Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
25272/16.5T8LSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: CERTIFICADOS DE AFORRO
NEGLIGÊNCIA DE FUNCIONÁRIO
FALSIFICAÇÃO DE ASSINATURA
FALTA DE COMUINICAÇÃO DO ÓBITO DO BENEFICIÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1- Actuou com negligência o funcionário que, no atendimento ao balcão dos CTT, ao proceder ao averbamento de um movimentador numa conta de certificados de aforro, não atentou na diferença das assinaturas no confronto daquela que foi feita presencialmente no formulário  de averbamento com a que constava no documento de identificação do titular da conta e tal diferença não o alertou também para se certificar se a pessoa que estava na sua presença era efectivamente o aforrista. 
2- Ao não tomar este cuidado, permitiu que um terceiro que se fazia passar falsamente pelo titular da conta que já havia falecido, lograsse averbar um movimentador, que poucos dias depois resgatou os títulos, com prejuízo para os herdeiros do falecido aforrista.
3- O facto de os herdeiros não terem ainda comunicado o óbito do titular da conta não tem como efeito afastar o comportamento negligente descrito e a responsabilidade da ré emissora dos certificados.  
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.
TB… e DB… intentaram contra Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGEP acção declarativa de processo comum na pendência da qual veio a ser admitida a intervenção acessória de CTT – Correios de Portugal.
Na petição inicial alegaram os autores, em síntese, que são os únicos herdeiros da herança aberta e indivisa dos seus pais, que faleceram, respectivamente, em 26/7/2009 e em 29/9/2009 e, tendo a autora sabido da existência de certificados de aforro subscritos em 20/2/97 pelo seu pai, dirigiu-se em 11/11/2013 a um balcão dos CTT, onde foi informada de que a conta não tinha saldo porque os títulos haviam sido movimentados e levantados em Outubro de 2009 pelo primo dos autores PB….
Mais alegaram que tal levantamento ocorreu após a morte do titular porque o seu primo entrou na posse dos títulos em casa dos pais dos autores e, sem a sua autorização, constituiu-se beneficiário da cláusula de movimentação dos mesmos, não tendo a ré cumprido os seus deveres de diligência na guarda dos títulos, causando assim aos autores um prejuízo de 9 255,08 euros, correspondente ao respectivo valor actualizado e causando-lhes ainda transtornos e angústia.
Concluíram pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de 9.255,08 euros, bem como uma indemnização de 5.000,00 euros por danos patrimoniais e outra indemnização de 5.000,00 euros por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento e ainda a condenação no reembolso aos autores pelas despesas com a presente lide, a liquidar em execução de sentença.
A ré contestou arguindo as excepções de prescrição e de litisconsórcio necessário,  pedindo a intervenção principal dos CTT; por impugnação alegou, em síntese, que nunca foi comunicado o óbito do titular dos certificados de aforro, omissão esta que deu causa à situação, em que o primo dos autores solicitou novas vias dos títulos com cláusula de movimentação, não se revelando, porém, a assinatura aposta diferente da assinatura do titular, não havendo razão para que o funcionário desconfiasse do procedimento, pelo que não houve incumprimento dos seus deveres de diligência.
Concluiu pedindo a procedência das excepções e a improcedência da acção.
Os autores responderam opondo-se às excepções e ao pedido de intervenção principal dos CTT.
Proferido despacho que admitiu a intervenção dos CTT como acessória, foi oferecida contestação pela interveniente, onde arguiu as excepções de prescrição e de litispendência e, por impugnação, declarou desconhecer quem alterou as condições do levantamento, mas defendendo que não foram violados os procedimentos, pois apenas estava obrigada a conferir as assinaturas por semelhança e estas eram semelhantes.
Concluiu pedindo a procedência das excepções e a improcedência do pedido.
Na audiência prévia não foram admitidas as excepções arguidas pela interveniente acessória e foram julgadas improcedentes as excepões arguidas pela ré.
Procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido.
