Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
392/23.3T8MFR-A.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
PROBABILIDADE DA EXISTÊNCIA DO DIREITO
PRÉDIO ENCRAVADO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O cumprimento do ónus contido na al. b), do nº 1, do art. 640º, do CPC exige que o recorrente ao impugnar a decisão de facto exponha as razões concretas da sua discordância relativamente ao juízo crítico subjacente à decisão proferida em 1ª instância, exigindo-se-lhe, deste modo, que proceda à análise crítica da prova, apoiado inclusivamente, naquela cuja reapreciação requer, e que argumente de modo a por em causa o raciocínio lógico-dedutivo subjacente à decisão recorrida,  demonstrando os motivos que impõem a decisão por que pugna.
2.  O requerente de providência cautelar não especificada tem o ónus de provar a probabilidade de existência do direito alegadamente ameaçado; provando o requerente que é proprietário de um prédio encravado, demonstra indiciariamente o direito de exigir a constituição de servidão de passagem sobre prédio(s) vizinhos nos termos previstos pelo art. 1550º, do CC.
3. Recai sobre os requeridos e proprietários dos prédios vizinhos contra quem foi instaurada a providência destinada a ver reconhecido aquele direito, e na sequência do decretamento da providência, o ónus de alegarem e demonstrarem, também indiciariamente, em sede de oposição (art. 342º, nº 2 do CC), que a servidão deve constituir-se sobre outro prédio vizinho.
4. Provando os requeridos que nos seus prédios estão construídas edificações que constituem as respetivas casas de habitação; que a passagem a favor do prédio dominante teria de fazer-se pelo logradouro dos prédios urbanos respetivos, com afetação da sua tranquilidade e privacidade; que o prédio do requerente confina com um outro, de natureza rústica, que tem acesso à via pública e onde não estão erigidas construções; e que a constituição de servidão de passagem sobre tal prédio não afeta qualquer vantagem para o prédio do requerente (dominante), resulta indiciariamente demonstrado que aquele outro prédio sofre um menor prejuízo com a constituição da servidão (cf. arts. 1553º e 1565º CC), justificando-se, deste modo, o levantamento da providência anteriormente decretada (cf. arts. 1553º e 1565º CC).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
J.S.C., casado com L(…), residente na Praceta (…), veio intentar procedimento cautelar comum não especificado contra A.C.R.M. residente na Rua (…); P.M.C.S.M., residente na Rua(…); e contra E.S.B.C., residente na Rua (…), naquela mesma localidade, pedindo seja decretada providência cautelar de imediata cessação pelos requeridos de quaisquer condutas que dificultem o acesso ao seu prédio, quer de pessoas e veículos, quer da água da rede pública, ordenando-se também que estes procedam ao registo da servidão que onera os prédios de que são proprietários, e, ainda, que seja removido pela 1.ª requerida o portão manual que colocou no logradouro do seu prédio ou que seja por esta substituído por um automático.
Dispensado o exercício do contraditório e produzida a prova oferecida pelo requerente, foi proferida a seguinte decisão:
“(…) julgo parcialmente procedente, porque provado, o presente procedimento cautelar inominado e, consequentemente:
a) absolvo os requeridos da instância no que respeita ao pedido de condenação de inscrição no registo predial da servidão de passagem;
b) determino a imediata cessação, por parte dos requeridos, de quaisquer condutas ou omissões que dificultem ou impossibilitem o requerente de usar a servidão de passagem que beneficia o prédio de que é proprietário e melhor descrita a 4.º de fls. 24 dos autos, nomeadamente procedendo a requerida A.C.R.M. à imediata retirada do portão de madeira que colocou no seu prédio;
c) determino que os requeridos P.M.C.S.M. e E.S.B.C. reponham de imediato o tubo de condução da rede pública de abastecimento de água ao prédio do requerente e se abstenham de quaisquer condutas ou omissões que dificultem ou impossibilitem a fruição de servidão de passagem para aproveitamento de águas que beneficia o prédio em referência.
(…)
Custas a cargo do requerente – cfr. artigos 539.º, n.º 1 e 527.º, ambos do Cód. Proc. Civil.
*
Notificados da decisão, vieram os requeridos apresentar oposição, tendo pedido (na parte admitida por despacho proferido em 19 de junho de 2023) seja verificada a exceção de ilegitimidade ativa do requerente, e, para o caso de assim não se entender, seja julgada procedente por provada a oposição em ordem a serem levantadas as providências decretadas.
Convidado a pronunciar-se sobre a exceção de ilegitimidade, o requerente pugnou pela sua improcedência, a qual foi julgada improcedente, por não provada, por despacho proferido em 11 de julho de 2023.
*
Produzida a prova indicada pelos requeridos, foi proferida a seguinte decisão:
“Em face do acima exposto, julgo procedente a oposição oferecida pelos requeridos e, consequentemente, determino o levantamento das providências oportunamente decretadas nos autos, com as correspondentes consequências.
(…)
Custas a cargo do requerente – cfr. artigos 539.º, n.º 1 e 527.º, ambos do Cód. Proc. Civil.”
*
O requerente, inconformado com a decisão, dela veio apelar, concluindo nos seguintes termos:
“1. Verifica-se uma insuficiência da matéria de facto dada como provada, face aos meios de prova carreados para o processo, quer no que diz respeito à prova documental, quer do que resulta da prova produzida em audiência de julgamento.
2. Deste modo, os pontos 17 a 21, dos factos não provados descritos na Fundamentação de Facto (V), encontram-se incorretamente julgados, devendo ter sido outra a apreciação dos mesmos, bem como a orientação seguida pelo Tribunal  Recorrido.
3. Assim, deveria ter sido considerada julgada como provado, seguindo a numeração da Sentença, que:
22. O acesso ao prédio do requerente é feito, exclusivamente, pelos logradouros dos prédios dos requeridos nos termos retratados a fls. 24, há mais de 20 anos e sem oposição de ninguém;
23. Foi colocado um portão na estrema do logradouro do prédio do Requerente com o dos 2.º e 3.ª requeridos, nos termos melhor retratados a fls. 4. dos autos, que se estende por toda a sua largura, impedindo o acesso por este ao mesmo;
24. O prédio do requerente não tem acesso autónomo à rede pública de fornecimento de água, fazendo-se, o referido abastecimento, através de tubo soterrado que atravessa o prédio do 2.º e 3.ª requeridos e que se inicia junto à via pública identificada na fotografia de fls. 4, designada por Rua Principal;
25. No dia 13.03.2023 o 2.º requerido arrancou o tubo referido em 10., estando desde então o prédio do requerente sem fornecimento de água;
26. Desde 21.03.2023 o requerente não consegue aceder ao seu prédio através dos logradouros identificados em 17., em consequência direta e exclusiva da colocação, pela 1.ª requerida, da rede melhor identificada nas fotografias de fls. 30 dos autos.
4. Deveria, ainda, ter sido considerada julgada como provada, a seguinte factualidade constante dos autos, ampliando-se a matéria de facto apurada com bom interessa para a causa:
10. Que as frações A e B, que compõem a totalidade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número (…), propriedade dos Requeridos, bem como o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número (…) já pertenceram, no passado, a um mesmo proprietário, a saber a Sra. A.C. D. R., NIF (…), cfr. se poderá verificar no histórico predial dos dois imóveis;
11. Que, já anteriormente à propriedade da Sra. A.C.D.R., existia uma relação estável de serventia de um prédio ao outro, in casu, entre o prédio dos Requeridos e o do Requerente, correspondente a uma servidão aparente revelada por sinais visíveis e permanentes, pese embora, entretanto, tenha ocorrido a separação jurídica entre o prédio serviente (e respetivas frações autónomas) em relação ao prédio dominante, inexistindo qualquer declaração contrária à destinação;
12. Que é por demais evidente que sobre as frações autónomas do prédio urbano número (…), propriedade dos Requeridos, incide uma servidão de passagem existente no espaço comum aos prédios e respetivos logradouros, a qual foi validamente constituída por destinação do pai de família nos termos do artigo 1549.º do Código Civil, conforme supra demonstrado pelo preenchimento de todos os requisitos legais para a sua constituição;
13. Que em meados do ano de 2022, quando o Requerente iniciou um processo de remodelação do imóvel e correspondente licenciamento para alteração da afetação, com vista à sua residência, a conduta dos Requeridos alterou-se substancialmente;
14. Consta na Caderneta Predial Urbana do imóvel propriedade do Requerente a sua afetação para habitação;
15. Que, ainda que o imóvel estivesse a ser utilizado para a finalidade para o qual estava licenciado (vacaria e casa de ordenha), tal significaria que o Requerente ficaria sem água para alimento dos animais, e sem possibilidade de exercer a atividade industrial diária por não ter o acesso para as viaturas.
16. O imóvel propriedade do Requerente já se encontra remodelado e com licenciamento em curso para habitação;
17. Que o tubo de água já atravessa o prédio serviente há mais de trinta anos, e cuja passagem pelo referido prédio se encontra legitimada pela referida servidão de passagem validamente constituída por destinação do pai de família nos termos do já indicado artigo 1549.º do Código Civil.
18. Que os requerentes peticionaram ao tribunal a quo que fosse decretada providência cautelar de imediata cessação pelos requeridos de quaisquer condutas que dificultassem o acesso ao seu prédio, quer de pessoas e veículos, quer da água de rede pública (entre outros), tendo sido proferida em 18.04.2023 sentença favorável aos requerentes, a qual nunca foi cumprida pelos requeridos.
