Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6710/19.1 T8ALM.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: CONTA BANCÁRIA COLETIVA
PRESUNÇÃO DE CONTITULARIDADE
SONEGAÇÃO DE BENS DA HERANÇA
OBRIGAÇÃO DE JUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1- A impugnação da matéria de facto impõe o cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do CPC.
2- Na conta bancária colectiva presume-se igual a proporção das quotas dos vários titulares sobre os valores depositados, quer tenham o regime de solidariedade, por força do artigo 516º do CC, quer tenham o regime de conjunção, por força dos artigos 1403º e 1404º do mesmo código, pelo que, não tendo sido afastada esta presunção pela prova produzida, deverá a ré devolver metade do valor do levantamento que efectuou nessas contas, tituladas por si e pelo seu companheiro, pai do autor, após o falecimento deste.
3- Tendo ficado provado que o imóvel – sobre o qual recaíram os actos de posse do casal constituído pelo falecido pai do autor e pela ré e que se presume ser deste casal por via das presunções dos artigos 1268º, 1403º e 1404º do CC – foi vendido pela ré por interposta pessoa, após o falecimento do consorte, deverá a ré restituir metade do valor do preço que recebeu dessa venda.
4- A sonegação de bens da herança prevista no artigo 2096º do CC exige como requisito o dolo, que consiste na consciência de que os bens pertencem à herança e do prejuízo causado aos outros herdeiros, o que não ocorre se a cabeça de casal, ora interveniente principal passiva, defendeu que determinados bens não pertenciam à herança, mas sim à ré, mas sem que se tivesse provado o dolo.
5- Os juros devidos na divida resultante de responsabilidade por factos ilícitos ou pelo risco não se vencem na data da sentença se nesta não foi fixada uma indemnização com cálculo actualizado, não se aplicando o AUJ do STJ nº4/02, vencendo-se antes a partir da data da citação, nos termos do artigo 805º nº 3 do CC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO.

MM… intentou contra DQ… acção declarativa de processo comum, na pendência da qual foi admitida a intervenção principal passiva de CM….
Na petição inicial o autor alegou, em síntese, que o autor e a sua irmã CM… são os herdeiros do pai de ambos, AM…, falecido em 7/2/2011, data em que era titular de duas contas bancárias com os saldos de 713,78 euros e de 88 068,49 euros, tendo, porém, o autor tomado conhecimento de que estas duas contas em 21/4/2011 tinham os saldos respectivos de 101,30 euros e de 12,73, euros e que a ora ré, com quem o falecido vivia em união de facto, havia levantado o valor de 88.000,00 euros no dia 8/2/2011, continuando a movimentar as referidas contas a partir dessa data, tendo ainda a ré vendido em 3/8/2011 o imóvel que constituía a casa de morada de família do casal constituído por ela própria e pelo seu falecido companheiro, pelo preço de 105.000,00 euros, o que fez na invocada qualidade de procuradora de LM…, irmão do falecido, que nunca comprou  aquele imóvel, nem lá viveu, apenas formalmente tendo figurado como dono a pedido do seu falecido irmão, não tendo recebido da ré o preço de 105.000,00 euros da venda do imóvel em que também apenas formalmente aparece como vendedor, o que foi feito em prejuízo da herança de AM….
Mais alegou que no processo de inventário entretanto aberto por óbito do pai do autor e da sua irmã, esta exerceu o cargo de cabeça do casal, omitindo a existência das contas bancárias e do referido imóvel e mais tarde reclamando da relação de bens por esta os incluir, argumentando que os mesmos pertenciam à ora ré, pelo que, com este comportamento perdeu o direito a beneficiar dos mesmos.   
Concluiu pedindo a condenação da ré (1) a pagar-lhe as quantias de 44.391,13 euros e 52.500,00 euros, no total de 96.891,13 euros, bem como juros vencidos no valor de 32.498,45 euros e vincendos desde 1/10/2019 e até efectivo pagamento, ou, se assim não se entender, (2) a entregar à herança as mesmas quantias e juros. 
A ré contestou alegando, em síntese (e atendendo já à contestação aperfeiçoada apresentada a convite o tribunal), que era co-titular com o falecido AM… das duas contas bancárias indicadas pelo autor e cujo saldo levantou após o óbito do seu companheiro, por terem sido abertas com o dinheiro da contestante, assim como foi com o dinheiro da contestante que foi comprada a casa de morada de família do casal, o que foi feito em nome do irmão do seu falecido companheiro devido a problemas familiares da contestante e também aos problemas que o seu companheiro tinha com a sua ex-mulher, mãe do autor, sendo por essa razão que o imóvel veio a ser vendido em nome do irmão do seu companheiro, que nunca lhe exigiu prestação de contas por saber que a casa pertencia à contestante, pelo que as quantias reclamadas não pertencem à herança do pai do autor, o que foi declarado no respectivo processo de inventário pela irmã do autor, que apurou esta situação no âmbito do cargo de cabeça de casal que aí exerceu. 
Concluiu pedindo a improcedência da acção e a absolvição do pedido.