*
Inconformados, os autores interpuseram recurso e alegaram, formulando as seguintes conclusões:
I- Na sentença notificada aos AA., na qual o Tribunal julgou improcedente por não provada a violação dos deveres de zelo pela Ré, ou de qualquer outro dever contratual, alegadamente negligente, por força da não confrontação dos elementos de identificação do falecido aforrista JSB… com a documentação que, para o efeito da indicada nomeação/indicação de movimentador lhe foi apresentada para ao efeito aos CTT (Interveniente) no dia 12/10/2009, e absolveu a Ré da totalidade do pedido.
II- Trata-se de uma decisão que não faz homenagem à justiça, não se auxilia das circunstâncias factuais e nas normas jurídicas aplicáveis, prejudicando gravemente os direitos dos autores que contam cerca de nove anos sistemático de trato displicente, de uma parte processual em favor de outra, o que ademais seria assistemático não só do ponto vista infra constitucional como constitucional (art.º 20.º nº 4 da CRP).
III- Foram estes os FACTOS PROVADOS, na sentença recorrida:
(…)
IV- E os FACTOS NÃO PROVADOS da sentença recorrida:
(…)
V- Entendem os Recorrentes que a Mma. Juíza ad quo, decidiu mal contra lei expressa e a valoração das provas produzidas apontam num sentido diverso, existe erro de julgamento, que obriga à correção da matéria de facto pelo tribunal superior, cfr. art.ºs 640º e 662.º nº2 todos do CPCiv.
VI- O presente recurso tem por objecto a impugnação da matéria de facto, ao Tribunal ad quem cabe proceder a um novo julgamento, limitado, contudo, à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no presente recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, art.º 607º nº 5 do CPCiv.
VII- O pedido dos AA. foi instruído com diversa prova documental, a saber: os Certificados de Aforro e a respectiva titularidade pelo falecido/aforrista que não tinha nenhum beneficiário da cláusula de movimentação à data do óbito, certidões de óbito, habilitação de herdeiros, certidão do trânsito em julgado do processo crime instaurado contra o movimentador PB… (Proc.3918/13.7 TACSC, Juízo Local Criminal de Cascais, 3º Juízo), todos eles documentos com força probatória plena, para o deferimento da sua pretensão.
VIII - Os AA. também arrolaram testemunhas, e, a A. prestou declarações de parte que comprovaram que o falecido antes da morte estava em débil estado de saúde, encontrava-se acamado em sua casa há cerca de 1 ano, por isto mesmo mal conseguia assinar o seu nome, e num período curto de cerca de 2 meses sem que não fosse previsível, morre também a Mãe dos AA., com quem a A. TB…, vivia em sua casa.
IX- O Tribunal na sua fundamentação não desacreditou as declarações que A. TB… prestou sob juramento legal, que, colaborou na descoberta da verdade sobre a situação que viveu e observou, sobre factos em que interveio pessoalmente, respondeu de forma objectiva, demonstrando intenção de responder ao que se recordava e como recordava, umas declarações que demonstraram sentida emotividade, não indiciando interesse ou intenção de proteger ou prejudicar outras pessoas, reproduzem-se as mesmas com relevo,
(…)
X- Assim sendo, os artigos 20 e 22 dos factos provados da sentença recorrida, (20º PB… ofereceu ajuda à autora para tratar dos assuntos burocráticos do óbito dos pais desta, o que a autora aceitou, passando aquele a ser presença regular na casa dos pais da autora; 22º A autora mencionou a PB… a existência dos certificados de aforro) estão em contradição inexplicável com o teor destas declarações, pelo que devem ser dados como não provados, porque a relação familiar, de confiança, quase como irmãos, tinha com o Primo PB… (como chegou a referir a testemunha C…, amiga da A.), se num momento de angústia, tristeza, e de confiança, levou-a a aceitar a sua ajuda no que toca a esta realidade burocrática relacionada com a morte dos pais, em momento algum, essa ajuda passou das palavras aos actos: não lhe deu para as mãos documentos dos pais, não lhe passou procuração, nem lhe exibiu documento, nem no que aqui interessa, a A. lhe falou nos certificados de aforro!
XI- JSB… faleceu no dia 26 de Julho de 2009, no estado de casado com a sua mulher MB…, que faleceu a 29 de Setembro de 2009 e após o seu falecimento houve o resgate de todos os títulos sua propriedade, por alguém que (não se logrou provar) se dirigiu aos CTT acompanhado do documentos de identificação dele e de PB… (primo direito dos AA.), que se pretendia fazer constar como movimentador.
