido respeito por posição diversa, entende-se que a apelação deve proceder em conformidade com o que o Ministério Público sustenta e aqui renova.
*
Também a filha da Beneficiária “B” contra-alegou, igualmente se reproduzindo aqui as respetivas conclusões:
1. Impõe-se a improcedência do recurso, devendo manter-se inalterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que nomeou “B”, filha da beneficiária, como acompanhante legal da Beneficiária e “C” como acompanhante legal substituto.
2. O presente processo foi motivado pelo Ministério Público que (em 03/05/2021) requereu que fosse decretado o acompanhamento, por razões de saúde, de “A” (na altura casada), com a aplicação da medida de representação geral com administração dos bens, incluindo a movimentação de contas bancárias, nos termos do art.º 145.º, n.º 2, alíneas b) e c), do Código Civil, e com limitação, nos termos do art.º 147º, n.º 1, do Código Civil, do exercício, pela beneficiária, da celebração de negócios da vida corrente e, pelo menos, do direito pessoal de fixar domicílio e residência e de testar, excepto se, em sede de exame pericial cuja realização se requer, se vier a apurar que o seu estado de saúde lhe permite o exercício de tais direitos.
3. Resultando da petição do Ministério Público que a beneficiária residia com a sua filha mais velha, “B” (cfr. documento n.º 7), que se encontra presente na sua vida e que tem procurado prestar-lhe o apoio de que a mesma carece, assegurando o seu bem estar e auxiliando a mesma nas várias actividades da vida diária, requereu o Ministério Público que como acompanhante da Beneficiária fosse nomeada a sua filha mais velha “B”, encontrando-se a mesma disponível para assumir as funções de acompanhante.
4. Tendo o Ministério Público defendido que tal designação é a que melhor salvaguarda o interesse imperioso da Beneficiária e que corresponde ao cumprimento da sua vontade.
5. O douto Tribunal a quo ordenou a realização de exame pericial à Beneficiária para determinação da afeção de que sofre, as suas consequências, a data provável do seu início e os meios de apoio e de tratamento aconselháveis e determinou a audição da Beneficiária.
6. Mostrando-se provado nos autos que a Beneficiária, por razões de saúde, encontra-se impossibilitada de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos, decidiu o douto Tribunal que a Beneficiária deve beneficiar de medidas de acompanhamento previstas no Código Civil, e decretou a medida de acompanhamento de representação geral para a Beneficiária, que segue o regime da tutela, com as necessárias adaptações. A Beneficiária apresenta perturbação neurocognitiva major, vulgo demência.
7. Na douta Sentença (transitada em julgado) o Tribunal deferiu o acompanhamento da Beneficiária a um dos filhos, a indicar pelo conselho de família que constituiu, sendo vogais do mesmo os filhos da beneficiária, nomeando como acompanhante legal da Beneficiária um dos filhos, a indicar pelo conselho de família. Note-se que o ora recorrente não recorreu desta sentença invocando que deveriam ser ambos os filhos nomeados acompanhantes legais da beneficiária (com residência alternada), o que vem agora fazer no presente recurso.
8. Durante todo o processo que correu no Tribunal a quo - de 03/05/2021 até à Sentença proferida em 24/08/2023 - dos dois filhos da Beneficiária “A” apenas a filha da Beneficiária (“B”) foi sujeita a visitas regulares de técnicas da Segurança Social, do INML, de agentes da GNR e demais entidades que elaboraram e juntaram aos autos os respetivos relatórios, documentos que constituem prova, que permitiu ao Tribunal a quo considerar provado que:
- A casa em que a Beneficiária reside com a filha “B” e os dois netos sita na Rua (…), é uma moradia recente com excelentes condições de habitabilidade
- No dia-a-dia, é a filha quem cuida da Beneficiária, com a ajuda de 3 cuidadoras, 24 horas por dia;
- A Beneficiária é tratada com todos os cuidados necessários, considerando nomeadamente o quadro clínico de perturbação neurocognitiva major, vulgo, demência, de que padece;
- O espaço onde a Beneficiária costuma estar na casa foi adaptado à sua situação de saúde, com um quarto grande, sala com kitchenette e WC adaptado. O espaço tem acesso direto para o terraço;
- Os filhos da Beneficiária estão de relações cortadas;
- O filho da Beneficiária residiu no estrangeiro entre 2003 e Julho de 2021, tendo viajado nesse período temporal para Portugal, passando aqui algum tempo não concretamente apurado;
- Em 2022, o filho da Beneficiária visitou a mãe na parte da manhã de Domingos de Junho, Julho e Agosto;
- Numa dessas visitas, em 7.8.2022, a Beneficiária foi entregue ao filho, de manhã, em casa, conforme combinado com a filha. O filho não entregou a Beneficiária em casa, ao invés do combinado, que era: no mesmo dia, por volta das 13 horas, em casa da filha da Beneficiária. Após mensagens de telemóvel entre os irmãos, e de tentativas de chamadas telefónicas da irmã para o seu irmão, a filha da Beneficiária relatou o sucedido à GNR. Em 8.8.2022, o filho entregou à sua irmã a Beneficiária, que regressou a casa, acompanhada pela filha.
