Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2812/19.2T8OER.L1-7
Relator: ANA MÓNICA PAVÃO
Descritores: CONTRATO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REVOGAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Ao contrário da resolução prevista e regulada nos artigos 432º e seguintes do CC, que é fundada na lei ou em convenção, sendo a sua eficácia retroactiva (ex-tunc) e sendo os efeitos do contrato eliminados, a revogação, em regra, opera só para o futuro (eficácia ex nunc), extinguindo o negócio jurídico para o futuro.
II. O art. 1170º regula especificamente a revogabilidade do mandato, preceito aplicável à prestação de serviços, por força do art. 1156º, estabelecendo o nº 1 a livre revogabilidade por qualquer das partes e prevendo o nº 2 a revogação com justa causa.
III. Tendo em conta a função e utilidade da ampliação do recurso prevista no art. 636º do CPC, não se permite à parte usar desta faculdade quando tem legitimidade para interpor recurso (principal ou subordinado) da decisão na parte em que decaiu. O que se pretende é evitar que o recorrido possa ser prejudicado pela resposta do tribunal ad quem em face do recurso interposto pela outra parte (vencida), se acaso reconhecer razão aos fundamentos invocados quanto às questões suscitadas nesse recurso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
A intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B e C [ …, Lda], pedindo que sejam os réus condenados a pagar ao autor a quantia de €13.531,50 (treze mil, quinhentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos), à qual acrescem os juros de mora vincendos à taxa legal aplicável até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, que o autor é artista plástico, designadamente pintor, sendo detentor de um estúdio em ..., onde algumas das suas pinturas são expostas, podendo assim ser conhecidas e compradas pelo público e que o 1º Réu é o proprietário da ..., uma marca de mobiliário e decoração de interiores, que possui lojas / showrooms na ..., em ... e em ..., sendo a 2ª Ré uma sociedade por quotas cujo objeto social é o comércio, importação e exportação de artigos de decoração, mobiliário, electrodomésticos, utilidades domésticas, artigos de iluminação e de têxteis-lar; prestação de serviços de decoração de espaços interiores e exteriores; indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas; transporte rodoviário de mercadorias em veículos com peso bruto inferior a 2,5 toneladas .
Mais alega que o A. e o 1º Réu definiram um acordo verbal em que o 1º Réu iria expor, para venda, no seu showroom da ..., um conjunto de pinturas do Autor, escolhidas e recolhidas do estúdio do Autor, pela Ré, no mesmo dia.
Os termos e condições acordados foram os seguintes:
a) O 1º Réu pagaria ao Autor uma comissão de 50% calculada sobre o valor de venda dos quadros;
b) Adicionalmente, pagaria ao Autor uma mensalidade de € 1.000,00 (mil euros) durante 12 (doze) meses consecutivos, a partir de novembro de 2017, este valor mensal acrescia ao comissionamento acordado e serviria para formação de um crédito a favor do 1º Réu que poderia ser utilizado na aquisição de obras do Autor, uma vez decorridos e pagos os 12 meses acordados.
O 1º Réu informou ainda o autor que os pagamentos deveriam ser facturados à 2ª Ré.
Segundo o A., houve incumprimento do acordado porquanto foram apenas pagas sete mensalidades, e mais €300,00, das doze acordadas e tendo sido vendidos os quadros das XX... e um quadro matéria 3, este por €7000 e aquelas, cada uma por €1900, não recebeu o pagamento dos 50% devidos por cada uma das obras.
Citados os Réus vieram contestar, alegando o 1º Réu ser parte ilegítima na acção porquanto o espaço é da C, sendo apenas seu sócio gerente, tendo o acordo sido celebrado com a 2ª Ré, já não com o 1º Réu, o qual agiu sempre como sócio-gerente da 2ª Ré. E, em segundo lugar, defendem-se os Réus dizendo que, por um lado, das obras vendidas, os 50% foram pagos, num total de €7300, e que nunca foi acordado o pagamento de doze mil euros repartidos por dozes meses, mas que acordaram que o réu efetuaria o pagamento, de forma antecipada, do produto de venda de tais obras, a 2.ª Ré, aquando da venda destas obras de arte, havia adiantando ao Autor o pagamento de 7.000,00€, e por conta da venda destes quadros.
Concluem nada dever ao Autor.
Foi proferido despacho que fixou o objeto do litígio e selecionou os temas da prova.
Foi realizada audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.
*
Foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo supra exposto, decide-se julgar parcialmente procedente, porque provada, a acção, e, em consequência, condenam-se os Réus a pagar ao Autor a quantia de €7.000,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento.
No demais, vai o Réu absolvido.
Custas na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”
Inconformados com a sentença, vieram os réus B e C dela interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
“A)
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
1. O recorrente insurge-se, antes de mais, contra o incorrecto julgamento de facto decidido pelo Tribunal a quo, quanto à prova testemunhal, documental, produzidas em audiência de julgamento, que a nosso ver foi, em parte, incorrecta e que se coloca em crise na avaliação da fundamentação da douta decisão.
2. O recorrente insurge-se contra a resposta decida pelo Tribunal de 1.º Instância quanto ao ponto dos factos julgados como não provados, pugnando nesta via recursiva pela sua alteração, passando a serem julgados como provados os factos: O 1.ª Réu sempre agiu enquanto legal representante da 2.º Ré; O Réu, por acordo celebrado com o Autor, quanto ao modo de pagamento do valor de venda dos quadros supra referidos, acordaram que, o Réu efectuaria o pagamento, de forma antecipada, do produto de venda de tais obras. ; A 2.º Ré adiantou ao Autor, por conta do produto da venda destas obras de arte a quantia de 7.000,00€.
3. E, como tal, não podem ser julgados como provados os factos constantes dos arts. 2.º, corpo do artt.º 4.º, bem co a sua alínea b) , 7.º , da sentença.
4. A relevância deste quadro factual que a sentença, decidiu julgar, por um lado como não provado, e por outro como provad é fundamental para a demonstração dos termos concretos do acordo celebrados entre o Recorrente e o Recorrido, e do integral cumprimento da Recorrente sociedade quantos às condições acordadas com o Recorrido, inexistindo qualquer dívida da Recorrente a favor do Recorrido.
5. Ou seja, esta modificação da decisão de facto permite concluir que o acordo foi celebrado, exclusivamente, entre Recorrente e o Recorrido, excluindo, o Recorrente.
6. Por outro lado, revela que a Recorrente cumpriu integralmente o acordo celebrado como Recorrido.
7. O Tribunal conhecendo o quadro factual supracitado, avaliado correctamente o depoimento testemunhal produzido, nesta matéria, não incorreria o em erro de julgamento, sobretudo ponderando correctamente o depoimento do 1.º Réu :
8. A reapreciação deste depoimento, a sua correcta ponderação, pelos invocados motivos, impõe a modificação desta matéria nos factos julgados como provados, e não provados.
9. Neste âmbito verifica-se uma flagrante desadequação entre os elementos de prova , e a decisão do Tribunal de Primeira Instância, e obriga à reformulação dos factos julgados como provados, nos termos aludidos.
10. A reapreciação do depoimento da parte B, prestado a 08.10.2020, 10:02:30 a 11:04:50 m pela consistência e clareza do seu depoimento, conduzem à alteração da matéria julgada como provada, devendo ser julgados os referidos pontos integrar a matéria de facto julgada como provada.
11. Discordamos da apreciação efectuada pelo Tribunal quanto ao teor deste depoimento, o qual o tribunal considerou pouco claro,
12. Esta valoração efectuada pelo Tribunal é incorrecta.
13. O depoimento do Réu demonstrou a sua razão de ciência, a espontaneidade dos depoimento, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as próprias lacuna, infirmam a conclusão do Tribunal.
14. O Réu B falou com verdade, e o seu depoimento é essencial para a reapreciação desta matéria, neste segmento recursivo, em reapreciação.
15. O Tribunal não valorizou – sem explicar – o depoimento circunstanciado e credível desta testemunhas com conhecimento directo, pormenorizado e isento de contradições 16. Neste âmbito verifica-se uma flagrante desadequação entre os elementos de prova , e a decisão do Tribunal de Primeira Instância.