Admitida a intervenção principal passiva de CM…, por requerimento do autor apresentado a convite do tribunal e citada a chamada, esta nada veio dizer.
Saneados os autos, procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou a acção procedente (improcedendo o pedido principal) e condenou a ré (a) a entregar à herança aberta por óbito de AM… e da qual são herdeiros o autor e a interveniente principal, as quantias de 44 391,13 euros e de 52 500,00 euros e (b) a pagar à mesma herança juros de mora vincendos à taxa legal de 4%, a contar da data da sentença.
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Inconformado, o autor interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:
- O Recorrente alegou nos autos que a Chamada, sua irmã CM…, ocultou dolosamente da herança de seu pai a existência dos bens em causa nos autos, assim sonegando esses bens da herança e, por isso, perdeu os direitos aos mesmos em benefício dele próprio; em consonância, deduziu o pedido de procedência da acção também nessa parte e, por via disso, seja declarada a existência da sonegação de bens por parte da Chamada, com a consequente perda em benefício do A. dos bens sonegados – Requerimento de Chamamento (refª CITIUS 257276790), oferecido pelo A. em cumprimento de despacho de aperfeiçoamento, e dos Artigos da Petição Inicial por ele expressamente acolhidos.
- Toda essa alegação se encontra suportada na diversa documentação junta à PI, consistente em peças judiciais, requerimentos e despachos, referente ao já identificado processo de inventário que correu termos no Tribunal Judicial de Oeiras (Proc. nº 6574/11.3TBOER).
- Devidamente citada, a Chamada não deduziu qualquer intervenção nos autos – o que, nos termos do número 1 do artigo 567º do Código de Processo Civil (CPC), tem por consequência considerarem-se confessados os factos articulados pelo Autor.
- Essa matéria assim alegada é a factualidade constitutiva da causa de pedir do pedido de condenação da Chamada por sonegação bens da herança, são esses os factos de onde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer.
- Como resulta do artigo 5º do CPC e da própria estrutura do regime processual português, o juiz tem que analisar e levar em consideração os factos articulados pelas partes, mormente os factos essenciais que constituem a própria causa de pedir.
- Porém, a douta sentença recorrida não analisa essa matéria alegada pelo A., não se pronuncia sobre ela nem na factualidade que considera provada nem na que tem por não provada.
- O Autor alegou que a Chamada ocultou bens da herança – o que, afigura-se-nos, está plenamente provado, quer em consequência da revelia quer com base na documentação junta.
- Alegou também que ela o fez dolosamente e para o prejudicar a ele – factualidade a que a douta sentença recorrida não deu qualquer relevância e nem sequer apreciou em sede de decisão e fundamentação probatória.
- A existência ou não de conluio entre a Chamada e a Ré não tem, contrariamente ao que diz a sentença, qualquer relevância para a sonegação de bens – esta há-de aferir-se pelos pressupostos legais constantes do artigo 2096º do CC.
10ª - Apesar disso, afigura-se-nos haver que dar por existente conluio entre a Ré e a Chamada, entendemos que é essa a VERDADE PROCESSUAL adquirida nos autos.
11ª - A sonegação de bens, fenómeno de ocultação de bens, pressupõe um facto negativo (uma omissão) e um facto jurídico de carácter positivo (o dever de declarar), exige a demonstração de sugestões ou artifícios com intenção ou consciência de enganar os co-herdeiros, ou de actos de dissimulação de erro destes sobre a não existência de bens, bem como sugestões, artifícios ou dissimulações empregues que resultem numa ocultação de bens da herança.
12ª - É necessário que da matéria de facto apurada se possa confirmar que o herdeiro actuou, por acção ou omissão, de modo a ocultar dolosamente a existência de determinados bens da herança que deveriam ser relacionados ou identificados para efeitos de partilha.
13ª - Todos esses pressupostos da sonegação de bens estão presentes na actuação da Chamada, que a douta sentença não valorou por desconsiderar a matéria alegada pelo Autor.
14ª - Tendo em conta que a matéria alegada pelo Autor é de relevância decisiva nos autos e, pela sua natureza, consubstancia mesmo a factualidade constitutiva do pedido de condenação da Chamada por sonegação de bens, deve essa factualidade ser aditada à matéria provada – e, em consonância, ser valorada na decisão a proferir.
15ª - Não sendo causa de nulidade da sentença – por não ser questão que a douta sentença recorrida não tenha apreciado – entendemos que, contendo os autos todos os elementos relevantes, cabe essa alteração nos poderes deste colendo Tribunal de recurso.
16ª - E, estando presentes na sua actuação todos os pressupostos da sonegação de bens, deve o douto Acórdão a proferir consignar a existência da mesma e condenar a Chamada na perda dos bens sonegados em benefício do Autor.
17ª - Dispõe o nº 2 do artigo 804º do CC que o devedor se considera constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação não foi efectuada no tempo devido e, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 805º também do CC, há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito.
18ª - Porque a Ré se apossou indevidamente das quantias que pertenciam à herança, estamos perante um facto ilícito, pelo que se constituiu em mora na(s) altura(s) em que se apossou de cada uma dessas quantias, 8 de Fevereiro de 2011 em relação ao saldo bancário e 3 de Agosto de 2011 quanto ao imóvel.