9. Sendo que em momento algum as situações referentes às condições de habitabilidade (adequadas à situação de doença da Beneficiária) do recorrente ou a capacidade e organização do mesmo para cuidar da mãe foram comprovadas nos autos, assim como, nunca nenhuma entidade terceira e imparcial se deslocou a qualquer morada do recorrente para as verificar ou feito qualquer outra perícia ou averiguação com esse mesmo fim.
10. Na verdade, o recorrente não fez qualquer prova, que se impunha documental, emitida por entidade com competência técnica e imparcial, de qualquer um dos factos pertinentes para a matéria em discussão nos autos.
11. E a única prova apresentada pelo recorrente no processo, e apreciada pelo Tribunal a quo, foi prova testemunhal, através de amigos e de pessoas que demonstraram estarem em litígio com a filha da Beneficiária.
12. De acordo com o relatório pericial, a afecção da Beneficiária tornou-se uma incapacidade total no ano de 2018.
13. E conforme resulta dos autos, o recorrente nunca esteve presente na vida da Beneficiária desde, pelo menos, o surgimento dos sintomas da doença que a mesma padece, tendo estado ausente da vida de ambos os pais, pelo menos desde 2003 (facto confessado) até Julho de 2021, quando regressou para o funeral do pai.
14. Acrescendo que o recorrente veio ao processo em 12 de maio de 2021 informar que se encontrava a residir em Espanha e que antes disso residia no Reino Unido alegando que a irmã havia apresentado a ação de maior acompanhado à sua revelia e que apenas pretendia apoderar-se do património dos seus pais, reconhecendo que a beneficiária carecia da nomeação de acompanhante legal opôs-se à nomeação da irmã alegando que a mesma (bem como o seu pai) era negligente e que seria ele o único que apresentava condições para tal.
15. Perante estes factos, é evidente que o recorrente nunca cuidou da Beneficiária desde o momento em que a mesma começou a apresentar sintomas daquela que veio a ser diagnosticada doença demencial do tipo Alzheimer pelo que não há como fazer qualquer juízo sobre a sua capacidade de cuidar da sua mãe, simplesmente porque nunca cuidou e porque prova alguma foi feita de que o consegue fazer.
16. Já sobre a visita de dia 7 de agosto de 2022, à qual o recorrente pretende que não seja dada relevância, a mesma tem absoluta importância na medida em que:
- Resultou do Conselho de Família de dia 2 de junho de 2022 (conforme acta e registo no processo), por proposta do Ministério Público (que partia do principio que ambos os filhos demonstravam disponibilidade para acompanhar a Beneficiária e de permanecerem activos na sua vida e que seria possível que ambos, em simultâneo, fossem nomeados acompanhantes), que fosse estipulado um dia e uma hora, no qual a Beneficiária se encontrasse disponível para receber o seu filho na casa onde habita, convivendo consigo nos espaços onde habitualmente se encontra e que, gradualmente e caso o estado de saúde da Beneficiária assim o permita, esta vá conviver com o seu filho em outros locais e até na casa deste, onde poderá inclusivamente pernoitar, desde antecipadamente avisada “B”
Foi feito ainda um apelo ao bom senso, ao entendimento de parte a parte e à cordialidade, tudo em nome do imperioso interesse da Beneficiária.
Por ambos foi ainda assumido o compromisso de colocarem os conflitos passados de parte e de comunicarem cordialmente, através de email e/ou telefone, cujos contactos iriam trocar entre ambos, de forma a que a mãe (e o seu bem-estar) fosse colocado em primeiro lugar.
- Ficou acordado que as visitas seriam feitas ao domingo, no período das 10h30 às 13h00, de acordo com o supra citado.
- Sucede que o recorrente “C” visitou a Beneficiária naquela que é a sua residência (onde vive com a filha), por volta das 10h30, tendo dito à irmã “B” que ia levar a Beneficiária a fazer um passeio de carro e que voltaria às 13h00.
- Contudo, eram 11h58 (nesse dia 07/08) quando “B” recebeu uma mensagem (cfr. documento junto ao processo com a referência 33392535) do recorrente “C” com o seguinte teor:
“Informo-te de que a mãe de agora em diante fica a viver comigo.
Para mais detalhes, vai ver o teu email.”
17. Conforme se verificou no processo, o depoimento da testemunha “D” (para além de se considerar não ser idóneo para fazer prova do facto pretendido pelo recorrente) não pode merecer credibilidade pelo facto de se ter demonstrado incoerente e contrário à verdade/falso e da mesma ter animosidade com a filha da Beneficiária.
18. Para sustentação, atente-se o depoimento de “D”, que teve início no minuto 00:02:23 e fim no minuto 00:43:23 da gravação de dia 26 de maio de 2023 com início às 10:34 e fim às 12:35 do qual resulta que a testemunha apresentou uma ação judicial contra a filha da beneficiária “B” e não se mostra conformada com a decisão que aí foi proferida de improcedência do seu pedido e mostrando-se revoltada.
19. Acrescendo que, conforme decorre dos autos e da supra identificada gravação foi referido (entre outros) pela testemunha “D” que a Beneficiária reside numa cave sem janelas nem luz natural, com difícil acesso e sem cozinha.
20. Contudo, tal depoimento foi contrariado por diversos relatórios sociais constantes dos autos, nomeadamente o último junto aos autos do qual consta, entre outros, que tendo sido feita visita domiciliária pela equipa técnica:
“Trata-se de uma moradia recente com excelentes condições de habitabilidade. O espaço onde a idosa permanece foi adaptado à situação de saúde da mesma, com um quarto grande onde tem uma cama de casal, alegadamente para a cuidadora, e a cama articulada da Sra. “A”. Tem uma sala com kitchenette e um WC amplo adaptado. O espaço tem acesso direto para o terraço das traseiras da habitação.”