XII- O indicado em XI foi sem conhecimento, consentimento ou autorização dos ora recorrentes.
XIII- O tribunal ad quo, labora em lapso de leitura, veja-se que na contestação da Ré, esta admitiu por confissão (art.º 38):
- os certificados são títulos de dívida pública nominativos (artigo 5º da p.i)
- com o óbito do titular da conta cessam os poderes de movimentador (artigo 15º da p.i)
- a Ré é responsável pela guarda dos valores que lhe são confiados pelos seus depositantes, estando obrigado a sua restituição com os seus frutos, nos termos 1142º e 1187º al.c) do C.Civil (artigo 23º da p.i)
A sentença recorrida, foi omissa na consideração destes factos no elenco dos factos provados, que assim deverão integrar-se no elenco da factualidade provada:
- com o óbito do seu titular da conta cessam os poderes de movimentador, e,
- a R. admite que é responsável pela guarda dos valores que lhe foram confiados pelo Sr. JSB, in casu, certificados de aforro, estando obrigado à sua restituição com os seus frutos, juros.
XIV- Os artigos 9º Artº 35 do Factos Provados estão incompletos, o primeiro refere “Nenhum dos A. comunicou até 01/ 11/ 2013, o óbito do seu Pai à Ré e à Interveniente CTT” e, o segundo, “uma conta aforrista é imobilizada assim que se torna conhecido o óbito do respectivo titular e até ao conhecimento dos seus herdeiros”, mas também, deveria mencionar o artigo 9º, que a essa data já os certificados do falecido haviam sido resgatados por PB…, que o fez a 28-10-2009!; e, no art.º 35, acrescentar que o prazo do direito dos AA. Aos certificados de Aforro não se encontrava prescrito, sob pena de violação do princípio do dispositivo que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual e o princípio do contraditório segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada a deduzir oposição.
XV- Após a morte dos seus Pais, os recorrentes não comunicaram o óbito aos CTT, mas também era do conhecimento da A. e é facto público que por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efetivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhe deram origem, ou o respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado (art.º 7º do D.L.172/B/86 de 30/06 actualizado pelo D.L. 122/2002 de 04/05).
XVI- O furto dos documentos: originais dos certificados de aforro e documento de identificação do Sr. JSB…, aconteceu num período muito curto após o seu óbito e da esposa, tanto assim que, foi em 28.10.2009, que ao balcão dos CTT, com base numa assinatura falsificada o PB… resgatou o valor total dos certificados, e era irrealista, àquela data e circunstâncias, a A. aperceber-se do que estava a acontecer: não deu por falta dos documentos do pai, e dos originais dos certificados.
XVII- Todos estes factos transpiram ilicitude, por causa disso mesmo a A. apresentou queixa crime contra o primo, que chegou a estar acusado por crime de falsificação de documento.
XVIII- Assim, os AA., não foram em momento algum os responsáveis pela actuação fosse do seu Primo PB… e/ou também de um terceiro que não se logrou provar, em toda a actuação de solicitação junto da interveniente CTT, que fossem emitidos segundas vias dos certificados de aforro com cláusula de movimentação em favor do PB…, que culminou no levantamento do valor dos certificados e juros.
XIX- Na correcta interpretação da lei, os tribunais estão também constitucionalmente vinculados a um Princípio Constitucional da Tutela Jurisdicional Efectiva, quer isto dizer que devem:
- evitar situações de ónus da prova impossível ou diabólica;
- evitar situações de desigualdade no acesso de todas as partes, à possibilidade real de demonstração dos factos e situações de violação máxima da Constitucionalidade da proporcionalidade na distribuição do pesos da prova dos factos fundamentadores das posições jurídicas pretensivas litigadas no processo.
XX- Não é constitucional estarmos perante situações de imposição de ónus probatório que é impossível na prática e se reconduz à prova de um facto necessário para o reconhecimento de um direito, que à luz do expendido anteriormente deverá ter uma menor exigência probatória por parte do Mmo.Juiz, dando relevo a provas menos relevantes mas convincentes que as que seriam exigíveis se tal realidade não existisse.