19ª - E é a partir dessas datas que deve incidir a condenação em juros de mora – e não, como decidiu a Mma Juiz a quo, apenas a partir da data da sentença recorrida, ou mesmo de qualquer outra data posterior àquelas da constituição em mora.
20ª - O que, aliás, constituiria um manifesto “benefício ao infractor”, a quem ilicitamente vem usando quantia monetária ainda avultada já ao longo de 11 anos.
21ª - Decidindo como decidiu violou a douta sentença recorrida, entre outros, os artigos 5º, 567º, número 1, e 607º do Código de Processo Civil, e os artigos 804º, 805º e 2096º do Código Civil.
Termos em que, e com o mais de douto suprimento, que se requer, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, proferido douto Acórdão que, anulando a douta sentença nas partes recorridas, a substitua nessa medida e declare verificada a sonegação de bens, condene a Chamada na perda dos bens sonegados em benefício do Autor, e condene a Ré em juros de mora contados desde 8 de Fevereiro de 2011 em relação ao saldo bancário e 3 de Agosto de 2011 quanto ao valor do imóvel.
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Igualmente inconformada a ré interpôs recurso e alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. A condenação da Ré, ora Recorrente, a entregar à herança aberta por óbito de AM… a quantia de 44.391,13€ correspondente a metade dos saldos bancários existentes à data do óbito daquele nas contas bancárias tituladas em nome do falecido e daquela e, bem assim, a pagar à mesma a quantia de 52.500,00€ correspondente a metade do valor de venda do imóvel referido nos autos não tem qualquer fundamento, nem de facto, nem de direito à luz do direito e da prova constante dos autos.
2. A prova produzida nos autos afasta a presunção de que, sendo o falecido e a Ré ambos titulares das contas bancárias existentes no Banco… à data do óbito, a proporção do que cada um contribuiu para os saldos existentes nas mesmas é igual entre ambos.
3. Em decorrência, não é lícita a condenação proferida, nos termos em que o foi.
4. Provado está nos autos que a Ré ganhava mais do que o falecido, que foi ajudada pelo seu pai para a igualar na ajuda que deu aos irmãos dela, que não havia despesas da exclusiva responsabilidade dela, enquanto o falecido tinha a seu cargo prestações de alimentos aos seus filhos menores, que para a abertura e provisionamento de ambas as contas foram movimentados os valores que aquela recebeu como indemnização pelo despedimento, tornas na partilha de bens comuns do seu anterior dissolvido casal.
5. Do depoimento das testemunhas que privaram com o falecido no período em que ele esteve em união de facto com a Ré, resultou que ele referia várias vezes que não tinha dinheiro, que pedia dinheiro a esta, tendo a filha do primeiro casamento e a primeira mulher dele referido que ele nunca foi homem poupado ou de amealhar.
6. Assim e em decorrência, não é lícito estabelecer a igualdade entre o falecido e a Ré no património titulado em nome de ambos.
7. A condenação da Ré a pagar à herança do falecido AM… a quantia de 52.500,00€ correspondente a metade do valor de venda do imóvel referido nos autos, não tem qualquer fundamento, nem de facto, nem de direito à luz do direito e da prova constante dos autos.
8. Tal condenação esquece, desde logo, que efectuada a venda pelo preço de 105.000,00€ ao mesmo houve que descontar o pagamento das hipotecas que oneravam o imóvel, os demais encargos inerentes à venda, entre os quais se conta a comissão devida ao agente imobiliário que mediou o negócio e os serviços prestados pela Ré.
9. Sob pena de se colocar a herança na situação de enriquecimento sem causa, o que a lei não tutela.
Termos em que - e nos mais direito aplicáveis que, não se duvida, não deixarão de ser doutamente supridos - deve revogar-se a aliás douta Sentença ora posta em crise, por manifesto desrespeito do disposto nos designadamente, os art.º 516º, art.º 1403º, art.º 1404º e art.º 473º, todos do Cód. Civil. substituindo-se a mesma por outra que absolva a Ré dos pedidos formulados, pois que assim será feita JUSTIÇA.
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Autor e ré contra-alegaram, pugnando reciprocamente pela improcedência do recurso da parte contrária.
Os recursos foram admitidos como apelação com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.
As questões a decidir são:
I) Impugnação da matéria de facto (recurso da ré).
II) Impugnação da matéria de facto (recurso do autor).
III) Direito sobre as quantias depositadas (recurso da ré).
IV) Direito sobre o valor do imóvel vendido (recurso da ré).
V) Sonegação de bens e direito da interveniente principal sobre metade dos valores reclamados pelo autor (recurso do autor).
VI) Juros de mora (recurso do autor).
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FACTOS.
A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados (rectificando-se a redacção do ponto G, no sentido de que, não só a primeira conta, mas também a segunda conta, era também da titularidade da ré, como resulta do acordo de todas as partes e do documento nº6 da PI, de fls 37, que serviu de base à redacção do artigo deste articulado transcrito no ponto G):
A - O Autor nasceu em 2 de Julho de 1996 e é filho de AM… e IM…, na altura casados entre si.