17. Atenta a jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal de Justiça, após a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2013, no sentido em que foi objectivo do legislador em “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, requer-se a V.as Ex.as, que ao julgar o recurso da matéria de facto, nos pontos supra mencionados e devidamente fundamentados, firmem a própria convicção sem se quedar apenas controlar a congruência da decisão de facto da 1.ª instância com os meios de prova produzidos (art.º 607.º, n.º 5, aplicável por força do n.º 2 do art.º 663.º e art.º 662.º, todos do Código de Processo Civil).
18. Crê-se, na verdade, que nem de outra forma poderá ser, atenta a exiguidade da fundamentação produzida pelo Tribunal a quo.
19. Em face de tudo o exposto, requer-se a este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães a reapreciação da decisão da matéria de facto, com alteração, aditamento/ampliação e rectificação da mesma, nos termos do art.º 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, quanto os pontos supra indicados. no sentido de ser substituída a decisão de «provado», «não provado» e inclusão, na matéria provada, dos factos relevantes omitidos na sentença recorrida, nos termos em que são supra referidos, atento que no nosso entender, constam já do processo todos os elementos que permitem a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto.
20. Naturalmente, esta alteração impõe uma decisão de direito diversa da plasmada na sentença crise.
B) MATÉRIA DE DIREITO
21. Apesar de, nesta sede recursiva, a Apelante insurgir-se contra a decisão da matéria de facto decidida pelo Tribunal de 1.ª Instância, a verdade é que, mesmo partindo da matéria de facto julgada como provada, sem a aludida correcção, supra-aludida, o Tribunal deveria concluir pela improcedência desta acção , considerando que o Recorrente não celebrou qualquer contrato com o Autor.
22. Vejamos, o Recorrente B não agiu, per si, nem existem factos julgados como provados que permitam chegar a tal julgamento.
23. Como resulta provado, os quadros, as facturas, todos os pagamentos foram efectuados pela sociedade Recorrente, da qual o Recorrido é gerente.
24. O Tribunal não explica como desconsidera a personalidade jurídica da Recorrente, nem existem factos julgados como provados que sustentam tal desconsideração.
25. Para aplicação do instituto da desconsideração da personalidade colectiva não basta a existência de uma situação de confusão de esferas patrimoniais entre o sócio e a sociedade.
26. Não existem nos autos factos – principais, ou acessórios, que revelem, por parte do Recorrente um comportamento desrespeitoso da autonomia patrimonial da sociedade, logo, não pode o tribunal, perante a exiguidade de factos condenar o aqui Réu no pedido formulado pelo Autor.
27. Na interpretação de um negócio jurídico bilateral, o objectivo é, não determinar o sentido e o alcance de cada declaração, mas o de apurar o sentido e alcance do acordo obtido, enquanto expressivo da vontade comum em torno da qual as partes se vincularam.
28. E, aqui chegados, dúvidas não existem a condenação do Recorrente B não pode persistir, pois não agiu em nome próprio, mas sim como representante legal da sociedade Recorrente.
29. Numa outra dimensão,
30. Ainda que por mera hipótese académica, se equacione a possibilidade de a recorrida pretender adquirir obras do Autor, por via de um cumprimento antecipado, a verdade é que perante a factualidade julgada como provada , nomeadamente a recusa do Autor em manter em vigor o contrato, o Tribunal não extraiu as consequências jurídicas de tal facto.
31. As vicissitudes descritas nos autos desenrolaram-se, ainda e portanto, no âmbito do processo de formação do negócio, tendendo à sua eventual e futura concretização.
32. Tal qual, alegado pelo Autor a relação estabelecida, nesse circunspecto factual, consubstanciaria um verdadeiro adiantamento parcial do preço final devido pela futura realização de uma obra artística por este. – art. 440.º do Cód Civil.
33. A alegada obrigação da Recorrente, pagamento de uma verba mensal pecuniária, ao Autor, deverá então considerar-se como adiantamento parcial do pagamento a realizar a final (aquando da celebração do contrato de compra e venda, com a entrega de obras de arte), sem, todavia, existir o contrato de contrato promessa que a poderia porventura contemplar e de que faria, à partida e em princípio, parte integrante.
34. Por outro lado, não há factos provados nestes autos que revelem haver sido concretamente atribuída pelas partes a natureza de “sinal”, tal como esta figura é definida no artigo 442º, nº 1, do Código Civil.
35. Em rigor e concretamente nada consta nos autos a esse propósito.
36. Todavia, a relação estabelecida entre Autor e a Recorrida, como julgado como provado ruiu, o contrato afinal não se celebrou, perdeu a sua razão de ser, face ao ruir do projecto negocial em que as partes se envolveram, carecendo de causa e justificação a exigência do Autor da quantia mensal , adiantamento do preço de uma obra que não vai ser entregue.
37. Aplicar-se-á neste tocante a regra constante do art. 442.º, n.º 1, do CC: não podendo imputar-se a quantia, que constitui o adiantamento parcial do pagamento, na prestação devida, tem lugar a sua restituição por parte de quem a recebeu, com recurso ainda ao instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 473.º, n.º 2, parte final, do CC.
38. Não será nestas circunstâncias aplicável a 1.ª parte do n.º 2 do art. 442.º do CC – incumprimento do prestador que habilitaria quem recebeu tal adiantamento a fazer dele coisa sua – na medida em que não se verifica juridicamente o incumprimento da obrigação de contratar por parte da Recorrente, uma vez que, tal obrigação de pagamento do preço no contrato de compra e venda de obra do Autor não se chegou a constituir. A relação contratual cessou, e não foi entregue qualquer obra à Ré.
39. Logo, não pode esta ser condenada a pagar uma obra ou obras que não lhe foram entregues pelo Autor.
40. Violou a sentença aqui em crise os artigos 440.º 442.º, 473.º, 562.º e 566.º do Código Civil.
Concluem os recorrentes que deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, e serem os recorrentes absolvidos do peticionado pelo recorrido.
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O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e requerendo a ampliação do objecto do recurso.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir das seguintes questões:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- Relação negocial/contratual e respectivos efeitos;
- Ampliação do âmbito do recurso.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. Factos
Factos provados
O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos [transcrição]:
1. O Autor é artista plástico, designadamente pintor, sendo detentor de um estúdio em ..., bem como de uma galeria na ..., onde algumas das suas pinturas são expostas, podendo assim ser conhecidas e compradas pelo público.
2. O 1º Réu, que se chama B, é o proprietário da ..., uma marca de mobiliário e decoração de interiores, que possui lojas/ showrooms na ..., em ... e em ..., sendo usualmente tratado por “B”.
3. A 2ª Ré é uma sociedade por quotas cujo objeto social é o comércio, importação e exportação de artigos de decoração, mobiliário, electrodomésticos, utilidades domésticas, artigos de iluminação e de têxteis-lar; prestação de serviços de decoração de espaços interiores e exteriores; indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas; transporte rodoviário de mercadorias em veículos com peso bruto inferior a 2,5 toneladas.
4. Após terem sido apresentados por um contacto comum, o Autor e o 1º Réu encontraram-se e deste encontro, resultou um acordo verbal em que o 1º Réu iria expor, para venda, no seu showroom da ..., um conjunto de pinturas do Autor, nos seguintes termos:
a) O 1º Réu pagaria ao Autor uma comissão de 50% calculada sobre o valor de venda dos quadros;
b) Adicionalmente, pagaria ao Autor uma mensalidade de €1.000,00 (mil euros) durante 12 (doze) meses consecutivos, a partir de novembro de 2017, que tinha em vista a obtenção de um crédito a favor do 1º Réu para futura aquisição de obras do Autor.
5. A proposta inicial do Autor era a de um comissionamento de 70-30, em que o próprio receberia 70% do valor das obras faturadas e a Ré 30% do mesmo, o que não foi aceite pelo Réu.
6. Tendo contraproposto adicionalmente o pagamento de uma mensalidade de € 1.000,00 (mil euros) durante 12 (doze) meses consecutivos.
