Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL RIBEIRO MARQUES | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL DANO APRECIÁVEL RETARDAMENTO DA SENTENÇA DE ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO SOCIAL | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Sumário: | 1. Só a parte prejudicada pode arguir a nulidade da sentença. 2. O dano que há que ter em conta para fundamentar a suspensão de uma deliberação social é o que deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação (art.º 380º, n.º 1, do CPC) e não qualquer outro. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção de Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa: I. LM veio instaurar procedimentocautelar de suspensão de deliberações sociais contra C., S.A., pedindo que se determine a imediata suspensão de todas as deliberações constantes da assembleia geral da Requerida de 28 de Abril de 2023. Alegou, em síntese, que: “1.º O Requerente é acionista da Requerida, sendo legitimo possuidor de 24.996 ações nominativas, com o valor nominal de 5 euros cada, representativas de 83,32% do capital social da Requerida. – cfr. doc. nº 1 cópias dos títulos de ações nominativas. 2.º O ora Requerente não foi convocado para a Assembleia Geral da requerida realizada em 28/04/2023, nem nela esteve presente. 3.º De igual forma, não foi notificado das referidas deliberações tomadas nessa sede. 4.º Apenas tomou conhecimento das mesmas no passado dia 10/05/2023, data em que essas decisões foram objeto de publicação no sítio da internet http://publicacoes.mj.pt e procedeu à subsequente consulta do registo comercial permanente da sociedade, disponível através do código de acesso 6853-2818-3205 - Cfr. doc. nº 2 que ora se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido 5.º Por pretensa assembleia geral, alegadamente realizada no passado dia 28/04/2023, foram votados os seguintes pontos que constavam da respetiva ordem de trabalhos: Um. Deslocação da sede social da atual morada sita na Rua …. para o …, concelho de Lisboa, com a consequente alteração do art.º 2.º dos Estatutos; Dois. Eleição dos membros do Conselho de Administração da sociedade para o triénio 2023-2025; Três. Redução do capital social de €150.000,00, para €50.0000, através da extinção das participações sociais resultantes do aumento de capital social em €100.0000,00 deliberado em 05.09.022 subscrito e inteiramente detido pelo Acionista LM, alterando-se em conformidade o art.º 5.º dos estatutos passando este a ter a seguinte nova redação: «O capital social, inteiramente subscrito e realizado, é de cinquenta mil euros e corresponde a dez mil ações nominativas de cinco euros cada uma» Quatro. Realização de uma auditoria às contas da sociedade com vista a apurar as responsabilidades da anterior Administração relativamente à qual existem fortes indícios de gestão danosa em virtude do refletido no Relatório de Inspeção da Autoridade Tributária e Aduaneira aos exercícios de 2019 a 2021 resultante das ações inspetivas de 8 e 9 de setembro de 2022; Cinco. Deliberar sobre a interposição de ação de responsabilidade civil, nos termos do art.º 77.º do Código das Sociedades Comerciais, articulado com o disposto no art.º 79.º do mesmo diploma legal; Seis. Alteração do art.º 11.º dos estatutos passando este a ter a seguinte nova redação: «As Assembleias Gerais são convocadas, sempre e nos casos em que a lei o determine ou permita ou ainda, quando a Administração ou o Fiscal Único o entendam conveniente, exclusivamente através de publicação no portal www.publicacoes.mj.pt, devendo os acionistas serem portadores das suas ações aquando da realização de qualquer assembleia para o efeito de nela poderem participar» Sete. Deliberar sobre o pagamento dos dividendos em dívida à acionista MC - Cfr. doc. nº 3 que ora se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido 6.º Todos os pontos indicados no artigo anterior foram aprovados unicamente com o voto favorável da acionista minoritária MC. - Cfr. doc. nº 3 7.º A qual, por sinal, era a única pessoa presente na referida assembleia. - Cfr. doc. nº 3 8.º A assembleia em questão não foi objeto de qualquer convocatória. 9.º Tivesse esse aviso convocatório assumido fosse que forma fosse. 10.º De idêntica maneira, nunca foi solicitada a sua realização à Presidente da Mesa da Assembleia Geral em funções. 11.º Pelo que, a existir uma convocatória (o que não se admite, mas por mera cautela de patrocínio se concede), sempre a mesma teria sido assinada por pessoa sem qualquer competência, legitimidade ou poderes para o efeito. 12.º Por sinal, a Presidente da Mesa da Assembleia Geral desconhecia em absoluto que estava prevista a realização para essa data e local de qualquer assembleia. 13.º Contrariamente ao que de forma falsa e mentirosa a acionista MC fez crer na ata em causa - Cfr. doc. nº 3 14.º A ausência de qualquer convocatória, torna nulas e totalmente ineficazes todas as decisões e deliberações tomadas nessa sede, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais. 15.º Acresce que, nos termos do disposto no nº 2 do mesmo preceito, não se consideram convocadas as assembleias cujo aviso convocatório seja assinado por quem não tenha essa competência. 16.º Pelo que, a referida assembleia seria igualmente nula mesmo que tivesse existido (que não existiu) um aviso convocatório assinado por outra pessoa para além da Presidente da Mesa da Assembleia Geral eleita e em funções. 17.º De acordo com Alexandre Soveral Martins (in “Suspensão de Deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas”, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2003/ano-63-vol-i-ii-abr-2003/artigos-doutrinais) “Exige a lei que o sócio que requeira a suspensão da deliberação demonstre que a execução pode causar um dano apreciável. Não diz a lei se esse dano tem de ser um dano que possa ser causado à sociedade ou antes aos sócios. Mas deve entender-se que o procedimento pode ser utilizado em qualquer dos casos referidos (62), quer porque tal será a melhor forma de realizar a finalidade da providência, quer porque a lei não distingue”. 18.º Em idêntico sentido assinala o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Relator Desembargador Azevedo Ramos) que “O exacto conteúdo da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais é o da suspensão da eficácia jurídica da deliberação. A sua função é evitar a lesão de um direito ou a produção de um dano, que tanto pode ser dos sócios requerentes como da sociedade.” (sublinhado nosso) 19.º No caso em apreço é evidente que todas as decisões tomadas em sede da assembleia do dia 28/04/2023,sem exceção, provocam danos apreciáveis quer ao ora Requerente, quer à própria sociedade” (danos que descreve nos art.ºs 20º a 65º, a que adiante faremos referência). A requerida deduziu oposição, defendendo-se por excepção (invocou a incompetência relativa do tribunal) e por impugnação. Nesta sede impugnou os danos invocados pelo requerente e alegou, além do mais, que: “10. O Requerente não é titular de 24.996 acções nominativas representativas de 83,32% do capital social da Requerida, porquanto, a deliberação social que, alegadamente suporta tal composição do capital social, encontra-se suspensa, conforme resulta da Insc. 6 AP 72/20230210, constante da certidão permanente do registo comercial da Requerida. 12. A assembleia geral, cujas deliberações são objecto da presente providência, foi — contrariamente ao afirmado no requerimento inicial — legitimamente convocada pela accionista MC ao abrigo da norma contida no n.º 2 do artigo 375.º do CSC, conforme Doc. 1 que aqui se junta em anexo e se dá por integralmente reproduzido. 13. Com efeito, a accionista MC juntou aos pedidos de informação dirigidos por carta registada com aviso de recepção, datada de 24 de Fevereiro de 2023, a convocatória da assembleia geral (cfr. Doc. 1) dirigida à Presidente da Mesa da Assembleia Geral, com conhecimento aos restantes accionistas e administradores, incluindo o então Presidente do Conselho de Administração da Requerida, pedido de convocatória de Assembleia Geral, devidamente fundamentado e conforme a lei o determina, para o dia 13 de Abril de 2023, pelas 15 horas e, em segunda convocatória, para o dia 28 de Abril de 2023, pelas 10 horas, conforme resulta do teor do Doc. 1 já junto, bem como dos registos de correio postal e avisos de recepção que se juntam como Doc. 2. 14. Ora, resulta da convocatória assinada pela accionista MC e actual Presidente do Conselho de Administração da Requerida, junta como Doc. 1, o seguinte: «(...) Caso a Assembleia Geral não seja convocada por V.Exa. nos termos e para os efeitos do estabelecido no art.º 375.º do Código das Sociedades Comerciais deverá a mesma considerar-se convocada para as mesmas datas, já que esta mesma convocatória vai com o conhecimento aos restantes accionistas e do Conselho de Administração, acompanhada de carta onde os nossos advogados requerem, em nosso nome e representação, a prestação de informações, sem prejuízo de a accionista aqui Requerente se reservar o direito de proceder à convocação judicial da Assembleia Geral nos termos do art.1 375.1 do Código das Sociedades Comerciais, caso a Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Geral indefira, sem qualquer justificação atendível por lei, proceder à convocatória da Assembleia Geral agora requerida.» (sublinhado nosso) 15. Assim, decorridos todos os prazos legais constantes no mencionado art.º 375.º e, sendo do conhecimento dos restantes accionistas, Conselho de Administração, então em exercício e Mesa da Assembleia Geral, tinha a accionista MC legitimidade para, em segunda convocatória, reunir e deliberar, face à manifesta ausência dos demais, nos termos do n.º 3 do artigo 383.º do CSC. 16. O que fez. Não sendo, portanto, legítimo que o Requerente venha invocar desconhecimento ou falta de convocatória. 