21. Tendo sido, ainda, juntas aos autos fotografias do mencionado espaço, por requerimento de 16 de junho de 2023 com a referência 36269342.
22. Detidamente sobre a prova do acompanhamento médico regular e especializado da Beneficiária, entre outros, foi junto ao processo a informação médica (por médico neurologista que acompanha a beneficiária desde 2013), e atestado médico de incapacidade multiusos de maio de 2019 com referência à incapacidade definitiva desde abril de 2018.
23. Acrescendo que resulta dos autos bastante prova documental que demonstra justamente que a Beneficiária, estando aos cuidados da sua filha, tem todo o acompanhamento médico regular e especializado de que necessita.
24. Remetendo-se para todos os relatórios médicos e relatórios periciais juntos aos autos, nomeadamente o relatório emitido pelo Dr. (…) resulta, documento junto com a referência 33392535.
25. Acresce que a Beneficiária, para além de ser devidamente acompanhada em consultas médicas, também tem feito os exames que lhe são determinados, tendo em 18/03/2022 realizado análises clínicas, conforme documento também junto aos autos.
26. Aliás, conforme resulta do relatório médico assinado pela Dra. (…) (neurologista escolhida pelo recorrente) já supra reproduzido, a mesma recomenda exatamente aquilo que acontece e que sempre foi assegurado pela requerente – apoio 24 horas e supervisão contínua da beneficiária – e que a beneficiária deve manter a medicação em curso (nada alterando) e seguimento semestral em Consulta de Neurologia – o que se verifica.
27. Sendo, também, falsas as alegações do recorrente no que concerne às alegadas consultas e consequentemente as alegações do recorrente quando diz que a beneficiária não se encontra a receber quaisquer cuidados adequados ao seu estado de saúde.
28. Os autos desconhecessem a morada real do recorrente e nenhuma prova foi feita (que se impunha documental) da tão aclamada propriedade inserida na zona do Parque Natural de Sintra – Cascais, que adquiriu precisamente com o intuito de poder viver na mesma com a sua mãe, dando-lhe todas e as melhores condições possíveis.
29. Nem da sua aquisição pelo recorrente nem sequer de qualquer fotografia do espaço ou visita de técnicos ao mesmo para aferir das suas condições no que concerne à adaptabilidade às necessidades da Beneficiária.
30. Por outro lado, do depoimento em que se suporta o recorrente referente à testemunha "E" resulta que esta testemunha respondeu com base naquilo que o recorrente lhe contava, sem nunca ter ido à casa onde reside a Beneficiária ou estado com a mesma desde o período em que se instalou a doença de que a mesma padece, não tendo qualquer contato ou convívio com a Beneficiária.
31. Sendo que a testemunha “F”, agente da GNR, apenas teve contato com a beneficiária e seu filho por força do episódio de dia 7 de agosto de 2022.
32. Aliás, o que o Tribunal sabe, de acordo com a prova documental produzida e que valorou, é que a morada do recorrente é desconhecida do processo e que o mesmo não tem qualquer pretensão de ficar em Portugal, conforme depoimento da testemunha “E” da gravação de dia 26 de maio de 2023 com início às 10:34 e fim às 12:35 e as próprias declarações do recorrente, em sede de declarações de parte, gravação de dia 30 de junho de 2023 com início às 10:24 e fim às 12:09.
33. Sobre o pretendido regime de visitas, atenta a natureza do processo não nos parece que o Tribunal a quo tenha de se pronunciar sobre qualquer regime de visitas uma vez que o processo de acompanhamento de maior as questões a decidir dizem respeito à designação de acompanhante e à definição das medidas de acompanhamento.
34. O recorrente poderá visitar a Beneficiária sempre que quiser, assim como qualquer outro familiar ou pessoa amiga o faz.
35. A filha da beneficiária conforme demonstrado no processo nunca obstou a que o recorrente visitasse e estivesse com a mãe, antes pelo contrário, várias foram as situações em que lhe perguntou se não queria ver a mãe.
36. A verdade, demonstrada nos autos, é que a preocupação do recorrente não é poder visitar a mãe, mas tão só em “ficar com ela” impedindo a irmã de cuidar da mesma, conforme demonstram os curtos períodos que o recorrente passou com a Beneficiária, nos domingos acordados na primeira sessão do Conselho de Família, e o facto de desde agosto de 2022 até hoje que nunca mais quis ver e estar com a Beneficiária, nem nunca quis saber junto da irmã como a mesma se encontrava, se era preciso alguma coisa, algum apoio ou ajuda.
37. Não tem qualquer sustentação e mostra-se absolutamente desprovido de fundamento a pretensão sobre o regime de residência alternada da Beneficiária entre os dois filhos, pelo facto do mesmo ser contrário ao bem estar e ao interesse da Beneficiária.
38. Isto porque, desde logo a premissa de que se sustenta o recorrente está errada e não foi feita qualquer prova que permitisse concluir que o recorrente não possa visitar a Beneficiária livremente, antes pelo contrário, e como já supra referido, é o recorrente quem não visita a Beneficiária, nem sequer pergunta pelo estado da mesma há já mais de 1 ano!