XXI -Na sua globalidade o testemunho do funcionário dos CTT, R…, testemunha dos AA, foi estruturada e pensada para o exonerar da sua responsabilidade: debitou procedimentos, apresentou um discurso esquivo, mecanizado, evidenciando falta de isenção, numa atitude defensiva. Mas não deixa de dar elementos que nos permitem, em conjugação com os demais meios de prova, que, no fundo, só por documento se podem provar, nem podia ser por outra maneira, chegar à sua real responsabilidade, pois a morte de um homem, não faz dele um erro e ainda está vivo…!
XXII- A conduta do Sr. R…, enquanto funcionário dos CTT, de forma culposa ou negligente, deu azo a que PB… e/ou terceiro, à revelia dos AA, praticasse um acto ilícito e doloso.
XXIII- O Sr. R… teve diante de si uma pessoa idosa (81 anos), igualzinha à fotografia do bilhete de identidade que apresentou e já era vitalício, sem hesitações de assinatura.
XXIV- Mas o Sr. JSB… em momento algum se apresentou à sua frente, para solicitar o averbamento dos certificados, num acto que tinha de ser presencial, em relação ao qual, não teve dúvidas nenhumas…!
XXV- E também, o Sr. JSB… não assinou na sua presença o Guia Multiusos, Modelo 704. A assinatura nunca poderia estar conforme nem era o próprio a assinar. Foi falsificada!
XXVI- Na verdade, a situação por incrível que pareça repetiu-se ainda uma segunda vez perante este mesmo funcionário dos CTT, sem embaraço algum, quando mais uma vez o “morto vivo” ou o “Zombie” voltou ao balcão dos CTT para levantar os novos certificados, já com a cláusula de movimentação em nome de PB….
XXVII- A validação deste pedido e documentação, pelos serviços financeiros dos CTT (backoffice, como lhe apelidaram) não passa de um pró forma sem significado expressivo, pois apenas olham para os documentos e comparam alguma diferença de números ou assinaturas, que o funcionário do balcão à partida também já o fez, perante a pessoa que tem diante de si.
XXVIII- Na actividade judicatória, perante a prova testemunhal e por declarações, sempre deverá fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos, no respeito e na observação de uma multiplicidade de factores que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, tudo na prossecução da descoberta da verdade material.
XXIX- Se assim não se entender o que se admite, mas não se concede, sempre se dirá: A presente sentença perante identidade substancial de situação de facto sobre a mesma questão de direito, não atendeu ao entendimento sufragado pelos AA. no Ac. do TRPorto, datado de 07-02-2011 em que foi RELATORA ANABELA LUNA DE CARVALHO, quando neste acórdão se discute idêntica questão de direito, ou seja, se os certificados de aforro foram obtidos através de acto ilícito e doloso de terceiro, a R. tem de ser responsabilizada a pagar aos AA. as importâncias peticionadas, que ora se transcreve:
“(...) Estamos, sem dúvida, perante um caso de eventual responsabilidade contratual: saber se a recorrente violou os deveres decorrentes da obrigação que assumiu para com a Recorrida quando esta subscreveu os certificados de aforro.
Assim num primeiro momento, importará saber se a Recorrente conseguiu fazer prova bastante que permita concluir pelo afastamento da presunção de culpa que sobre ela impende por força do disposto no art.º 799º nº 1 do CCiv.
Cabe-nos apreciar se o comportamento do recorrente (através dos seus empregados enquanto seus Comissários) foi de molde a afastar a aludida presunção. (...).
Exigindo a lei que o pagamento seja feito ao titular ou ao movimentador, a funcionária da recorrente efetuou o pagamento a quem se apresentou - sem suscitar dúvida - como movimentador.
Está por isso afastada a culpa da Recorrente.
(…) Mas esse afastamento de culpa (presumida) não resolve em definitivo a questão.
Não podendo, embora, a recorrente ser responsabilizada em termos de incumprimento culposo, o certo é que, de harmonia com o disposto no artigo 770.º do Código Civil a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, nem desonera (Libera) o devedor, a não ser nos casos contemplados nas diversas alíneas desse preceito.