17. Com efeito, na data indicada para a realização da Assembleia, em primeira convocatória, a accionista MC compareceu no local e hora indicados na convocatória, sem que nenhum accionista ou membro do Conselho de Administração, então em exercício, ou a Presidente da Mesa da Assembleia Geral tivessem comparecido, conforme resulta da Acta da reunião datada de 13 de Abril de 2023 que se junta como Doc. 3 que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos, e factura-recibo da cedência da sala de reuniões do Centro Empresarial LEAP Amoreiras do dia 13 de Abril de 2023, que se junta como Doc. 4 e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 18. Logo, a accionista MC na data indicada para a realização em segunda convocatória, isto é, no dia 28 de Abril de 2023, pelas 10 horas, deslocou-se à morada indicada, não tendo uma vez mais comparecido quem quer que fosse, conforme resulta da Acta da reunião datada de 28 de Abril de 2023 que se junta como Doc. 5 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, e factura-recibo da cedência da sala de reuniões do Centro … do dia 28 de Abril que se junta como Doc.6 e se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos. 19. Após as deliberações da assembleia geral, a accionista MC, actual Presidente do Conselho de Administração, promoveu, de imediato, o registo comercial das deliberações tomadas, não havendo nenhuma disposição legal que obrigue à «notificação das referidas deliberações tomadas nessa sede» conforme alegado pelo Requerente no artigo 3.º do seu articulado. 21.º Mais se acrescenta, como aliás resulta do Doc.1, que a justificação para o pedido de convocatória com caracter de urgência e dela constante se prendia com os factos seguintes: «Justificação para o pedido de convocatória com carácter urgente: O Senhor Presidente do Conselho de Administração da Sociedade, Senhor LM, que também é acionista desta, não aceita proceder à alteração da sede social que, neste momento não existe, em termos materiais, já que está localizada numa fração autónoma vendida a terceiros sem que alguém possa ter acesso à mesma para consulta de documentos e recolha de informações. Trata-se de uma falsa informação ao mercado. A requerente, enquanto acionista, sempre tentou junto do Presidente do Conselho de Administração e também acionista da sociedade, resolver a questão da localização da sede o que este sempre recusou, usando do artifício de reencaminhamento de correspondência da sede social para a sua residência pessoal. Neste momento e perante o conhecimento de certos documentos contabilísticos a que a Requerente teve acesso, nomeadamente, mas sem limitar, o Relatório de Inspeção da Autoridade Tributária e Aduaneira aos exercícios de 2019 a 2021 resultante das ações inspetivas de 8 e 9 de setembro de 2022, existe uma total falta de confiança no atual Conselho de Administração da sociedade, sendo que, as escusas de opinião emitidas pelo senhor Revisor Oficial de Contas nos últimos exercícios, são prova provada de que algo está errado nas contas da sociedade por força de atos de gestão danosa por parte da atual administração. Isto para não falar no acesso a que a acionista, aqui Requerente, teve ao Relatório de Inspeção da AT acima referido e de que nunca lhe foi dado conhecimento por parte do atual Presidente do Conselho de Administração e donde ressaltam gravíssimas irregularidades contabilísticas que justificam que sejam tomadas medidas judiciais em sede própria. Porém, desse Relatório e dos IES respetivos resulta que a administração deliberou, em violação do art.º 3.º dos Estatutos, a aquisição de uma participação social na sociedade B.,SA, situação que teria de ter sido sujeita, face ao disposto no art.º 3.º dos Estatutos conjugado com o disposto no art.º 11.º, n.ºs 1 a 4 do Código das Sociedades Comerciais. A justificação da redução do capital social radica no facto de a Requerente ter sido ilicitamente privada de exercer o seu direito ao aumento de capital social da sociedade, aumento este deliberado à sua revelia, com o seu total desconhecimento, privando-a, de forma capciosa, de exercer o seu direito de preferência no aumento de capital social acorrendo ao mesmo e mantendo a sua posição acionista. A eliminação da obrigatoriedade do depósito das ações da sociedade na sede social, tanto como previsto no art.º 11.º dos estatutos, não faz qualquer sentido, tendo em atenção que as ações da sociedade são todas nominativas.» 22. Aliás, o pedido de convocatória foi enviado juntamente com o pedido de informações datado de 24 de Fevereiro de 2023, que aqui se junto como Doc. 2, dirigido ao Conselho de Administração, com conhecimento da Presidente da Mesa da Assembleia Geral, e onde é expressamente solicitado, ao abrigo do estipulado nos artigos 21.º, 288.º e 291.º do CSC e sob a cominação das normas contidas nos artigos 518.º e 519.º do CSC: 1) Balancetes Analíticos em 31/12/2020, 31/12/2021 e 31/12/2022 e das contas de terceiros se estas não estiverem integradas nos balancetes analíticos aqui solicitados. Referimos que importa o envio dos balancetes analíticos de terceiros que estejam na contabilidade geral; 2) Extratos das contas bancárias tituladas em nome da sociedade relativas ao ano de 2022; 3) Relação detalhada das despesas/custos anuais da C., SA; 4) Cópia do relatório do Conselho de Administração ou da Proposta ou dos documentos que vêm mencionados na Acta n.º 41 referente a uma alegada reunião da Assembleia Geral da sociedade referentes a quebra de autonomia financeira da sociedade; 5) Indicação das remunerações auferidas pelos membros dos órgãos sociais. 23. À supramencionada comunicação não foi dada qualquer resposta pelo Conselho de Administração, à data em exercício, nem pela Presidente da Mesa da Assembleia Geral. 24. Não obstante o silêncio, o pedido de informações foi reiterado por comunicação datada de 28 de Março de 2023 que aqui se junta como Doc. 7, acompanhada dos respectivos avisos de recepção, não tendo sido dada qualquer resposta. Assim, 25. Não se verifica qualquer resquício de ilegalidade, nem na convocatória da assembleia geral da Requerida, nem nas deliberações tomadas em segunda convocatória. (…) 45. (…) o Requerente foi eleito para o triénio 2020/2022, conforme resulta da Insc. 3 AP 3/20200814 constante da certidão permanente do registo comercial junta aos autos. 46. Ou seja, o Requerente não foi destituído com ou sem justa causa, pura e simplesmente, procedeu-se a nova eleição dos membros do Conselho de Administração para o triénio 2023/2025. 47. Aliás, a Requerida pretende levar a cabo uma auditoria e apurar os actos de gestão danosa e determinantes de responsabilidade civil praticados pelo Requerente, mas optou por, em primeiro lugar, fazer operar a caducidade do mandato dos membros do conselho de administração que terminou em 31 de dezembro de 2022. (…) 58. É o Requerente que, no exercício do seu mandato, praticou actos de gestão danosos para a Requerida. 59. Veja-se o Relatório de Auditoria da Autoridade Tributária e Aduaneira, junto como Doc. 12, onde resulta claro que, pelo menos, “a partir de 06/07/2020, a administração de direito e de facto da Requerida passou a ser exercida por LM, NIF …”. 60. Mais, do Quadro 3 do mesmo Relatório resulta o apuramento mensal do montante líquido transferido para o Requerente a título de “adiantamento por conta de lucros”, conforme quadro infra: (…) 62. Com efeito, por decorrência de actos praticados em exclusivo pelo Requerente, a Requerida possui escusas de opinião emitidas pelo senhor Revisor Oficial de Contas nos últimos exercícios, o que revela actos de gestão danosa pelo Requerente, tal como aliás resulta da Acta de 28 de Abril de 2023 (cfr. Doc. 5). 63. É neste contexto e tal como resulta do pedido fundamentado de convocatória de Assembleia Geral de que o Requerente teve conhecimento, da necessidade urgente de novas eleições para o órgão de gestão da Requerida, pelo que, é falso o alegado no artigo 41.º do articulado quanto à alegada motivação. 64. Quanto à matéria alegada nos artigos 42.º a 46.º, sempre se dirá que a redução do aumento de capital, por via da extinção das participações sociais, resultantes do aumento de capital social e, consequentemente, a redução da participação social do Requerente, sendo-lhe entregue o montante que “realizou” no “aumento” de capital da Requerida, é uma situação em tudo igual àquela que ocorreu em Setembro de 2022, aquando do aumento do capital social promovido pelo Requerente e consta da Insc. 4 AP. 1/20221024 da certidão permanente da Requerida. 65. Tal como o Requerente não pode ignorar, a accionista MC intentou uma providência cautelar de suspensão da deliberação social de aumento de capital social, conforme resulta da Insc. 6 AP. 72/20230210, que se encontra pendente de recurso. 66. Entretanto, veio a sociedade Requerida a saber que, à data do aumento de capital, a sociedade Requerida detinha em conta aberta junto da CGD cerca de 100.000€ e uma aplicação na sociedade B.SA de 50.000€. As contas da sociedade Requerida vieram a demonstrar isso. Basta a consulta dos IES em confronto com a argumentação que o Requerente usou na assembleia geral, constante da falsa acta n.º 41, junta ao IES 2021, aqui junto como Doc. 18. 67. E, nesse sentido, o Requerente não foi prejudicado, já que a sua participação actual e decorrente da deliberação ocorrida a 28 de Abril de 2023, corresponde àquela que possuía antes da ilegalidade por si cometida a 5 de Setembro de 2022. (…) 75. (…) a Requerida tem conhecimento de que a accionista MC é credora da Sociedade, aqui Requerida, no montante de 204.805,88€, conforme resulta do que abaixo se demonstra. 76. Com efeito e conforme resulta do Balancete Geral de Abertura de 2017, que aqui se junta como Doc. 13, a conta-corrente da accionista MC sob o número 2682291 (conta do Balanço) apresenta um saldo a favor desta de 96.969,96€, em harmonia com a cópia das Actas que se juntam como Doc. 14 e Doc. 15, bem como da Sentença proferida no âmbito do processo 1834/22.0T8BRR cujo extrato se junta como Doc.16, protestando juntar cópia integral se o tribunal assim o determinar.” Terminou pedindo seja ordenada a remessa urgente do processo para o tribunal competente, ou seja, para os juízos de comércio de Lisboa, e seja julgada inteiramente improcedente por não provada. O requerente respondeu à excepção da incompetência territorial e mpugnou o doc. n.