7. Este valor mensal acrescia ao comissionamento acordado e serviria para formação de um crédito a favor do 1º Réu que poderia ser utilizado na aquisição de obras do Autor, uma vez decorridos e pagos os 12 meses acordados.
8. O acordo de colaboração entre A. e 1º Réu não ficou com duração estipulada – facto complementar e instrumental.
9. O Autor concordou por considerar ser um investimento por parte do 1º Réu no seu trabalho, bem como estabelecia as bases de uma parceria duradoura e vantajosa para ambas as partes.
10. Por solicitação do 1º Réu, o Autor enviou aos contabilistas daquele os seus dados, tendo em vista a abertura de uma ficha de fornecedor para que se procedesse ao início da parceria acordada, tendo nessa altura o 1º Réu informado o Autor que os pagamentos deveriam ser faturados à 2ª Ré.
11. Não tendo sido efectuado o pagamento da quantia acordada de 1000€ no mês de Novembro, em Dezembro do mesmo ano, o Autor enviou um e-mail aos Réus sugerindo a emissão de uma fatura-recibo que combinasse os 2 meses em dívida, novembro e dezembro (cfr. Doc. 5): “Escrevo-lhe (…) para saber se sempre poderá avançar com a transferência do valor acordado – alinhámos que seria pago mensalmente por volta do meio do mês, mas se quiser efetuar uma transferência conjunta do mês passado e já deste mês também, eu poderei passar-lhe um recibo pelo valor total (2000€)”
12. No dia 14.12.2017, a contabilidade dos Réus notificou o Autor que havia procedido ao pagamento da primeira fatura-recibo, que correspondia ao primeiro e segundo meses do acordo e cujo descritivo era respetivamente “Reserva de Pinturas - mês 1 e 2 de 12”, ficando regularizada a situação do ano de 2017, e, por conseguinte, dos primeiros meses do acordo (cfr. Doc. 6).
13. Em janeiro, o Autor emitiu e enviou a fatura-recibo referente ao mês de janeiro, com o descritivo “Reserva de Pinturas – mês 3 de 12”, sem que os Réus tivessem efetuado o respetivo pagamento (cfr. Doc. 7).
14. Por esta razão, em fevereiro de 2018, o Autor enviou um e-mail à contabilista dos Réus relembrando a necessidade do pagamento mensal acordado (cfr. Doc. 8):
“Bom dia cara …,
Esta nota para lembrar que a transferência de Janeiro, correspondente ao recibo que reanexo no presente email, está por efetuar.”
15. No dia 10.02.2018, a contabilidade dos Réus notificou o Autor de que havia procedido ao pagamento do mês de janeiro (cfr. Doc. 9).
16. O mês de fevereiro decorreu sem que qualquer pagamento tivesse sido efetuado, tendo o Autor emitido e enviado a fatura correspondente, com o descritivo “Reserva de Pinturas – mês 4 de 12”.
17. Pelo que em março, o Autor enviou novo e-mail à contabilista dos Réus com a fatura-recibo de março, cujo descritivo era “Reserva de Pinturas – mês 5 de 12” e a nota de que o pagamento desse mês e do anterior se encontravam em atraso (cfr. Docs. 10):
“Boa tarde cara …,
Junto anexo fatura-recibo referente ao presente mês de Março.
Recordo que a transferência do passado mês de Fevereiro ainda se encontra em falta (recibo também em anexo).”
18. Mais uma vez verificou-se no mês de março a ausência deste pagamento e bem assim daquele que se encontrava em atraso.
19. Em abril, o Autor enviou um e-mail à contabilista dos Réus com a fatura-recibo correspondente a esse mês, cujo descritivo era “Reserva de Pinturas – mês 6 de 12” e a relembrá-la de que se encontravam em atraso os pagamentos dos meses de fevereiro, março e abril (cfr. Doc. 11):
“Bom dia,
Junto fatura-recibo correspondente ao mês de Abril, sendo que estão assim 3 meses a pagamento (Fev, Mar e Abr) - em linha com os documentos anexos.”
20. No dia 26.04.2018, o Autor é notificado pela contabilidade dos Réus de uma transferência no valor correspondente ao de dois meses (cfr. Doc. 12).
21. Por esta razão, contactou-os via e-mail, ainda no mês de abril, questionando a ausência do valor desse mês (cfr. Doc. 13):
“Pode PF confirmar que esse valor respeita apenas aos meses de Fevereiro e Março (não estando contemplado o mês de Abril, cujo recibo foi também entretanto emitido)?”
22. Os Réus não deram qualquer resposta ou justificação para o não pagamento.
23. No dia 14.12.2017, a contabilidade dos Réus notificou o Autor que havia procedido ao pagamento da primeira fatura-recibo, que correspondia ao primeiro e segundo meses do acordo e cujo descritivo era respetivamente “Reserva de Pinturas - mês 1 e 2 de 12”, ficando regularizada a situação do ano de 2017, e, por conseguinte, dos primeiros meses do acordo (cfr. Doc. 6).
24. Em janeiro, o Autor emitiu e enviou a fatura-recibo referente ao mês de janeiro, com o descritivo “Reserva de Pinturas – mês 3 de 12”, sem que os Réus tivessem efetuado o respetivo pagamento
25. Em meados de junho de 2018, o Autor foi contactado pela contabilista dos Réus, nos seguintes termos: (cfr. Doc. 15):
“(…) Gostaria de pedir para me enviar os preços dos:
· 4 quadros das XX...- que estão á experiência na casa de um cliente, dos quais teremos decisão na próxima semana;
· Quadro de 150*150 que estava na loja de … – este pode facturar porque já o vendemos;”
26. O Autor respondeu a esta solicitação no próprio dia, via e-mail, sublinhando sempre as bases do acordo celebrado (cfr. Doc. 16):
“Em anexo, encontra os valores das obras em questão:
• Cada quadro das “XX..." tem o valor individual de 1.900 Eur (sem IVA).
• O quadro "Materia No. 3” - que terá então sido vendido recentemente - tem o valor de 7.000 Eur (sem IVA).
Sendo a V/ comissão 50%, agradeço que PF me confirme se posso avançar com uma fatura de 3.500 Eur relativamente ao "Materia No. 3”.
27. Ao que a 2ª Ré acedeu, confirmando também ela as bases do mesmo acordo (cfr. Doc. 17):
“Sim A, pode facturar o "Materia No. 3". Pode enviar a factura por esta via, como habitual.”
28. Assim, no final de junho, o Autor enviou um e-mail à contabilista dos Réus com a fatura-recibo desse mês, cujo descritivo era “Reserva de Pinturas – mês 8 de 12”, e ainda que (cfr. Doc. 18):
“Para referência: encontram-se a pagamento os meses de Abril, Maio e Junho, a par do quadro Materia No. 3 (recibo enviado noutra cadeia de emails).
Aproveito ainda para lhe perguntar se estes 4 quadros das XX... sempre foram vendidos”
29. No início de julho, o Autor é notificado pelos Réus de uma transferência correspondente ao valor de dois meses, regularizando-se assim a situação dos sete primeiros meses do acordo, i.e., de novembro até maio.
30. Os meses de junho e julho continuavam pendentes de pagamento, tendo o Autor enviado a fatura-recibo de julho por email, cujo descritivo era “Reserva de Pinturas - mes 9 de 12”.
31. Em agosto, o Autor enviou o seguinte e-mail aos Réus, anexando a fatura-recibo desse mês, com o descritivo “Reserva de Pinturas – mês 10 de 12”, ao qual não obteve resposta (cfr. Doc. 19):
“Junto recibo relativo ao presente mês de Agosto.