Se considerarmos que objetivamente a prestação a que estava obrigada a recorrente foi aquela que foi prestada e, no momento próprio, sem demora defeitos teremos de subsumir a questão, não a um caso de Incumprimento ou de cumprimento defeituoso mas há um caso de cumprimento feito a terceiro.
A prestação feita a terceiro que não tenha poderes para a receber, independentemente de parecer tê-los, não extingue em regra a obrigação, pelo que o devedor pode vir a ser compelido a presta-la outra vez.
Estamos perante uma responsabilidade que, não deixando de ser contratual, não reside já na ausência, mora ou defeito da prestação mas no sujeito receptor da prestação.
A irrelevância da culpa neste Instituto coloca esta responsabilidade no nível idêntico ao da responsabilidade objetiva como bem observam Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anot. volume 2 quarta edição página 17 “Não foi admitida no código na eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente.”
O artigo 476 n.º 2 inserido no Instituto do enriquecimento sem causa que estabelece, igualmente que, “a prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória nos termos do artigo 770º”
Assim a recorrente está obrigada a efetuar uma nova prestação perante a verdadeira credora, enquanto a mesma se não tornar liberatória, em conformidade com o disposto pelos artigos 476.º nº 2 e 770.º ambos do Código Civil.”
XXX - Não fosse a conduta a que a actuação dos CTT deu azo, o primo dos AA. não teria conseguido resgatar o valor total dos certificados de aforro e juros de JSB e, consequentemente, a AA AT não teria sofrido um processo angustiante, nervoso e com custos monetários, numa fase de vida muito delicado e com poucos recursos financeiros.
XXXI - Como os CTT, pagou indevidamente ao PB, deve pagar aos AA. o valor actualizado dos certificados de aforro, acrescido de juros vencidos e vincendos até integral pagamento e ainda ser condenado nas despesas com a presente lide a liquidar em execução de sentença.
Nestes termos e nos mais de direito, a presente Apelação, deve ser totalmente considerada procedente, por provada.
Assim; V. Exas. farão Justiça!
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Não foram oferecidas contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação com subida imediata nos autos e efeito devolutivo.
As questões a decidir são:
I) Impugnação da matéria de facto.
II) Responsabilidade da ré pelo pagamento das quantias reclamadas.
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FACTOS.
A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados e não provados:
Provados.
1º Os autores são filhos de JSB… e de MB….
2º JSB faleceu no dia 26 de julho de 2009, no estado de casado com MB….
3º MB…faleceu no dia 29 de setembro de 2009, no estado de viúva de JSB….
4º No dia 16/12/2009 procedeu-se à habilitação de herdeiros dos falecidos JSB… e MB…, na Conservatória do Registo Civil de Lisboa, constando dessa habilitação que os autores são os únicos herdeiros e que a autora é cabeça-de-casal das respetivas heranças.
5º A ré é uma pessoa colectiva de direito público, com natureza empresarial, equiparada a instituição de crédito e cuja principal actividade é a gestão de carteiras, gerindo a tesouraria, o financiamento e a dívida directa do Estado, tendo, entre outras, a responsabilidade de atendimento, processamento e controlo das operações sobre instrumentos da dívida a retalho e, no que releva para os presentes autos, de certificados de aforro.
6º No dia 20.2.1997 JSB… subscreveu uma conta de aforro na loja dos CTT de …, a que foi atribuído o n.º de conta de aforrista …, sendo titular dos certificados de aforro nºs … e …, Série B, cada um com 1000 unidades, emitidos naquela data, pelo valor de aquisição, à data em Escudos, de 500.000$00 (correspondendo a €2.493,99) cada um, sendo tais certificados títulos de dívida pública nominativos.
7º Na data referida em 6º, JSB… não indicou qualquer pessoa, além de si próprio, com poderes para proceder à movimentação dos referidos certificados de aforro.
8º A autora teve conhecimento da existência dos certificados de aforro em vida do pai, o qual, uns meses antes de falecer, lhe manifestou vontade de os “levantar”.
9º Nenhum dos autores comunicou, até 01/11/2013, o óbito do seu pai à ré e à interveniente “CTT”.