B - O casamento entre AM… e IM… foi dissolvido por divórcio mediante sentença transitada em julgado em 10 de Fevereiro de 2006.
C – CM… nasceu em 8 de Fevereiro de 1985 e é filha de AM… e EM…, na altura casados entre si.
D - O casamento entre AM… e EM… foi dissolvido por divórcio através de sentença transitada em julgado em 13 de Maio de 1993.
E – AM… faleceu em 7 de Fevereiro de 2011.
F – AM… faleceu sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, no estado civil de divorciado, os seus únicos herdeiros são os seus filhos CM… e MM…, tudo conforme documento junto a folhas 31 a 33 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
G - Por documento datado de 21/04/2011 o Banco… informou que em nome de AM… existiam à data do óbito a Conta Depósito à Ordem nº… e a Conta Poupança nº …, com saldos à data do óbito de €713,78 e €88.068,49, respectivamente, e com saldos à data de 21/04/2011 de €101,30 e €12,73, também respectivamente – sendo destas contas também titular DQ…, aqui Ré (rectificado, conforme menção supra).
H - Em 20 de Junho de 2011 o Autor, à data representado por sua mãe por ser menor, enviou à Ré uma carta solicitando-lhe que, por ser a pessoa que vivia maritalmente com o seu pai, Sr. AM…, informasse sobre vários aspectos da herança e, em particular ao que aqui importa, informasse sobre as contas Bancárias e respectivos movimentos, e se a casa em que a Ré vivia com o seu pai era bem próprio ou de que ele fosse proprietário ou comproprietário.
I – A Ré não respondeu à carta a que alude a alínea H).
J – No dia 11 de Junho de 2011 o Autor requereu no Tribunal Judicial de Oeiras a abertura de processo de Inventário, que correu termos sob o Proc. nº 6574/11.3TBOER, o qual já se mostra findo.
L – No Processo (de inventário) nº 6574/11.3TBOER a irmã do Autor, CM…, por ser a herdeira mais velha, foi designada Cabeça-de-Casal, tendo sido removida desse cargo em virtude de os autos estarem a aguardar impulso processual da cabeça de casal desde 21 de Novembro de 2012.
M – Após a apresentação da relação de bens no âmbito do processo de inventário pela cabeça de casal entretanto nomeada, CM…, irmão do Autor e co-herdeira, deduziu reclamação a essa Relação de Bens alegando que os valores existentes nas contas bancárias eram esmagadoramente da aqui Ré.
N - No âmbito desse Processo de Inventário, a requerimento do Autor, foi pela Mma Juiz solicitada ao Banco informação sobre as Contas Bancárias, tendo o Banco… informado que no dia 08.02.11, o dia a seguir ao falecimento, a Ré procedeu ao “Levantamento De Caixa” de €88.000,00 e que a partir do óbito a conta continuou a ser movimentada pela Ré
O – Ainda no processo de inventário foram feitas várias notificações à R. para que prestasse ao Tribunal informações tudo conforme documentos juntos a folhas 49 a 56 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
P – Não tendo a Ré dado cumprimento ao solicitado pelo Tribunal e a que se refere a alínea O), foi a Ré aí condenada na multa de 2Uc´s.
Q – Por escritura de 03 de Agosto de 2011 a Ré, na invocada qualidade de procuradora de LM…, vendeu a S…, representada por SS…, “a fracção autónoma designada pela letra “E”, ou seja, o SEGUNDO ANDAR ESQUERDO, com arrecadação no sótão, para habitação, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na RUA…, em Tercena, freguesia de Barcarena, concelho de Oeiras, sob o número …, da referida freguesia”, preço de €105.000,00 (cento e cinco mil euros), que nessa data a Ré declarou já ter recebido, mas que não entregou a LM….
R - Esse imóvel que foi vendido pela Ré foi a morada dela própria e de AM…, onde ambos residiram durante mais de dez anos, era a sua casa de morada de família, onde ambos habitavam, dormiam, confeccionavam e tomavam as refeições, recebiam os amigos, passavam a maior parte dos tempos de descanso e lazer.
S – LM… não comprou aquele imóvel e nunca ali viveu.
T – LM… é irmão de AM….
Foram ainda julgados não provados os seguintes factos:
1 – A totalidade dos saldos a que alude a alínea G) no valor total de €88.782,72 é pertença da Ré.
2 – Foi o falecido AM… quem ao longo dos anos procedeu ao pagamento das despesas e encargos do imóvel a que alude a alínea Q).
3 - Foi a Ré quem ao longo dos anos procedeu ao pagamento das despesas e encargos do imóvel a que alude a alínea Q).
4 – CM…, de acordo com a Ré, ocultou a existência de bens da herança de seu pai, com vista a prejudicar o Autor.
5 - O imóvel, apesar de figurar como propriedade de LM…, foi por este adquirido com dinheiros do falecido AM…, o qual à data pediu a LM… que o imóvel ficasse em nome deste.