Encontram-se assim a pagamento:
• Mensalidade Agosto = transf. 750.00 Eur • Mensalidade Julho = transf. 750,0 Eur
• Mensalidade Junho = transf. 750,00 Eur
• Venda quadro Materia No. 3 = transf. 2.625,00 Eur (todos os valores apresentados após ret. fonte)”
32. Em setembro, o Autor enviou novo e-mail à contabilidade dos Réus, mais uma vez anexando a fatura-recibo do mês em causa, com o descritivo “Reserva de Pinturas – mês 11 de 12” (cfr. Doc. 20):
“Junto recibo relativo ao presente mês de Setembro. Encontram-se assim a pagamento:
• Venda quadro Materia No. 3 = transf. 2.625,00 Eur • Mensalidade Agosto = transf. 750.00 Eur
• Mensalidade Agosto = transf. 750.00 Eur • Mensalidade Julho = transf. 750,0 Eur
• Mensalidade Junho = transf. 750,00 Eur (todos os valores apresentados após ret. fonte)”
33. Em outubro, o Autor procedeu ao envio do seguinte um email ao 1º Réu: (cfr. Doc. 21):
“Conforme estipulado, a ideia seria que o B ficasse com um plafond de 12,000€ para comprar quadros meus.
1. No entanto, conforme tenho vindo a referir nos emails mensais, existem transferências por realizar (…) B, gostaria muito de continuar a nossa colaboração e terei todo o gosto em que faça uso do seu plafond para escolher quadros da minha coleção. Tenho 2 telas grandes de que vai gostar, e que apesar de ultrapassarem em valor o seu plafond, poderei enquadrá-las no mesmo operando-lhe um desconto.
No entanto, preciso primeiro ver estas questões ultrapassadas, sendo que a … requer a sua validação para a realização das transferências e eu tenho tentado contactá-lo por diversas vezes ao longo do tempo, mas sem sucesso...
Pode PF dar-me o seu feedback quanto a estes 3 temas?”
34. O 1º Réu respondeu no mesmo dia(cfr. Doc. 22): “Olá A, boa tarde. Próxima semana tratamos de tudo. Abraço”
35. No final do mês de outubro, o Autor enviou novo e-mail ao 1º Réu, notificando-o de que havia procedido ao envio da última fatura-recibo à contabilidade, com o descritivo “Reserva de Pinturas
- mês 12 de 12”, e que: (cfr. Doc. 23):
“Continuo sem obter feedback em relação aos pontos abaixo, que recupero aqui, atualizados à data de hoje:
1. Transferências em falta:
• Venda quadro Materia No. 3 = transf. 2.625,00 Eur • Mensalidade Outubro = transf. 750.00 Eur
• Mensalidade Setembro = transf. 750.00 Eur • Mensalidade Agosto = transf. 750.00 Eur
• Mensalidade Julho = transf. 750,0 Eur
• Mensalidade Junho = transf. 750,00 Eur
2. Ponto de situação relativamente aos quadros das XX... (…)”
36. Não tendo recebido qualquer resposta ao mesmo, em novembro o Autor contactou o 1º Réu, por sms, à qual o mesmo respondeu no próprio dia marcando um encontro presencial para o dia 9 de novembro (cfr. Doc. 24):
“- Boa tarde B, aguardo ainda o seu feedback ao meu último e-mail. Pode PF verificar?
Obrigado, MH.
- Olá H…! 5ª feira podemos falar em …?! 1/2 dia?!
- Quinta às 12h, lá estarei. Encontramo-nos na sua loja, então. Abraços, MH”
37. O 1º Réu ligou ao Autor dizendo que não poderia comparecer, e pedindo-lhe que enviasse novo e-mail com o valor total em falta para que ele pudesse proceder ao pagamento, informando-o também de que os quatro quadros “XX... No 1”, “XX... No. 2”, “XX... No. 3”, “XX... No. 4”, que se encontravam “à experiência” em casa de um cliente poderiam ser dados como vendidos.
38. Na sequência deste telefonema, e ainda durante o próprio dia, o Autor enviou um e-mail ao 1º Réu: (cfr. Doc. 25):
“Em relação às XX...:
• Cada uma tinha o preço de €1.900,00.
• São 4 peças, o que resulta num total de €7.600,00.
• O valor da minha comissão nesta venda é €3.800,00 (ou seja, 50% do total). • Ainda não lhe faturei esta comissão.
Tenho uma proposta:
• Quando o B fizer o pagamento das faturas emitidas, ficará com €12.000,00 em crédito para gastar em obras minhas.
• Dado que ainda não emiti faturas relativas às XX..., proponho que use este seu crédito nelas.
• Ou seja, aos €12.000,00 podemos subtrair €7.600,00, como se o B tivesse comprado as 4 peças para si.
• Desta forma, não seria necessário emitir-se mais faturas.
• O seu crédito final, após transferência do valor indicado no topo do email, ficaria em €4.400,00 e não seria preciso fazer mais nada.
Diga-me PF se concorda.”
39. Porém, o Autor não recebeu qualquer tipo de resposta a esta sua tentativa de facilitar o processo de pagamentos.
40. O Autor volta a contactar o 1º Réu via e-mail (cfr. Doc. “Apenas um lembrete, dado que o mês está a terminar e o B prometeu ter este assunto fechado ainda em Novembro.”
41. Não tendo obtido qualquer resposta, o Autor emitiu então a fatura-recibo correspondente à sua comissão pela venda dos quadros “XX... Nos.1, 2, 3, 4” e a sua contabilista contactou a contabilista dos Réus para solucionar a questão dos pagamentos das faturas em dívida, uma vez que o fim de 2018 estava próximo e o Autor não poderia transitar de ano com faturas-recibo em aberto e relativas a valores não recebidos.
42. No dia 18.12.2018, enviou um e-mail ao 1º Réu anunciando que iria recolher as suas pinturas, ao qual este respondeu no próprio dia, dando ordem à contabilidade para resolver a questão no dia seguinte (cfr. Docs. 27 e 28):
“Atendendo ao tempo que já decorreu sobre algumas destas faturas (mais de meio ano) e dado que continuamos sem qualquer indicação sobre a respetiva regularização futura, infelizmente não poderei manter obras à venda na ... até que a situação esteja resolvida. (…)”
“Viva A,
A J..., esta a resolver as contas! Não estou a perceber !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
J…, amanhã agradeço este assunto resolvido conforme falamos.”
43. Três dias depois, o Sr. B ….. entra em contacto telefónico com o Autor e a sua contabilidade, expondo que:
a) Até ao final do ano não haveria lugar a mais pagamentos;
b) E sugerindo a realização de uma reunião no início de aneiro de 2019, para que finalmente se tratasse do assunto.
44. O Autor solicitou ainda à sua contabilidade que colocasse a conversa por escrito e anulasse as faturas-recibo não pagas, com a intenção de as re-emitir em janeiro de 2019.
45. Em conformidade com o pedido e acordado, a contabilista do Autor enviou um e-mail ao 1º Réu, confirmando por escrito tudo o que haviam combinado verbalmente (cfr. Doc. 29):
“No seguimento dos contactos desta manhã, nomeadamente com o Sr. A ….., vimos a confirmar que a situação da anulação das facturas se mantém, assumindo que nenhum pagamento será efectuado, e que aguardaremos pela reunião presencial, a ter lugar no inicio do ano 2019, para emitir novamente as facturas do valor em dívida.
Aproveito, ainda, em concordância com o Sr. A ……, para sugerir os dias entre 8 e 11 de Janeiro de 2019 para o agendamento da referida reunião.”
46. Porém, não houve resposta a este e-mail, nem qualquer outro contacto por parte dos Réus.
47. Já em janeiro de 2019, o Autor insistiu, propondo uma data para realização referida reunião (cfr. Doc. 30):
“Pretendo desde já recuperar o tema que está pendente, e tal como solicitou, agendar uma reunião para o resolvermos.
Estou disponível 4a, 5a ou 6a da semana que vem. Qual a melhor data para si?” não tendo obtido qualquer resposta.
48. Procedendo ao envio de novo email: (cfr. Doc. 31): “Bom dia B, Aguardo o seu feedback para podermos organizar a semana.”