5. Em sentido oposto, deveria ter sido considerado julgado como não provado, que:
2. O prédio identificado em 1. com outro, proveniente da divisão predial referida em 8., que por sua vez tem acesso direto à via pública e no qual não se encontra edificada qualquer construção para habitação, não sendo para este efeito utilizado;
6. Concomitantemente, deverá ser alterada a redação constante dos pontos 16 e 17 da douta Sentença Recorrida, nos seguintes moldes:
16. No prédio em apreço, o requerente reconverteu o imóvel aí existente para uma moradia para habitar.
17. No dia 13.03.2023, o 2.º requerido retirou um tubo que fornecia água ao prédio do requerente e desde então o imóvel encontra-se sem fornecimento de água.;
7. Assim, deveria ter sido o seguinte acervo factual dado como provado, na sua totalidade, assim constando da douta sentença recorrida:
26. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, (…), o prédio urbano sito na Rua (…), Montemuro, com área de total de 170,80 m2, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…), constituído por casa de um piso destinado a vacaria e casa de ordenha;
27. Pela Ap. 738 de 2020/08/19, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição a favor do requerente, por compra à 1.ª requerida;
28. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia de (…), o prédio urbano composto por rés do chão, primeiro andar no lado poente e logradouro;
29. Pela Ap. 3665 de 2019/07/28, encontra-se inscrita na descrição referida em 3. a aquisição a favor da 1.ª requerida, por compra a A.C.D.R. e outra;
30. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia de (…), o prédio urbano composto por rés do chão, primeiro andar no lado nascente e logradouro;
31. Pela Ap. 1703 de 2020/04/30, encontra-se inscrita na descrição referida em 5. a aquisição a favor dos 2.º e 3.ª requerida, por compra a C. M. R.C.;
32. O prédio descrito em 1. confina com os prédios descritos em 3. e 5. nos termos consignados na fotografia de fls. 24;
33. Os prédios em apreço provieram da divisão de mesma unidade predial;
34. Que as frações A e B, que compõem a totalidade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número (…), propriedade dos Requeridos, bem como o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número (…), propriedade do Requerente, já pertenceram, no passado, a um mesmo proprietário, a saber a Sra. A.C.D.R., NIF (…), cfr. se poderá verificar no histórico predial dos dois imóveis;
35. Anteriormente à propriedade da Sra. A.C.D.R., existia uma relação estável de serventia de um prédio ao outro, in casu, entre o prédio dos Requeridos e o do Requerente, correspondente a uma servidão aparente revelada por sinais visíveis e permanentes, pese embora, entretanto, tenha ocorrido a separação jurídica entre o prédio serviente (e respetivas frações autónomas) em relação ao prédio dominante, inexistindo qualquer declaração contrária à destinação;
36. É por demais evidente que sobre as frações autónomas do prédio urbano número 1659, propriedade dos Requeridos, incide uma servidão de passagem existente no espaço comum aos prédios e respetivos logradouros, a qual foi validamente constituída por destinação do pai de família nos termos do artigo 1549.º do Código Civil, conforme supra demonstrado pelo preenchimento de todos os requisitos legais para a sua constituição;
37. O prédio do requerente não tem comunicação com a via pública ou com qualquer caminho;
38. O fornecimento de água ao prédio descrito em 1. é realizado por um tubo soterrado que atravessa o prédio do 2.º e 3.ª requeridos e que se inicia junto à via pública identificada na fotografia de fls. 4, designada por Rua Principal;
39. Tubo esse que, aliás, já atravessa o prédio serviente há mais de trinta anos, e cuja passagem pelo referido prédio se encontra legitimada pela referida servidão de passagem validamente constituída por destinação do pai de família nos termos do já indicado artigo 1549.º do Código Civil;
40. O fornecimento de água nos moldes referidos em 13. é feito há mais de 20 anos, sem oposição de ninguém;
41. No prédio em apreço, o requerente reconverteu o imóvel aí existente para uma moradia para habitar.
42. No dia 13.03.2023, o 2.º requerido retirou um tubo que fornecia água ao prédio do requerente e desde então o imóvel encontra-se sem fornecimento de água.;
8. Consta na Caderneta Predial Urbana do imóvel propriedade do Requerente a sua afetação para habitação;
9. Que, ainda que o imóvel estivesse a ser utilizado para a finalidade para o qual estava licenciado (vacaria e casa de ordenha), tal significaria que o Requerente ficaria sem água para alimento dos animais, e sem possibilidade de exercer a atividade industrial diária por não ter o acesso para as viaturas.
10. O imóvel propriedade do Requerente já se encontra remodelado e com licenciamento em curso para habitação;
43. No dia 21.03.2023, a 2.ª requerida ergueu a rede melhor identificada nas fotografias de fls. 30 no logradouro do prédio da sua titularidade;
44. Desde 21.03.2023 o requerente não consegue aceder ao seu prédio através dos logradouros identificados em 17., em consequência direta e exclusiva da colocação, pela 1.ª requerida, da rede melhor identificada nas fotografias de fls. 30 dos autos.
45. O acesso ao prédio do requerente é feito, exclusivamente, pelos logradouros dos prédios dos requeridos nos termos retratados a fls. 24, há mais de 20 anos e sem oposição de ninguém;
46. Foi colocado um portão na estrema do logradouro do prédio do Requerente com o dos 2.º e 3.ª requeridos, nos termos melhor retratados a fls. 4. dos autos, que se estende por toda a sua largura, impedindo o acesso por este ao mesmo;
47. O prédio do requerente não tem acesso autónomo à rede pública de fornecimento de água, fazendo-se, o referido abastecimento, através de tubo soterrado que atravessa o prédio do 2.º e 3.ª requeridos e que se inicia junto à via pública identificada na fotografia de fls. 4, designada por Rua Principal;
48. No dia 13.03.2023 o 2.º requerido arrancou o tubo referido em 10., estando desde então o prédio do requerente sem fornecimento de água;
49. Desde 21.03.2023 o requerente não consegue aceder ao seu prédio através dos logradouros identificados em 17., em consequência direta e exclusiva da colocação, pela 1.ª requerida, da rede melhor identificada nas fotografias de fls. 30 dos autos;
50. Que os requerentes peticionaram ao tribunal a quo que fosse decretada providência cautelar de imediata cessação pelos requeridos de quaisquer condutas que dificultassem o acesso ao seu prédio, quer de pessoas e veículos, quer da água de rede pública (entre outros), tendo sido proferida em 18.04.2023 sentença favorável aos requerentes, a qual nunca foi cumprida pelos requeridos.
19. Devendo, por conseguinte, considerar-se a matéria de facto apurada como escassa e deficiente, devendo a mesma ser ampliada nos termos apresentados, por força do disposto no artigo 662º nº 2 alínea c) do Código de Processo Civil, com a consequente reapreciação da prova gravada.
20. Alicerça-se, deste modo, a posição vertida supra pelo ora Recorrente, com referência às Atas de Julgamento, em complemento com as horas de gravação, ficheiro 20230411095135_4713799_287138.html#, disponibilizado ao aqui Recorrente em 28 de novembro de 2023, em virtude de a Ata ser omissa no que toca ao início e final do depoimento, nas:
− Declarações de parte do Requerente J.S.C., prestado no dia 11 de abril de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 09:58:00 e o seu termo pelas 10:35:00, especificadamente, minutos 03:14 a 14:12 e minutos 14:48 a minutos 35:42;
− Depoimento da testemunha L.M.R.C., prestado no dia 11 de abril de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10:35:00 e o seu termo pelas 11:02:00, especificadamente, minutos 02:30 a 11:01 e minutos 11:13 a minutos 25:02;
− Depoimento da testemunha C.M.R.C., prestado no dia 11 de abril de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11:02:00 e o seu termo pelas 11:31:00, especificadamente, minutos 01:20 a 14:50 e minutos 15:25 a minutos 28:35;
− Depoimento da testemunha L.B.R., prestado no dia 11 de abril de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11:31:00 e o seu termo pelas 11:46:00, especificadamente, especificadamente, minutos 02:05 a 06:00 e minutos 06:10 a minutos 15:16;
− Depoimento da testemunha D.M.S., prestado no dia 11 de abril de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11:47:00 e o seu termo pelas 11:55:00, especificadamente, minutos 00:55 a 08:25;
− Depoimento dos Requeridos (…), prestados no dia 31 de outubro de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 10:00:57 e o seu termo pelas 11:53:54, especificadamente, sendo impossível cindir as exatas passagens dado todos os Requeridos terem falado ao mesmo tempo, entendendo-se que a totalidade da gravação se relva pertinente para a reversão da presente decisão;
− Depoimento da testemunha D.M.S., prestado no dia 13 de novembro de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 13:54:23 e o seu termo pelas 14:09:10, especificadamente, especificadamente, minutos 01:55 a 14:14;
− Depoimento da testemunha P.M.O.B., prestado no dia 13 de novembro de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14:09:11 e o seu termo pelas 14:15:46, especificadamente, minutos 01:30 a 06:07;
− Depoimento da testemunha P.M.R.C., prestado no dia 13 de novembro de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14:15:47 e o seu termo pelas 14:46:06, especificadamente, minutos 01:30 a 06:00 e minutos 06:14 a minutos 30:12;
− Depoimento da testemunha J.P.S.M., prestado no dia 13 de novembro de 2023 e gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Recorrido, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 14:06:09 e o seu termo pelas 15:12:12, especificadamente, especificadamente, minutos 01:39 a 11:58 e minutos 12:41 a minutos 20:01, da gravação.
21. Mais, impõem decisão diversa da Recorrida:
− Os documentos nºs 1 a 7 juntos com a Petição Inicial, em virtude de os documentos nºs 1 a 6 constituírem documentos autênticos cuja falsidade não foi invocada e cujo documento nº7 não foi impugnado e − Os documentos nºs 1 a 17 juntos com o Requerimento Probatório de 24 de março de 2023, com a referência 45113866, dado que os documentos nºs 1 a 7, 11, 12 e 13 constituírem documentos autênticos e os demais documentos, nºs 8 a 10 e 14 a 17 não terem sido impugnado pela parte contra quem os mesmo prejudicam, ou seja, os requeridos.
22. No demais, os documentos nºs 8 a 10 e 14 a 17, presentes no requerimento de 23 de março de 2023, ao não terem sido impugnado pela parte contra quem os mesmo prejudicam, ou seja, os requeridos, conjugado com a prova testemunhal produzida pelo Requerente, impõem a alteração da factualidade dada como provado, conforme descrito no articulado 8º das presentes Alegações.
23. Houve manifesto erro de julgamento na apreciação da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, em especial pela inexistência de contraponto, de juízo crítico em escolher a prova produzida pelos Requeridos em detrimento da prova produzida pelo Requerente, ou seja, não existe uma explicação lógica para a formulação do silogismo judiciário na fundamentação da matéria de facto.