6 - O imóvel, apesar de figurar como propriedade de LM…, foi por este adquirido com dinheiros da Ré, a qual à data pediu a LM… que o imóvel ficasse em nome deste.
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Ao abrigo dos artigos 607º nº4 e 663º nº2 do CPC, adita-se a seguinte matéria aos factos provados, com base em documentos não impugnados e no acordo das partes:
U. No inventário referido em L. foi proferido despacho em 14/9/2017 que decidiu remeter para os meios comuns, para apreciação em acção própria, a questão da obrigação por parte de DQ…, ora ré, de restituir à herança as quantias de 105.000,00 euros e de 88.000,00 euros, provenientes, respectivamente, da venda de um imóvel e do levantamento de uma conta, sobre as quais se discutia se pertenciam ou não ao inventariado (documento nº20 da PI, de fls 65 e sgts).
V. Por escritura pública de 22 de Outubro de 1998, L… e T… declararam vender e LM… declarou comprar o prédio referido em Q. pelo preço de dezassete milhões de escudos (documento junto aos autos na audiência de julgamento de 5/7/2022, de fls 305 e sgts). 
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Impugnação da matéria de facto pela apelante ré.
A apelante ré, quer nas conclusões das alegações, quer no corpo das mesmas, alega que a prova produzida afasta as conclusões a que chegou a sentença recorrida, ao mesmo tempo que faz considerações sobre a diversa prova produzida.
Por força do artigo 640º nº 1 do CPC o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto tem como ónus, sob pena de rejeição da impugnação, especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Conforme tem sido entendido pela jurisprudência recente, o recorrente deverá obrigatoriamente fazer constar nas alegações de recurso os requisitos impostos na alínea a) do referido artigo 640º, com a referência à impugnação da matéria de facto e a menção aos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. Já os requisitos impostos nas alíneas b) e c), em articulação com o nº 2 da mesma disposição legal, poderão constar apenas no corpo das alegações (cfr. acs STJ de 9/6/21, p. 10300/18 e de 19/1/23, p.3160/16, ambos em www.dgsi.pt, tendo entretanto sido proferido o AUJ do STJ nº12/2023 decidindo que, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa).
Ora, nas conclusões do recurso da apelante ré não se mostra cumprido o ónus da alínea a) do nº1 do artigo 640º do CPC, não sendo indicados discriminadamente quais os pontos de facto da matéria de facto julgada provada ou não provada que pretende ver alterados (nem, aliás, é sequer cumprido este ónus no corpo das alegações).
Pelo exposto, rejeita-se a impugnação da matéria de facto do recurso da apelante ré.  
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II) Impugnação da matéria de facto pelo apelante autor.
Por seu lado, o apelante autor impugna a matéria de facto com o pedido de aditamento de factos à matéria de facto provada e de supressão do ponto 4 dos factos não provados.
No corpo das alegações do apelante autor são discriminados factos que se pretende ver aditados (os factos dos artigos 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º e 49º da PI), afirmando-se também que foi incorrectamente julgado o ponto 4 dos factos não provados (que consigna como não provada a matéria alegada nos artigos 48º e 49º da PI).
Embora nas conclusões das alegações, o autor apelante não discrimine de novo esses factos, afirma expressamente que pretende o seu aditamento, pelo que se entende que foi cumprido o ónus imposto na alínea a) do nº 1 do artigo 640º do CPC.
Os artigos 38º, 39º, 40º, 411º, 42º, 44º, 45º, 46º da PI, dizem respeito à actuação da ora interveniente no inventário, na qualidade de cabeça de casal, em que terá sempre declarado que os valores agora reclamados pelo autor não pertenciam ao inventariado nas sim à sua companheira, ora ré, oferecendo o apelante autor, para prova dos mesmos, os documentos que juntou aos autos, relativos à tramitação do inventário, com os requerimentos nele apresentados e decisões nele proferidas
Mas estes factos, expurgados dos segmentos conclusivos, já se encontram incluídos nos factos provados da sentença recorrida, constando nos pontos J, L, M, N, O e P dos factos assentes.
O ponto 4 dos factos não provados corresponde aos artigos 48º e 49º da PI e tem a seguinte redacção: CM…, de acordo com a ré, ocultou a existência de bens da herança de seu pai com vista a prejudicar o autor.
Para prova deste facto, o apelante apenas oferece como prova os documentos e factos acima referidos e que já constam nos pontos J, L, M, N, O e P, os quais, contudo, nada revelam sobre a intenção dessa actuação da interveniente no inventário, ou seja se a mesma se deveu à intenção da interveniente de prejudicar o outro herdeiro, o autor, ou ao seu convencimento da veracidade das suas declarações, sendo, pois, manifestamente insuficientes para presumir a intenção de prejudicar o outro herdeiro.
Alega, porém, o apelante que sempre deveria considerar-se provada por confissão a matéria em causa, uma vez que a interveniente principal não apresentou contestação à PI.
O artigo 567º do CPC prevê que na falta de contestação do réu regularmente citado (no caso a interveniente principal passiva) consideram-se confessados os factos articulados pelo autor. Não se aplica, porém, esta cominação, nos termos da alínea a) do artigo 568º, “quando, havendo vários réus, algum deles contestar, relativamente aos factos que o contestante impugnar”.                               