49. Persistindo o incumprimento e o silêncio por parte da Ré, no fim de janeiro de 2019, o Autor fez uma nova comunicação (cfr. Doc. 32):
“Dado que decorreu mais um mês sem que tenhamos feito a reunião sugerida por si – apesar das nossas tentativas de agendamento em Dezembro e novamente na 1a e na 2ª semana de Janeiro (emails abaixo, em que não obtivemos qq resposta) - vamos retomar este tema conforme programado:
1. Amanhã irei recolher os meus 2 quadros na vossa loja da .... (…)” 50. No dia 31 de janeiro, o Autor deslocou-se ao referido showroom retirando assim os seus quadros da posse da Ré, conforme indicado que faria.
51. Em fevereiro de 2019, o Autor comunicou ao 1º Réu, por via da sua contabilista, que (cfr. Docs. 33 e 34):
“No seguimento da falta de resposta para o agendamento da reunião por si solicitada, e de acordo com a indicação de procedimento dada anteriormente, que pode verificar na troca de emails anexa, vimos, por este meio, enviar duas facturas-recibo correspondentes aos  valores em falta de pagamento em 2018, nomeadamente a venda de 4 pinturas e o adiantamento por conta de reservas de pinturas correspondente a 5 meses.
Agradecemos, assim, que verifiquem os dois documentos e procedam ao seu pagamento com a maior brevidade possível.”
52. Uma vez mais sem obter qualquer resposta, em março de 2019 o Autor enviou um último e-mail ao Réu, fazendo um resumo da situação (cfr. Doc. 35):
“Bom dia B,
Dentro de pouco mais de um mês (mais precisamente em Maio), fará 1 ANO desde que existem valores em dívida.
Dos 12 meses em que me seria entregue um valor mensal para crédito, apenas foram pagos 7 meses (alguns com atraso).
Dos 5 quadros vendidos em que me seria devida uma comissão de 50%, nada foi pago.
As faturas re-emitidas no início do ano continuam em aberto, sem qualquer ação vossa.
Até quando vai este cenário perdurar?”
53. Não obtendo, também, qualquer resposta por parte do Réu a esta comunicação.
54. Em 11.04.2019, o Autor interpelou formalmente os Réus, através da sua mandatária, por carta registada e por email, concedendo duas hipóteses para solucionar amigavelmente o diferendo que os opunha (cfr. Docs. 36 e 37).
55. Os Réus responderam através da sua mandatária por e-mail datado de 19.04.2019, alegando que apenas se encontrava em dívida o valor de €300, e anexando o comprovativo do pagamento deste valor.
Matéria de facto não provada
O tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
- O 1.º Réu sempre agiu enquanto legal representante da 2.º Ré.
- O Réu, por acordo celebrado com o Autor, quanto ao modo de pagamento do valor de venda dos quadros supram referidos, acordaram que, o Réu efetuaria o pagamento, de forma antecipada, do produto de venda de tais obras.
- A 2.ª Ré adiantou ao Autor, por conta do produto da venda destas obras de arte a quantia de 7.000,00€.
*
III.2. Mérito do recurso
III.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Nos termos do disposto no art. 662º/1 do Cód. Proc. Civil, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Dispõe, por sua vez, o art. 640º/1 do Cód. Proc. Civil que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Tem sido entendido que, ao abrigo do disposto no art. 662º do Cód. Proc. Civil, a Relação goza dos mesmos poderes de apreciação da prova do que a 1ª instância, por forma a garantir um segundo grau de jurisdição em matéria de facto. A Relação deve apreciar a prova e sindicar a formação da convicção do juiz, analisando o processo lógico da decisão e recorrendo às regras de experiência comum e demais princípios da livre apreciação da prova, reexaminando as provas indicadas pelo recorrente, pelo recorrido, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e/ou aquelas que se mostrem acessíveis, por constarem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. art. 413º do Cód. Proc. Civil).
Porém, não pode o Tribunal da Relação ignorar que, na formação da convicção do julgador de 1ª instância, poderão ter entrado elementos que, em princípio, no sistema da gravação sonora dos meios probatórios oralmente prestados, não podem ser importados para a gravação, como sejam aqueles elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo exterior do depoente que influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe, existindo, assim, actos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que não podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador (vide Ac. STJ 28.05.2009 - Proc. 115/1997.5.1, in www.dgsi.pt.).
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (v. Acórdãos do TRP: de 25/3/19, P. 2/15.2T8MAI.P1; de 19/9/2000, CJ XXV, 4, 186; de 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt.).
Por conseguinte, a Relação só deve lançar mão dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados – cfr. Acórdãos do TRG de 10/01/2019, relatora Maria João Matos; e de 21/11/2019, relator Jorge Teixeira, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
Feitas estas considerações e resultando do corpo das alegações de recurso e respectivas conclusões que os recorrentes deram cumprimento aos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, importa apreciar a impugnação da matéria de facto, analisando o acervo factual provado e não provado posto em crise.
Sob a conclusão A) do recurso, sustentam os apelantes que devem ser dados como provados os factos julgados não provados na sentença recorrida (os três pontos da matéria de facto não provada) e como tal, não podem ser julgados como provados os factos constantes dos arts. 2.º, corpo do art. 4.º, bem como a sua alínea b), 7.º da sentença.
Entendem os recorrentes que o depoimento do 1º réu impunha uma decisão diferente quanto aos termos do acordo celebrado com o recorrido. Alegam, para tanto, que discordam da apreciação efectuada pelo tribunal quanto ao teor daquele depoimento, “o qual o tribunal considerou pouco claro”, “não valorizou - sem explicar – o depoimento circunstanciado e credível” (…) “com conhecimento directo, pormenorizado e isento de contradições”.
Contra-alega o recorrido, pugnando pela improcedência deste segmento do recurso.
São os seguintes os factos julgados não provados pelo tribunal de 1ª instância:
- O 1.ª Réu sempre agiu enquanto legal representante da 2.º Ré.
- O Réu, por acordo celebrado com o Autor, quanto ao modo de pagamento do valor de venda dos quadros supra referidos, acordaram que, o Réu efetuaria o pagamento, de forma antecipada, do produto de venda de tais obras.
- A 2.º Ré adiantou ao Autor, por conta do produto da venda destas obras de arte a quantia de 7.000,00€.
E são os seguintes os factos provados que os recorrentes pretendem que sejam julgados não provados:
2. O 1º Réu, que se chama B ……., é o proprietário da ..., uma marca de mobiliário e decoração de interiores, que possui lojas/ showrooms na ..., em ... e em ..., sendo usualmente tratado por “B”.
4. Após terem sido apresentados por um contacto comum, o Autor e o 1º Réu encontraram-se e deste encontro, resultou um acordo verbal em que o 1º Réu iria expor, para venda, no seu showroom da ..., um conjunto de pinturas do Autor, nos seguintes termos:
b) Adicionalmente, pagaria ao Autor uma mensalidade de €1.000,00 (mil euros) durante 12 (doze) meses consecutivos, a partir de novembro de 2017, que tinha em vista a obtenção de um crédito a favor do 1º Réu para futura aquisição de obras do Autor.
7. Este valor mensal acrescia ao comissionamento acordado e serviria para formação de um crédito a favor do 1º Réu que poderia ser utilizado na aquisição de obras do Autor, uma vez decorridos e pagos os 12 meses acordados.
O tribunal recorrido apresentou a seguinte motivação quanto à matéria de facto não provada:
“Por fim, não resultou demonstrado que o 1º Réu sempre se tenha apresentado e negociado na qualidade de legal representante da 2ª Ré, a qual só é referida ao Autor aquando e para efeitos de emissão das facturas-recibo.
Assim, a leitura que se retira dos factos assentes é a de que o 1º Réu agiu perante o Autor em nome próprio, não clarificando se estava a agir em nome da sociedade aqui 2ª Ré, nem o Autor de tal se tendo apercebido.
Ademais, os contornos do acordo como disso é evidente o facto de as carrinhas dos três espaços explorados pelo Réu terem o nome de “...” e o 1º Réu ser conhecido por B ……, quando este apelido não é de facto seu e o facto de a contabilidade da 2ª Ré precisar do aval do 1º Réu para efectuar os pagamentos ao Autor, se fosse um acordo entre A,. e 2ª Ré, esta situação não se verificaria nestes termos – foram declaradamente pessoais e não comerciais, pelo que a final concluímos pela legitimidade do 1º Réu para a presente acção, assim como da 2ª Ré, como entidade que por indicação do 1º Réu seria a facturada.”