24. Em bom rigor, revela especial erro de julgamento os pontos 9 e 15, uma vez que no ponto 9 é afirmado perentoriamente que o prédio do aqui Recorrente não tem acesso à via pública e no ponto 15 é afirmado que, afinal, já tem acesso à via pública, o que, além de profundamente errado, não ter resultado da matéria de facto produzida em sede de audiência de julgamento, é um raciocínio impossível, errado do ponto de vista da formação do raciocínio judiciário, uma vez que não pode existir, ao mesmo tempo, o facto positivo e o facto negativo sobre a mesma realidade, isto é, o uma realidade e o seu oposto ao mesmo tempo.
25. Pelo que o Tribunal Recorrido viola, desta forma, o disposto nos artigos 5º nº1, 5º nº2 alíneas a) a c) do Código de Processo Civil, conjugados com o teor do artigo 607º nº4 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que o Tribunal procede à análise crítica das provas, o que, in casu, não sucedeu.
26. Deste modo, face à omissão de uma análise crítica da prova testemunhal produzida e do acervo documental junto ao processo, sem ter em consideração a resposta adequada aos pontos 17 a 21 dos factos não provados, descritos na Fundamentação de Facto (V) juntamente com a factualidade que deveria ter sido dada como provada, como exposto nos articulados 2º a 8º das presentes Alegações de Recurso, impõe-se a renovação da prova face a esta matéria que não ficou totalmente esclarecida com o julgamento em 1ª Instância e não se encontrando devidamente fundamentada a Sentença Recorrida sobre os factos essenciais para o bom julgamento da causa, nos termos das alíneas b), c) e d) do número 2 e, igualmente, do número 1, do artigo 662º nº2 do Código de Processo Civil e que influi diretamente na sua boa decisão.
27. Ao contrário do firmado pelo Tribunal Recorrido, é manifesto que o Requerente exerce a posse sobre a servidão de passagem, a qual sempre foi exercida no caminho que o Requerente descreve na sua petição inicial.
28. Tal resulta, de forma manifesta, do teor dos artigos 1252º nº1 e 1256º nº1 do Código Civil, tendo sido exercida não só para a realização de obras para reabilitação da casa, quer pela utilização do referido caminho, quer pelo Requerente, quer pelo anterior proprietário, que nunca contestou tal posse e na qual o agora Requerente sucedeu – A Requerida, que nunca negou tal posse - e, bem assim, pelos anteriores proprietários da fração propriedade do aqui Requerente, e por serem todas as frações proveniente do mesmo proprietário anterior, da divisão da mesma unidade predial.
29. Para efeitos da perda da posse, o abandono pressupõe um acto material praticado intencionalmente de rejeição da coisa, o que, no âmbito dos presentes Autos, nunca chegou a ocorrer, aliás, é contraditória a própria sentença recorrida, pois que, se uma pessoa adquire uma habitação, inicia o seu processo de licenciamento urbanístico para habitação, passa se,pre por essa localização, onde anteriormente já passavam os anteriores proprietários do imóvel, a verdade é que o controlo material nunca cessou, isto é, nunca perdeu nem ocorreu o seu não uso, pelo que existe notório erro de julgamento face à matéria apurada e a incorreta aplicação da lei vertida na douta sentença recorrida
30. Os anteriores proprietários do imóvel nunca perderam a posse, sempre a continuaram a manifestar, pelo caminho descrito no requerimento Inicial, e os proprietários anteriores também, assim como o aqui Requerente, atual proprietário, pelo que sempre se terá de julgar que existe constituição de servidão de passagem por usucapião.
31. E, em erro de julgamento incorrer o Tribunal Recorrido, ao querer fazer crer que este prédio é rústico, quando resulta sobejamente provado que é urbano e, mesmo se fosse rústico, em violação do ónus da prova, novamente, afirma que não necessita de acessos ao mesmo nem de acesso para água, o que se revela incompreensível quando efetivamente não existe outro caminho para tal efeito.
32. Assim, o Tribunal Recorrido, face à matéria factual apurada, e, ainda com a alteração factual propugnada nos articulados 2º a 8º das presentes Alegações, viola o disposto nos artigos 1251º, 1252º nº1, 1256º nº1, 1257º nº2, 1287º, 1288º, 1289º nº1, 1543º, 1550º nº1 e 342º nº2 do Código Civil, devendo ter sempre julgado que existe usucapião quanto à servidão de passagem corretamente identificada pelo ora recorrente no seu Requerimento Inicial.
33. Da factualidade exposta, quer documental, quer testemunhal, resulta plenamente demonstrada a existência de uma serventia dos prédios dos requeridos para com o prédio do requerente, que é um prédio por eles encravado, serventia essa que se traduz numa servidão de passagem,
34. Para a constituição de uma servidão por destinação do pai de família, prevista no n.º 1 do art. 1547.º do CC, é necessário que: (i) os dois prédios ou as duas fracções do prédio em causa tenham pertencido ao mesmo proprietário; (ii) existam sinais visíveis e permanentes que revelem inequivocamente uma relação estável de serventia de um prédio para com o outro; e (iii) que os prédios ou as fracções do prédio se separem quanto ao seu domínio e não haja no documento respectivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo (cfr. art. 1549.º do CC).
35. Resulta dos presentes autos, de forma inequívoca, que as frações em causa pertenceram ao mesmo dono, que se separaram, passaram a ser tituladas por sujeitos jurídicos diferentes, existindo uma relação estável de serventia, revelada inequivocamente por sinais bem visíveis permanentes (destinação), a separação dos prédios ou fracções em relação ao domínio (separação jurídica), e inexistência de qualquer declaração no respectivo documento contrária à destinação.
36. Aliás, solução adotada pelo Tribunal Recorrido na sua decisão de 18 de abril de 2023, em que, mais uma vez, omite a escolha de uma decisão por outra, não fundamentado a agora supostamente não existente destinação do pai de família, o que se traduz, novamente, em crasso erro judiciário.
37. Ou seja, da factualidade adquirida no âmbito dos presentes Autos, resulta que as três unidades prediais da propriedade das partes resultam do fracionamento de uma única entidade geográfica e, que no âmbito desta, já existia o acesso à vacaria e casa de ordenha que posteriormente veio a constituir o prédio do requerente, equipamentos esses que eram servidos por um caminho pavimentado a cimento, com as dimensões e configuração do acesso ora em discussão; e bem assim pela condução da água da rede pública através do tubo de água para o efeito.
38. Assim, o Tribunal Recorrido, face à matéria factual apurada, e, ainda com a alteração factual propugnada nos articulados 2º a 8º das presentes Alegações, viola o disposto no artigo 1549º do Código Civil, devendo ter sempre julgado que existe constituição de servidão por destinação do pai de família quanto à servidão de passagem corretamente identificada pelo ora recorrente no seu Requerimento Inicial.
39. O abastecimento de água ao prédio do Requerente, por se tratar de prédio encravado, sem acesso à via pública conforme demonstrado, tem que efetuar-se, forçosamente, da servidão pelo prédio serviente, para aproveitamento de águas,  conforme fica, também, plenamente demonstrado nos presentes autos
40. Todas as partes sabem e sempre souberam que o fornecimento de água se fazia naquela zona, encontrando-se atualmente o requerente sem acesso ao fornecimento de água, sendo aliás notório que, se o prédio do Requerente está encravado, o fornecimento de água terá sempre de se fazer pelo caminho da fração B, o que resultou, de forma inequívoca, das declarações dos próprios Requeridos.
41. Assim, o Tribunal Recorrido, face à matéria factual apurada, e, ainda com a alteração factual propugnada nos articulados 2º a 8º das presentes Alegações, viola o disposto no artigo 1556º do Código Civil, devendo ter sempre julgado que existe constituição de servidão legal de passagem para o aproveitamento de águas.
42. Porquanto o Requerente fez prova indiciária do seu Direito, como elencado no Requerimento Inicial, designadamente no que tange aos requisitos para o decretamento da providência requerida, do periculum in mora e do fumus bonis iuris, sempre será de manter a providência cautelar que foi levantada com a decisão de que se recorre.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverão julgar o presente Recurso procedente por provado e, consequentemente, substituir a Sentença Recorrida nos precisos termos explanados nas presentes Alegações e Conclusões.”
*
Os requeridos responderam ao recurso e terminaram a sua alegação recursiva com as seguintes conclusões:
“(…)
4ª) O aqui Recorrente insurge-se contra a douta sentença proferida, a qual julgou procedente a oposição oferecida pelos requeridos e, consequentemente, determinou o levantamento das providências oportunamente decretadas nos autos, com as correspondentes consequências.
5ª) No recurso apresentado, o aqui Recorrente invoca ter existido erro notório de julgamento, incorreta apreciação dos meios de prova com consequente incorreta valoração e uma incorreta aplicação das normas legais – o que em nossa modesta opinião não se verifica.
6ª) Para a decisão tomada o douto Tribunal “a quo” teve em consideração a prova produzida, quer documental quer testemunhal, a qual foi ouvida em duas fases, tendo em conta que a presente providência havia sido decretada sem audição dos requeridos.
7ª) Isto porque, como se verificou pela defesa dos Requeridos, o Requerente apenas havia carreado aos autos parte da factualidade, para que da mesma se pudesse aproveitar.
8ª) O Requerido fez crer ao Tribunal “a quo” que estava impedido de aceder à sua habitação – o que não corresponde à verdade, bem como fez crer ao Tribunal que não tinha acesso à rede pública de água – o que também não corresponde à verdade, como se demonstrou e como o douto Tribunal “a quo” deu como provado.
9ª) Naturalmente, como todos sabemos a providência cautelar tem em si caráter de provisoriedade para acautelar um direito que esteja a ser impedido ou na iminência de ser impedido – o que no caso e após a prova produzida pelos Requeridos se verificou não estar a acontecer! Daí que as providência tenham sido levantada e muito bem.
10ª) Muito bem andou o douto Tribunal “a quo”, tendo a douta sentença proferida se verificado como muito bem enquadrada, fundamentada e esclarecida, cumprindo o douto Tribunal “a quo” todos os formalismos legais a que estava obrigado, pelo que não existem os vícios apontados pelo Recorrente.
