Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3834/22.1T8FNC-A.L1-8
Relator: MARIA DO CÉU SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
OMISSÃO DE COMUNICAÇÃO DE DELIBERAÇÃO
ORÇAMENTO ANUAL
PENAS PECUNIÁRIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1 - No despacho saneador que decida do mérito da causa, o juiz só pode verter na matéria de facto provada os factos plenamente provados.
2 - São anuláveis as deliberações que resultem da irregularidade do procedimento de convocação da assembleia de condóminos.
3 - A falta de comunicação de deliberação da assembleia de condóminos não determina a invalidade dessa deliberação.
4 - Da acta que serve de base à execução resulta que o orçamento que foi aprovado foi o orçamento “para o exercício entre o período de um de Janeiro de dois mil e dezanove até trinta e um de Dezembro de 2019”, pelo que a exequibilidade do título não abrange quotas posteriores a esse período.
5 - A expressão “contribuições devidas ao condomínio” constante do art. 6º nº 1 do DL 268/94, de 25 de outubro, na redação inicial, não abrange as penas pecuniárias a que alude o art. 1434º nº 1 do C.C.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes embargos de executado deduzidos por B [ …., Lda ] na ação executiva que lhe move A [ Condomínio do Edifício ….] , a embargante interpôs recurso do despacho saneador pelo qual foram julgados parcialmente procedentes os embargos de executado e, consequentemente, foi determinada “a eliminação, por falta de título executivo, da quota-extra relativa à «reparação de bombas»” e determinado “que o exequente proceda, nos autos principais e em 10 dias, a nova liquidação da quantia exequenda, respeitando, em relação às penalidades, o limite previsto no artigo 1434.º n.º 2 do CC, nos termos do quadro plasmado na fundamentação de direito, na qual se indicam, além do valor máximo anual por cada fracção, as concretas penalidades (ano e fracção) que violam o limite legal”; e foram julgados improcedentes os embargos de executado quanto ao mais.
O recorrente restringiu o recurso à parte da decisão “que conclui que «a acta n.º 7 é título executivo bastante»”.
Na alegação de recurso, a recorrente pediu que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue os embargos totalmente procedentes, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. A «prorrogação» da assembleia geral de condóminos para o dia 11.03.2019 foi tomada pelos representantes das fracções BC, BM, BN, CG, CI, CT e CZ, subscritores da lista de presenças no dia 25.02.2019, representativos de 10,11% do capital do prédio.
2. Da sentença proferida não resulta provado que as deliberações constantes da acta n.º 7, tomadas em 11.03.2019, tenham sido comunicadas à executada no prazo de 30 dias, por carta registada com aviso de recepção.
3. É o seguinte o teor do n.º 6 do artigo 21.º do Regulamento Interno aplicável ao Edifício ..., junto aos autos como doc. n.º 6:
«6 - Se não comparecer o número de condóminos suficiente para obter quórum e na convocatória não tiver sido fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local.
Neste caso a assembleia delibera por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do Edifício.» (…)
4. O teor do n.º 6 do artigo 21.º do Regulamento Interno aplicável ao Edifício ... reproduz, na sua essência, o disposto no actual n.º 6 (à data n.º 4) do artigo 1432.º do CC.
5. A actuação dos representantes das fracções BC, BM, BN, CG, CI, CT e CZ, subscritores da lista de presenças no dia 25.02.2019, configura comportamento abusivo por parte desses condóminos.
6. As deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos iniciada em segunda convocatória em 25.02.2019 e realizada em terceira convocatória em 11.03.2019, são nulas e de nenhum efeito, por decorrerem de deliberação de «prorrogação» da assembleia geral de condóminos tomada em 25.02.2019.
7. Assim, por terem interesse para a decisão da causa, devem ser considerados provados, os seguintes factos:
A assembleia de condóminos do dia 25.02.2019 não se realizou por falta de quórum de 25% à segunda convocatória, estando a lista de presenças subscrita pelos representantes das fracções BC, BM, BN, CG, CI, CT e CZ, representativos de 10,11% do capital do prédio.
Da lista de presenças no dia 25.02.2019 não consta a presença do representante da executada, proprietária das fracções A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, P, Q, R, T, U, V, W, Z, Y, Z, AA, AC, AD, AF, AG, AH, AM, AO e AQ.