No que respeita ao ponto 4 dos factos não provados (artigos 48º e 49º da PI), a ré na sua contestação impugnou a alegada intenção da irmã do autor de o prejudicar, pelo que este facto é controvertido, não podendo considerar-se confessado.
E, como acima se expôs, nenhuma outra prova foi indicada para provar esta intenção, para além dos outros factos indicados, dos quais não se pode retirar a intenção com que a interveniente agiu no inventário.
Deverá, pois, manter-se não provado o ponto 4 dos FNP, não devendo ser aditados os factos pretendidos, já constantes nos factos assentes e improcedendo a impugnação da matéria de facto do apelante autor.  
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III) Direito sobre as quantias depositadas.
A apelante ré alega que o valor dos saldos das contas bancárias em causa nos autos não deveria ser considerado como pertencente ao seu falecido companheiro, pai do autor, na proporção de metade.
Dos factos provados resulta que a ré e o falecido pai do autor e da interveniente principal eram os dois titulares de duas contas bancárias (acordo de todas as partes e ponto G dos factos assentes, com a rectificação ora introduzida).
As contas bancárias integram um contrato de depósito bancário que constitui um depósito irregular, de coisa fungível, previsto no artigo 1205º do CC.
A titularidade da conta bancária não corresponde necessariamente à titularidade e à proporção da titularidade dos valores depositados, mas, havendo mais do que um titular na conta bancária, presume-se a titularidade dos valores depositados em partes iguais para cada um dos titulares.
Tal presunção decorre dos artigos 512º e seguintes do CC (regime das obrigações solidárias) quando se trata de contas solidárias, em que cada titular pode, por si só, movimentar parcial ou totalmente o valor depositado, sem necessidade da intervenção dos outros titulares, nomeadamente do artigo 516º, por força do qual nas obrigações solidárias se presume a participação dos devedores ou dos credores solidários “em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que só um deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito” (cfr. Ac. RL 12/2/2015, P.189/11 e RC 4/10/2011, p. 1233/09, ambos em www.dgsi.pt .
Tratando-se de contas conjuntas, em que é necessária a intervenção de todos os titulares para as movimentar, não é aplicável o regime das obrigações solidárias, mas sim o disposto no artigo 1403º nº2 do CC, que, quanto às quotas dos consortes estabelece “ (…) as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo”, presunção que, nos termos do artigo 1404º do CC, é aplicável à comunhão de quaisquer outros direitos (ac STJ 22/2/2011, p. 1561707, em www.dgsi.pt).
No presente caso, não ficou apurado nos factos provados se as contas eram solidárias ou conjuntas. Tudo indica que seriam solidárias, tendo em atenção que a ré logrou continuar a movimentar as contas sozinha, mesmo depois do óbito do outro titular.
De qualquer forma e conforme acima se expôs, qualquer que fosse o regime das contas, rege a presunção de que a cada um dos dois titulares pertence metade dos valores depositados, presunção esta que pode ser afastada por prova em contrário, mas que a ré, a quem competia o respectivo ónus, não logrou produzir.
Na verdade, não se provou a versão alegada pela ré de que a totalidade dos saldos das contas que levantou das contas bancárias lhe pertencia na totalidade (ponto 1 dos factos não provados), não tendo sido ilidida a presunção de igualdade de quotas de cada um dos titulares das duas contas bancárias.
Improcedem, pois, as alegações da apelante ré nesta parte, cabendo-lhe a responsabilidade de devolver metade da quantia levantada de 88 068,49 euros.        
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IV) Direito sobre o valor do imóvel vendido.
Alega também a apelante ré que o imóvel vendido em 3/8/2011 lhe pertencia integralmente e não ao seu falecido companheiro, pelo que não deverá ter de restituir metade do valor que recebeu na sua venda.
Para tal defende que a compra do imóvel foi feita em nome do irmão do seu companheiro devido aos problemas familiares do casal, desejando ambos que o imóvel não ficasse em seu nome, mas o preço da aquisição foi custeado integralmente pela apelante, pelo que, quando o imóvel foi vendido após o óbito do companheiro, o preço recebido dessa venda lhe pertence exclusivamente.
Provou-se que em 1998 foi celebrada escritura pública em que o irmão do companheiro da ré (tio do autor) declarou que comprava o imóvel em causa, provando-se também que, apesar do declarado na escritura, o irmão do falecido companheiro da ré nunca comprou o imóvel e nunca ali viveu (pontos V., S. e T. dos factos provados).
Provou-se também que por escritura de 3/8/2011, após o óbito do pai do autor, foi celebrada escritura pública em que o mesmo irmão do companheiro da ré (tio do autor) declarou vender a terceiros o mesmo imóvel, o que fez através de procuração outorgada à ré, não tendo, porém, a ré entregue o valor do preço ao declarante (ponto Q. dos factos provados).   