11ª) Efetivamente o que se verifica é uma discordância do Recorrente com a decisão proferida, porém essa discordância, pelo seu ponto de vista e tendo em conta a sua defesa não significa que exista, por si só, erro de julgamento ou tão pouco incorreta valoração da prova produzida – muito pelo contrário.
12ª) Se atentarmos para a Fundamentação da douta sentença constatamos que o douto Tribunal “a quo” atentou a toda a prova produzida, quer a produzida pelo Requerente quer a produzida pelos Requeridos e fê-lo de forma coerente e correta, fazendo a correta correlação entre as declarações das testemunhas, os documentos e a factualidade em causa.
13ª) Existem elementos fundamentais a ter em conta, para que estes pontos tenham sido dados como não provados, por um lado a impugnação dos Requeridos, referindo que o acesso ao prédio do Requerente não é pelo logradouro dos seus prédios; Alegaram os Requeridos a existência de outro prédio contiguo, por onde é feito o acesso ao prédio do Requerente, sendo tal menos oneroso; Impugnaram os Requeridos a alegação da falta de água da rede pública por parte do Requerente.
14ª) Refere o douto Tribunal que a prova testemunhal produzida pelos Requeridos se revelou credível e congruente, relatando as situações de que tinham conhecimento direto ao contrário da prova produzida pelo Requerido, nomeadamente a testemunha C.C. filho do Requerente que é quem efetivamente reside no local e quem realizou as atividades de construção e teve intervenção direta em todas as situações ocorridas e relatadas nos autos.
15ª) Mais, a prova documental junta, nomeadamente as fotografias, revelam e deram ao Tribunal a necessária coerência e tomada de conhecimento sobre a realidade da situação existente corroborando o que as testemunhas arroladas pelos Requeridos afirmaram bem como o que estes, em declarações.
16ª) Nomeadamente quanto à existência do tal prédio contíguo ao do Requerente no qual não se encontra erguida qualquer habitação e/ou edificação e donde se verifica a ligação do mesmo à via pública e por onde sempre foi feita a passagem para o prédio do Requerente, desde há mais de 50 anos e por onde as próprias testemunhas do Requerente afirmaram passar, após a colocação da rede pela 1ª Requerida.
17ª) Assim, com a prova produzida por parte dos Requeridos, não poderia o douto   Tribunal não tomar tal em consideração, fazendo com que fosse alterada, necessariamente, a primeira decisão proferida, e muito bem, diga-se.
18ª) Da prova produzida pelos Requeridos duvidoso se tornou, para o douto Tribunal “a quo”, que a passagem alegada pelo Requerido existisse efetivamente como o mesmo refere e nos termos em que o refere e há mais de 20 anos.
19ª) Quanto à colocação do portão por parte da Requerida, julgamos que ficou demonstrado ao Tribunal “a quo”, pela prova produzida, quer testemunhal quer documental de que não foi a 1ª Requerida a colocá-lo, mas sim por C.C., filho do Requerente ainda antes de vender a fração aos 2º e 3ª Requeridos.
20ª) Quanto ao fornecimento de água da rede pública ao prédio do Requerente ficou também claro a falsidade da alegação por parte do mesmo, como o douto Tribunal o afirma, falsidade essa verificada quer pela prova documental junta quer pelos depoimentos produzidos nos autos, pois como refere a douta sentença o militar da GNR que se deslocou ao local D.S. referiu “existia contador da empresa de fornecimento de água que serve o prédio do requerente, informando ainda que se encontra instalado no muro que resguarda os prédio dos requeridos da via pública.”
21ª) Dessa análise da prova produzida dúvidas não restaram ao douto Tribunal de que efetivamente e como alegado pelos Requeridos, o prédio do Requerente tem acesso à rede pública de abastecimento de água.
22ª) Analisando-se a douta sentença proferida, quer a sua parte dispositiva quer a sua fundamentação e decisão verificamos que não existem qualquer dos apontados vícios.
23ª) O que o Requerido está em desacordo com a decisão que veio a ser proferida, uma vez que não deu razão à sua alegação, mas daí não resulta, nem pode resultar, que exista qualquer erro de julgamento e uma má interpretação e/ou aplicação do direito aos factos.
24ª) O apontado erro de julgamento trata-se de um erro grosseiro, por total e errada interpretação dos preceitos legais, consequência de desconhecimento (“ignorantia facti et juris”), ou de “aberratio legis”, “por desconhecimento ou flagrante má compreensão do regime legal”.
25ª) O Requerente não aponta – nem o poderia fazer, uma vez que a sentença analisou todos os argumentos das partes e ponderou o que considerou ser a melhor doutrina e jurisprudência – qualquer lapso manifesto (eventualmente resultado de desatenção ou desconhecimento) na qualificação jurídica, na aplicação das normas ou na desconsideração de elementos dos autos.
26ª) E mais, a sentença proferida foi clara e incisiva, ao afirmar que: “Tornaram, assim, os requeridos dubitativa a factualidade em apreciação, razão pela qual a mesma não pôde deixar de merecer o julgamento de não demostrado.”
27ª) Daí que, em nosso modesto entendimento, nenhuma razão assista ao Recorrente – o que se requer seja declarado.
28ª) Assim, analisando-se a douta sentença proferida, a fundamentação da mesma constante, nomeadamente a análise feita pelo douto Tribunal “a quo” sobre toda a prova produzida e a subsunção que faz dessa prova à factualidade dada como provada e não provada, verifica-se que não se encontram verificados, nem minimamente beliscados, os vícios indicados pelo Recorrente, havendo que ser proferido douto acórdão que julgue improcedente o recurso apresentado, pois não existe qualquer erro de julgamento, muito pelo contrário, nem existe errada interpretação e/ou aplicação das normas legais.
29ª) E, não existindo qualquer vicio da decisão proferida, facilmente cairá por terra a peticionada renovação da prova por esta Relação.
30ª) Pois, quanto ao peticionado direito de passagem, não teve duvidas o douto Tribunal “a quo” que pese embora o prédio do Requerente não tenha ligação com a via publica, tal servidão sendo um encargo, “deve implicar o menor prejuízo possível para o proprietário do prédio serviente, devendo tal fazer-se pelo prédio ou prédios que menores prejuízos sofram com tal servidão, pelo lugar que menos inconveniente provoque ao prédio onerado, apenas abrangendo e sendo exercido pela forma que satisfaça as necessidades existentes e previsíveis do prédio dominante, e que implique o menos prejuízo para o serviente” – Principio do Mínimo Meio.
31ª) Os requeridos demonstraram nos autos que existe uma passagem que se destina ao prédio do Requerente, sobre outro prédio, com nenhuma onerosidade e que até é o local que está o Requerente a utilizar, não envolvendo qualquer problema com privacidade, segurança descanso ou tranquilidade dos ali residentes, como acontece com esta servidão que passa no logradouro dos Requeridos e, existindo como existe tal servidão por esse prédio o prédio do Requerido não pode nem deve ser considerado de encravado, por o não ser.
32ª) Por outro lado, não provou o Requerente nos autos os restantes elementos constitutivos para tal servidão, como seja a posse da referida servidão, pois as vezes que ali passou foi com autorização/tolerância dos Requeridos e por outro lado não demonstrou o periculum in mora, que justificava a antecipação da tutela jurisdicional, em face de tudo o que os Requeridos demonstraram nos autos – daí que, também nesta parte a douta sentença proferida se revela de escorreita e justa, fazendo a correção subsunção da prova aos factos e consequente decisão.
33ª) Por fim e quanto à servidão para aproveitamento de águas foi clara a prova produzida, pois da mesma resulta que o Requerente mantém o acesso à água – fotos juntas, bem como tem acesso à rede pública de abastecimento de águas, não tendo havido qualquer impedimento por parte dos 2º e 3ª Requeridos a tal.
34ª) Tendo em conta tudo o que se acaba de referir, verifica-se que a douta sentença proferida é coerente, escorreita e faz o devido e necessário enquadramento legal, tendo decidido de forma coerente e aplicando a devidas normas legais ao caso concreto, deverão pois os Excelentíssimos Desembargadores julgar improcedente o recurso apresentado, mantendo a decisão recorrida.
(…)”.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões a decidir são as seguintes:
a) Impugnação da decisão de facto;
b) Saber se se mostram verificados os pressupostos para o decretamento das providências peticionadas pelo requerente.
Fundamentação de Facto
Em 1ª instância foi fixado, a final, o seguinte quadro factual (emergente da apreciação conjugada da prova indicada na oposição pelos requeridos, com a que foi indicada pelo requerente e que foi produzida antes do exercício do contraditório):
Factos Provados
1. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, (…), o prédio urbano sito na Rua (…),  inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 907, constituído por casa de um piso destinado a vacaria e casa de ordenha;
2. Pela Ap. 738 de 2020/08/19, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição a favor do requerente, por compra à 1.ª requerida;
3. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia (…), o prédio urbano composto por rés do chão, primeiro andar no lado poente e logradouro;
4. Pela Ap. 3665 de 2019/07/28, encontra-se inscrita na descrição referida em 3. a aquisição a favor da 1.ª requerida, por compra a A.C.D.R. e outra;
5. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia (…), o prédio urbano composto por rés do chão, primeiro andar no lado nascente e logradouro;
6. Pela Ap. 1703 de 2020/04/30, encontra-se inscrita na descrição referida em 5. a aquisição a favor dos 2.º e 3.ª requerida, por compra a C.M.R.C.;
7. O prédio descrito em 1. confina com os prédios descritos em 3. e 5. nos termos consignados na fotografia de fls. 24;
8. Os prédios em apreço provieram da divisão de mesma unidade predial;
9. O prédio do requerente não tem comunicação com a via pública ou com qualquer caminho;
10. O fornecimento de água ao prédio descrito em 1. é realizado por um tubo soterrado que atravessa o prédio do 2.º e 3.ª requeridos e que se inicia junto à via pública identificada na fotografia de fls. 4, designada por Rua Principal;
11. O fornecimento de água nos moldes referidos em 10. é feito há mais de 20 anos, sem oposição de ninguém;
12. No prédio em apreço, o requerente construiu uma moradia para habitar;
13. No dia 13.03.2023, o 2.º requerido retirou um tubo que fornecia água ao prédio do requerente;
14. No dia 21.03.2023, a 2.ª requerida ergueu a rede melhor identificada nas fotografias de fls. 30 no logradouro do prédio da sua titularidade;
15. O prédio identificado em 1. confina[1] com outro, proveniente da divisão predial referida em 8., que por sua vez tem acesso direto à via pública e no qual não se encontra edificada qualquer construção para habitação, não sendo para este efeito utilizado;
16. Os requeridos residem nos prédios que são da sua propriedade;
*
Factos Não Provados:
17. O acesso ao prédio do requerente é feito pelos logradouros dos prédios dos requeridos nos termos retratados a fls. 24, há mais de 20 anos e sem oposição de ninguém;
18. A 1.ª requerida colocou um portão na estrema do logradouro do seu prédio com o dos 2.º e 3.ª requeridos nos termos melhor retratados a fls. 4. dos autos, que se estende por toda a sua largura;
19. O prédio do requerente não tem acesso à rede pública de fornecimento de água;
20. No dia 13.03.2023, o 2.º requerido arrancou o tubo referido em 10., estando desde então o prédio do requerente sem fornecimento de água;
21. Desde dia 21.03.2023 que o requerente não consegue aceder ao seu prédio.
*
Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto
De acordo com o disposto no art. 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.”, explicando António Abrantes Geraldes[2] que esta norma tem cariz genérico, “de tal modo que tanto se reporta aos recursos em que sejam unicamente suscitadas  questões de direito, como àqueles que também envolvam a impugnação da decisão da matéria de facto. Em qualquer caso, cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objeto do recurso”.