No que concerne aos factos provados postos em crise e procedendo à analise crítica da prova, após descrição do conteúdo dos vários meios de prova produzidos, o tribunal pronunciou-se da seguinte forma:
“Assim, o Tribunal apreciou livre e criticamente a prova produzida, a qual, no essencial baseou-se nas declarações do Autor, na confissão do Réu, e nos documentos juntos aos autos, bem como demais depoimentos ouvidos, os quais, porém, foram indirectos.
Sobepesou o Tribunal seguinte: que existiu de facto acordo sobre o pagamento dos 12.000€ faseados em doze meses e não adiantamento das comissões porquanto eram emitidos facturas-recibos referentes a reserva de quadros, não já adiantamentos de comissões e porque aquando da venda do quadro matéria nº 3, foi dada indicação pelo 1º Réu para facturar a venda deste quadro, na percentagem acordada de 50%. Não faria sentido se o acordo fosse quanto a adiantamento de comissões, estar-se a facturar duas vezes, primeiro como adiantamento parcelar da comissões e depois cada obra vendida, existiria duplicação de facturação.
Ainda, o pagamento dos 300€ em 19.4.2019, já numa fase muito posterior à venda do quadro matéria nº 3 e dos quadros das XX..., surge desfasado e só compreendido no âmbito do acordo do pagamento dos valores de 1000€ mensais quando não entendidos como adiantamentos dos preços de venda/comissões das obras do A.
Caso os pagamentos dos 1000 euros fossem adiantamentos, o pagamento dos 300 euros teria ocorrido mais cedo, aquando da venda das obras, ainda no ano de 2018, já não no ano de 2019 e no âmbito de uma comunicação de mandatário judicial.
Assim, no âmbito dos critérios da experiência comum, e no conhecimento do homem médio, a versão dos factos trazida aos autos pelo Autor é mais verosímel e apoiada por elementos de prova documentais já referidos.”
Extraimos do teor da fundamentação assim apresentada que, perante versões contraditórias das partes, o tribunal a quo valorou positivamente as declarações de parte do autor, considerando a sua versão mais verosímil de acordo com as regras da experiência comum e sustentada nos elementos documentais juntos aos autos. Referindo-se na sentença concretamente que o acordo foi firmado entre o autor e o 1º réu, nunca tendo este ao longo das negociações feito referência à sociedade ré, apenas o fazendo para efeitos de facturação, solicitando ao autor que as facturas fossem emitidas em nome da sociedade (facto que, aliás, também foi objecto de confissão pelo réu, a que o tribunal a quo atendeu, como consta no início da fundamentação da decisão de facto da sentença). Esta última circunstância não pode, por si só, conduzir à conclusão de que foi a sociedade e não o 1º réu a intervir no acordo celebrado. O autor explicitou, em sede de julgamento, de modo detalhado e coerente as negociações havidas com o 1º réu para firmar o acordo nos termos referidos, declarações que não foram infirmadas por este, que não apresentou qualquer justificação plausível para a sua versão, segundo a qual interveio sempre em representação da ré. 
 Quanto ao pagamento acordado no valor de €12000, faseado em 12 meses, resultou igualmente das declarações do autor que tais mensalidades não constituíam adiantamentos das comissões devidas pela venda dos quadros do autor, sendo aspectos distintos do acordo, sendo que o pagamento da referida quantia (€12 000) visava permitir ao réu adquirir futuramente quadros do autor, o que se compagina quer com o teor das facturas-recibos juntas aos autos, todas com o descritivo «reserva de pinturas», e o momento da sua emissão, quer com os emails enviados pelo autor ao 1º réu solicitando os pagamentos em dívida (cf. docs juntos com a petição inicial), tendo o réu respondido pela mesma via a vários desses emails, prometendo a liquidação das quantias em dívida, sem pôr em causa o seu teor.
O recorrente pretende a reapreciação do depoimento de parte do 1º réu, alegando que pela sua consistência e clareza deve conduzir à alteração da matéria de facto julgada provada, imputando ao tribunal de 1ª instância incorrecta valoração desse depoimento.
Quer dizer, o recorrente insurge-se contra a convicção formada pelo tribunal a quo, dela discordando, por entender que o tribunal deveria ter valorizado o depoimento de parte do réu B em detrimento das declarações de parte do autor.
Como acima enunciámos, a Relação só deve lançar mão dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Como é sabido, no nosso sistema processual, com excepção das situações da chamada prova legal, isto é, das situações em que para a prova de um determinado facto a lei exige um específico meio de prova ou impede que o mesmo possa ser provado mediante certos meios de prova – que o legislador presume serem mais falíveis e inseguros –, vigora o sistema da liberdade de julgamento ou da prova livre (cfr. nº 5 do art. 607º do Cód. Proc. Civil). Neste sistema, o tribunal aprecia livremente os meios de prova, atribuindo, pois, a cada um o valor probatório que julgue conforme a uma apreciação crítica do mesmo (à luz das regras da experiência, da lógica e da ciência), não estando esse valor probatório prévia e legalmente fixado.
Flui do que vimos expondo que o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, nos termos do art. 466º/3 do Cód. Proc. Civil, ou seja, estas declarações deverão ser ponderadas no seu conjunto com os demais elementos de prova, sem prejuízo da eventual confissão que ocorra (cf. parte final do preceito).
Volvendo ao caso vertente, não resulta da análise da prova produzida que o tribunal tenha incorrido em erro de apreciação que importe corrigir, afigurando-se que os factos postos em crise foram correctamente julgados e que o acervo factual dado como não provado decorreu da ausência de prova da sua verificação em face da prova produzida em sentido divergente e que permitiu dar como provados os factos vertidos nos pontos 2º, 4º b e 7º postos em crise.
No que toca à valoração dos depoimentos/declarações de parte, o tribunal a quo actuou no âmbito da livre apreciação da prova (sem deixar de consignar a a confissão parcial do réu, a que atendeu) e de acordo com a imediação inerente ao julgamento em 1ª instância, nenhuma razão sobrevindo capaz de pôr em causa o juízo formulado e não se vislumbrando qualquer erro de apreciação da prova, não se podendo falar de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão sobre os pontos da matéria de facto criticados.
Nem o recorrente indica outros elementos probatórios que justificassem ou impusessem a pretendida alteração, nem aqueles que se produziram conduzem a tal, designadamente o depoimento das testemunhas ouvidas em sede de julgamento, sendo que as testemunhas Y…. e Z…. (indicadas pelos ora apelantes) não revelaram conhecimento directo dos factos.
Não nos merece, pois, censura a decisão da matéria de facto impugnada.
Pelo exposto, improcede totalmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se a factualidade dada como não provada, assim como os aludidos pontos da matéria de facto provada.
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III.2.2. Apreciação jurídica
1. Relação negocial/contratual e respectivos efeitos
Não obstante terem impugnado a decisão sobre a matéria de facto, os apelantes sustentam que, mesmo partindo da factualidade julgada provada, o tribunal teria de concluir que o recorrente B não celebrou qualquer contrato com o autor, não tendo o réu agido em nome próprio, mas sim como representante legal da sociedade recorrente. Concluem que o tribunal não explicou como desconsiderou a personalidade jurídica da recorrente (cf. ponto B) das conclusões do recurso, nº 21 a 28).
Por outra banda, alegam que as vicissitudes descritas nos autos desenrolaram-se no âmbito do processo de formação do negócio, tendendo à sua eventual e futura concretização (conclusão 31).
Mais aduzem que a alegada obrigação da recorrente atinente ao pagamento de uma verba mensal, deverá ser considerada como um adiantamento a realizar a final (aquando da celebração do contrato de compra e venda, com a entrega de obras de arte), sem, todavia existir o contrato-promessa que a poderia porventura contemplar (cf. conclusão 33).