10º No dia 12 de Outubro de 2009, numa loja dos CTT, em …, compareceu uma pessoa que se identificou - perante o funcionário dessa entidade, de nome R… - como sendo JSB… e que requereu a nomeação, como movimentador dos certificados de aforro referidos em 6º, de PB….
11º No momento referido em 10º, a pessoa que ali compareceu exibiu o Bilhete de Identidade de JSB… e de PB…, além dos certificados de aforro em causa nos autos.
12º Na sequência do referido em 11º, a pessoa que se apresentou como sendo JSB… assinou, presencialmente, o documento intitulado “produto de aforro documento multiusos” (Mod. 704), junto com a petição inicial (documento 6, fls. 13 do processo físico), nele fazendo constar, na parte “assinatura do titular”, o nome JSB… e um pedido de averbamento de PB… como movimentador dos certificados.
13º O funcionário R… confrontou a assinatura do bilhete de identidade e a assinatura do documento referido em 12º e não teve dúvidas quanto à identidade do requerente do acto ser JSB…, nem quanto à assinatura aposta nesse documento, pelo que
14º Fotocopiou, conforme instruções recebidas dos “CTT” para o efeito, os documentos de identificação de JSB… e da pessoa indicada/nomeada movimentador, recebeu os originais dos certificados de aforro, entregou à pessoa que se encontrava na sua presença um duplicado dos certificados de aforro e remeteu toda essa documentação, bem como o documento referido em 12º, para análise, aos Serviços Financeiros dos CTT.
15º Após validação dessa documentação, os Serviços Financeiros dos CTT remeteram o pedido e a documentação reunida por R… à ré, que validou o ato, anulou os anteriores certificados e emitiu outros, desta feita com a indicação de PB… como a pessoa, além de JSB…, com poderes de movimentação dos mesmos.
16º No dia 28 de Outubro de 2009, PB…, na qualidade de movimentador dos certificados de aforro aludidos, procedeu ao respectivo resgate no balcão de Cascais dos CTT, tendo recebido da ré, em numerário, o valor de liquidação de € 7.962,00 (sete mil novecentos e sessenta e dois euros).
17º PB… é primo dos autores e era pessoa em quem a autora confiava.
18º A autora vivia com os pais, na casa destes.
19º A autora ficou transtornada com a morte dos pais e sentiu-se incapaz de tratar dos inerentes assuntos burocráticos.
20º PB… ofereceu ajuda à autora para tratar dos assuntos burocráticos do óbito dos pais desta, o que a autora aceitou, passando aquele a ser presença regular na casa dos pais da autora.
21º PB… não frequentava a casa dos pais dos autores há alguns anos antes destes falecerem.
22º A autora mencionou a PB… a existência dos certificados de aforro.
23º Após a morte dos pais, a autora procurou os certificados de aforro, não os tendo encontrado, apenas tendo encontrado, em data não apurada, um papel manuscrito com a indicação do número dos certificados de aforro.
24º No dia 1 de Novembro de 2013, a autora deslocou-se às instalações da ré; forneceu o número que encontrou no referido papel manuscrito e solicitou informação sobre o estado dos certificados de aforro.
25º Nessa data, a autora foi informada que os certificados de aforro haviam sido levantados no dia 28/10/2009, por PB….
26º Nessa sequência, no dia 11/11/2013, a autora efetuou denúncia na Polícia Judiciária contra PB….
27º À referida denúncia foi atribuído o NUIPC 3918/13.7TACSC, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Cascais, 3º Juízo.
28º No dia 4 de Fevereiro de 2015, foi proferido despacho de pronúncia de PB…, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e punível pelo artigo 256º, n.º 1, als. b) e d), do Código Penal.
29º No referido processo crime a autora formulou pedido de indemnização civil contra PB…, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de 13.462,00 Euros, correspondente ao valor por aquele recebido em consequência do resgate dos certificados de aforro e juros.
30º O procedimento criminal contra PB… foi julgado extinto, por prescrição, no dia 15/01/2016, por decisão já transitada em julgado. 31º O processo crime foi arquivado em 18/03/2016.
32º Após o óbito dos pais e em data não concretamente apurada, a autora ficou desempregada.