39. Sendo certo que a testemunha em cujo depoimento o recorrente defende que fez prova dessa situação foi clara ao esclarecer que o que dizia tinha-lhe sido contado pelo recorrente, não tendo assistido a qualquer situação.
40. Assim como é falso que tenha ficado provado que foi “B” quem decidiu unilateralmente retirar os pais de casa e levá-los para a sua residência! Conforme resulta dos documentos juntos e da prova testemunhal valorada, foi o marido da Beneficiária (ainda vivo na altura) quem tomou tal decisão e pelo facto de ser evidente que necessitavam de acompanhamento diário da filha “B” e que a melhor solução era viverem com a mesma.
41. Sendo verdade que tanto o recorrente como a irmã são filhos da Beneficiária, não é menos verdade que sempre foi a filha e não o recorrente quem esteve presente na vida dos pais e tal não aconteceu pelo facto de “B” não pretender ter a ajuda do irmão, mas tão só porque este nunca esteve presente para o fazer.
42. Nada impedindo que o recorrente passe tempo com a Beneficiária e articule com a irmã os períodos em que possa estar com a mesma, não sendo este facto justificação para qualquer pedido de residência alternada ou fixação de regime de visitas!
43. Invoca o recorrente que o Tribunal a quo ignorou o facto de “B” estar a ser alvo de investigação criminal por ilícitos que diz que a mesma cometeu com o propósito de se apropriar do património dos pais!
44. Queixas crime apresentadas pelo próprio recorrente, totalmente infundadas, e que “B” não teme por ter a certeza que serão arquivadas e que apenas demonstram aquilo que foi evidente nos autos e que é o que move o recorrente: o ódio que sem qualquer justificação, senão ciúme, o move contra a irmã.
45. A pretensão do recorrente ao invocar as queixas crimes e carrear para o recurso matéria que não foi sequer apreciada (até porque não poderia ser) pelo Tribunal a quo, de com tal matéria influenciar a decisão do douto tribunal é absolutamente contra os princípios de um Estado de Direito, não podendo ser permitido.
46. O que é incontestável é que enquanto o filho da Beneficiária/recorrente procura o conflito e o atrito, a filha da Beneficiária apenas deseja que a sua mãe/Beneficiária viva os tempos que lhe restam confortavelmente, em paz e harmonia, no meio que conhece e onde é bem tratada e acarinhada.
47. Sendo essa preocupação a razão que justifica que a filha da Beneficiária não reaja aos ataques constantes do recorrente e não responda da mesma forma.
48. Quando o que interessa nestes autos proteger e salvaguardar é justamente o interesse da Beneficiária.
49. Não está em causa se a propriedade, ou a casa em que a Beneficiária viva, tem muitos hectares ou muitos metros quadrados, nem está em causa se a mesma é assistida por 2 ou por 10 cuidadoras.
50. O que está em causa é que estando assegurado o bem-estar, a assistência e as condições de saúde e de habitabilidade da Beneficiária, também lhe seja assegurado o carinho, a presença, a calma, a paz, a harmonia, atividades de estímulo com tranquilidade e a estabilidade.
51. E sem qualquer dúvida que essas condições são (como sempre foram) asseguradas à Beneficiária pela sua filha “B”, na casa e no seio da família que sempre dela cuidou com todo o cuidado, amor e dedicação durante toda a sua vida e especialmente nos anos em que a mesma passou a necessitar de apoio 24 horas e de supervisão contínua.
52. Sendo certo que a alteração de tal realidade apenas iria causar à Beneficiária stress e agitação, justamente o que se deve evitar quando estamos perante alguém que sofre da doença de Alzheimer. Aliás, conforme estudos o comprovam (acessíveis na internet) as mudanças na rotina são difíceis e causam angústia e confusão para os envolvidos.
53. Do seu lado e desde que regressou a Portugal, o recorrente apenas tem causado situações de stress, revelando não conseguir lidar com a doença de que padece a Beneficiária, não compreendo nem aceitando que a mesma é irreversível e incurável e que o importante é assegurar à beneficiária o melhor tratamento e uma boa qualidade de vida e ajudá-la a lidar, conviver, contornar e superar os danos que a doença de Alzheimer lhe provoca, não só ao nível cognitivo, mas também nos comportamentos e no estado emocional.
54. Acrescendo que conforme já supra se referiu, para além das curtas visitas que fez à Beneficiária após a reunião do Conselho de Família, desde agosto de 2022 que nunca mais quis ver e estar com a Beneficiária, nem nunca quis saber junto da irmã como a mesma se encontrava, se era preciso alguma coisa, algum apoio ou ajuda.
55. Aliás, a filha da Beneficiária apenas sabe que o seu irmão está em Portugal quando o vê em Tribunal, desconhecendo (como desconhecem estes autos) onde se encontra o mesmo a residir, uma vez que a morada que o mesmo indica no processo é a morada do seu amigo e testemunha no processo “E”.
56. A decisão tomada pelo Tribunal a quo é a única que permitirá assegurar à Beneficiária todas (e que são as melhores) condições para que a mesma tenha todos os cuidados e passe pelas fases da doença de que padece com a maior dignidade e acompanhada com muito amor, paz, serenidade, estabilidade e harmonia, o que sempre tem tido junto da pessoa que foi nomeada sua acompanhante legal – “B” – e dos seus netos.