º 1, junto com a oposição. Por decisão de 3/07/2023 foi julgada procedente a excepção de incompetência territorial e os foram remetidos ao Juízo do Comércio de Lisboa. Por despacho de 5/09/2023 decidiu-se: “(…) O requerente na petição alegou os factos indiciários da qualidade de sócio, da invalidade das deliberações e invocou que a execução das mesmas causa prejuízos ao próprio, que perde a sua remuneração e vê reduzida a sua participação social e afeta a sociedade na medida em que implicarão para a mesma incorrer em encargos injustificados. Todavia, impõe que ao requerente alegue factos concretos que espelhem que a demora na tomada de uma decisão definitiva quanto à invalidade das deliberações lhe causará dano apreciável, ou sejam, não o prejuízo concreto que da execução própria das deliberações tomadas, mas também o prejuízo decorrente da demora e a dimensão apreciável do mesmo, sendo certo que não basta a invocação de meros factos que consubstanciam a simples consequência da deliberação, nem simples conjunturas hipotéticas. Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no art.º 590.º, n.º 2, al. b), e n.º 4, do C.P.C., convida-se o requerente a complementar a matéria alega mediante a alegação dos factos que corporizam o requisito do dano apreciável, devendo, para tanto, juntar ao processo novo requerimento inicial aperfeiçoado em conformidade, no prazo de 10 dias, sob pena de ver indeferida a sua pretensão. Notifique. E, aceite o convite, e, em face deste, deverá a requerente alegar o que tiverem por conveniente quanto aos novos factos trazidos a juízo (cf. art.º 590.º n.º 5, do C.P.C.). Prazo: 10 dias”. Por requerimento de 18/09/2023 o requerente apresentou nova p.i. aperfeiçoada, tendo a requerida respondido a esse articulado, referindo, além do mais, não se verificar o periculum in mora, nem sequer e tão pouco o fummus bonis iuris. Por despacho de 23/10/2023, julgou-se o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais totalmente improcedente. Inconformado, veio o requerente interpor recurso de apelação e apresentar alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: I. O Recorrente não se conforma - nem se pode conformar - com a sentença proferida. II. Ab initio importa referir que a sentença proferida enferma de uma evidente nulidade, decorrente de, na parte atinente à fundamentação, apenas constar o exame da verificação dos pressupostos da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, sendo totalmente omitido o cumprimento do dever de enunciação específica dos factos provados e não provados. III. A falta de alusão aos factos provados ou não provados, afecta a compreensibilidade do acervo fáctico que se tem por relevante para sustentar a decisão da causa, comprometendo por essa razão o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contendendo com o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva. IV. Aos procedimentos cautelares são aplicáveis as regras da elaboração da sentença previstas no artigo 607.º, todos do CPC, por força do disposto nos artigos 365.º n.º 3 e 295.º. V. De acordo com o artigo 607.º, n.º 3, do CPC deve “o juiz discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 dispõe-se que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”, sendo que ambos os preceitos são aplicáveis aos procedimentos cautelares nos termos do disposto no artigo 365.º n.º 3 e 295.º. VI. Da sentença recorrida resulta que não foi dado cumprimento a qualquer um destas obrigações e como tal verifica-se a omissão do cumprimento deste dever de enunciação específica dos factos provados e não provados, o que consubstancia nulidade, nos termos dos art.ºs 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC, conforme se decidiu em sede do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, datado de 26/02/2019, disponível para consulta em www.dgsi.pt VII. Sem conceder, importa por outro lado assinalar que a douta sentença recorrida deu como verificados dois dos três requisitos previstos no art.º 380.º, nº 1 do CPC, a saber: a) Deu por “assente que o requerente é acionista da sociedade requerida, como sendo titular de ações representativas de, pelo menos 50% do capital social, donde resulta preenchido o primeiro dos pressupostos.”; b) Considerou que os “elementos juntos ao processo indiciam que a assembleia não foi convocada nos termos legais, consubstanciando a irregularidade verificada fundamento de nulidade das deliberações tomadas.” VIII. A propósito deste último requisito, importa destacar que a grave ilegalidade que esteve na génese destas deliberações (e que o Tribunal a quo considerou como verificada) por si só, determina um dano apreciável da execução das mesmas até à decisão definitiva na ação de impugnação das deliberações sociais. IX. Neste sentido, veja-se o Acórdão deste Venerando Tribunal, proferido no processo 13169/18.9T8LSB-A.L1-1, datado de 11/21/2019 e de cuja fundamentação consta que “existe dano apreciável na execução de uma deliberação social que elege os corpos sociais de uma sociedade anónima tomada à revelia da realização da assembleia geral convocada para esse efeito, por alguns sócios, que saíram daquela assembleia geral e, no patamar da sede social, decidiram fazer uma assembleia geral à margem daquela outra, elegendo eles os corpos sociais da sociedade.” (sublinhado nosso). X. Em contraste, a sentença recorrida considerou, contudo, que “a matéria alegada não contém factos que, a provarem-se, indiciem que a demora na apreciação da ação, causará danos apreciáveis ao requerente ou à sociedade, na medida em que a alegação assenta essencialmente em situações hipotéticas e conjeturas.” XI. Sucede que o juízo sobre a existência ou a gravidade do dano envolve obrigatoriamente apreciação da matéria de facto e no caso em concreto da sentença recorrida não foram enunciados, de entre os factos alegados pelo Recorrente, quais os factos provados e não provados susceptíveis de consubstanciar o dano apreciável. XII. No caso concreto dos presentes autos, foi amputada ao Recorrente a oportunidade de produzir prova relativamente aos factos por si alegados, limitando por essa via o seu direito de recorrer, face à inexistência de enunciação e fundamentação quanto aos factos provados e não provados e, subsequentemente, o respetivo acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no artigo 20.º da Constituição da Républica Portugues. XIII. A verdade é que resulta das regras da experiência comum que o Recorrente é manifesta e gravemente prejudicado pelas execução das deliberações tomadas em sede da “assembleia” realizada em 28.04.2023, a qual, conforme supra referido, foi considerada pelo Tribunal a quo como uma assembleia que não foi convocada nos termos legais, consubstanciando essa irregularidade fundamento de nulidade das deliberações tomadas. XIV. A pretensa eleição dos elementos para integrarem o Conselho de Administração (único órgão social para o qual foram realizadas eleições) arredou por completo o Recorrente do exercício do cargo para o qual tinha sido eleito e que ainda cumpria. XV. Em razão dessa decisão, foi igualmente o ora Recorrente impedido de continuar a auferir do vencimento que recebia até essa data, enquanto Presidente do Conselho de Administração. XVI. Essa Remuneração correspondia ao único rendimento que recebia e como tal assegura não apenas o seu sustento, mas igualmente o cumprimento das responsabilidades que mantém quanto ao pagamento das pensões de alimentos das suas duas filhas que ainda estão a estudar. XVII. Por outro lado, foi junta com o requerimento inicial abundante prova documental que demonstra à saciedade que a sociedade Requerida - por decisão dos elementos que constam registados como seus administradores - cessou a partir dessa data de cumprir com as responsabilidades que tinha não apenas para com a Autoridade Tributária, mas também em relação a terceiros. XVIII. Os prejuízos para a sociedade C.,SA e para o Recorrente, enquanto acionista da mesma, vão inequivocamente agravar-se com o protelar no tempo desse incumprimento. XIX. Também a decisão de promover a redução do capital social da sociedade, por via da extinção de parte muito significativa das participações sociais pertencentes ao ora Recorrente, além de inequivocamente violar o disposto no art.º 94.º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (uma vez que a justificação para a redução realizada não encontra qualquer previsão legal), implica um evidente prejuízo para este. XX. Não apenas em termos imediatos do ponto de vista do seu património, mas sobretudo para a existência da sociedade. XXI. A total execução da deliberação de redução do capital social irá privar o accionista, ora Recorrente, de exercer os seus direitos sociais como titular da maioria do capital, com os inerentes prejuízos dificilmente reparáveis sem a suspensão. XXII. Enquanto accionista maioritário, o Recorrente teria o direito de aprovar ou vetar todas as deliberações, de determinar o rumo da sociedade e de, assim, procurar obter o retorno do investimento avultado que fez no capital social da Requerida XXIII. Em razão da decisão tomada, a Recorrente e a outra accionista da Recorrida, MC, passam a deter a mesma participação, de 50% cada um, no capital social, o que, face ao litígio e divergências existentes entre ambos, resultará, certamente, num impasse em termos de deliberações sociais e determinará o risco de não aprovação das contas da sociedade e demais deliberações relevantes para a vida da sociedade. XXIV. Desde logo impossibilita a aprovação das contas dos exercícios de 2022 e 2023, situação que, por sua vez, impossibilitará o recurso a financiamentos bancários e a sujeição a coimas e penalizações administrativas. XXV. Por último, importa igualmente destacar a decisão tomada de promover o pagamento à acionista MC de dividendos que a própria considerou estarem em dívida a si mesma, quando na realidade o que acontece é precisamente o inverso: a acionista em causa é devedora à sociedade de valores expressivos e avultados. XXVI. São todas estas situações que permitem concluir pela inequívoca verificação do dano apreciável e do periculum in mora. XXVII. Todos estes danos são danos apreciáveis, visíveis, de aparente dignidade, uns que já se verificaram e outros em que há um sério risco de se verificarem, não se exigindo que estejam evidenciados danos irreparáveis e de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum, pelo que, a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de tais danos. Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exa. certamente suprirão, deverá o presente recurso de apelação com efeito devolutivo ser julgado procedente, por provado, e ser declarada a nulidade da sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência, decretando-se a suspensão das deliberações sociais da Requerida, tomadas na assembleia de 28/04/2023, com as demais consequências legais, Assim se fazendo JUSTIÇA! A Requerida apresentou contra-alegações, nas quais propugna pela manutenção do julgado. Colhidos os vistos, cumpre decidir. *** II. As questões de que cumpre conhecer consistem em saber: - se a decisão recorrida enferma de nulidade; - se se verifica o requisito do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais: “dano apreciável”; - se ao proferir-se a referida decisão sem a prévia produção dos meios de prova indicados pelo requerente foi violado o direito de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º da CRP). *** III. Da questão de mérito: Da arguida nulidade da sentença Diz o apelante que a sentença é nula por omissão do cumprimento do dever de enunciação específica dos factos provados e não provados (conclusão II), nos termos dos art.ºs 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC, conforme se decidiu em sede do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 1316/14.4TBVNG-A.P1.S2, datado de 26/02/2019, disponível para consulta em www.dgsi.pt (conclusão VI). Acrescenta que tal afecta a compreensibilidade do acervo fáctico que se tem por relevante para sustentar a decisão da causa, comprometendo por essa razão o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contendendo com o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva (conclusão III). No caso, no final dos articulados, o tribunal a quo entendeu não ser necessária a realização da audiência final, com a produção de prova, e decidiu de imediato do mérito do procedimento cautelar. Trata-se de uma situação semelhante à que ocorre no processo declarativo, em que o despacho saneador pode ser transformado em sentença, nos termos do art.º 595º, n.º 3, in fine, do CPC. Significa isto que a decisão final assim proferida no procedimento cautelar tem de conter, tal como a sentença no processo declarativo, a discriminação dos factos que se consideram provados, a existirem (vide art.º 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC). Porém, na decisão recorrida, o tribunal a quo, após a prolação de despacho tabelar sobre a verificação dos pressupostos processuais, conheceu imediatamente do mérito da providência cautelar requerida, sem elencar, discriminadamente, dos factos que nessa fase processual se encontravam provados por confissão e/ou documento. Assim, nessa decisão exarou-se, além do mais, o seguinte: “II. SANEAMENTO O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território. O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem de todo. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não existem outras nulidades, exceções dilatórias, questões prévias ou incidentais de que cumpra apreciar e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. ** A questão que se coloca é aferir se as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da requerida de 28.04.2023 devem ser suspensas. * III. FUNDAMENTAÇÃO (…) São, portanto, requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais: a) que o requerente justifique a sua qualidade de sócio; b) que tenham sido tomadas pela sociedade deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato; c) que a execução das deliberações cause dano apreciável. Vejamos se no caso concreto os requisitos estão preenchidos, tendo presente que subjacente à análise de cada um dos requisitos acima enunciados deve ter-se por assente que, para a concessão da tutela cautelar, a lei não exige um juízo de certeza, bastando-se com um juízo de verosimilhança quanto à qualidade de sócio e à invalidade da deliberação e probabilidade séria quanto ao dano e à sua dimensão. A) Da qualidade de sócio Dos factos alegados termos por assente que o requerente é acionista da sociedade requerida, com sendo titular de ações representativas de, pelo menos 50 % do capital social, donde resulta preenchido o primeiro dos pressupostos. ** B) Da invalidade das deliberações O requerente sustenta a invalidade da deliberação com fundamento na circunstância de a mesma não ter sido regularmente convocada. Sem prejuízo de normas especiais, as nulidades das deliberações sociais encontram-se previstas no artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais e as anulabilidades no artigo 58.0 do mesmo diploma. Estabelece o n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais que “são nulas as deliberações dos sócios: a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados; b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto; c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios; d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios”. No caso vertente quanto à questão da falta de convocatória para a assembleia, de acordo com a alegação da requerida os factos apontam no sentido de a assembleia ter sido convocada pela acionista sem poderes para o efeito. Na verdade, quando é formulado um pedido de convocação de assembleia por um acionista com direito a tal e o pedido não é atendido pelos órgãos competentes, assiste ao acionista a possibilidade de solicitar a convocação judicial da assembleia, o que aliás é mencionado pela acionista MC na carta remetida à presidente da mesa da assembleia - cf. artigo 14.º da oposição. Ora, a convocação judicial, como o nome indica é feita através do Tribunal, nos termos dos art.º 1057.º do C.P.C., não assistindo o direito ao acionista de convocar por si a assembleia. Neste conspecto, os elementos juntos ao processo indiciam que a assembleia não foi convocada nos termos legais, consubstanciando a irregularidade verificada fundamento de nulidade das deliberações tomadas. ** C) Do dano apreciável A jurisprudência tem entendido que o dano a evitar com a providência é o decorrente da demora do processo de anulação da deliberação e não o resultante diretamente desta, o que exige a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade, em termos de acarretar a certeza ou, pelo menos, a probabilidade muito forte e séria de que a execução da deliberação possa causar prejuízo apreciável. Por outro lado, conforme refere Abrantes Geraldes “a suspensão de deliberações não está delimitada pela patrimonialidade da situação de perigo” e pode ocorrer para “evitar danos de diversa natureza que possam ser provocados na esfera jurídica do requerente ou da sociedade” e que “na falta de distinção legal, é indiferente para o decretamento da suspensão se o perigo de dano afecta apenas o sócio requerente ou se influi em primeira linha na sociedade derivando depois para a esfera jurídica do sócio” (in Temas da Reforma do Processo Civil, volume IV, p. 87 e seguintes). Entende o requerente que a execução das deliberações tomadas pela assembleia de 28.04.2023 lhe podem causar prejuízo apreciável se não forem de imediato suspensas. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, julga-se que a matéria alegada, ainda que a provar-se, não permite sustentar, mesmo que indiciariamente, tal juízo”. Desta transcrição decorre que na decisão recorrida se consideraram provados os seguintes factos: - O “requerente é acionista da sociedade requerida, sendo titular de ações representativas de, pelo menos 50 % do capital social”. - A assembleia de 28/04/2023 o foi “convocada pela acionista (reporta-se à MC) sem poderes para o efeito”. Embora não o tenha referenciado de forma explícita, o tribunal considerou esse factos assentes por confissão e documento. Assim, pese embora o tribunal a quo não tenha elencado separadamente estes factos que considerou provados, como a melhor técnica processual e a lei impõem (art.º 607º, n.º 3, do CPC), o certo é que resulta com inteira clareza da decisão ser essa a base factual em que assentou aquela decisão, na parte em que na mesma se consideraram verificados os dois primeiros requisitos do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais: legitimidade do requerente para instaurar o presente procedimento e nulidade das deliberações sociais, nos termos do art.º 56º, n.º 1, do CSC. Não se verifica, pois, uma situação similar à apreciada no Acórdão do STJ de 26/02/2019 (Fonseca Ramos-relator) invocado pelo apelante, posto que neste a questão analisada reconduziu-se a uma situação em que a sentença foi proferida após a produção de prova, na qual se consideraram não provados “todos os demais alegados que contrariem ou excedem” os indicados como provados, entendendo-se nesse aresto que tal formulação “é complexa, obscura, não permitindo a imediata exigível compreensão e apreensão dos factos que a sentença considerou não provados”, o que “consubstancia nulidade nos termos dos art.