A «prorrogação» da assembleia de condóminos para o dia 11.03.2019 foi tomada pelos representantes das fracções BC, BM, BN, CG, CI, CT e CZ, subscritores da lista de presenças no dia 25.02.2019, representativos de 10,11% do capital do prédio.
A deliberação da «prorrogação» da assembleia para o dia 11.03.2019 tomada no dia 25.02.2019 não teve a participação, nem foi comunicada à executada.
Na assembleia de condóminos do dia 11.03.2019, estiveram presentes ou representados os condóminos das seguintes fracções: O, BA, BB, BC, BM, BN, BP, BW, BY, CG, Cl, CL, CM, CT, CU, CW, CZ constituindo 27,30% do total do prédio convocado.
8. Não resultou provado que tais deliberações tenham sido comunicadas à executada, cujo representante não esteve presente na assembleia iniciada (mas não realizada) no dia 25.02.2019, e que por ter sido «prorrogada» na segunda convocatória, viria a realizar-se no dia 11.03.2019, data em que a executada também não se fez representar.
9. A omissão dessa comunicação, ou o cumprimento informal ou intempestivo dessa comunicação, viola o disposto no actual n.º 9 (à data n.º 6) do artigo 1432.º do CC.
10. A nulidade das deliberações tomadas em 25.02.2019 e 11.03.2019 determina a inexistência do título executivo.
11. Ainda que o título executivo possa considerar-se existente, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, sempre o mesmo há-de ter-se por inexequível.
12. Na verdade, da acta n.º 7 que constitui o título executivo, não consta a fixação de qualquer prazo para pagamento, pela executada, e quotas alegadamente em dívida, o que viola o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, com a redacção vigente à data dos factos;
13. Não resultou provado que a executada, aqui recorrente, tenha sido interpelada para efectivação do pagamento das quotizações em dívida.
14. Conjugando o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro com o previsto no artigo 703.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil (CPC), podemos assentar que, no caso concreto, a acta n.º 7 de reunião da assembleia de condóminos realizada em 11.03.2019 não constitui título executivo, uma vez que, perante a factualidade provada, não reúne todos os requisitos da certeza, liquidez e exigibilidade.
15. Relativamente às quotizações alegadamente em dívida referentes aos anos de 2020, 2021 e 2022, o exequente expõe, laconicamente, no requerimento apresentado em 8.09.2022, subsequentemente à interposição da presente execução, que o orçamento aplicado para o ano de 2019, «foi aplicado no ano de 2020, 2021 e 2022, por inexistência de realização de assembleia por falta de quórum, conforme acta n.º 8 que se junta (…).»
16. A convocação da assembleia dos condóminos e a elaboração do orçamento das despesas e receitas relativas a cada ano são, entre outras, funções do administrador - cfr. artigo 17.º, n.º 2, als. a) e b) do Regulamento Interno aplicável ao Edifício ... que reproduz as als. a) e b) do n.º 1 do artigo 1436.º do CC (…)
17. O que o exequente alega é que «foi aplicado no ano de 2020, 2021 e 2022, por inexistência de realização de assembleia por falta de quórum, conforme acta n.º 8 que se junta (...)», quando o certo é que esta imaginária «falta de quórum» só poderia ter sido verificada se as assembleias tivessem sido convocadas e reunido (ainda que sem quórum), o que não foi sequer alegado e como tal não foi dado como provado.
18. Não tendo a administração do exequente convocado a assembleia de condóminos para se pronunciar e validar os orçamentos de 2020, 2021 e 2022, fosse no período temporal legalmente previsto fosse posteriormente, não pode o tribunal premiar essa inércia e omissão decidindo que «Não se tendo realizado assembleia de condomínio nos anos de 2020, 2021 e 2022, mantém-se naturalmente em vigor o valor das quotas de 2019.»
19. A actuação do exequente, enquanto administrador de condomínio, ao não convocar as competentes assembleias de condóminos revelou-se anómala, imprudente, censurável, não observando, com o rigor e a diligência devidos, as regras que especificamente regulam o funcionamento do instituto da propriedade horizontal.
20. Agiu, por isso, o exequente de forma ilícita e culposa – cfr. artigos 1436.º, n.º 1, al. a) (à data al. a) e 1431º, n.º 1, do CC.