No que em particular diz respeito à impugnação da decisão de facto, dispõe o referido art. 640º:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)”.
 Relativamente ao recurso que envolva impugnação da decisão da matéria de facto, salienta, ainda, aquele mesmo autor, o seguinte:
“a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em prova gravada, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente. (…)”.[3]
Em linha com o exposto, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 12/2023, proferido a 17 de outubro de 2023, no processo 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, e publicado no Diário da República a 14 de novembro de 2023, uniformizou Jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do nº 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
O que releva em sede de impugnação da decisão de facto são os pontos concretamente assinalados pelo recorrente, relativamente aos quais tem de indicar os meios de prova que impõem decisão diversa (exigindo-se-lhe, assim, que fundamente em que medida esses meios de prova conduzem a decisão distinta da que foi proferida em 1ª instância), rematando posteriormente a sua motivação com a decisão que a seu ver deve ser proferida relativamente a cada um dos pontos efetivamente impugnados, sendo pacífico a nível jurisprudencial, e conforme decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de setembro de 2017 (acórdão proferido no processo nº 959/09.2TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt), que “… o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.
E como igualmente foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão proferido em 8 de janeiro de 2019 (processo nº 3696/16.8T8VIS.C1.S1, acessível no sítio da internet www.dgsi.pt), “(…) embora não se tratando de um segundo julgamento, mas antes de uma reponderação, até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respetivas instâncias, não basta que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova (…)” – sublinhado nosso. 
Assim, e não obstante estar garantido um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, não compete à Relação proceder a um segundo julgamento, competindo-lhe apenas reapreciar os pontos de facto enunciados pela(s) parte(s) segundo o princípio da livre apreciação da prova previsto no art. 607º, nº 5, do Código de Processo Civil.
E na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação pode socorrer-se de todos os meios probatórios constantes dos autos, e recorrer, se necessário, a presunções judiciais; caso venha a proceder à alteração de qualquer facto terá de aferir sobre a necessidade de alterar outro ou outros factos concretos que não tendo sido objeto de impugnação, exijam alteração em consequência e por força das alterações introduzidas na matéria de facto que tinha sido objeto de impugnação.
A apreciação da impugnação da decisão de facto tem como ponto de partida a fundamentação de facto da 1.ª instância, relativamente à qual o tribunal de recurso terá de aferir se ocorreu qualquer erro na formação da convicção do julgador ou se, pelo contrário, se pode concluir pela razoabilidade da sua convicção, quando analisada e avaliada à luz das regras da lógica, da ciência e da experiência de vida.
No caso, e tendo em consideração o modo como o recorrente alinha a impugnação da decisão de facto – impugna em simultâneo, mais do que um ponto de facto – cumpre também salientar que quando existe conexão entre vários pontos factuais, nada obsta a que a impugnação seja feita por “blocos de factos”. Neste sentido, veja-se o Sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2023 ( processo Nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1, acessível em www.dgsi.pt):
“(…)
II - A impugnação da matéria de facto deve, em regra, especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, relativamente a cada um dos pontos da matéria impugnada.
III -. Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto.”
Finalmente, cumpre ainda dizer que em sede de impugnação da decisão relativa à matéria de facto e para que sejam cumpridos os ónus previstos no art. 640º, nº 1, al. b), in fine, e nº 2, al. a), do CPC, não basta que o recorrente indique os documentos e/ou os depoimentos que a seu ver não foram corretamente valorados, antes se lhe exigindo que exponha as razões por que as respostas devem ser no sentido por que pugna e não naquele que foi dado em 1ª instância. Exige-se, assim, ao recorrente, que faça uma análise crítica da prova invocada, confrontando-a com aquela que foi feita em 1ª instância, desconstruindo-a, em ordem a evidenciar o invocado erro de julgamento e a justificar a alteração do julgado. Caso assim não se entendesse, o tribunal de recurso acabaria por ter de proceder a um segundo julgamento da causa, que, como vimos anteriormente, não corresponde à vontade do legislador.
A propósito desta questão, e pela clareza de exposição, não podemos deixar de invocar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 6 de julho de 2022 e relatado pelo Sr. Conselheiro Mário Belo Morgado (processo nº 3683/20.1T8VNG.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt):
“Impugnar uma decisão significa, por isso, refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”).
Constituindo o julgamento de facto o domínio privilegiado dos “silogismos práticos”, exige-se que o impugnante ponha em causa as bases lógicas em que principalmente o mesmo assenta, enunciando os pertinentes motivos e contra-motivos.”
(…)
Impõe-se-lhe, no fundo, uma contra-análise crítica da prova, traduzida na desconstrução da lógica (racionalidade substantiva) subjacente à decisão recorrida e na concomitante proposta de uma argumentação alternativa e fundamentada.
(…)
Conexamente, em sede de apelação, é possível reconduzir a impugnação da decisão de facto a três grandes conjuntos de motivos: i) insuficiência/deficiência da motivação, em si mesma (exemplo: o tribunal recorrido não justifica minimamente as razões pelas quais dá crédito ao testemunho que está na base da pronúncia sobre um facto essencial, baseando-se apenas em critérios de valoração subjetiva, como por exemplo a veemência ou a assertividade)[7]; ii) vícios de raciocínio expressos na motivação (exemplo: o tribunal confere credibilidade a uma declaração que não observa os supra mencionados parâmetros de análise dos testemunhos[8] ou procede à valoração da prova em infração de princípios lógico-racionais); e iii) falhas objetivas de exatidão (exemplo: alegação de que uma testemunha não disse o que lhe é imputado na motivação).
Deste modo, quando a decisão de facto se mostre suficientemente motivada, o recorrente que a impugne, mormente por discordar do modo como foram valorados (ou não valorados) determinados depoimentos, não poderá limitar-se a alegar vagamente o seu desacordo; deverá identificar clara e concretamente as suas razões (sob pena – caso tenha observado os ónus formais de impugnação – de improcedência do recurso), numa argumentação lógico-racional alternativa à da sentença.”
Volvendo ao caso concreto, verificamos que o recorrente veio impugnar a decisão de facto nos seguintes moldes:
Diz que deveriam ter sido julgados como provados os seguintes factos:
17. O acesso ao prédio do requerente é feito, exclusivamente, pelos logradouros dos prédios dos requeridos nos termos retratados a fls. 24, há mais de 20 anos e sem oposição de ninguém;
18. Foi colocado um portão na estrema do logradouro do prédio do Requerente com o dos 2.º e 3.ª requeridos, nos termos melhor retratados a fls. 4. dos autos, que se estende por toda a sua largura, impedindo o acesso por este ao mesmo;
19. O prédio do requerente não tem acesso autónomo à rede pública de fornecimento de água, fazendo-se, o referido abastecimento, através de tubo soterrado que atravessa o prédio do 2.º e 3.ª requeridos e que se inicia junto à via pública identificada na fotografia de fls. 4, designada por Rua Principal;
20. No dia 13.03.2023 o 2.º requerido arrancou o tubo referido em 10., estando desde então o prédio do requerente sem fornecimento de água;
21. Desde 21.03.2023 o requerente não consegue aceder ao seu prédio através dos logradouros identificados em 17., em consequência direta e exclusiva da colocação, pela 1.ª requerida, da rede melhor identificada nas fotografias de fls. 30 dos autos.
Em face do exposto, é possível concluir que o apelante impugna os factos julgados como não provados sob os nºs 17 e 20.
Relativamente ao facto que identifica sob 18, constata-se que não foi impugnada a matéria factual descrita e dada como não provada sob 18 na sua globalidade, nomeadamente quanto à autoria do evento descrito; quanto aos factos 19 e 21, além da impugnação da matéria dada como não provada, respetivamente, sob cada um daqueles pontos, o recorrente pretende o aditamento de matéria nova.