57. Atento tudo quanto vem de se expor, não assiste qualquer razão ao recorrente uma vez que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, decidiu e bem, de acordo com a prova produzida e no interesse da beneficiária.
58. O presente recurso deve, assim, improceder.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
- Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, mediante a alteração da redação do ponto 8 do elenco de factos provados e a introdução de três novos pontos a esse mesmo elenco;
- Se a decisão recorrida deve ser revogada, decidindo-se pela nomeação de ambos os filhos da Beneficiária como seus Acompanhantes legais e determinando-se que a mesma passe a residir alternadamente com cada um deles; ou, subsidiariamente, caso se entenda ser de nomear como Acompanhante legal da Beneficiária apenas a sua filha, decidindo-se pela fixação de um regime de visitas ao seu filho.
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III. Fundamentação de Facto:
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1. Por sentença proferida em 21.4.2022, de fls. 181 verso, transitada em julgado: Decretou-se a medida de acompanhamento de representação geral para a Beneficiária “A”.
2. A Beneficiária tem dois filhos, maiores de idade: “B” e “C”.
3. Desde 2021, a Beneficiária tem residido com a filha “B” e os dois netos, na casa sita na Rua (…), que é uma moradia recente com excelentes condições de habitabilidade.
4. No dia-a-dia, é a filha quem cuida da Beneficiária, com a ajuda de 3 cuidadoras, 24 horas por dia.
5. A Beneficiária é tratada com todos os cuidados necessários, considerando nomeadamente o quadro clínico de perturbação neurocognitiva major, vulgo, demência, de que padece.
6. O espaço onde a Beneficiária costuma estar na casa foi adaptado à sua situação de saúde, com um quarto grande, sala com kitchenette e WC adaptado. O espaço tem acesso direto para o terraço.
7. Os filhos da Beneficiária estão de relações cortadas.
8. O filho da Beneficiária residiu no estrangeiro entre 2003 e Julho de 2021, tendo viajado nesse período temporal para Portugal, passando aqui algum tempo não concretamente apurado.
9. Em 2022, o filho da Beneficiária visitou a mãe na parte da manhã de Domingos de Junho, Julho e Agosto.
10. Numa dessas visitas, em 7.8.2022, a Beneficiária foi entregue ao filho, de manhã, em casa, conforme combinado com a filha. O filho não entregou a Beneficiária em casa, ao invés do combinado, que era: no mesmo dia, por volta das 13 horas, em casa da filha da Beneficiária. Após mensagens de telemóvel entre os irmãos, e de tentativas de chamadas telefónicas da irmã para o seu irmão, a filha da Beneficiária relatou o sucedido à GNR. Em 8.8.2022, o filho entregou à sua irmã a Beneficiária, que regressou a casa, acompanhada pela filha.
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IV. Mérito do Recurso:
Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, mediante a alteração da redação do ponto 8 do elenco de factos provados e a introdução de três novos pontos a esse mesmo elenco;
Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso.
Preceitua o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. 
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão” (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém atual).
Diz-se também no Acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt, que:
“(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC.
É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC.
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
A interpretação da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 156), podendo ler-se a este propósito que:
O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153).
Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.155).
Assim, quanto a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
A este ónus de impugnação, soma-se um outro não menos importante, que é o ónus de conclusão, previsto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Este ónus de conclusão para além de visar a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso, visa também a definição do seu objeto.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 16.05.2018, processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
“I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art.º 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”
Assim, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objeto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, veja-se ainda o Acórdão do STJ de 18.06.2013, processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1, disponível no mesmo sítio).
Revertendo agora para o caso dos autos, entendemos que o Apelante cumpriu os ónus previstos no acima citado artigo 640º, nº 1, a), b) e c), do CPC.
Analisemos então cada um dos pontos de facto impugnados.
Começa o Apelante por defender que deve ser aditado ao elenco de factos provados um novo ponto, com a seguinte redação:
A Beneficiária, estando aos cuidados da sua filha, não tem acompanhamento médico regular e especializado”.
Refere para o efeito que do depoimento da testemunha “D” e da declaração do Dr. (…), junta aos autos, resulta que a Beneficiária não teve uma única consulta médica presencial nos últimos dois anos e que não tem tido qualquer acompanhamento ao nível da fisioterapia.
Refere igualmente que resulta do relatório elaborado pela médica neurologista que consultou a Beneficiária em agosto de 2022, também junto aos autos, que esta última deveria ser acompanhada em consulta semestralmente.
Vejamos.
Está em causa a factualidade alegada pelo Apelante no artigo 16º do seu requerimento de 08.08.2022.
Ouvimos o depoimento da testemunha “D”, segundo a própria, cuidadora da Beneficiária até abril de 2021 (entre ano e meio a dois anos na casa da Beneficiária em Lisboa e um ano e tal na casa da filha desta última, “B”, na Ericeira).
Declarou a referida testemunha, com referência ao período em que acompanhou a Beneficiária, que esta não fazia fisioterapia e que, nesse período, foi com ela a uma consulta de neurologia. Foi-lhe ainda dito por uma outra cuidadora que alternava consigo, a Ana, que a Beneficiária foi a outras duas consultas.