ºs 607º, nº 4, e 615º, nº 1, als. c) e d) do Código de Processo Civil”. E ainda que, eventualmente, o tribunal a quo tivesse omitido como provados outros factos assentes por confissão e/ou documento, tal apenas poderia constituir um erro de julgamento, por insuficiência da factualidade apurada para justificar a decisão, e não um vício formal desta. Acresce que a falta de discriminação separada dos factos provados, bem como a falta de referência aos factos não provados, não acarretou qualquer prejuízo para o ora apelante, posto que o tribunal a quo, com base nos factos que considerou assentes, entendeu verificados os dois primeiros requisitos do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais instaurado pelo requerente, tal qual propugnado por este. Deste modo, ainda que se entendesse enfermar a decisão recorrida do vício apontado pelo apelante e que o mesmo consubstanciava uma nulidade da decisão, o apelante não teria legitimidade para arguir a mesma, visto que daí não decorreu a afectação dos seus direitos processuais, nem a afectção da clareza/inteligibilidade da decisão proferida, não tendo, pois, sido prejudicado pela mesma (no sentido de que só a parte prejudicada pode arguir a nulidade da sentença, vide o Ac STA de 2/10/1997, proc. n.º 039277, Vítor Gomes (relator), acessível em www.dgsi.pt). É certo que o tribunal a quo não julgou verificado o requisito do “dano apreciável”, mas neste caso por entender não terem sido alegados factos suficientes integradores desse requisito. Assim, exarou-se na decisão recorrida “que a matéria alegada, ainda que a provar-se, não permite sustentar, mesmo que indiciariamente, tal juízo”. Significa isto que nessa decisão se consideraram controvertidos os factos alegados atinentes ao requisito “dano apreciável”. Daí a não enunciação dos factos provados e não provados, posto que, na oposição e na resposta ao aperfeiçoamento da p.i., a requerida impugnou, no essencial, essa factualidade. Desatende-se, por isso, a arguida nulidade da decisão recorrida. * Da verificação ou não do requisito “dano apreciável”: Como se assinalou na decisão recorrida, de harmonia com o disposto no art.º 380.º, n.º 1, do CPC, a suspensão da execução de deliberações sociais depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; ser a deliberação (ou deliberações) contrária à lei ou ao pacto social e resultar da sua execução dano apreciável. A qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao dano apreciável, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. A decisão sob recurso teve por verificados os dois primeiros requsitos e por inverificado o requisito adicional consistente na existência de dano apreciável para o requerente ou para a sociedade requerida da execução imediata das deliberações sociais em questão. O art.º 380º, n.º 1, do CPC visa a obstar aos efeitos danosos da execução de uma deliberação, pelo que o que interessa não é, para os fins da providência, apenas o momento da execução da deliberação, mas a eventualidade dos danos que dessa execução advenham e esses podem produzir-se e continuar a produzir-se enquanto a deliberação se mantenha eficaz porque não suspensa. Impende sobre o requerente do procedimento cautelar o ónus da alegação e prova dos factos concretos tendentes a demonstrar, ainda que em termos de prova sumária, o periculum in mora, a existência do perigo dos prejuízos e da sua gravidade.» - Ac. TRC de 26/03/2019, Proc. 1762/18.4T8LRA-A.C1 (Rel. Vítor Amaral), em www.dgsi.pt Neste sentido também se pronuncia Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, volume IV, 3ª edição, Almedina, pag. 96), ao afirmar que o «requisito que se reporta ao “dano apreciável” configura um conceito indeterminado, decorrendo de factos dos quais possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante, muito longe, por um lado, dos danos irrisórios ou insignificantes, mas sem atingir, por outro lado, o ponto da irrecuperabilidade ou da grave danosidade. Tal conceito abarca os danos patrimoniais e/ou não patrimoniais que se repercutam na sociedade ou no sócio (A. Geraldes, ob. cit. pags. 97/98). E, do mesmo modo, para Lebre de Freitas e Isabel Alexandre CPC Anotado Volume 2º, 3ª edição, pags. 110/111), os factos que integram a possibilidade da produção de dano apreciável constituem a causa de pedir do pedido cautelar de suspensão, devendo a respetiva prova ser oferecida com a petição inicial e exigindo-se relativamente a tal dano apreciável «uma prova mais consistente, traduzida na possibilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar». A lei exige que o dano seja apreciável, sem, todavia, exigir que ele seja irreparável ou de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum. «Dano apreciável é o dano visível, de aparente dignidade, estimável; dano irreparável é o dano incompensável» – cfr. Acórdão RL de 17 de Julho de 2008, Processo n.º 2321/2008-1, Rui Vouga (relator), acessível em www.dgsi.pt. A lei não explícita se será um dano apreciável aos sócios ou à sociedade, contudo a jurisprudência tem considerado que poderá ser a ambos, sendo apreciável o dano moral, podendo suspender a deliberação social por via desta afetação – vide acórdãos da RL de 17 de Novembro de 2009, Proc. n.º 3427/08.6TBTVD-A.L1-1), Rosário Gonçalves (relatora) e de 08/03/2022, Proc. n.º 8187/21.2T8LSB-A.L1-1, Nuno Teixeira (relator); e da R Évora de 28/09/2023, Proc. n.º 3352/22.T8PTM.E1, Tomé de Carvalho (relator), todos acessíveis em www.dgsi.pt. Na densificação deste conceito, o Supremo Tribunal de Justiça avança que o dano apreciável não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois que não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos da concessão da providência cautelar, à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença a proferir naquela acção – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 1995, disponível STJ, de 20/05/1997, in BMJ, 467.º-529. E, como se assinala no acórdão RL de 17 de Julho de 2008 supra referenciado: “(…) o dano que há que ter em conta para fundamentar a suspensão é o que deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação, por isso que a específica finalidade do procedimento de suspensão de deliberações sociais é garantir a eficácia prática de uma eventual sentença de anulatória, face à possibilidade de a duração do respectivo processo frustrar os resultados que, através dele, o autor visa atingir. Mas a suspensão de deliberações sociais não se destina a prevenir todo e qualquer dano, com entidade apreciável, que a demora da acção de anulação é susceptível de ocasionar ao demandante. Entre todos os prejuízos possibilitados pela demora da decisão anulatória apenas foram tomados em conta pelo legislador, ao configurar esta medida cautelar, aqueles que resultem de, durante o respectivo processo, ocorrer a prática de actos de execução da deliberação anulável, entendendo-se por actos de execução, para este efeito, não aqueles actos a que podemos chamar complementares da deliberação, eventualmente necessários para que se produza o particular efeito jurídico a que ela visa ou tende, mas os actos a cuja prática os administradores ou gerentes ficam vinculados, uma vez produzido (imediata ou mediatamente) o especial efeito jurídico a que a deliberação tende “. Ou seja, a suspensão de deliberações sociais é um meio de acautelar a utilidade prática da sentença de anulação contra o risco derivado da duração do respectivo processo. Posto isto, a questão reconduz-se em saber se, em face do alegado no requerimento inicial e no articulado de aperfeiçoamento, se justificava a improcedência da requerida providência, por a matéria alegada não conter factos que, a provarem-se, indiciem que a demora na apreciação da ação, causará danos apreciáveis ao requerente ou à sociedade, como se entendeu na decisão recorrida, ou se, ao invés, foram alegados factos bastantes do “dano apreciável”, como propugna o apelante. Analisemos, pois essa questão em face de cada uma das deliberações aprovadas na assembleia geral da requerida. Quanto à deliberação de alteração da sede social: Na assembleia geral da requerida de 28/04/2023 foi aprovada a seguinte deliberação: Deslocação da sede social da atual morada sita na Rua …. para …., concelho de Lisboa, com a consequente alteração do art.º 2.º dos Estatutos. Na decisão recorrida exarou-se o seguinte: “Alega o requerente que esta alteração acarreta encargos injustificados, porquanto a sociedade já havia celebrado um contrato de arrendamento com vista à deslocação da sede para outro local. Ora, não se vislumbra que o tempo necessário à prolação da decisão definitiva a tomar quanto à ilegalidade da deliberação em sede de ação principal possa acarretar um aumento dos custos da sociedade que constitua um dano apreciável, desde logo porquanto nenhuns factos concretos foram alegados – não obstante o convite - , que, a provarem-se, revelem esse dano e a sua dimensão. Isto é, nada foi especificamente alegado quanto a custo que a sociedade poderá incorrer na eventualidade de incumprir o contrato”. Nas conclusões recursivas, no que toca a este ponto, o requerente, ora apelante, limitou-se a alegar que a grave ilegalidade que esteve na génese das deliberações (e que o Tribunal a quo considerou como verificada) por si só, determina um dano apreciável da execução das mesmas até à decisão definitiva na ação de impugnação das deliberações sociais (conclusão VIII). Não assiste razão ao apelante. Este na p.i. limitou-se a alegar o seguinte: “20.º Com relação à alteração da sede para um estabelecimento sito ….., importa referir que a sociedade já tinha celebrado um contrato de arrendamento para a instalação de um novo espaço que servirá como sede.- Cfr. doc. nº 4 que ora se junta 21.º Estando previsto que na assembleia de aprovação de contas a realizar no próximo mês de Junho, fosse deliberada essa alteração. 22.º Por via da decisão ora tomada, de forma completamente ilegítima, a sociedade acabou por assumir um novo encargo totalmente injustificado. 23.