Entende, ainda, o recorrente que deveria ter sido julgada como provada a factualidade infra enunciada e que a seu ver tem interesse para a decisão da causa:
1. Que as frações A e B, que compõem a totalidade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número (…), propriedade dos Requeridos, bem como o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número (…) já pertenceram, no passado, a um mesmo proprietário, a saber a Sra. A.C.D. R. NIF (…), cfr. se poderá verificar no histórico predial dos dois imóveis;
2. Que, já anteriormente à propriedade da Sra. A.C.D.R., existia uma relação estável de serventia de um prédio ao outro, in casu, entre o prédio dos Requeridos e o do Requerente, correspondente a uma servidão aparente revelada por sinais visíveis e permanentes, pese embora, entretanto, tenha ocorrido a separação jurídica entre o prédio serviente (e respetivas frações autónomas) em relação ao prédio dominante, inexistindo qualquer declaração contrária à destinação;
3. Que é por demais evidente que sobre as frações autónomas do prédio urbano número 1659, propriedade dos Requeridos, incide uma servidão de passagem existente no espaço comum aos prédios e respetivos logradouros, a qual foi validamente constituída por destinação do pai de família nos termos do artigo 1549.º do Código Civil, conforme supra demonstrado pelo preenchimento de todos os requisitos legais para a sua constituição;
4. Que em meados do ano de 2022, quando o Requerente iniciou um processo de remodelação do imóvel e correspondente licenciamento para alteração da afetação, com vista à sua residência, a conduta dos Requeridos alterou-se substancialmente;
5. Consta na Caderneta Predial Urbana do imóvel propriedade do Requerente a sua afetação para habitação;
6. Que, ainda que o imóvel estivesse a ser utilizado para a finalidade para o qual estava licenciado (vacaria e casa de ordenha), tal significaria que o Requerente ficaria sem água para alimento dos animais, e sem possibilidade de exercer a atividade industrial diária por não ter o acesso para as viaturas.
7. O imóvel propriedade do Requerente já se encontra remodelado e com licenciamento em curso para habitação;
8. Que o tubo de água já atravessa o prédio serviente há mais de trinta anos, e cuja passagem pelo referido prédio se encontra legitimada pela referida servidão de passagem validamente constituída por destinação do pai de família nos termos do já indicado artigo 1549.º do Código Civil.
9. Que os requerentes peticionaram ao tribunal a quo que fosse decretada providência cautelar de imediata cessação pelos requeridos de quaisquer condutas que dificultassem o acesso ao seu prédio, quer de pessoas e veículos, quer da água de rede pública (entre outros), tendo sido proferida em 18.04.2023 sentença favorável aos requerentes, a qual nunca foi cumprida pelos requeridos.
Diz, por seu turno, que deveriam ter sido julgados como não provados os seguintes factos:
1. O prédio identificado em 1. confina com outro, proveniente da divisão predial referida em 8., que por sua vez tem acesso direto à via pública e no qual não se encontra edificada qualquer construção para habitação, não sendo para este efeito utilizado (corresponde ao ponto 15 da matéria de facto provada).
E, que, concomitantemente, deverá ser alterada a redação constante dos pontos 16 e 17 da sentença recorrida, nos seguintes moldes:
- 16. No prédio em apreço, o requerente reconverteu o imóvel aí existente para uma moradia para habitar.
Trata-se de matéria totalmente distinta daquela que é dada como provada sob 16, não ocorrendo, por conseguinte, impugnação do facto concretamente apurado.
- 17. No dia 13.03.2023, o 2.º requerido retirou um tubo que fornecia água ao prédio do requerente e desde então o imóvel encontra-se sem fornecimento de água.
Constata-se inexistir um ponto 17 com a dita descrição factual, correspondendo a mesma à que foi julgada como não provada sob o ponto 20, e que o apelante impugnou, como resulta do que acima se deixou exposto, pelo no que tange a este segmento da impugnação, pelos motivos expendidos e apoiados no disposto no art. 640º, nº 1, al. a), do CPC, temos de rejeitar o recurso.
Diz, de seguida, o apelante, e de modo genérico, que deve considerar-se a matéria de facto apurada como escassa e deficiente, devendo a mesma ser ampliada nos termos requeridos, por força do disposto no artigo 662º nº 2 alínea c) do Código de Processo Civil, com a consequente reapreciação da prova gravada. Concomitantemente, com apelo ao ónus decorrente da alínea b) do nº 1, do art. 640º do CPC, enumera os meios de prova que pretende ver reapreciados, designadamente, os depoimentos das partes e das testemunhas que indica. Identificou ficheiros de gravações, bem como o início e fim de cada um dos depoimentos e os minutos em que se encontram as passagens dos respetivos depoimentos que alegadamente pretende ver reapreciados.
Procede, ainda, ao resumo das declarações prestadas pelas testemunhas/depoentes (desconhecendo-se se o faz com referência a passagens concretas da gravação ou aos testemunhos prestados na sua globalidade), após o que indica aquilo que a seu ver resulta demonstrado com base em cada um desses depoimentos.
Em termos documentais, identifica os documentos que pretende ver reapreciados, invocando erro de julgamento na sua apreciação.
O recorrente não cumpre desde logo, e manifestamente, o ónus a que se reporta a al. b), do nº 1, do art. 640º, do CPC, pois não indica os meios de prova que impunham uma decisão diversa relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados, a cada um dos pontos que pretendia ver aditados, e/ou a blocos de factos concernentes a realidade factual homogénea ou conexionada entre si,  sendo que esta conexão não existe relativamente a toda a matéria de facto impugnada pelo recorrente, já que parte dela diz respeito a factualidade relacionada com servidão de passagem, outra, com a servidão para aproveitamento de água.
Como se disse anteriormente, a impugnação da decisão de facto não tem por escopo um novo julgamento em 2ª instância. A aceitar-se o modo como o recorrente configura o cumprimento do sobredito ónus, seria isso, precisamente, que este tribunal de recurso teria de fazer.
Acresce, tendo em consideração o que acima se deixou expendido, que não basta que o recorrente/impugnante se refugie em expressões genéricas e conclusivas, como a invocação de erro de julgamento na apreciação de facto, antes se lhe exigindo a apreciação crítica da prova (exigência que vai muito além duma enunciação resumida de testemunhos/depoimentos de parte, desprovida de valor impugnatório) e a exposição de argumentação suscetível de refutar a exposição de motivos da 1ª instância, o que no caso não sucedeu. 
Como exemplo do que se acaba de afirmar, atente-se na seguinte passagem da motivação do apelante: “Houve manifesto erro de julgamento na apreciação da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, em especial pela inexistência de contraponto, de juízo crítico em escolher a prova produzida pelos Requeridos em detrimento da prova produzida pelo Requerente, ou seja, não existe uma explicação lógica para a formulação do silogismo judiciário na fundamentação da matéria de facto.”
A sentença recorrida mostra-se suficientemente fundamentada, dela resultando as razões que levaram a Exmª julgadora a concluir num sentido e não noutro; constam os motivos pelos quais deu credibilidade a determinados meios de prova em detrimento de outros, e bem assim, o juízo crítico e conjugado da prova testemunhal e documental produzida na audiência final e naquela que foi realizada inicialmente, quando ainda não tinha ocorrido o contraditório, motivador das razões da alteração da decisão de facto constante da primeira decisão.
Neste quadro, exigia-se do recorrente a desconstrução crítica do juízo feito em 1ª instância, fundada numa contra-análise crítica da prova e na exposição de argumentos concretos e alternativos capazes de evidenciar o erro da motivação subjacente à decisão recorrida, que no caso manifestamente não ocorre, o que determina a improcedência do recurso.
Acrescente-se, não obstante, e relativamente aos factos que o recorrente pretendia ver aditados, o seguinte:
a) os factos a que alude o art. 607º, nº 4, do CPC são os factos concretos, os acontecimentos da vida real que depois de apurados terão de ser subsumidos ao direito. Estão, assim, excluídos os factos de natureza puramente conclusiva, bem como os conceitos de direito, razão pela qual nunca poderiam, sequer, ser aditados os factos elencados supra sob os nºs 2, 3, 4, e 8.
b) A pretensão do recorrente em ver aditado o facto supra descrito em 5, sempre improcederia, na medida em que, apesar de poder ser evidenciado pelo documento nele referenciado, carece de relevância para a decisão, o mesmo sucedendo relativamente ao facto que pretendia aditar sob o nº 7, e também sob 9, consubstanciando este uma mera descrição do desenvolvimento processual desta providência cautelar, sem qualquer interesse para a análise da pretensão e dos direitos que o requerente pretende fazer valer,
c) o facto que pretendia ver aditado sob o nº 6 consubstancia uma situação hipotética e, nessa medida, sem interesse para a decisão;
d) finalmente, o facto que pretendia ver aditado e que descreveu sob 1, encontra-se demonstrado sob 8.
*
Sob 24 das suas conclusões recursivas, o recorrente invoca erro de julgamento, consubstanciado numa contradição entre os pontos 9 e 15 da matéria de facto provada, dizendo, para tanto, que naquele ponto 9 é afirmado perentoriamente que o seu prédio não tem acesso à via pública e no ponto 15 é afirmado que, afinal, já tem acesso à via pública, o que evidencia um raciocínio impossível, errado do ponto de vista da formação do raciocínio judiciário, uma vez que não pode existir, ao mesmo tempo, o facto positivo e o facto negativo sobre a mesma realidade.
Vejamos.
Sob o ponto 9 deu-se como demonstrado que o prédio do requerente não tem comunicação com a via pública ou com qualquer caminho; sob 15, que o mesmo prédio confina com outro, proveniente da divisão predial referida em 8., que por sua vez tem acesso direto à via pública e no qual não se encontra edificada qualquer construção para habitação, não sendo para este efeito utilizado.
Não existe qualquer contradição.
Os pontos 9 e 15 tratam de duas realidades distintas.
O facto nº 9 evidencia que o prédio do requerente é um prédio encravado; o facto 15 retrata o confinamento do prédio do requerente com outro, o qual tem acesso à via pública.
Improcede, assim, a invocada contradição entre factos.
O recorrente formula, ainda, um pedido de renovação da produção da prova nos termos e ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 1, al. a), do CPC, de acordo com o qual, a Relação deve, mesmo oficiosamente, ordenar a renovação da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento.
Esta renovação da prova pressupõe, desde logo, que o tribunal de recurso proceda à reapreciação de depoimento de testemunha e/ou de depoimento/declaração de parte produzido em julgamento ocorrido em 1ª instância.
No caso, este tribunal julgou já improcedente o recurso na parte em que vinha pedida a reapreciação da prova, por incumprimento do ónus contido na al. b), do nº 1, do art. 640º do CPC, razão pela qual, sem necessidade de fundamentação acrescida, improcede aquela pretensão do recorrente.
*
Nos termos do disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa.
No caso, e sob o ponto nº 10, ficou provado o seguinte: o fornecimento de água ao prédio descrito em 1. é realizado por um tubo soterrado que atravessa o prédio do 2.º e 3.ª requeridos e que se inicia junto à via pública identificada na fotografia de fls. 4, designada por Rua Principal.