21. Daí que o exequente, tendo actuado ilicitamente ao não convocar as assembleias para aprovação dos orçamentos para 2020, 2021 e 2022, não possa prevalecer-se das consequências jurídicas de uma actuação irregular do condomínio, pretendendo que a acta da assembleia em que foi aprovado o orçamento para 2019, sirva também para cobrança das quotas e penalizações de 2020, 2021 e 2022.
22. Assim, por ter interesse para a decisão da causa, deve ser considerado provado, o seguinte facto:
Não foram enviadas aos condóminos quaisquer convocatórias para deliberar sobre apresentação e aprovação dos orçamentos de despesas para os exercícios de 2020, 2021 e 2022.
23. No seguimento da posição jurisprudencial maioritária, as sanções pecuniárias não são abrangidas no escopo do artigo 6.º do Decreto Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro, com a redacção original, por não respeitarem às despesas e pagamentos referidos nesse preceito;
24. A sentença proferida é nula por manifesta ininteligibilidade decorrente da ambiguidade entre a parte da mesma que considera que «a acta n.º 7 é título executivo bastante para peticionar as quotas ordinárias e a quota-extra deficit» no total de 67.360,71 € (sessenta e sete mil trezentos e sessenta euros e setenta e um cêntimos), o que permite concluir que o título executivo em causa não é bastante para peticionar as penalizações, e a conclusão da mesma sentença que determina «a eliminação, por falta de título executivo, da quota-extra relativa à «reparação de bombas», o que permite concluir que o título executivo em causa é bastante para peticionar, não apenas as quotas ordinárias (no sobredito valor de 67.360,71 € (sessenta e sete mil trezentos e sessenta euros e setenta e um cêntimos), mas também as penalizações no valor de 11.202,78 € (onze mil duzentos e dois euros e setenta e oito cêntimos).
25. A sentença recorrida viola o disposto nos artigos:
i. 17.º, n.º 2, als. a) e b), 21.º, n.º 6 do Regulamento Interno aplicável ao Edifício ...;
ii. 2.º, 61.º, n.º 1, 62.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);
iii. artigo 17.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948;
iv. 6.º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro (na redacção vigente à data dos factos)
v. 5.º, n.º 1, 5.º-A da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março;
vi. 8.º, n.º 1, 12.º, 280.º, 281.º, 294.º, 295.º, 334.º, 1431.º, n.º s 6 (à data n.º 4), 9 (à data n.º 6) do artigo 1432.º, 1436.º, n.º 1, al. a) (à data al. a) do Código Civil (CC);
vii. 615.º, n.º 1, al. b) e 616.º, n.º 2, als. a) e b) e 703.º, n.º 1, al. d) do CPC.”
O embargado respondeu à alegação da recorrente, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
São as seguintes as questões a decidir:
- da nulidade da decisão;
- da ampliação da matéria de facto provada; e
- da inexistência ou inexequibilidade do título.
*
Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
“1. Está inscrita a favor da embargante a propriedade das fracções autónomas A, B, C, D, E, F, G. H. I, J, K, L. M, N, P, Q, R, T, U, V, W, Z, Y, Z, AA, AC, AD, AF, AG, AH AM, AO e AQ do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, situado na freguesia e concelho de Machico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Machico sob o n.º 3728 (da respectiva freguesia).