º Em todo o caso, há ainda a referir que a alteração de sede votada pela acionista MC tendo sido apresentada a registo, na presente data ainda se encontra pendente de elaboração, pelo que ainda não foi alterada para efeitos do competente registo comercial. - Cf. Doc. nº 2”. Assim, os únicos danos alegados prendem-se com a circunstância da sociedade já ter anteriormente celebrado um contrato de arrendamento com vista à deslocação da sede para outro local e, por via daquela deliberação impugnada, ter assumido um novo encargo. Não foi, porém, alegado o dispêncido de uma renda de valor superior, comparativamente com a convencionada no contrato de arrendamento anterior, nem que a cessação deste último contrato implique o pagamento de uma qualquer quantia. Deste modo, não obstante ter sido convidado a fazê-lo, não foram alegados pelo requerente factos de que decorra a existência de concretos danos apreciáveis imputáveis à demora da acção de anulação. E assim sendo, ainda que fosse possibilitada ao requerente a produção de prova sobre os alegados danos decorrentes da deliberação em causa, sempre a pretensão do requerente estava votada ao insucesso, pelo que, ao contrário do sustentado por este, não foi negado ao mesmo o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Improcede, pois, neste ponto, a apelação. Quanto à deliberação referente à eleição dos novos membros do Conselho de Administração: Na assembleia foi deliberado o seguinte: Eleição dos membros do Conselho de Administração da sociedade para o triénio 2023-2025, a saber MC para o cargo de Presidente, CT e MB para vogais. Exarou-se na sentença: “O requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância de o seu afastamento do cargo determinar a sua perda de rendimento e a sua incapacidade para liquidar as suas dívidas. Por outro lado, que o acesso dos novos membros às contas bancárias da sociedade poderá fazer esta incorrer em diversos prejuízos, desde logo por falta de cumprimento dos compromissos assumidos pela sociedade juntos da autoridade tributária, considerando a sua conduta refletida na realização da assembleia não convocada. Quanto a este ponto, cumpre referir, antes de mais, que o requerente nada alega quanto às condições do cargo que desempenhava, concretamente se o cargo era remunerado e qual a remuneração a que tinha direito. Nem tão pouco alega factos sobre as despesas e encargos que tem de suportar ou que não tem condições de desenvolver a sua atividade noutra empresa ou por conta de outrem. Ademais, o cargo que desempenhava, pese embora reelegível, tinha uma duração de 3 anos, o que se alcança da certidão permanente da requerida junta ao processo, e, por conseguinte, o seu mandato já havia terminado, embora ainda se mantivesse em funções. Quanto às expectativas de reeleição e de manutenção em funções para um novo mandato nada foi alegado. Por outro lado, não se vislumbra, nem o requerente concretiza, porque razão a manutenção da nomeação de MC para o cargo de presidente do conselho de administração, nem a de CT e MB para os cargos de vogal, até à decisão final a ser tomada, possam prejudicar a requerida e o requerente. Com efeito, não se julga que a conduta da presidente do conselho de administração nomeada, ao ter prosseguido com a assembleia de 28.04.2023 e ter tomado as deliberações em causa nos autos, revelem, por si, qualquer intenção daquela de deliberadamente incumprir obrigações assumidas pela requerida e subsidiariamente pelo requerente, ou de causar a estes qualquer dano grave. Nem a falta de regularização pontual da dívida fiscal ou do condomínio, alegados em sede de resposta ao convite de aperfeiçoamento, permitem formular um juízo, ainda que indiciário minimamente, consistente quanto à potencial ocorrência de um dano apreciável. Contrapõe o apelante que: - Tal como se entendeu no Acórdão deste Tribunal, proferido no processo 13169/18.9T8LSB-A.L1-1, datado de 11/21/2019, existe dano apreciável na execução de uma deliberação social que elege os corpos sociais de uma sociedade anónima tomada à revelia da realização da assembleia geral convocada para esse efeito (conclusão IX); - A pretensa eleição dos elementos para integrarem o Conselho de Administração (único órgão social para o qual foram realizadas eleições) arredou por completo o recorrente do exercício do cargo para o qual tinha sido eleito e que ainda cumpria (conclusão XIV), impedindo-o de continuar a auferir do vencimento que recebia até essa data, enquanto Presidente do Conselho de Administração (conclusão XV); - Essa remuneração correspondia ao único rendimento que recebia e como tal assegurava não apenas o seu sustento, mas igualmente o cumprimento das responsabilidades que mantém quanto ao pagamento das pensões de alimentos das suas duas filhas que ainda estão a estudar (conclusão XVI); - Por decisão dos elementos que constam registados como seus administradores - cessou a partir dessa data de cumprir com as responsabilidades que tinha não apenas para com a Autoridade Tributária, mas também em relação a terceiros (conclusão XVII). Vejamos. Ao contrário do exarado na decisão recorrida, na p.i. o requerente alegou que auferia um vencimento pelo exercício das funções de administrador da requerida (art.ºs 28º e 29º da p.i). E, pese embora não tenha quantificado o valor desse vencimento, alegou ser esse o único rendimento de que dispunha mensalmente, e que sem o mesmo fica impossibilitado de assumir o pagamento dos seus encargos mensais, designadamente de alimentação e relacionados com as demais despesas domésticas, e das pensões de alimentos que mensalmente paga às suas duas filhas que ainda estão a estudar (art.ºs 28º, 30º, 31º e 32º da p.i.). É certo que o mandato tinha a duração de três anos, respeitando ao triénio de 2020/2022 (vide certidão permanente - AP. 3/20200814). Porém, até à nova designação, os administradores mantêm-se em funções - art.º 391º, n.º 5, do CSC. E sendo o requerente accionista, titular de 50% do capital social (decorre da AP. 72/20230210 ter a acionista MC impugnado judicialmente a deliberação de aumento do capital social em mais €100.000,00, passando a ser do valor de €150.000,00), o mesmo tinha, naturalmente, a expectativa de reeleição. Por outro lado, no requerimento em que aperfeiçoou a p.i., o requerente alegou ainda que: “81.º O Requerente tem conhecimento de que a sociedade Requerida, por decisão dos elementos que constam registados como seus administradores, cessou de efectuar o pagamento mensal do plano acordado com a Autoridade Tributária e Aduaneira. – cfr. Doc. n.º 11 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais. 82.º O que já teve como consequência a instauração de um processo de execução. – cfr. Doc. n.º 12 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais. Por outro lado, 83.º A sociedade Requerida não efectuou igualmente o pagamento do IMI no mês de Agosto de 2023. – cfr. Doc. n.º 13 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais. E 84.º Também não foi efectuado o pagamento das quotas do condomínio referentes ao 2.º e 3.º trimestre de 2023.. – cfr. Doc. n.º 14 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais. 85.ºNão obstante a sociedade Requerida receber uma renda mensal de cerca de €17.000,00, pelo arrendamento da loja de que é proprietária. 86.ºE de a sociedade Requerida não ter outros encargos significativos, 87.ºA verdade é que a accionista MC e os demais membros do Conselho de Administração da sociedade Requerida não cumprem com as obrigações da sociedade Requerida perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e, ao invés, pretendem proceder ao pagamento de supostos dividendos à accionista MC. 88.ºOs sucessivos e reiterados incumprimentos das obrigações da sociedade para com a Autoridade Tributária e terceiros são exemplos acabados das prejudiciais consequências que continuaram a ocorrer caso as deliberações tomadas não sejam suspensas.” Assim, a provarem-se os factos alegados, o retardamento da sentença a proferir na acção de anulação causará danos à sociedade requerida e ao requerente, tanto mais que a sociedade está a ser gerida por corpos sociais eleitos à revelia de regras básicas sobre convocação de assembleias gerais, previstas no artigo 377.º do CSC, num ambiente de manifesta hostilidade entre acionistas (vide sobre esta problemática o Ac. desta Relação e Secção de 26/11/2019, citado pelo apelante, proferido no proc. n.º 13169/18.9T8LSB-L1, Maria Adelaide Domingos - relatora, acessível em www.dgsi.pt). Mantendo-se a perda do vencimento durante o lapso de tempo que levará a ser tomada uma decisão definitiva ou até ser eleita nova administração, evidencia-se um prejuízo irreparável, de importância relevante. Assim, os factos alegados preenchem o conceito de “dano apreciável”. Impõe-se, por isso, nesta parte, revogar a decisão recorrida e ordenar o prosseguimento dos autos com vista à produção da prova. Da deliberação de redução do capital social: Na assembleia geral foi também aprovada a seguinte deliberação: Redução do capital social de €150.000,00, para €50.0000, através da extinção das participações sociais resultantes do aumento de capital social em €100.0000,00 deliberado em 05.09.022 subscrito e inteiramente detido pelo Acionista LM, alterando-se em conformidade o art.º 5.º dos estatutos passando este a ter a seguinte nova redação: «O capital social, inteiramente subscrito e realizado, é de cinquenta mil euros e corresponde a dez mil ações nominativas de cinco euros cada uma». Na decisão recorrida exarou-se que: “O requerente fundamenta a sua pretensão na circunstância de ter visto diminuída a sua participação social e alega que o facto de ambos os acionistas ficarem com participações representativas de 50% do capital paraleliza a gestão da requerida atento o conflito existente entre os acionistas. Ora, a redução do capital, pese embora diminua a participação do requerente no capital da sociedade não o exclui do exercício dos respetivos direitos, sendo certo que de acordo com o alegado o requerente após a alteração permanece com 50% dos títulos representativos do capital. Pelo que, qual o concreto dano que tenha que ser acautelado de imediato até à prolação da decisão definitiva. No que concerne às alegadas dificuldades que existirão na gestão da atividade da sociedade em virtude de passarem cada um dos acionistas a deter 50% do capital, tal circunstância constitui uma hipótese. Todavia, a gestão da requerida compete essencialmente à administração e não aos acionistas e nessa medida, nada de concreto tendo sido alegado quanto a decisões iminentes a submeter à deliberação da assembleia, não se vislumbra que dano possa advir no imediato da manutenção da distribuição do capital social nos termos deliberados na assembleia até à prolação da decisão definitiva”. Dissentindo, diz o apelante que: - Também a decisão de promover a redução do capital social da sociedade, por via da extinção de parte muito significativa das participações sociais pertencentes ao ora Recorrente, além de inequivocamente violar o disposto no art.