Provou-se ainda que esse imóvel foi a morada da ré e do seu companheiro, onde ambos residiram por mais de dez anos (o companheiro faleceu em 2011), sendo a sua casa de morada de família onde ambos habitavam, confecionavam e tomavam as refeições, recebiam os amigos e passavam a maior parte dos tempos de descanso e lazer (ponto R. dos factos provados).
Sendo assim, desde a aquisição do imóvel em 1998 e até ao falecimento do pai do autor em 2011, este e a ré praticaram publicamente actos materiais correspondentes ao exercício do direito de proprietários do imóvel, ou seja, exerceram os dois a posse sobre o imóvel nos termos dos artigos 1258º e 1263º a) do CC.
A posse assim exercida pelo casal tem como efeito o gozo da presunção da titularidade do direito de propriedade respectivo nos termos do artigo 1268º nº 1 do CC cuja redacção é a seguinte: “o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse”.
No caso, mesmo havendo registo de aquisição a favor do adquirente formal do prédio (que se ignora se foi anterior ou posterior ao início da posse do casal), opera a presunção do nº1 do artigo 1268º, já que a presunção de propriedade que resultaria do registo de aquisição e prevista no artigo 7º do Código do Registo Predial estaria afastada pela prova de que este adquirente formal nunca comprou efectivamente o prédio, nem nunca lá viveu.
Não se provou que tivesse havido qualquer diferença no exercício da posse por parte da ré e do seu companheiro, pai do autor, não se provando que o pagamento dos encargos com o imóvel tivesse sido feito exclusivamente pela ré ou pelo seu falecido companheiro (pontos 2 e 3 dos factos não provados), bem como não se provou que foi com exclusivamente os dinheiros do falecido companheiro da ré ou com exclusivamente os dinheiros da ré que o imóvel foi adquirido em 1998 (pontos 5 e 6 dos factos não provados).
Portanto, opera também a presunção acima indicada, prevista nos artigos 1403º e 1404º do CC, por força da qual se presume igual a quota da ré e a quota do seu falecido companheiro no imóvel, presunção esta que não se mostra afastada, não tendo a ré logrado demonstrar que o imóvel lhe pertencia exclusivamente.
Deste modo, quer a aquisição do imóvel de 1998, quer a sua venda depois do óbito do pai do autor, em Agosto de 2011, foram realizadas por interposta pessoa, o irmão do pai do autor, que interveio como comprador formal na aquisição e como vendedor formal na venda, esta última mediante procuração outorgada a favor da ré.   
Verificou-se, portanto, interposição de pessoa nestas duas transacções, pois, apesar de nelas figurar o irmão do pai do autor, não foi ele quem adquiriu, nem foi ele quem vendeu o prédio.    
A interposição de pessoa nos negócios jurídicos pode ser fictícia ou real.
Se for fictícia constitui uma simulação subjectiva, prevista nos artigos 240º e seguintes do CC, em que existe conluio entre os dois sujeitos da transação com intuito de enganar terceiros e a pessoa interposta será um mero testa de ferro.
Mas se a interposição for real, constitui um mandato sem representação, previsto nos artigos 1180º e seguintes do mesmo código, em que a pessoa interposta actua em nome próprio mas no interesse e por conta de outrem, que é o verdadeiro interveniente mas, por qualquer razão, não pretende que a sua intervenção seja conhecida (cfr sobre esta matéria Carlos da Mota Pinto, Teoria da Relação Jurídica, 1976, págs 360 e 361 e, entre outros, ac RC 15/12/2021, p. 1612/17 e  RL 1472/2013, p. 7157/05, ambos em www.dgsi).
No presente caso não se tendo provado o conluio com a contraparte nas duas transacções e não se tendo apurado nos factos provados quem seriam os terceiros que se pretenderia enganar (familiares da ré? familiares do seu companheiro?), estaremos perante um mandato sem representação, em que foi adquirido e vendido um imóvel em nome do mandatário, mas por conta e no interesse de terceiros, no caso da venda por conta da ré.
Dir-se-á, contudo, que mesmo que se considerasse haver simulação, sempre seria uma simulação relativa, por existir um negócio dissimulado sob o negócio simulado, o que teria como consequência a validade do negócio dissimulado nos termos do artigo 241º do CC e porque estariam cumpridos os requisitos exigidos pela sua natureza formal.
Em todo o caso, sempre se conclui, dos factos julgados provados e das normas citadas, que o imóvel pertencia efectivamente ao casal formado pela ré e pelo pai do autor, em partes iguais, pelo que, tendo sido efectuada a sua venda apenas pela ré após o óbito do consorte, deverá a ré restituir metade do valor do preço recebido de 105.000,00 euros.
Alega a apelante ré que tal solução implicará um enriquecimento sem causa à custa do seu património, porque não foram descontados valores relativos às hipotecas que oneravam o imóvel e os demais encargos, como a comissão devida a agente imobiliário que mediou o negócio.
Estes valores agora invocados pela apelante ré são novos, nunca tendo sido alegados e muito menos provados nos autos, pelo que não pode o presente tribunal conhecer dos mesmos, que constituem questão nova e não reapreciação da decisão sob recurso.
Improcedem, portanto, também nesta parte, as alegações da apelante ré. 