Sustentam ainda que o projecto negocial entre autor e réu ruiu, o contrato final não se chegou a celebrar, carecendo de justificação a exigência do autor da quantia mensal, adiantamento do preço de uma obra que não vai ser entregue (conclusão 36).
Concluem que é aplicável a regra constante do nº 1 do art. 442º do CC, devendo ser restituída a quantia paga e não sendo aplicável a 1ª parte do nº 2 do art. 442º do mesmo diploma, na medida em que não se verifica o incumprimento da obrigação de contratar por parte da recorrente (cf. conclusão 33).
O recorrido/autor discorda, considerando que o recorrente agiu em nome próprio no âmbito das negociações encetadas com o recorrido, e não em nome ou em representação da recorrente sociedade. Mais rejeita a tese do pagamento efectuado a título de adiantamento ou com referência a qualquer contrato-promessa, imputando aos réus o incumprimento do contrato celebrado, por não terem pago as comissões devidas pela venda dos quadros do autor e por terem deixado de pagar as prestações mensais acordadas (€1000/mês).
Analisemos.
O tribunal de 1ª instância entendeu que o acordo celebrado entre as partes configura um contrato de prestação de serviços, inominado, com retribuição, ao qual se aplicam as regras do mandato art. 1156º, considerando que da factualidade apurada, designadamente da comunicação e conduta do autor ao retirar as suas obras da galeria do 1º réu, se retira que ocorreu a revogação do contrato, prevista no art. 1170.º do Cód. Civil.
Os recorrentes insurgem-se contra tal qualificação jurídica dos factos, trazendo à colacção a figura do contrato-promessa, alegando que não se chegou a realizar contrato de compra e venda de qualquer obra do autor e concluindo que inexistiu incumprimento de obrigações contratuais por parte da ré.
Não lhes assiste razão.
Provou-se, na parte que agora importa considerar, que:
1. O Autor é artista plástico, designadamente pintor, sendo detentor de um estúdio em ..., bem como de uma galeria na ..., onde algumas das suas pinturas são expostas, podendo assim ser conhecidas e compradas pelo público.
2. O 1º Réu, que se chama B, é o proprietário da ..., uma marca de mobiliário e decoração de interiores, que possui lojas/ showrooms na ..., em ... e em ..., sendo usualmente tratado por “B”.
4. Após terem sido apresentados por um contacto comum, o Autor e o 1º Réu encontraram-se e deste encontro, resultou um acordo verbal em que o 1º Réu iria expor, para venda, no seu showroom da ..., um conjunto de pinturas do Autor, nos seguintes termos:
a) O 1º Réu pagaria ao Autor uma comissão de 50% calculada sobre o valor de venda dos quadros;
b) Adicionalmente, pagaria ao Autor uma mensalidade de €1.000,00 (mil euros) durante 12 (doze) meses consecutivos, a partir de novembro de 2017, que tinha em vista a obtenção de um crédito a favor do 1º Réu para futura aquisição de obras do Autor.
7. Este valor mensal acrescia ao comissionamento acordado e serviria para formação de um crédito a favor do 1º Réu que poderia ser utilizado na aquisição de obras do Autor, uma vez decorridos e pagos os 12 meses acordados.
De tal acervo retiramos que foi estabelecido um acordo verbal entre o autor e o 1º réu, agindo este por si e não em representação da sociedade ré, sem prejuízo de a facturação ser efectuada em nome da 2ª ré (a pedido do 1º réu). Ao contrário do que defendem os recorrentes, o tribunal não desconsiderou a personalidade jurídica da 2ª ré, simplesmente responsabilizou directamente o 1º réu (B)/ora recorrente, porquanto a factualidade apurada assim impunha concluir (dos factos extrai-se que o acordo foi firmado entre o autor e o 1º réu).
Emergindo de tal acordo a obrigação de o autor entregar quadros seus ao réu para exposição na galeria deste mediante a obrigação de o réu pagar ao autor uma comissão de 50% do valor dos quadros no caso de venda dos mesmos e ainda de lhe pagar a quantia de €12 000 (€1000/mês), quantia esta destinada à futura aquisição pelo réu de obras do autor.
Como (bem) entendeu o tribunal a quo, o referido acordo configura um contrato de prestação de serviços.
De acordo com o art.º 1154º do Código Civil, “o contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”
Constituem, assim, características essenciais deste contrato:
- o resultado material, consistente na realização do serviço;
- e o pagamento do preço, atendendo a que o contrato de prestação de serviços é oneroso, uma vez que o seu objeto insere-se no escopo comercial das partes, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 1158º do Cód. Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1156º do mesmo diploma legal.
Não colhe, por conseguinte, o enquadramento jurídico efectuado pelos apelantes, ao convocarem a figura do contrato-promessa e considerarem aplicável in casu a regra constante do nº1 do art. 442º do CC.
É afirmado na motivação recursória (cf. pontos 32 e 33) que a alegada obrigação de pagamento de uma verba mensal ao autor deve considerar-se como adiantamento parcial do pagamento a realizar a final (aquando da celebração do contrato de compra e vem, com a entrega de obras de arte), sem, todavia existir o contrato promessa que a poderia porventura contemplar. Por outro lado, é sustentado que não há factos provados que revelem ter sido atribuída pelas partes a natureza de sinal (cf. ponto 34). No entanto, referindo que ruiu o projecto negocial e cessou a relação estabelecida entre autor e ré, não se celebrando afinal o contrato, concluem que carece de justificação a exigência da dita quantia mensal, não se verificando incumprimento da ré.
Antes de mais, parecem os recorrentes confundir processo de formação do contrato, em que se insere a proposta contratual com contrato-promessa e sinal com antecipação de cumprimento. Depois, convocam a figura do contrato promessa, rejeitam a existência de sinal, mas concluem pela aplicação do art. 442º/1 do CC.
É desprovido de sentido falar da existência de contrato-promessa no caso vertente. Esta tese não encontra suporte nos factos apurados, dos quais não se retira sequer a vontade das partes em celebrar um contrato de compra e venda das obras do autor.
Como vimos, o que autor e réu acordaram foi que o réu expunha na sua galeria quadros do autor, que poderia vender e além disso, pagava a este a quantia de €1000 por mês durante 12 meses, tendo em vista a futura aquisição de obras do autor.
O réu não ficou adstrito à obrigação de comprar para ele ou mesmo para terceiro os quadros do autor, embora pudesse fazê-lo, caso em que deveria pagar ao autor a comissão de 50% do respectivo valor da venda, ficando o remanescente (50%) para o réu.
Afastada a figura do contrato-promessa, não cabe aplicar aqui o regime previsto no art. 442º do CC, seja o estatuído no nº 1 ou o nº 2.
Cumpre, de seguida, apurar os efeitos da ruptura do contrato (de prestação de serviços) firmado entre as partes, já que perante o incumprimento das obrigações que impendiam sobre o réu (face ao não pagamento das comissões dos quadros vendidos, para além da falta de pagamento de várias das mensalidades estipuladas) e após sucessivos emails enviados a este apelando ao cumprimento do contrato (cf. factos provados 11, 14, 17, 19, 21, 28, 32, 33, 35, 38, 41, 42, 45, 49), em Fevereiro de 2019 o autor retirou os seus quadros da galeria do réu/apelante (cf. facto provado 50), vindo a interpelar formalmente os réus em 11/4/2019, visando a resolução amigável da situação (facto provado 54).
O tribunal de 1ª instância entendeu que a comunicação e conduta do autor de retirada das obras do espaço explorada pelo réu, preenche os requisitos da revogação do contrato prevista no art. 1170º do C.Civil.
Dispõe este preceito que:
1. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
2. Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.
Como explicitado na sentença, a revogação do contrato não se confunde com a resolução.
A resolução, prevista e regulada nos artigos 432º e seguintes do CC, é fundada na lei ou em convenção, sendo a sua eficácia retroactiva (ex-tunc), sendo os efeitos do contrato eliminados. Já a revogação, em regra, opera só para o futuro (eficácia ex nunc), ou seja, extingue o negócio jurídico para o futuro, implicando a des-celebração do negócio jurídico (unilateral ou contratual). O poder jurígeno da autonomia privada, assim como permite a constituição da vinculação negocial, permite também e do mesmo modo a desvinculação (Pedro Pais de Vasconcelos, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações - Contratos em Especial, UCP Editora, pág 693).