º 94.º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (uma vez que a justificação para a redução realizada não encontra qualquer previsão legal), implica um evidente prejuízo para este (conclusão XIX), não apenas em termos imediatos do ponto de vista do seu património, mas sobretudo para a existência da sociedade (conclusão XX); - A total execução da deliberação de redução do capital social irá privar o accionista, ora Recorrente, de exercer os seus direitos sociais como titular da maioria do capital, posto que nessa qualidade tinha o direito de aprovar ou vetar todas as deliberações, de determinar o rumo da sociedade e de, assim, procurar obter o retorno do investimento avultado que fez no capital social da Requerida (conclusões XXI e XXII); - Em razão da decisão tomada, a Recorrente e a outra accionista da Recorrida, MC, passam a deter a mesma participação, de 50% cada um, no capital social, o que, face ao litígio e divergências existentes entre ambos, resultará, certamente, num impasse em termos de deliberações sociais e determinará o risco de não aprovação das contas da sociedade e demais deliberações relevantes para a vida da sociedade (conclusão XXIII), o que impossibilita a aprovação das contas dos exercícios de 2022 e 2023, situação que, por sua vez, impossibilitará o recurso a financiamentos bancários e a sujeição a coimas e penalizações administrativas (conclusão XXIV). Vejamos. Por se tratar de uma matéria delicada que contende com os interesses importantes de terceiros, mas também dos próprios sócios, a lei, para além do regime geral aplicável à convocatória da assembleia destinada a alterar o contrato, impõe ainda – a fim de dar a devida publicidade à operação a realizar – a observância de determinados requisitos especiais relativamente à convocatória da assembleia destinada à redução do capital social, a saber: - indicação da forma como vai ser realizada (art.º 94º, al. b); - indicação da finalidade e/ou modalidade da redução (art.º 94º, n.º 1, al. a); - indicação de quais as participações sobre que incidirá a operação (art.º 94º, n.º 2). No caso, a redução incidiu especificamente sobre a participação do ora apelante, através da extinção das participações sociais resultantes do aumento de capital social de €100.000,00, subscrito unicamente por aquele, com a inerente redução, na mesma medida, do capital social (este passou para €50.000,00, correspondente a 10 mil acções, no valor de €5,00 cada uma). Trata-se de uma verdadeira anulação das accções que determinaram o anterior aumento do capital social em mais €100.000,00, deliberado a 5/09/2022, deliberação essa que não pode ser executada, porquanto, como decorre da AP. 72/20230210, a accionista MC instaurou procedimento cautelar de suspensão da dita deliberação – art.º 381º, n.º 3, do CPC. Assim, a deliberação de redução do capital social apenas produzirá efeitos se a anterior deliberação de aumento do capital social os produzir, ou seja, se for eficaz. Será neste pressuposto que se apreciará a questão suscitada no recurso de saber se do retardamento da sentença a proferir na acção de anulação da deliberação de redução do capital social poderão advir prejuízos significativos para a sociedade e/ou para o accionista requerente. O “dano apreciável” a prevenir é um dano futuro. Nesta sede, temos que em resultado da redução do capital social, por extinção de parte da participação do acionista ora apelante, ocorre um reajustamento da participação deste, passando/ou continuando o mesmo a ser titular de uma participação correspondente a 50% do capital social (de acordo com o anterior aumento do capital social, a participação será de cerca de 83,33%%) e a accionista MC a ser titular de uma participação correspondente aos demais 50% (a ser eficaz aquele aumento de capital, a participação desta será de cerca de 16,67%). Consequentemente, com a extinção daquela participação social do requerente, a percentagem deste no capital social para efeitos de direito de voto passou a ser idêntica à da outra accionista, deixando o ora apelante de dispor da maioria qualificada de 5/6. E encontrando-se, alegadamente, os dois accionistas discordantes quanto à administração e actuação futura da sociedade, faltando ainda a aprovação das contas referentes ao exercício de 2022 e eleição do Revisor Oficial de Contas (e respetivo suplente), com toda a probabilidade a sociedade ficará num impasse, sem que seja possível aprovar qualquer deliberação, o que determinará a paralisação de pelo menos parte da actividade da sociedade requerida (esta tem por objecto, além do mais, a compra de prédios para revenda). Foi ainda alegado que a falta de aprovação das contas, impossibilitará o recurso a financiamentos bancários, para além da eventual sujeição a coimas e penalizações administrativas (vide art.ºs 68º a 74º da p.i. após aperfeiçoamento). Da globalidade destes factos alegados extrai-se que é muito séria e forte a probabilidade de da demora da acção de anulação da deliberação de redução da participação do requerente no capital social da requerida advir para esta um dano significativo e, indirectamente, para os seus accionistas. Assiste, pois, também quanto a esta deliberação razão ao apelante, impondo-se o prosseguimento dos autos com a produção dos meios de prova sobre a factualidade controvertida. Quanto às deliberações referentes à realização de uma auditoria e da autorização para instauração de uma acção de responsabilização dos administradores cessantes: Na assembleia geral de 28/04/2023 foram também aprovadas as seguintes deliberações: Realização de uma auditoria às contas da sociedade com vista a apurar as responsabilidades da anterior Administração relativamente à qual existem fortes indícios de gestão danosa em virtude do refletido no Relatório de Inspeção da Autoridade Tributária e Aduaneira aos exercícios de 2019 a 2021 resultante das ações inspetivas de 8 e 9 de setembro de 2022; Deliberar sobre a interposição de ação de responsabilidade civil, nos termos do art.º 77.º do Código das Sociedades Comerciais, articulado com o disposto no art.º 79.º do mesmo diploma legal. Na decisão recorrida exarou-se: Na assembleia foi deliberado realizar uma auditoria às contas da sociedade com vista a apurar as responsabilidades da anterior administração em virtude do refletido no relatório de inspeção da Autoridade Tributária e Aduaneira aos exercícios de 2019 a 2021. E interpor ação de responsabilidade civil com fundamento nos factos resultantes do relatório de inspeção e outros. Alega o requerente que tais deliberações carecem de total fundamento e farão a requerida e o requerente incorrer em custos injustificados, ao mesmo tempo que tal auditoria e procedimento judicial colocarão em causa a reputação e bom nome do requerente. A alegação do requerente é totalmente conclusiva neste ponto, porquanto não alegou quaisquer factos que, a provarem-se evidenciassem que a pretensão da presidente do conselho de administração é totalmente infundada e injustificada. Na apelação o recorrente sustenta resultar das regras da experiência comum que o recorrente é gravemente prejudicado pelas execução das deliberações tomadas em sede da “assembleia” realizada em 28.04.2023, a qual, conforme supra referido, foi considerada pelo Tribunal a quo como uma assembleia que não foi convocada nos termos legais, consubstanciando essa irregularidade fundamento de nulidade das deliberações tomadas. Vejamos. O apelante invocou na p.i. os seguintes danos decorrentes da execução das aludidas deliberações: - danos patrimonais para si decorrentes dos custos muito elevados com as taxas de justiça e honorários de advogados, totalmente desprovidos de fundamento; - danos não patrimoniais para si derivados das suspeitas que forem falsamente lançadas sobre si, com respeito ao período em que assumiu a gestão da sociedade, as quais se tornarão públicas com a instauração da acção de responsabilidade civil, prejudicando a sua reputação e bom nome. - danos patrimoniais para a sociedade, com os custos muito elevados, quer com a contratação de auditores e consultores para efeitos de realização de qualquer auditoria, quer com honorários de advogados, taxas de justiça e demais encargos judiciais decorrentes da instauração de acções judiciais. Assim, será apenas a instauração da acção de responsabilidade civil e, essencialmente, o fundamento que na mesma irá ser invocado que poderá afectar a reputação e bom nome do requerente, posto que a deliberação não elenca quaisquer factos ilícitos praticados por este. E no que toca aos danos patrimoniais invocados, tratam-se de custos associados à instauração dessa acção. Inexiste, pois, neste caso um nexo de causalidade entre as deliberações e os danos invocados que permitam o recurso ao presente procedimento cautelar. De resto, os alegados danos advêm de actos complementares das deliberações em apreço, ou seja dos actos necessários para que estas produzam o efeito que visam e não constituem danos imputáveis à demora da acção anulatória. Ora, como acima deixámos expresso, aqueles danos não foram tomados em conta pelo legislador, ao configurar a medida cautelar de suspensão das deliberações sociais. Ademais, a propositura daquela acção de responsabilidade civil não constitui