No que a esse depoimento se refere - e pese embora a existência de um litígio judicial, já terminado, entre a testemunha e a filha da Beneficiária, “B”, relacionado, segundo a depoente, com o facto de lhe terem ficado a dever dinheiro pelos serviços prestados à Beneficiária -, entendemos que quanto à concreta matéria acima assinalada o mesmo é credível. De facto, a própria “B” nunca referiu que a sua mãe fazia fisioterapia. E, deverá acrescentar-se, a verdade é que dos autos também não resulta um único elemento do qual decorra a necessidade de o fazer. No que se refere a consultas presenciais, esse depoimento está em sintonia com a informação prestada pelo Dr. (…), neurologista, o qual, como infra se irá mencionar, refere, com referência ao período de junho de 2020 a junho de 2022, a existência a duas teleconsultas e várias trocas de informação por telefone, o que significa que nesse período não ocorreram consultas presenciais (o que se compreende, considerando a pandemia que entretanto o país atravessou).     
Com o requerimento de “B” datado de 22.08.2022 foram juntos aos autos, entre outros documentos, os seguintes:
- um “Relatório” elaborado em consulta externa de neurologia do Hospital Lusíadas (Amadora), realizada presencialmente a 9 agosto de 2022, do qual consta, designadamente, que a aqui Beneficiária “Deve manter a medicação em curso, seguimento semestral em Consulta de Neurologia, ou antes se houver intercorrências.
- uma “Declaração” emitida pelo Dr. (…), neurologista, datada de 9 de junho de 2022, da qual consta, designadamente, que “Acompanho a interessada desde há cerca de 8 anos por sofrer de síndrome demencial do tipo Alzheimer (…)
Nos últimos 24 meses, para além de várias trocas de informação por telefone com a filha, a Senhora Dona “B”, na sequência de questões que foram surgindo, foram realizadas as seguintes consultas: 21/04/2020 (teleconsulta) e 03/02/2022 (teleconsulta) em que foi possível interagir com a Senhora Dona “A”.
Atendendo ao quadro clínico, considera-se que o acompanhamento realizado foi o ajustado.”  
Ora, desses elementos documentais resulta que a medicação prescrita à Beneficiária era adequada. Já no que se refere à regularidade das consultas, tendo presentes quer as teleconsultas quer os contactos telefónicos referenciados pelo Sr. Dr. (…), não se poderá afirmar, com base nos elementos de que dispomos, que a mesma é desadequada.
Assim sendo, não poderá ser levada ao elenco de factos provados a matéria indicada pelo Apelante.   
Defende o Apelante que deverá ser aditado ao elenco de factos provados um outro facto com a seguinte redação:
O Recorrente tem condições habitacionais para que a Beneficiária resida consigo e capacidades para cuidar da mesma”.
Refere para o efeito que tal resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas “E” e “F”, os quais reproduz.
Está em causa factualidade alegada pelo Apelante nos artigos 18º e 19º do seu requerimento de 05.10.2021.
Ouvimos os depoimentos das duas testemunhas.
A testemunha “E”, amigo de infância do Apelante, declarou que este último comprou uma quinta em Sintra para poder ter a mãe consigo. A quinta tem duas casas e espaço externo, sendo que o Apelante equipou um dos quartos com uma cama articulada. Mais declarou que o Apelante não tem problemas do foro psicológico e que possui condições para cuidar da Beneficiária.
A testemunha “F”, agente da GNR, deslocou-se à residência de “C” em 07.08.2022, na sequência de denúncia efetuada por “B” (à qual se reporta o auto junto aos autos em 09.08.2022). Em conformidade com o que consta do “Relatório de Serviço” junto aos autos com o requerimento do Apelante de 05.12.2012, declarou que a propriedade do Apelante é grande, com duas casas e um grande terreno. Na altura em que lá esteve estava a ser mobilada. Entrou nas duas casas, constatando que tinham boas condições habitacionais. Viu a Beneficiária, que estava deitada a descansar. Com relevo para aferir das condições do Apelante para cuidar da Beneficiária, relatou que havia uma cuidadora que enquanto lá esteve a levou a passear. Aparentemente a Beneficiária estava bem tratada, mostrando-se o Apelante carinhoso com a mesma. 
Este último depoimento, imparcial e objetivo, revelou-se credível, conferindo igualmente credibilidade ao depoimento da anterior testemunha, na medida em que o confirmou.
Quanto à inexistência de problemas do foro psicológico por parte de “C”, pese embora tal traduza a perceção pessoal da própria testemunha, a verdade é que não resultou contrariada por qualquer outro elemento de prova. 
No sentido exposto, e porque entendemos que tal facto é relevante para a decisão a proferir, adita-se ao elenco de factos provados, com base nos dois depoimentos acima assinalados um novo facto com a seguinte redação:
 O filho da Beneficiária tem condições habitacionais para que a Beneficiária resida consigo e capacidade para cuidar da mesma”.
Defende o Apelante que deverá ser alterada a redação dada ao ponto 8 do elenco de factos provados.
Consta desse ponto que “O filho da Beneficiária residiu no estrangeiro entre 2003 e Julho de 2021, tendo viajado nesse período temporal para Portugal, passando aqui algum tempo não concretamente apurado.”
Pretende o Apelante que dele passe a constar o seguinte:
O filho da Beneficiária residiu no estrangeiro entre 2003 e Julho de 2021, tendo viajado nesse período temporal para Portugal, com o objetivo de acompanhar a mãe e garantir os seus cuidados, nomeadamente os de saúde até ao fim da vida desta, passando aqui algum tempo não concretamente apurado.