E sob o nº 13, ficou provado que, no dia 13.03.2023, o 2.º requerido retirou um tubo que fornecia água ao prédio do requerente.
Independentemente do facto que resultou como não provado sob 20, da leitura conjugada daqueles dois factos provados poderiam suscitar-se dúvidas quanto ao tubo retirado pelo 2º requerido, posto que é feita sempre referência, e apenas, a um tubo.
Na sentença recorrida, e quanto ao facto provado sob 13, foi feita a seguinte exposição de motivos:
“Na verdade, a prova testemunhal e por declarações produzida pelos requeridos, conjugada com as fotografias juntas a fls. 134 verso e seguintes, tornam francamente verosímil a versão por estes adiantada, de que por rotura da canalização originária, C.C., filho do requerente, tenha colocado provisoriamente um tubo à superfície do prédio dos requeridos com a anuência destes, de modo a conduzir água para o prédio em referência; e que saturado da provisoriedade que se estava a prolongar excessivamente, o 2.º requerido tenha retirado esse tubo da ligação ao contador; mas já não que tenha arrancado a canalização soterrada, entretanto e previamente inutilizada pelo próprio filho do requerente.”
Analisados os registos fotográficos apresentados pelos requeridos em sede de oposição (nomeadamente, aqueles que retratam a existência de tubo condutor de água à superfície dos prédios, bem como aqueles que revelam a existência do tubo soterrado), conjugadamente com as declarações que aqueles prestaram em julgamento e cuja credibilidade não foi posta em causa por qualquer prova, nomeadamente, por aquela que foi apresentada pelo requerente (que não impugnou, sequer, qualquer dos ditos factos à luz da motivação que lhes está subjacente), nenhuma censura nos merece a exposição de motivos efetuada em 1ª instância, carecendo, porém, a matéria de facto contida em 13 de ser explicitada,  em ordem a ser evidenciada a realidade da situação referente ao tubo condutor de água que foi retirado.  
Deste modo, determina-se que o facto nº 13 passe a ter a seguinte redação:
13- O 2.º requerido retirou um tubo que foi colocado à superfície do prédio dos requeridos e que fornecia água ao prédio do requerente.
*
Na sequência do que se deixou exposto, para além dos factos descritos em sede de relatório, o quadro factual a ponderar é aquele que foi fixado em 1ª instância, com a alteração ora introduzida ao facto nº 13.
Fundamentação de Direito
Os procedimentos cautelares podem ser definidos como medidas provisórias que correspondem à necessidade atual de remover o receio de um dano jurídico, sendo emitidas com vista a uma decisão definitiva, cujo resultado visam garantir provisoriamente.
Através do procedimento cautelar, procura-se a composição de um conflito de forma provisória e rápida, de modo a evitar que a demora da ação ponha em perigo a tutela do direito (sem prejuízo de ocorrer dispensa de propositura da ação principal, nos termos previstos no art. 369º, nº 1, do Código de Processo Civil).
“Os procedimentos cautelares têm por fim indagar se existe o direito que o requerente se arroga, averiguar se há periculum in mora, isto é, se ocorre risco iminente de lesão que justifique uma providência imediata destinada a afastar o perigo da demora na decisão final, pois o que justifica a providência cautelar é a necessidade de conjurar o perigo de dano proveniente da demora da providência jurisdicional definitiva e evitar que o prejuízo causado pela inobservância do direito possa vir a não ser reparado pelo retardamento da acção principal onde se apura a existência da lesão e o direito que o lesado tem à reparação”[4].
As providências cautelares podem ser antecipatórias ou conservatórias.
As primeiras “visam obstar ao prejuízo decorrente do retardamento na satisfação do direito ameaçado, através de uma provisória antecipação dos efeitos da decisão a proferir sobre o mérito da causa”[5] As segundas, são as que visam “ manter inalterada a situação que preexiste à acção, tornando-a imune à possível ocorrência de eventos prejudiciais”.[6]
Dispõe o art. 362º, nº 1, do Código de Processo Civil, que “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”, estatuindo, por seu turno, o nº 1, do art. 368º, do mesmo Código, que “ A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Deste modo, o decretamento de uma providência cautelar não especificada depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) Probabilidade de existência do direito alegadamente ameaçado – que constitua o objeto da ação declarativa – ou que venha a emergir duma decisão a proferir numa ação constitutiva, já proposta ou a propor (excetuadas as situações em que seja decretada a inversão do contencioso, nos termos previstos no art. 369º, nº 1, do Código de Processo Civil);
b) A existência dum receio fundado de que outrem, antes que seja proferida decisão definitiva, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;
c) A inaplicabilidade ao caso concreto de qualquer das providências cautelares tipificadas na lei (arts. 377º a 409º do Código de Processo Civil);
d) A suscetibilidade de a providência decretada assegurar em concreto a efetividade do direito ameaçado;
E) E que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar (vide art. 368º, nº 2, do Código de Processo Civil).
O decretamento de uma medida cautelar pressupõe a existência indiciária de um direito na esfera jurídica do requerente no momento em que este formula a sua pretensão; a medida deve ser adequada a remover o periculum in mora, de molde a assegurar a efetividade do direito ameaçado; e o decretamento da providência não deve exceder o dano que com a mesma se pretende evitar.
O requerente invoca a existência de uma servidão de passagem constituída por destinação do pai de família nos termos do art. 1549º do CC, em benefício do seu prédio, com o correspondente encargo sobre os prédios dos requeridos e que, segundo alega, estes o vêm impedindo de utilizar e de, assim, aceder ao seu prédio, que não tem outra comunicação com a via pública.
Dispõe o art. 1550º, do CC:
1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.
(…)”
Resultou indiciariamente demonstrado que o prédio do requerente identificado em 1, confina com os prédios descritos em 3. e 5., propriedade dos requeridos (cf. factos 4 e 6) e que todos provieram da divisão de mesma unidade predial.
Está igualmente demonstrado em termos indiciários, que o prédio de que o requerente é proprietário não tem comunicação com a via pública, tratando-se, pois, de um prédio encravado, assim resultando indiciariamente demonstrado o direito de exigir a constituição de servidão de passagem nos termos da dita disposição legal.
“ O direito de servidão predial é um direito real de gozo sobre coisa alheia, mediante o qual o proprietário de um prédio tem a faculdade de se aproveitar de utilidades de prédio alheio em benefício do aproveitamento das utilidades desse prédio”[7], envolvendo esse direito a correspondente restrição ao gozo efetivo do dono do prédio onerado, porquanto este fica inibido de praticar atos suscetíveis de prejudicar o exercício da servidão.
Segundo a noção plasmada no art. 1543º, do Código Civil (código a que pertencem as disposições legais doravante citadas sem qualquer outra indicação expressa): “Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia”.
Assim, e como salientam Pires de Lima e Antunes Varela[8], a servidão constitui um encargo, uma “(…) restrição ou limitação ao direito de propriedade (do prédio onerado). É um ius in re aliena ou, dentro da tipologia dos direitos reais na doutrina moderna, um direito real limitado. (…).
“Trata-se de um encargo que recai sobre o prédio, de um encargo imposto num prédio, de uma restrição ao gozo efectivo do dono do prédio, inibindo-o de praticar actos que possam prejudicar o exercício da servidão”.   As servidões podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião (com exceção das servidões não aparentes, ou seja, aquelas que não são reveladas por sinais visíveis e permanentes – cfr. art. 1548º, nºs 1 e 2), ou destinação do pai de família (cfr. nº 1, do art. 1547º), sendo que as servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas, além do mais, por sentença judicial (nº 1, do art. 1547º).
As servidões legais distinguem-se das voluntárias pelo facto de as primeiras, ao invés do que acontece com as últimas, poderem ser impostas coativamente, sendo que a circunstância destas não terem sido impostas coercivamente, por terem os donos dos prédios servientes aceite voluntariamente a inerente sujeição, não perdem a natureza de servidão.
O art. 1549º, dispõe sobre a constituição de servidão por destinação do pai de família nos seguintes termos:
“Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para o outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento”.
Constituem, assim, pressupostos da constituição da dita servidão os seguintes:
- Os dois prédios ou as duas frações do mesmo prédio têm de ter pertencido ao mesmo proprietário;
- Existência de sinais visíveis e permanentes que revelem de forma inequívoca a serventia de um prédio para outro;
- Separação dos prédios ou das frações quanto ao seu domínio e inexistência de declaração oposta à constituição do encargo[9].
Também sobre os requisitos deste título constitutivo da servidão, esclarece Luís Carvalho Fernandes[10]:
“a) Tem de haver uma relação de serventia entre dois prédios ou entre duas frações do mesmo prédio;
b) A serventia tem de resultar de acto de quem é proprietário dos dois prédios, e naturalmente, das duas fracções; logo,
c) Há um só proprietário de ambos os bens”.
Segundo acórdão de 31/01/2012, do Supremo tribunal de Justiça, proferido no processo nº 277/05.5TBBCL.G1.S1, e cujo texto integral pode ser lido no sítio da internet, www.dgsi.pt, a “servidão por destinação de pai de família, pressupõe além do mais a existência, no património de um mesmo antigo proprietário, de um prédio que já no tempo desse “dominus” tivesse (pelo menos) duas fracções, cada uma delas com características necessariamente "a se", nas quais, ou numa delas, esse "pai de família" tenha posto sinal ou sinais visíveis e permanentes para revelarem, e revelando, a serventia de uma das fracções para com a outra. Sendo certo que, para que possa entender-se que há duas fracções de um só prédio, para efeitos do artigo 1549° do Código Civil, é necessário que elas (fracções) sejam distinguíveis, por características próprias, entre si”.
No que diz respeito à existência de sinais, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[11], que “Torna-se (…) necessária a existência de sinais visíveis e permanentes, que revelem, inequivocamente, uma relação ou situação estável de serventia (…) de um prédio para com outro (…)
Se os sinais reveladores da relação de serventia forem válidos, bastará que a visibilidade ou aparência e a permanência se verifiquem em relação a um ou a alguns deles (…).
Não é indispensável que os sinais existam em ambos os prédios, visto a lei falar explicitamente nos sinais postos em um ou em ambos.