naturalmente um qualquer acto ilícito, mas o mero exercício do direito de acção. Só assim não seria se tal configurasse um exercício doloso/abusivo desse direito, o que nem sequer vem alegado. Conclui-se, pois, no sentido de não terem sido alegados factos suficientes da ocorrência de danos decorrentes da demora do processo de anulação das deliberações sociais em causa. Consequentemente, ainda que fosse possibilitada ao requerente a produção de prova sobre os alegados danos decorrentes das deliberações em causa, sempre a pretensão deduzida pelo mesmo estava votada ao insucesso, pelo que, conclui-se, não foi negado ao requerente o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva, consagrados no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Desatende-se, pois, neste ponto o recurso. Quanto à deliberação relativa ao pagamento de dividendos: Na assembleia geral foi aprovada a seguinte deliberação: Deliberar sobre o pagamento dos dividendos em dívida à acionista MC. Exarou-se na decisão recorrida que: “Por fim, o requerente pretende a suspensão do pagamento de dividendos à acionista MC, alegando que a mesma não tem direito aos mesmos. Ora, mais uma vez também quanto a este ponto, o requerente não alega factos que permitam inferir que, ocorrendo esse pagamento de imediato, tal configurará um dano apreciável à requerida, pois, pese embora a sociedade venha a desembolsar o valor em causa, nada é dito quanto a quaisquer dificuldades financeiras da sociedade ou de eventuais dificuldades na restituição da quantia à sociedade caso venha a ficar decidido que efetivamente o valor não é devido. Em suma, pese embora a matéria alegada possa indicar a prática de factos que indiciariamente sustentam a invalidade das deliberações, a verdade é que a matéria alegada não contém factos que, a provarem-se, indiciem que a demora na apreciação da ação, causará danos apreciáveis ao requerente ou à sociedade, na medida em que a alegação assenta essencialmente em situações hipotecas e conjeturas. Termos que que improcederá necessariamente a providência”. Contrapõe o apelante que: - Carece de sentido a decisão tomada de promover o pagamento à acionista MC de dividendos que a própria considerou estarem em dívida a si mesma, quando na realidade o que acontece é precisamente o inverso: a acionista em causa é devedora à sociedade de valores expressivos e avultados (conclusão XXV); - Ao contrário do que sucede no procedimento cautelar comum, a lei não exige que estejam evidenciados danos irreparáveis e de difícil reparação, sendo que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação dos danos alegados, uns que já se verificaram e outros em que há um sério risco de se verificarem (conclusão XXVII). Vejamos. Na p.i o requerente alegou que: “58.º Sucede, por um lado, que os dividendos em causa foram recebidos antecipadamente pela acionista em questão. 59.º É que ao longo dos anos em que se manteve como administradora, a ora acionista ordenou e executou pagamentos a si própria, por conta dos lucros futuros, uma vez que à data os rendimentos gerados pela atividade da empresa não eram suficientes para cobrir essas retiradas de fundos. 60.º Em consequência - e com reporte à presente data -, a acionista MC é devedora à sociedade da quantia de €138.926,62 - Cfr. doc. nº 5 61.º Ou seja, por via da execução desta deliberação, além, de não regularizar as dívidas que mantém perante a empresa. 62.ºA sociedade fica ainda na iminência de se tornar responsável pelo pagamento de mais valores que deveriam ser exclusivamente pagos pela acionista em causa. 63.º É que a sociedade tem sido notificada para proceder à penhora de valores que devam ser pagos à acionista em questão. 64.º Nesse sentido, foi a sociedade notificada por parte da Autoridade Tributária, Segurança Social e particulares para penhorar créditos, salários e rendimentos que devam ser pagos à acionista MC. - Cfr. docs. nºs 6 a 10. 65.º Caso concretize esse pagamento, além de estar a incorrer na violação dessas ordens de penhora, será a sociedade a assumir o cumprimento dessas obrigações em razão de ter incumprido com as notificações já recebidas”. Assim, foi alegado a ocorrência de prejuízos, de natureza diferente, a saber: 1. Prejuízo para a sociedade traduzido no pagamento duplo dos dividendos (alegou que a accionista MC recebeu antecipadamente a quantia em referência e que, por via da execução da deliberação, iria receber de novo essa quantia, quando a mesma era devedora de quantia superior); ii. Prejuízo para a sociedade decorrente da circunstância desta proceder a tal pagamento, apesar de ter sido notificada da penhora pela AT de créditos (quota parte dos dividendos), que devam ser pagos à accionista MC, até ao valor de €1.659,07 (vide documento junto com a p.i.). Quanto ao prejuízo indicado em 1º lugar, o mesmo derivará da prática de um acto complementar de execução da deliberação (realização do pagamento), visando a produção do efeito que ela tende. Como tal, não constitui um dano imputável à demora da acção anulatória, não tendo a pretensão do requerente acolhimento em sede de procedimento cautelar de suspensão de deliberação social. Como se assinalou no acórdão RL de 17 de Julho de 2008 supra referenciado: “(…) o dano que há que ter em conta para fundamentar a suspensão é o que deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação, por isso que a específica finalidade do procedimento de suspensão de deliberações sociais é garantir a eficácia prática de uma eventual sentença de anulatória, face à possibilidade de a duração do respectivo processo frustrar os resultados que, através dele, o autor visa atingir. Mas a suspensão de deliberações sociais não se destina a prevenir todo e qualquer dano, com entidade apreciável, que a demora da acção de anulação é susceptível de ocasionar ao demandante. Entre todos os prejuízos possibilitados pela demora da decisão anulatória apenas foram tomados em conta pelo legislador, ao configurar esta medida cautelar, aqueles que resultem de, durante o respectivo processo, ocorrer a prática de actos de execução da deliberação anulável, entendendo-se por actos de execução, para este efeito, não aqueles actos a que podemos chamar complementares da deliberação, eventualmente necessários para que se produza o particular efeito jurídico a que ela visa ou tende, mas os actos a cuja prática os administradores ou gerentes ficam vinculados, uma vez produzido (imediata ou mediatamente) o especial efeito jurídico a que a deliberação tende “. Assim, só em sede de procedimento cautelar comum, a verificarem-se os respectivos requisitos, nomeadamente o dano dificilmente reparável – não alegado nos autos -, o direito que o requerente pretende acautelar (obstar a que a requerida proceda ao pagamento dos dividendos) seria susceptível de acolhimento – vide art.º 362º, n.º 1, do CPC). No que toca ao prejuízo indicado em 2º lugar, o mesmo ocorrerá se, não obstante a penhora, a sociedade requerida proceder ao pagamento integral dos dividendos à accionista MC e/ou conscientemente negar a existência do crédito, caso em que incorre na responsabilidade do litigante de má fé (art.º 773º, n.º 5, do CPC), ou ainda se, reconhecendo a existência do crédito, não depositar a quantia acima referenciada, caso em que poderá ser executada (art.º 777º, n.º 3, do CPC). Trata-se da possibilidade de verificação de um dano, no montante de €1.659,07, que não decorre de um acto complementar da deliberação, nem do retardamento da prolação da sentença de anulação da deliberação, mas, quanto muito, de um acto da administração da requerida ao negar a existência desse crédito e/ou ao não depositar esse montante, nos termos sobreditos. Improcede, por isso, a pretensão do apelante. Quanto à deliberação de alteração do art.º 11º dos estatutos: Na assembleia geral foi aprovada a seguinte deliberação: Alteração do art.º 11.º dos estatutos passando este a ter a seguinte nova redação: «As Assembleias Gerais são convocadas, sempre e nos casos em que a lei o determine ou permita ou ainda, quando a Administração ou o Fiscal Único o entendam conveniente, exclusivamente através de publicação no portal www.publicacoes.mj.pt, devendo os acionistas serem portadores das suas ações aquando da realização de qualquer assembleia para o efeito de nela poderem participar» Na p.i. não foram alegados quaisquer factos de que decorra que da execução dessa deliberação advenham danos para a sociedade ou para os accionistas. E na apelação nada se refere, em particular, quanto a esta deliberação. Assim sendo, improcede, nesta parte, a apelação. Sintetizando: A apelação procede no que toca às deliberações de nomeação de nova administração e à redução do capital social, devendo os autos prosseguir os seus termos com a produção de prova. As custas do recurso ficam a cargo do apelante e da apelada, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente, atento o diferente decaimento de cada parte (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Sumário (da responsabilidade do relator): 1. Só a parte prejudicada pode arguir a nulidade da sentença. 2. O dano que há que ter em conta para fundamentar a suspensão de uma deliberação social é o que deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação (art.º 380º, n.º 1, do CPC) e não qualquer outro. *** IV. Decisão: Pelo acima exposto, decide-se: 1. Julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, na parte relativa às deliberações tomadas na assembleia geral da requerida 28 de Abril de 2023, referentes à eleição dos membros do Conselho de Administração e redução do capital social (pontos dois e três da Ordem de Trabalhos), determinando-se o prosseguimento dos autos com a realização da audiência final e produção dos meios de prova; 2. No demais, confirma-se a decisão recorrida; 3. Custas do recurso, pelo apelante e pela apelada, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente; 4. Notifique. Lisboa, 25 de Janeiro de 2024 Manuel Marques Nuno Teixeira Isabel Maria Brás Fonseca |