2. A fracção A tem o valor patrimonial tributário de 192 931,20 € (avaliação de 2021).
3. A fracção B tem o valor patrimonial tributário de 2791,25 € (avaliação de 2021).
4. A fracção C tem o valor patrimonial tributário de 3999,10 € (avaliação de 2021).
5. A fracção D tem o valor patrimonial tributário de 3725,05 € (avaliação de 2021).
6. A fracção E tem o valor patrimonial tributário de 4141,20 € (avaliação de 2021).
7. A fracção F tem o valor patrimonial tributário de 2639,00 € (avaliação de 2021).
8. A fracção G tem o valor patrimonial tributário de 1522,50 € (avaliação de 2021).
9. A fracção H tem o valor patrimonial tributário de 3796,10 € (avaliação de 2021).
10. A fracção I tem o valor patrimonial tributário de 263,90 € (avaliação de 2021).
11. A fracção J tem o valor patrimonial tributário de 5206,95 € (avaliação de 2021).
12. A fracção K tem o valor patrimonial tributário de 4212,25 € (avaliação de 2021).
13. A fracção L tem o valor patrimonial tributário de 2902,90 € (avaliação de 2021).
14. A fracção M tem o valor patrimonial tributário de 3593,10 € (avaliação de 2021).
15. A fracção N tem o valor patrimonial tributário de 2233,00 € (avaliação de 2021).
16. A fracção P tem o valor patrimonial tributário de 1502,20 € (avaliação de 2021).
17. A fracção Q tem o valor patrimonial tributário de 263,90 € (avaliação de 2021).
18. A fracção R tem o valor patrimonial tributário de 3725,05 € (avaliação de 2021).
19. A fracção T tem o valor patrimonial tributário de 3593,10 € (avaliação de 2021).
20. A fracção U tem o valor patrimonial tributário de 5206,95 € (avaliação de 2021).
21. A fracção V tem o valor patrimonial tributário de 2669,45 € (avaliação de 2021).
22. A fracção W tem o valor patrimonial tributário de 2233,00 € (avaliação de 2021).
23. A fracção X tem o valor patrimonial tributário de 3471,30 € (avaliação de 2021).
24. A fracção Y tem o valor patrimonial tributário de 3349,50 € (avaliação de 2021).
25. A fracção Z tem o valor patrimonial tributário de 3379,95 € (avaliação de 2021).
26. A fracção AA tem o valor patrimonial tributário de 3349,50 € (avaliação de 2021).
27. A fracção AC tem o valor patrimonial tributário de 3349,50 € (avaliação de 2021).
28. A fracção AD tem o valor patrimonial tributário de 3593,10 € (avaliação de 2021).
29. A fracção AF tem o valor patrimonial tributário de 4425,40 € (avaliação de 2021).
30. A fracção AG tem o valor patrimonial tributário de 4425,40 € (avaliação de 2021).
31. A fracção AH tem o valor patrimonial tributário de 4496,45 € (avaliação de 2021).
32. A fracção AM tem o valor patrimonial tributário de 416,15 € (avaliação de 2021).
33. A fracção AO tem o valor patrimonial tributário de 7582,05 € (avaliação de 2021).
34. A fracção AQ tem o valor patrimonial tributário de 3755,50 € (avaliação de 2021).
35. O artigo 8.º n.º 1 do «Regulamento Interno» do condomínio (aprovado na acta n.º 3, de 28/02/2001) dispõe o seguinte: «Constituem obrigações dos condóminos: a) pagar a quota do condomínio anualmente aprovada pela assembleia de condomínio, no prazo definido por esta; d) efectuar o pagamento de todas as despesas que, por força deste regulamento, por deliberação da assembleia de condóminos ou por imposição legal, venham a ser realizadas e sejam da sua responsabilidade».
36. Do artigo 25.º n.ºs 1 e 2 do «Regulamento Interno» do condomínio, consta que as despesas aprovadas no orçamento anual, bem como as participações aprovadas para o fundo de reserva são pagas em 12 prestações mensais, entre os dias 1 e 8 de cada mês.
37. O artigo 29.º n.º 1 do «Regulamento Interno» do condomínio tem o seguinte teor:
«O incumprimento do disposto na alínea a) e d) do art. 8.º, por períodos superiores a 30 dias, determinará o pagamento de uma multa de valor igual à quota mensal do condomínio.»
38. Da acta n.º 7, que aqui se dá por reproduzida, resulta o seguinte: «[sic] Aos vinte e cinco dias do mês de Fevereiro do ano de dois mil e dezanove, reuniu-se a Assembleia Geral de Condóminos do Edifício ... […]. Ponto número três – Apresentação do Orçamento de despesas para o exercício entre o período de um de Janeiro de dois mil e dezanove até trinta e um de Dezembro de 2019 […].Ponto número cinco – Ratificação da quota extra aplicada para reparação do elevador do Bloco A. Ponto número seis – Análise e deliberação de quota extra a aplicar para pagamento da dívida à Otis. Não se tendo verificado o quórum de vinte e cinco por cento, à segunda convocatória, a assembleia foi prorrogada para o dia onze de Março, com a mesma ordem de trabalhos. A Assembleia teve início, no dia onze de Março, pelas dezanove horas e trinta minutos, reunindo-se regularmente em terceira convocatória […].»