Como sumariado no acórdão do TRE de 24/2/22, P. 120/19.8T8CTX.E1, relatora Maria Adelaide Domingos, “I. A revogação do contrato por mútuo acordo dos contraentes tem acolhimento na lei ao abrigo da autonomia da vontade e corresponde ao que os autores designam por mútuo dissenso (contrarius consensus) ou distrate, que opera pelos próprios contraentes, de forma livre e sem necessidade de invocação de causa justificativa, correspondendo a um novo contrato com efeito extintivo do anterior, desde que este não esteja integralmente executado, podendo ter, ou não, efeito retroativo.”
Refere-se no mesmo aresto: “Se tiver efeito retroativo, a revogação aproxima-se quanto aos efeitos, à resolução - GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, Coimbra Editora, 4.ª ed., p. 380.”
O art. 1170º regula especificamente a revogabilidade do mandato, preceito aplicável à prestação de serviços, por força do art. 1156º, estabelecendo o nº 1 a livre revogabilidade por qualquer das partes e prevendo o nº 2 a revogação com justa causa.
Neste conspecto, pode ler-se na sentença que:
“Como referem PIRES DE LIMA e A. VARELA (Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 809.) «a figura da revogação não corresponde à de resolução do contrato... A revogação, neste caso, limita-se a fazer cessar o mandato, com eficácia ex nunc aproximando-se bastante, nesse aspecto da denúncia... São pois inatacáveis os actos já celebrados pelo mandatário. Imputam-se ao mandante os efeitos resultantes da actividade já exercida...». Quanto à forma de exercer tal faculdade (revogação) referem ainda os mesmos autores: «Em princípio, ao lado dos casos de revogação tácita, como os previstos nos art. 1171.º e 1179.º, o mandato pode ser revogado por qualquer das formas de declaração negocial admitidas no Código (…), sem prejuízo da inadmissibilidade da prova da revogação por testemunhas, se o mandato tiver sido outorgado por documento autêntico ou particular...» (obra citada, p. 811).
É também como denúncia e não como verdadeira revogação que MENEZES LEITÃO trata a revogação do mandato (Direito das Obrigações, vol II, 4.ª edição, p. 102, nota n.º 204 e 106.
Na revogação não são afectados os efeitos já produzidos, nem se tem ipso facto por excluído o dever de indemnizar (art. 1172.º).
Voltando a analisar os efeitos decorrentes da revogação, temos por boa a tese da distinção substancial entre resolução e revogação.
Como já se viu acima, citando PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (obra citada, p.809) a figura da revogação não corresponde à da resolução do contrato pelo que é “inaplicável à revogação, designadamente a disposição do art. 433...”.
O facto de a lei prever a faculdade de nos contratos da natureza dos agora em apreço, qualquer das partes poder exercer o direito de «revogação», não afasta a aplicação do regime geral dos contratos, nomeadamente o direito à sua resolução por incumprimento definitivo. A diferença é que para resolução com fundamento em incumprimento, o dever de indemnizar, tem subjacente a «ilicitude», enquanto que a «revogação» ao abrigo do disposto no art. 1170.º, não carece da verificação desse pressuposto, sendo um dos casos em que o dever de indemnizar, pode assentar na prática de facto lícito (Neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, obra citada, vol. II, p. 811).
A «revogação» prevista no art. 1170.º, não carece de forma, podendo mesmo ser tácita. Basta que a intenção de não manutenção do contrato, chegue ao conhecimento do outro outorgante, por qualquer forma, produzindo desde então efeitos.
No caso dos autos o A. comunicou ao 1º Réu a sua intenção de retirada das obras do espaço onde estavam expostas e o 1º Réu nisso consentiu. Assim, deverá entender-se que a partir dessa data o A. exerceu validamente a faculdade de «revogação» prevista no art.º 1170.º.
Paralelamente, os Réus encontram-se obrigados a indemnizar o Autor pelo incumprimento do contrato, no que se refere ao não pagamento do valor acordado pela venda de cada obra do Autor, em 50% do valor da venda, num total de €7.300,00, dos quais €300,00 já foram pagos.
Quanto aos €7.000,00 pagos ao Autor, os efeitos ex nunc fazem com que essas quantias não sejam devolvidas e fiquem com o Autor, sendo que o 1º Réu tem um direito de crédito sobre obras do Autor, no valor correspondente de €7.300,00 neste caso, como é ademais reconhecido pelo Autor (embora referindo-se aos doze mil euros).
Subscrevemos tal fundamentação no que respeita ao 1º réu (B), na medida em que, na sequência da comunicação ao réu, que nisso consentiu, exerceu o autor validamente a faculdade de revogação prevista no art.º 1170º, causa de extinção do contrato, encontrando-se o 1º réu obrigado a indemnizar o autor pelo incumprimento do acordo, no que se refere ao não pagamento do valor acordado pela venda de cada obra do autor, em 50% do valor da venda, num total de €7.300,00, dos quais €300,00 já foram pagos.
O mesmo não se pode afirmar relativamente à 2ª ré, que, não tendo intervindo no contrato de prestação de serviços celebrado com o autor, não está vinculada às obrigações dele emergentes nem aos efeitos da sua revogação.
Procede, assim, parcialmente o recurso, mantendo-se a decidido quanto à condenação do 1º réu, B, e absolvendo-se do pedido a 2ª ré, ….., Lda.
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2. Ampliação do âmbito do recurso
Nas suas contra-alegações veio o recorrido/autor requerer a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do art. 636º CPC, pretendendo a reapreciação da matéria de direito, insurgindo-se contra a sentença na parte em decidiu que “quanto aos restantes €5000 peticionados, entendemos que não apresenta fundamento, dado que o pagamento visava um direito de crédito numa futura aquisição de obras e na consideração de uma relação duradoura e não apenas de um ano”.
Vejamos.
O art. 636º do CPC (sob a epígrafe “ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”) permite à parte recorrida suscitar nas contra-alegações do recurso a reapreciação dos fundamentos em que tenha decaído, prevenindo os riscos de uma eventual resposta favorável do tribunal de recurso às questões que tenham sido suscitadas pelo recorrente ou mesmo a outras questões de conhecimento oficioso. Pode ainda requerer a ampliação do objecto do recurso no que respeita à matéria de facto provada ou não provada com relevo para a defesa dos interesses do recorrido (v. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2ª edição, vol I, pág. 790).
Porém, tendo em conta a função e utilidade da ampliação do recurso prevista no art. 636º não se permite à parte usar desta faculdade quando tem legitimidade para interpor recurso (principal ou subordinado) da decisão na parte em que decaiu. O que se pretende é evitar que o recorrido possa ser prejudicado pela resposta do tribunal ad quem em face do recurso interposto pela outra parte (vencida), se acaso reconhecer razão aos fundamentos invocados quanto às questões suscitadas nesse recurso (v. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª edição, pág. 144/145).
Volvendo ao caso sub judice, constatamos que os fundamentos do recurso - que tem como objecto a decisão condenatória dos réus no pagamento da quantia de €7000, acrescida de juros - não versam sobre a questão agora suscitada pelo recorrido, atinente à quantia peticionada de €5000, pedido relativamente ao qual os réus foram absolvidos.
Assim, não estando verificados os respectivos pressupostos, não se admite a requerida ampliação do âmbito do recurso nos termos do art. 636º do CPC.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em:
- Julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, condenar o réu B a pagar ao autor A a quantia de €7.000,00 (sete mil euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, a contar desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo do pedido a ré C, confirmando, no mais, a sentença recorrida.
- Não admitir a ampliação do âmbito do recurso requerida pelo recorrido.
Custas pelos apelantes e apelado, na proporção de ¾ e ¼ respectivamente (artigo 527º/1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.
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Lisboa, 6 de Fevereiro de 2024
Ana Mónica Mendonça Pavão
Carlos Oliveira
Ana Rodrigues da Silva