Refere o Apelante que tal resulta do depoimento da testemunha “E”.
Analisado esse depoimento, vemos que pelo mesmo foi dito que o Apelante está em Portugal há dois anos, tendo deixado a sua vida pessoal “em pausa”, e que o único motivo pelo qual cá está é tentar a custódia da mãe para garantir que a mesma tenha acesso ao que não está a ter neste momento.
O seu depoimento reporta-se ao período de tempo posterior à sua vinda para Portugal e não ao período que medeia entre 2003 e julho de 2021, pelo que inexiste fundamento para alterar a redação do referido ponto da matéria de facto.
Por fim, pretende o Apelante ver aditado ao elenco de factos provados um último ponto, com a seguinte redação:
O Interessado “C” não tem acesso a visitar livremente a mãe, sem qualquer obstáculo.”
Refere o Apelante que esse facto resulta do depoimento da testemunha “E”.
Está em causa a alegação do Apelante contida no artigo 19º do seu requerimento de 11.01.2022.
Ora, no que se reporta a essa matéria, o depoimento da testemunha “E”, como claramente resulta da audição do mesmo, apenas teve por base aquilo que a tal propósito lhe foi relatado pelo próprio Apelante, já que o mesmo a nada assistiu. Nessa medida, esse depoimento revela-se insuficiente para que se conclua no sentido pretendido pelo Apelante, motivo pelo que improcede a pretensão do Apelante de ver aditado ao elenco de factos provados o facto em causa.   
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Aqui chegados, iremos reproduzir o elenco de factos provados, com a alteração introduzida:
1. Por sentença proferida em 21.4.2022, de fls. 181 verso, transitada em julgado: Decretou-se a medida de acompanhamento de representação geral para a Beneficiária “A”.
2. A Beneficiária tem dois filhos, maiores de idade: “B” e “C”.
3. Desde 2021, a Beneficiária tem residido com a filha “B” e os dois netos, na casa sita na Rua (…), que é uma moradia recente com excelentes condições de habitabilidade.
4. No dia-a-dia, é a filha quem cuida da Beneficiária, com a ajuda de 3 cuidadoras, 24 horas por dia.
5. A Beneficiária é tratada com todos os cuidados necessários, considerando nomeadamente o quadro clínico de perturbação neurocognitiva major, vulgo, demência, de que padece.
6. O espaço onde a Beneficiária costuma estar na casa foi adaptado à sua situação de saúde, com um quarto grande, sala com kitchenette e WC adaptado. O espaço tem acesso direto para o terraço.
7. Os filhos da Beneficiária estão de relações cortadas.
8. O filho da Beneficiária residiu no estrangeiro entre 2003 e Julho de 2021, tendo viajado nesse período temporal para Portugal, passando aqui algum tempo não concretamente apurado.
9. Em 2022, o filho da Beneficiária visitou a mãe na parte da manhã de Domingos de Junho, Julho e Agosto.
10. Numa dessas visitas, em 7.8.2022, a Beneficiária foi entregue ao filho, de manhã, em casa, conforme combinado com a filha. O filho não entregou a Beneficiária em casa, ao invés do combinado, que era: no mesmo dia, por volta das 13 horas, em casa da filha da Beneficiária. Após mensagens de telemóvel entre os irmãos, e de tentativas de chamadas telefónicas da irmã para o seu irmão, a filha da Beneficiária relatou o sucedido à GNR. Em 8.8.2022, o filho entregou à sua irmã a Beneficiária, que regressou a casa, acompanhada pela filha.
11. O filho da Beneficiária tem condições habitacionais para que a Beneficiária resida consigo e capacidade para cuidar da mesma.
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Se a decisão recorrida deve ser revogada, decidindo-se pela nomeação de ambos os filhos da Beneficiária como seus Acompanhantes legais e determinando-se que a mesma passe a residir alternadamente com cada um deles; ou, subsidiariamente, caso se entenda ser de nomear como Acompanhante legal da Beneficiária apenas a sua filha, decidindo-se pela fixação de um regime de visitas ao seu filho.
A Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto veio criar o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil (doravante apenas designado por CC), e procedendo à alteração de diversos diplomas, aliás conforme expressamente consignado no seu artigo 1º.
Este regime veio dar concretização a vários princípios internacionais, designadamente consagrados na Convenção das Nações Unidas de 30 de março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 07 de maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho) em cujo artigo 1º se estabelece que o seu objeto é “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, comprometendo-se os Estados Partes nos termos do artigo 4º “a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na deficiência”.
Conforme se pode ler na Proposta de Lei n.º 110/XIII (disponível em https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=42175) importava “assegurar o tratamento condigno não só das pessoas idosas mas também das de qualquer idade carecidas de proteção, seja qual for o fundamento dessa necessidade. O Código Civil não pode ficar indiferente ao aumento das limitações naturais da população, determinante de um acréscimo de patologias limitativas, fruto do aumento da esperança de vida, de um melhor diagnóstico, de uma diminuição da capacidade agregadora das famílias e, em certos casos, das próprias condições de vida prevalecentes”, salientando-se a desadequação do regime das interdições e inabilitações até então previsto no Código Civil perante essa realidade, desde logo a sua rigidez que “obsta à maximização dos espaços de capacidade de que a pessoa ainda é portadora; o carácter estigmatizante da denominação dos instrumentos de proteção; o papel da família que ora dá, ao necessitado, todo o apoio no seu seio, ora o desconhece; o tipo de publicidade previsto na lei, com anúncios prévios nos tribunais, nas juntas de freguesia e nos jornais, perturbador do recato e da reserva pessoal e familiar que sempre deveria acompanhar situações deste tipo”.
O novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, afastou-se assim do sistema dualista até então consagrado da interdição/inabilitação, demasiado rígido, e veio introduzir um regime monista e flexível norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível” e da “subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns”, e por um “modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade” (cfr. a Proposta de Lei n.º 110/XIII).
Seguindo essas diretrizes, prevê-se no artigo 140º, no seu n.º 1, do CC que “O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença”, acrescentando o n.º 2 que “A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.”
No que se refere à nomeação do acompanhante, estabelece o artigo 143º do CC o seguinte:
1 - O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.
2 - Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:
a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores.
f) A qualquer dos avós;
g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;
h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;
i) A outra pessoa idónea.
3 - Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores.
O artigo 146º, n.º 1, do CC estabelece que “No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada”, mantendo o acompanhante, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo,  “(…) um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.
No presente recurso é questionada a decisão do Tribunal a quo relativa à nomeação do acompanhante.
Defende o Apelante, em primeira linha, que devem ser nomeados como acompanhantes da Beneficiária os seus dois filhos, em rotatividade, estabelecendo-se um regime de residência alternada da Beneficiária com cada um deles em sintonia com essa rotatividade.   
A nosso ver o preceituado no artigo 143º do CC permite a possibilidade desse regime de acompanhamento, desde que tal solução salvaguarde o interesse da Beneficiária.
Efetivamente, tendo presente todo o espírito que subjaz ao Regime Jurídico do Maior Acompanhado (Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto), entendemos que o superior interesse do beneficiário constitui o critério que deverá definir a nomeação do acompanhante.
Ora, lidas as conclusões das alegações recursivas do Apelante, constatamos que o mesmo colocou o foco nas suas capacidades para cuidar da Beneficiária, nas condições que possui para o fazer e, ainda, nos sacrifícios pessoais que fez e que está disposto a continuar a fazer para poder acompanhar a sua mãe nesta fase da sua vida.   
E, conforme resulta da factualidade provada, temos por certo que o Apelante tem efetivamente condições habitacionais para que a Beneficiária resida consigo e capacidade para cuidar da mesma.
Preocupou-se igualmente o Apelante em questionar as capacidades e condições da sua irmã para cuidar da Beneficiária - pese embora em sede de recurso não questione a sua nomeação como Acompanhante da Beneficiária, pretendendo, isso sim, ser também nomeado Acompanhante da mesma - afirmando que nas mãos da filha esta última está sujeita a “maus tratos” e “negligência”, acusações que seguramente não resultaram demonstradas.
Relativamente ao interesse da Beneficiária, constata-se que o Apelante não faz qualquer referência à adequação de um tal regime - que implica a residência alternada da Beneficiária - ao seu estado de saúde, limitando-se a afirmar, a propósito da fixação de um regime de visitas, “que não resulta da matéria de facto provada (…) que seja prejudicial para a Beneficiária a alteração de espaços ou que as visitas a ocorrerem em casa do Recorrente - e não na casa da Recorrida - gerem qualquer perturbação para a mãe de ambos.
Acresce que dos autos também não constam quaisquer elementos que nos possam auxiliar na tarefa de aferir sobre essa adequação, o que se compreende, na medida em que a possibilidade de aplicação desse regime apenas é colocada pelo Apelante em sede de recurso, não o tendo sido em 1ª instância.
Ora, estamos firmemente convictos que sem que se possa afirmar essa adequação não se poderá sem mais concluir que a aplicação do pretendido regime salvaguarda o superior interesse da Beneficiária.
Tenha-se presente que, conforme resulta do exame pericial realizado pelo INML, a Beneficiária padece de “Perturbação Neurocognitiva Major em Doença de Alzheimer”, sendo observadas alterações graves de todos os domínios, nomeadamente, linguagem, função executiva, atenção complexa, aprendizagem e memória, capacidade percetivo-motora e cognição social. Perante tal quadro clínico, em consciência, não poderemos sem mais concluir que a sujeição da Beneficiária a grandes alterações das suas rotinas e, concretamente, à rotatividade do local onde reside, não terá qualquer impacto negativo no seu estado de saúde.
Atento o exposto, entendemos ser de manter a decisão recorrida.
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Pretende o Apelante, acautelando a possibilidade de manutenção da decisão recorrida, que este Tribunal se pronuncie sobre o conteúdo do seu direito de visitas à Beneficiária.
Ora, não foi formulado pelo Apelante junto do Tribunal a quo nenhum requerimento no sentido de lhe ser fixado o pretendido regime de visitas. Como tal, o Tribunal a quo não proferiu qualquer decisão sobre essa matéria que possa ser sindicada por este Tribunal de recurso.
Atento o exposto, porque tal matéria terá de ser suscitada junto do Tribunal a quo e por ele decidida, não nos pronunciaremos sobre a mesma.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 08/02/2024,
Susana Maria Mesquita Gonçalves – Relatora
Paulo Fernandes da Silva – 1º Adjunto
Pedro Martin Martins – 2º Adjunto