39. Desta acta, consta ainda ter sido aprovado o orçamento ordinário anual e uma quota-extra deficit.
40. Da acta consta um quadro com a indicação das quotas-extras «deficit» e das quotas mensais ordinárias, comtemplando o «FCR» (fundo comum de reserva), imputadas a cada fracção autónoma.
41. Do documento n.º 3 do requerimento executivo, resultam os seguintes dizeres:
«[…] Circular 005.19 / Data: 14/10/2019 / Assunto: Casa das máquinas – bomba […] A empresa Casa …. de Condomínios, Lda., na qualidade de Administradora do Condomínio do Edifício ..., vem por este meio informar todos os condóminos que […] foi decidido adjudicar o orçamento em anexo para reparação da bomba e substituição da tubagem das duas bombas […]. Por se tratar de um valor elevado, terá que ser aplicada uma quota extra. Segue abaixo quadro com os valores a aplicar a cada fracção […]».
42. Não se realizou assembleia de condomínio nos anos de 2020, 2021 e 2022.”
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Nas conclusões recursivas, pode ler-se:
“A sentença proferida é nula por manifesta ininteligibilidade decorrente da ambiguidade entre a parte da mesma que considera que «a acta n.º 7 é título executivo bastante para peticionar as quotas ordinárias e a quota-extra deficit» no total de 67.360,71 € (sessenta e sete mil trezentos e sessenta euros e setenta e um cêntimos), o que permite concluir que o título executivo em causa não é bastante para peticionar as penalizações, e a conclusão da mesma sentença que determina «a eliminação, por falta de título executivo, da quota-extra relativa à «reparação de bombas», o que permite concluir que o título executivo em causa é bastante para peticionar, não apenas as quotas ordinárias (no sobredito valor de 67.360,71 € (sessenta e sete mil trezentos e sessenta euros e setenta e um cêntimos), mas também as penalizações no valor de 11.202,78 € (onze mil duzentos e dois euros e setenta e oito cêntimos).”
Nos termos do art. 615º nº 1 al. c) do C.P.C., “é nula a sentença quando… ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
“A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, anotação ao art. 670º).
Não é qualquer ambiguidade ou obscuridade que é causa da nulidade da sentença, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível.
Da fundamentação da decisão recorrida consta o seguinte:
“As questões suscitadas são as seguintes: falta de título executivo; nulidade das deliberações de 25/02/2019 e 11/03/2019; prescrição; inexigibilidade das quotas de 2020, 2021 e 2022; falta de título executivo em relação às penalidades; violação dos limites previstos no artigo 1434.º n.º 2 do CC em relação às penalidades.”
Tendo o tribunal recorrido autonomizado da questão da “falta de título executivo” a questão das penalidades, a conclusão inserida na apreciação daquela questão “que a acta n.º 7 é título executivo bastante para peticionar as quotas ordinárias e a quota-extra deficit” não permite extrair que o título executivo não abrange as penalidades.
Improcede, pois, a arguição da nulidade da decisão recorrida.
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Nos termos do art. 640º nº 1 al. a) do C.P.C., “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”.
Pretendendo o recorrente a ampliação da matéria de facto provada, deve especificar os concretos pontos de facto que considera omitidos.
Nos termos do art. 5º nº 1 e nº 2 al. b) do C.P.C., “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”; “além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz… os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.
Assim, a especificação dos concretos pontos de facto omitidos deveria ser feita por referência a artigos da petição de embargos.
Nas conclusões recursivas, a recorrente indicou os factos que, no seu entender, devem ser aditados à matéria de facto provada, mas não fez referência a artigos da petição.
Vários factos que a recorrente considera que foram omitidos são factos controvertidos.
Conforme resulta do disposto no art. 595º nº 1 al. b) do C.P.C., “o despacho saneador destina-se a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.”
“Tal acontecerá (i) quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, (ii) quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e (iii) quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental” (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de fevereiro de 2017, processo 4716/15.9T8VCT-A.G1).
No despacho saneador que decida do mérito da causa, o juiz só pode verter na matéria de facto provada os factos plenamente provados. Havendo factos controvertidos, deverá tomar posição sobre a sua relevância para a decisão da causa, sendo que a irrelevância dos mesmos justifica o não prosseguimento da ação para a fase de instrução e, portanto, o não apuramento da verdade quanto a eles.
Assim, indefere-se a requerida ampliação da matéria de facto provada.