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V) Sonegação de bens e direito da interveniente principal sobre metade dos valores reclamados pelo autor.
O apelante autor defende que deve proceder o pedido principal formulado na petição inicial, com a condenação da ré a pagar-lhe as quantias reclamadas e não à herança, como foi decidido na sentença recorrida.
Defende que é o único herdeiro com o direito a receber tais quantias, porque a outra herdeira, a sua irmã, interveniente principal, perdeu o direito a recebê-las em virtude de ter sonegado estes bens no processo de inventário aberto por óbito do pai de ambos.
A sonegação de bens da herança vem definida no nº 1 do artigo 2096º do CC nos seguintes termos: “o herdeiro que sonegar bens de herança, ocultando dolosamente a existência, seja ou não cabeça de casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados, além de incorrer nas mais sanções que forem aplicáveis”.
Requisito essencial para que se verifique a sonegação de bens é, assim, o dolo, que se tem de considerar como a consciência de que os bens pertencem efectivamente à herança e de que a sua ocultação prejudica os outros herdeiros.
Não é o que sucede quando o herdeiro simplesmente defende que determinados bens não pertencem à herança.
Nos presentes autos não se provou o dolo, tendo sido julgado não provado que a interveniente principal ocultou a existência de bens da herança do seu pai, com vista a prejudicar o autor (ponto 4 dos factos não provados).
Nem se poderia retirar essa intenção da sua actuação no inventário.
Discutir num inventário se determinados bens pertencem ou não à herança faz parte do processo de inventário em que as partes não estão de acordo sobre a composição da herança e defender que os bens não a integram não significa necessariamente que haja intenção de ocultar bens com o consequente prejuízo dos restantes herdeiros. Se assim fosse, a parte vencida nessa discussão seria sempre afastada do direito aos bens em causa por sonegação.
Igualmente não se pode retirar o dolo na ocultação dos bens do facto de no inventário a interveniente ter sido removida do cargo de cabeça de casal e condenada em multa por falta de colaboração. Tal apenas constitui um não cumprimento dos deveres inerente ao cargo de cabeça de casal, que foi sancionado, mas não implica que houvesse intenção de ocultar bens com a consciência de prejudicar o outro herdeiro. 
Aliás, no processo de inventário foi proferido despacho remetendo as partes para os meios comuns, por considerar não haver elementos para aí proferir decisão sobre esta matéria (ponto U. dos fatos provados). E, discutida a questão nos presentes autos, provou-se apenas o que resulta das presunções acima indicadas, não se tendo provado que, ao tomar posição sobre os bens em causa, a interveniente não estivesse convencida da veracidade da situação que alegou.
Cabia ao autor o ónus de provar o dolo da interveniente, o que não logrou fazer, pelo que improcedem as alegações do seu recurso nesta parte, devendo manter-se a condenação do pagamento das quantias à herança e não ao autor.  

VI) Juros de mora.
Finalmente, alega o apelante autor que os juros de mora devidos pela ré não deverão contar a partir da data da sentença, conforme foi entendido nesta decisão, mas sim a partir das datas de 8/2/2011 e de 3/8/2011, respectivamente quanto à quantia relativa às contas bancárias, ao levantar os valores depositados e quanto à quantia relativa à venda do imóvel, ao vendê-lo, guardando para si o produto da venda.
O artigo 804º do CC prevê que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e o artigo 806º do mesmo código estatui que na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar da data de constituição em mora.
Já o artigo 805 nº1 estabelece que o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e o nº 2 excepciona os casos em que há mora independentemente de interpelação, entre os quais o da alínea b), se a obrigação provier de facto ilícito. Estabelece ainda o nº3 do mesmo artigo que “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.
O AUJ do STJ nº4/02 de 27 de Junho veio uniformizar a jurisprudência no sentido de que a indemnização por facto ilícito ou pelo risco fixada por cálculo actualizado nos termos do artigo 566º nº2 do CC vence juros desde a data da decisão actualizadora e não desde a citação.
No caso dos autos não houve indemnização fixada por cálculo actualizado, pelo que não se aplica a jurisprudência assim fixada, não se vencendo os juros desde a sentença, como foi decidido na sentença recorrida.
Aplica-se, sim a última parte do nº3 do artigo 805º, com a contagem dos juros desde a citação, por se tratar de responsabilidade por factos ilícitos cuja liquidação só se fixa com a sentença. Com efeito, para afastar o regime do artigo 805º nº 3 não basta que o pedido formulado na petição inicial seja líquido, uma vez que a liquidação da obrigação só é obtida com a sentença, tendo em atenção o litígio que opunha as partes sobre a proporção das quantias em causa que pertenceria ao falecido pai do autor e companheiro da ré.      
Procedem assim parcialmente as conclusões da apelação do autor, nesta parte.
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DECISÃO.
Pelo exposto, se decide:
a) julgar improcedente a apelação da ré;
b) julgar parcialmente procedente a apelação do autor, determinando-se que os juros se vencem desde a citação;
c) manter no mais a sentença recorrida.
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Custas em ambas as instâncias na proporção dos vencimentos. 

2024-02-08
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate
António Santos