(…)
Além de serem visíveis ou aparentes, os siais devem ser permanentes.
(…)
O que o art. 1549º exige, para a constituição por destinação do pai de família, são os mesmos tipos de sinais que denunciariam uma servidão aparente (por conseguinte, uma prestação de utilidade não transitória, mas estável), caso os dois prédios pertencessem a donos diferentes (…)
Os sinais hão-de revelar a serventia de um prédio para com o outro. (…)”.
A propósito dos sinais reveladores da serventia, diz, ainda, Luís Carvalho Fernandes[12] que, “(…) torna-se naturalmente necessário que a serventia seja patente por si mesma, mediante «sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos os prédios», revelando qual deles suporta a serventia. Prevalecem aqui razões equivalentes às que justificam a inviabilidade de aquisição, por usucapião, de servidões não aparentes. Por analogia, a serventia deve, pois ser aparente.
(…)”.
Retomando o caso dos autos, verifica-se que a matéria de facto emergente da prova produzida em audiência final, não evidencia a existência dos ditos sinais, e consequentemente, a existência de servidão de passagem constituída por destinação de pai de família, nos termos invocados pelo requerente.
E, no mais, e no que tange à matéria da servidão de passagem, mantendo-se inalterada a decisão de facto fixada em 1ª instância, temos de sufragar a decisão recorrida, por revelar acerto na subsunção dos factos apurados ao direito aplicável, conforme se extrai da parte ora transcrita:
“(…)
Constituindo-se, porém, a servidão como encargo…, deve implicar as maiores vantagens para o prédio dominante com o menor prejuízo possível para o proprietário do prédio serviente, como resulta da conjugação do vertido nos artigos 1553.º e 1565.º, ambos do Cód. Civil, devendo estabelecer-se pelo prédio ou prédios que menor prejuízos sofram com o concernente encargo, pelo lugar que menos inconveniente provoque ao prédio onerado, apenas abrangendo e sendo exercido pela forma que satisfaça as necessidades existentes e previsíveis do prédio dominante, e que implique o menor prejuízo para o serviente.
O que acima se verteu consubstancia corolário do denominado Princípio do Mínimo Meio que rege a presente matéria.
No entanto, para que se atenda ao que dispõem os normativos em apreço, necessário é que a concernente factualidade seja introduzida no processo por quem assista interesse na sua ponderação e aplicação.
Na verdade, a panóplia de factos susceptíveis de integrar a previsão dos preceitos jurídicos em apreciação, traduz processualmente defesa por excepção na medida em que a sua alegação e demonstração impedirão a constituição do direito de servidão de passagem ou em determinado prédio ou por determinado local do prédio onerado.
Assim, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil e do artigo 342.º, n.º2 do Cód. Civil, que consagram na lei o Princípio do Dispositivo, competiria aos requeridos alegar e demonstrar factualidade que permitiria a este Tribunal considerar que outro prédio contíguo ao encravado e em condições de proporcionar a este comunicação suficiente com a via pública, sofreria com o encargo correspondente à servidão, menor prejuízo do que aquele que adviria da sua constituição nos termos solicitados; ou então, que o lugar pelo qual se pretende fazer a passagem acarreta mais inconveniente aos titulares do prédio onerado do que outro.
Ora, os requeridos efectivamente excepcionaram a maior onerosidade para o prédio de que são proprietários, da constituição da servidão de passagem peticionada pelo requerente do que aquela que se constituiria sobre o prédio identificado a 6. da fundamentação de facto, porquanto este seria um prédio rústico, não utilizado para habitação dos seus proprietários, ao invés dos seus.
E, na verdade, lograram demonstrar indiciariamente, como é suficiente para a presente tutela provisória, que assim é, sendo evidente que a constituição de passagem sobre um prédio que não serve os propósitos de habitação é muito menos onerosa que a que se estabeleceria num prédio urbano habitado, desde logo por não atentar contra a privacidade, segurança e descanso/tranquilidade dos residentes como atenta a pretendida pelo requerente.
Assim, impõe-se considerar que o encrave do prédio do requerente é eliminado pela constituição da servidão de passagem por prédio diverso do dos requeridos, sendo que nada foi trazido aos autos que justifique consideração diversa, nomeadamente que a passagem de veículos não seja possível pelo prédio em apreço.
Donde, afastada se queda a possibilidade de existir uma servidão legal de passagem que onere o prédio dos requeridos, o que seria suficiente para determinar o levantamento da providência cautelar decretada que se lhe refere.
Contudo, não se pode deixar de atentar que o requerente também havia alegado factualidade que se podia subsumir na aquisição da referida servidão por usucapião, modo originário de constituição daquele direito, cuja eficácia depende, como resulta dos artigos 1287.º e 1288.º ambos do diploma referido, de ser expressamente invocada pelo possuidor, pese embora os efeitos retroajam à data do início da posse.
Acontece que a Usucapião ou Prescrição Aquisitiva, como era uso chamar-se durante a vigência do Cód. Civil de Seabra, é a constituição facultativa do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo, a favor de quem detenha a correspondente posse, durante certo lapso de tempo, em determinadas condições, dentro dos limites previstas na lei e por via de triunfante invocação.
Reconduz-se por isso às causas de aquisição originárias de direitos reais por operar na sequência da existência de posse, entendida enquanto facto jurísgeno, que se revela boa para servir de fundamento genético àquela aquisição mesmo sem título, ou com título substancialmente nulo (artigo 1259.º e 1296.º). Isto é, a nulidade (substancial ou formal) do título, ou até a falta de título, não mancham a posse, como posse boa para usucapião: apenas podem interferir com o tempo exigível para a posse ser posse prescricional. Ou seja, é a posse que gera o direito, com título, sem título, contra um título de terceiro ou mesmo com um título afectado de nulidade substantiva.
Resulta do acima exposto que fundamental e basilar à aquisição originária por via da Usucapião, é a figura da posse. Sem esta, não ocorre o facto genético que conduz à aquisição originária em apreço.
Há, assim e ainda que sumariamente, que referir o que entende o nosso sistema jurídico por posse.
Dispõe o artigo 1251.º do Cód. Civil: Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.
(…)
Constituída de forma pública e pacífica, características essenciais a tanto, a situação factual possessória, por uma das formas previstas no artigo 1263.º do Cód. Civil ou por qualquer outra forma, atenta a não taxatividade do elenco aí inserido, e mantida que seja, nos termos do artigo 1257.º do Cód. Civil, decorridos os prazos previstos nos artigos 1294.º a 1296.º e 1298.º e 1299.º, todos do diploma a que se vem aludindo, aplicáveis, respectivamente, às coisas imóveis e móveis, poderá o possuidor, querendo, invocar triunfantemente a causa de aquisição originária aqui em discussão e assim ver constituído na sua esfera jurídica, com eficácia retroactiva, o direito real nos termos do qual vinha possuindo a res.
Essencial, no entanto, é que no momento em que quem invoca a usucapião se encontre efectivamente na posse do bem, que seja seu possuidor. (…)
Ora, do julgamento de facto acima consignado, resulta que o requerente não actua materialmente sobre o prédio dos autos, ou seja, não exerce quaisquer poderes empíricos de passagem sobre o imóvel dos impetrados, razão pela qual não há qualquer aparência da existência do direito de propriedade na sua esfera jurídica, aparência essa que, conjugada com os demais requisitos legalmente exigidos, lhes facultaria a transição para a constituição desse mesmo direito, conformando assim a realidade fáctica com a ordenação jurídica.
(…)
Pelo exposto, na medida em que os actos praticados pelo requerente sobre as parcelas dos prédios dos autos não se podem qualificar como possessórios, então não se verifica o pressuposto sem o qual impossível é a constituição originária por eles invocada; razão pela qual não se pode considerar a constituição, por usucapião, da servidão de passagem que melhor identificada na petição inicial, falhando assim o pressuposto da aparência do direito acautelado pela presente.
Mais ainda que assim não fosse, a verdade é que também não se quedou, após o exercício do contraditório, indiciariamente demonstrado que o requerente não consiga aceder ao seu prédio; logo, o periculum in mora justificativo da antecipação da tutela jurisdicional não se encontra verificado.”
Relativamente à servidão de passagem para o aproveitamento de águas, cumpre chamar à colação o disposto no art. 1556º, do CC, nomeadamente, o seu nº 1, segundo o qual, “Quando para seus gastos domésticos os proprietários não tenham acesso às fontes, poços e reservatórios públicos destinados a esse uso, bem como às correntes de domínio público, podem ser constituídas servidões de passagem nos termos aplicáveis dos artigos anteriores.”
No caso, e não tendo ficado indiciariamente demonstrado que o prédio do autor não tem acesso à rede de abastecimento de água pública (não estando desde logo preenchida a sobredita previsão normativa, como assinalado na decisão recorrida), não está preenchido o requisito da probabilidade de existência do direito alegadamente ameaçado. Acresce que da factualidade apurada sob 10 e 13 (este último com a redação que lhe foi conferida nesta sede recursória) não se evidencia que o prédio do requerente tenha ficado privado do abastecimento de água, e, como tal, também não ocorre o preenchimento do pressuposto do periculum in mora.
Mantém-se, por conseguinte, a decisão recorrida.

Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante (art. 527º, nº 1, CPC).
Notifique.

Lisboa, 8 de fevereiro de 2024
Cristina Lourenço
Teresa Prazeres Pais
Maria Teresa Lopes Catrola
_______________________________________________________
[1] Aditou-se ao facto a palavra “confina”, que em face da motivação da decisão de facto só por manifesto lapso não foi inserida na descrição factual.
[2] “Recursos em Processo Civil”. 6ª Edição, pág. 181.
[3] Obra citada, págs. 196-197.
[4]“Dos Procedimentos Cautelares”, Manuel Baptista Lopes, pág. 14.
[5]Lopes do Rego, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, pág. 275.
[6] Lopes do Rego, ob. citada, pág. 275
[7] Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 5ª Edição, pág. 453.
[8] Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Edição, pág. 614.
[9] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2018, proferido no processo 1021/15.4T8PTG.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[10] Lições de Direitos Reais, 5ª Edição, Quid Juris, 2007, págs. 463-464
[11] Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 1987, pág. 633-634.
[12] Obra citada, pág. 464.