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Na fundamentação da sentença recorrida, pode ler-se:
“a matéria alegada pela embargante não gera nulidade, podendo apenas servir de base a uma acção de anulação, cujo direito de propor há muito caducou.
E, como vem sendo decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores, a força executiva impõe-se em relação a todos os condóminos, mesmo àqueles que não tenham votado favoravelmente a respetiva deliberação, independentemente da presença na assembleia.
E tal força executiva também é independente da convocatória, do teor da convocatória, da notificação da deliberação aos condóminos ausentes e dos eventuais fundamentos de anulação, desde que não tenha sido tempestivamente impugnada a deliberação, nos termos do artigo 1433.º do Código Civil.”
A recorrente defendeu que “as deliberações tomadas na assembleia geral de condóminos iniciada em segunda convocatória em 25.02.2019 e realizada em terceira convocatória em 11.03.2019, são nulas e de nenhum efeito” e que “a nulidade das deliberações tomadas em 25.02.2019 e 11.03.2019 determina a inexistência do título executivo”.
Nos termos do art. 1433º nº 1 do C.C., “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
“Deve entender-se, no entanto, que no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia dos condóminos.
Quando a assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública (suponha-se, por ex., que a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma daquelas partes do edifício que o n.º 1 do art. 1421.º considera forçosamente comuns; que suprime, por maioria, o direito conferido pelo n.º 1 do art. 1428.º; que elimina a faculdade, atribuída pelo art. 1427.º a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício; que suprime o recurso dos actos do administrador a que alude o art. 1438.º; ou que dispensa o seguro do edifício contra o risco de incêndio, diversamente do que se dispõe no nº 1 do art. 1429.º), as deliberações tomadas devem ser consideradas nulas, e como tais, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286.º. Se assim não fosse, estaria na mão dos condóminos derrogar os preceitos em causa; bastaria, para tanto, que, após a aprovação da deliberação, nenhum deles a impugnasse no prazo de vinte dias referido no n.º 2 do artigo 1433.º
Quando a assembleia se pronuncie sobre assuntos para que não tenha competência (tal será o caso em que, por exemplo, a assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respectivo titular, uma parte do prédio pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos), a deliberação deve considerar-se ineficaz: desde que a não ratifique, o condómino afetado a todo o tempo pode arguir o vício de que ela enferma, ou por via de exceção, ou através de uma ação de natureza meramente declarativa. E é este, sem dúvida, o regime mais aconselhável:  seria violento, com efeito, obrigar o condómino afectado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do ato, uma ação anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. De resto, a sanção da ineficácia é a que a lei comina para os atos praticados por um representante sem poderes (art. 268.º, n.º 1), e as duas situações são em tudo análogas: em qualquer dos casos faltam ao autor ou autores do comportamento negocial os poderes necessários para interferir na esfera jurídica de outrem” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, anotação ao art. 1433º - na redação inicial).
O nº 2 do art. 1433º do C.C. - na redação dada pelo DL 267/94, de 25 de outubro, faz referência a “deliberações inválidas ou ineficazes”, pelo que dúvidas não há que, dependendo do vício, as deliberações da assembleia de condóminos podem ser anuláveis, nulas ou ineficazes.
“As eventuais irregularidades do procedimento de convocação - e, em particular, as atinentes à observância do prazo e à iniciativa da convocação - não podem dar lugar senão a deliberações contrárias à lei e, como tal, sujeitas à anulação. Nas deliberações resultantes de assembleias irregularmente convocadas há uma violação lateral da lei, através do processo formativo da assembleia. Serão, por isso, de acordo com o regime regra, deliberações meramente anuláveis” (Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Edição de 2000, pág. 215).
«… o efeito da irregularidade da convocatória é a anulabilidade das deliberações.
O art. 1433.º, n.º 1, do Código Civil determina que “[a]s deliberações da assembleia contrárias à lei […] são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado” - e, entre as deliberações contrárias à lei, ainda que só indirecta ou mediatamente, estão aquelas que resultem da irregularidade do procedimento de convocação» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 21 de março de 2023, no processo 2164/16.2T8PTM.E1.S1).
Nos termos do art. 1433º nºs 2 e 4 do C.C., “no prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes”, sendo que “o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação”.
“… se, por um lado, o legislador, relativamente aos condóminos ausentes, alargou o prazo para impugnação das deliberações anuláveis de 20 para 60 dias, assim lhes concedendo uma maior dilação para poderem averiguar em concreto do teor das deliberações tomadas em assembleia geral (o que, em princípio, constitui um benefício para aqueles e se justifica em razão da ausência na assembleia), por outro lado quis tutelar a segurança e operacionalidade das deliberações tomadas, impedindo que, devido a circunstâncias alheias (ausência em parte incerta) ou imputáveis aos condóminos ausentes (intencional impedimento da comunicação), estes se refugiem na alegação do desconhecimento do que se deliberou nas assembleias para, com base nesse fundamento, passados meses ou anos, atacarem as deliberações tomadas ou dilatarem, com tal expediente, a realização de inovações, obras ou quaisquer outras diligências que afectariam todos os interessados e tornariam praticamente ingovernável o condomínio.
É que os condóminos têm cada vez mais que se revelar como pessoas responsáveis e preocupadas com a resolução dos problemas que afectam o condomínio e, nessa medida, devem procurar estar ao corrente de todas as situações que lhe digam respeito.
Assim, ainda que não compareçam nas assembleias gerais (por não quererem ou não o poderem fazer - em todo o caso sempre se poderão fazer representar), desde que saibam da sua realização devem diligenciar por conhecerem o que foi deliberado e, caso não estejam de acordo, utilizarem rapidamente o direito de impugnação para não impossibilitarem, por largo tempo, a eficácia das deliberações tomadas” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 3 de outubro de 2002, no processo 02B1816).
A falta de comunicação de deliberação da assembleia de condóminos não determina, pois, a invalidade dessa deliberação.
Na fundamentação da decisão recorrida, consta o seguinte:
“Estando a ser peticionados despesas de condomínio referentes ao período de 2019 a Junho de 2022, com base numa acta de 2019, não é aplicável a Lei n.º 8/2022, de 10/01, que é posterior à acta dada como título.”
Nos termos do art. 6º nº 1 do DL 268/94, de 25 de outubro, na redação inicial, “a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Na fundamentação da decisão recorrida, pode ler-se:
“Compulsada a acta n.º 7, verifica-se que a mesma contém a aprovação do orçamento ordinário anual referente a 2019 e da quota-extra «deficit». A acta contém ainda quadros com a indicação do valor devido por cada fracção a este título. No que tange à quota mensal, a mesma já comporta o valor do fundo comum de reserva. No que tange à quota-extra «deficit», bastará dividir o valor global por 12 meses, para aferir da correcção do montante peticionado pelo exequente. O prazo de pagamento resulta expressamente do regulamento do condomínio, devidamente aprovado pela assembleia (acta n.º 3).
Perante estes elementos, conclui-se que a acta n.º 7 é título executivo bastante para peticionar as quotas ordinárias e a quota-extra deficit, sendo a quantia peticionada a este título certa, líquida e exigível.”
Na alegação recursiva, a recorrente afirmou que “o que consta da acta da assembleia de condóminos n.º 7 dada à execução é uma deliberação para a administração do condomínio «proceder à cobrança das dívidas dos Condóminos em atraso aplicar as penalidades estabelecidas no Regulamento Interno do Condomínio e instauração de acção executiva contra os condóminos faltosos».
Tal afirmação não tem presente os pontos 39 e 40 da matéria de facto provada, nos quais se pode ler:
- “Desta acta, consta ainda ter sido aprovado o orçamento ordinário anual e uma quota--extra deficit.”
- “Da acta consta um quadro com a indicação das quotas-extras «deficit» e das quotas mensais ordinárias, comtemplando o «FCR» (fundo comum de reserva), imputadas a cada fracção autónoma.”
Da fundamentação da decisão recorrida consta o seguinte:
“Não se tendo realizado assembleia de condomínio nos anos de 2020, 2021 e 2022, mantém-se naturalmente em vigor o valor das quotas de 2019.
Ainda que a administração do condomínio possa ter responsabilidade directa na não realização das assembleias de condomínio nesses anos, realidade que não cabe apurar nesta sede, certo é que a obrigação de pagar as quotas mensais se mantém – até porque as despesas também se mantêm.
Por outras palavras, não pode a embargante eximir-se ao pagamento das quotas mensais com o argumento de que não foi realizada assembleia de condomínio nos anos de 2020, 2021 e 2022, sob pena de paralisar a actividade do condomínio.”
Contudo, o que se discute nos presentes embargos é a exequibilidade do título e da ata que serve de base à execução resulta que o orçamento que foi aprovado foi o orçamento “para o exercício entre o período de um de Janeiro de dois mil e dezanove até trinta e um de Dezembro de 2019”, pelo que a exequibilidade do título não abrange quotas posteriores a esse período.
É de salientar que, com a L 8/2022, de 10 de janeiro, mencionar o montante anual a pagar por cada condómino passou a ser requisito de exequibilidade da ata da reunião da assembleia de condóminos.
Na fundamentação da decisão recorrida, pode ler-se:
“No que tange às penalizações, embora não exista unanimidade na jurisprudência, vimos entendendo que as despesas de condomínio abrangem também as penas de natureza pecuniária.”
Não foi esse o entendimento seguido pelo STJ.
«… o título executivo a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 [sob a epígrafe "Dívidas por encargos de condomínio"] não abrange, nem pode abranger, no seu âmbito tal penalização, pois que esta penalização não corresponde, de todo, a um "encargo de condomínio" atenta a definição ínsita no artigo 1424.º do Código Civil: estes encargos (repete-se) respeitam tão somente à "conservação e fruição das partes comuns do edifício", bem como aos "serviços de interesse comum", traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
(…)
Compreende-se que, perante um atraso no pagamento por um condómino, o condomínio mais facilmente conseguirá com a acção executiva obter o pagamento da prestação em dívida e da sanção. Como também dessa forma mais rapidamente desmotivará os condóminos incumpridores de voltar a incumprir.
No entanto, tal raciocínio não permitir se estenda o âmbito do título executivo para algo que não é imanente à prestação em dívida – antes, apenas e só, se trata de uma possível consequência da omissão de pagamento e cujo valor não é necessário para que o condomínio possa ter ao seu dispor os fundos necessários para fazer face às suas despesas.
O condomínio necessita, é claro, de obter o pagamento das prestações em dívida (ordinárias ou extraordinárias) para poder enfrentar a multiplicidade de despesas e encargos que tem de suportar e foi nestas que o legislador, certamente, terá pensado ao permitir a sua rápida cobrança. Porém, o pagamento de penalidades já não está relacionado com a necessidade de obtenção de fundos para a sobrevivência do condomínio, mas antes com a fixação de regras que visam “compelir” os condóminos a cumprir.
A instauração de uma ação executiva visa, como sabemos, a reparação efectiva de um direito violado, realizando-se coactivamente a prestação devida. Só que, o legislador, ao enunciar aquele tipo de prestações, terá entendido que o direito violado pelo condómino era a falta de pagamento desse tipo de prestações que representam a essencialidade do funcionamento do condomínio e assim o protegeu, não se vislumbrando que essa necessidade também exista em relação a um acréscimo de dívida aplicada a título de sanção opcional» (www.dgsi.pt Acórdãos do STJ proferidos a 11 de março de 2021, no processo nº 5647/17.3T8OER-A; a 11 de novembro de 2021, no processo 23757/19.0T8PRT-A.L1.S1; e a 26 de janeiro de 2021, no processo 956/14.6TBVRL-T.G1.S1).
Nos termos do art. 6º nº 3 do DL 268/94, na redação dada pela L 8/2022, “consideram--se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”.
Há jurisprudência a considerar que a nova lei não é inovadora, mas meramente interpretativa (www.dgsi.pt Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido a 27 de abril de 2023, no processo 2251/22.8T8GMR.G1).
Não é esse o nosso entendimento, pois o legislador, para além de aditar o referido nº 3, eliminou do nº 1 a expressão “ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”.
*
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida na parte em que julgou improcedentes os embargos quanto às quotas dos anos de 2020, 2021 e 2022 e às penalidades; julgando procedentes os embargos nessa parte, com consequente eliminação da alínea b) do dispositivo da decisão recorrida; e ordenando o prosseguimento da execução apenas quanto às quotas de 2019 e à quota-extra deficit.
Custas dos embargos e da apelação pelas partes na proporção do respetivo decaimento.

Lisboa, 8 de fevereiro de 2024
Maria do Céu Silva
Marília dos Reis Leal Fontes
Maria Carlos Calheiros