33º A pedido da autora e mediante o pagamento da quantia de € 10,00, a ré emitiu a declaração junta aos autos a fls. 37 verso e 38 frente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
34º Qualquer herdeiro de titular de certificados de aforro pode comunicar o óbito do titular, exibindo para o efeito a respetiva certidão de óbito, atestado médico de óbito e/ou declaração da agência funerária.
35º Uma conta aforrista é imobilizada assim que se torna conhecido o óbito do respetivo titular e até ao conhecimento dos seus herdeiros.
36º A autora sente-se enganada e revoltado com o primo PB… pelos factos supra descritos de 10º a 16º.
Não provados.
a) A deslocação da autora às instalações da ré, melhor referida no facto provado n.º 24, tenha ocorrido no dia 11/11/2013.
b) A autora despendeu €5.000,00 em contatos telefónicos, deslocações e outras para tomar conhecimento do que sucedera aos certificados de aforro subscritos pelo pai.
c) O autor tenha tido necessidade de se deslocar do País de residência (EUA) a Portugal para se inteirar dos factos em discussão e assinar documentação na qualidade de herdeiro.
d) A atuação da ré tenha causado desgaste físico e psicológico aos autores.
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Ao abrigo dos artigos 607º nº 4 e 663º nº2 do CPC, julga-se provados mais os seguintes factos, com base em documentos não impugnados e em acordo:
37º O valor actualizado dos dois certificados de aforro é de 9255,08 euros (doc. 8 da pi, de fls 14, emitido pela ré e não impugnado).
38º A cópia dos dois certificados de aforro subscritos em 20/2/97, com a assinatura de JSB…, está a fls 98 e 98 verso (juntos no requerimento da ré de 4/7/2019).
39º A cópia dos bilhetes de identidade de JSB… e de PB…, referidos no ponto 11 dos factos provados, está a fls 13 verso (doc. nº7 da pi).
40º A cópia do documento Mod. 704 com o pedido de averbamento de PB… como movimentador e a assinatura nele aposta, referido no ponto 12 dos factos provados, está a fls 13 (doc, 6 da pi).
41º A resposta dada à declaração referida no ponto 33 dos factos provados, contendo a cópia dos bilhetes de identidade, referidos no ponto 11 dos factos e a cópia do pedido de averbamento de movimentador com a assinatura aí aposta, referida no ponto 12 dos factos, está a fls 35 verso e 36 (documento 3 da contestação da ré).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO.
I) Impugnação da matéria de facto.
Os apelantes pretendem que os pontos 20º e 22º dos factos provados sejam julgados não provados e que seja aditada matéria aos factos provados.
É a seguinte a redacção dos pontos 20º e 22º:
Ponto 20º- PB… ofereceu ajuda à autora para tratar dos assuntos burocráticos do óbito dos pais desta, o que autora aceitou, passando aquele a ser presença regular na casa dos pais da autora.  
Ponto 22º- A autora mencionou a PB… a existência dos certificados de aforro.
Quanto à matéria do ponto 20º, a mesma foi declarada no depoimento de parte da autora, que explicou que o primo se disponibilizou a ajudá-la, o que ela aceitou por estar tristíssima e por serem muito amigos, passando, nessa altura, o primo a frequentar a sua casa, onde via papeis e documentos relativos ao falecido casal espalhados na mesa da casa jantar, que funcionava também como um escritório. Estas declarações foram corroboradas pela testemunha A…, que teve conhecimento de que o primo dos autores, ao contrário do que sucedia antes da morte dos pais destes, que não gostavam dele, passou a frequentar a casa depois do seu óbito, transmitindo a autora à testemunha que “o PB… estava a tratar de tudo”, tendo, aliás, a autora declarado, com corroboração desta testemunha e da testemunha C…, que, neste contexto, o primo a convenceu a colocarem o dinheiro de contas bancárias dos falecidos numa outra conta que ele próprio poderia movimentar, tendo ele, sem a autorização da autora, levantado o dinheiro assim transferido para essa conta, sem a autorização da autora.
Deverá, pois, este ponto 20º manter-se nos factos provados.
Já quanto à matéria do ponto 22º, não foi ela demonstrada, tendo a autora declarado que não falou nos certificados de aforro ao primo, o que foi confirmado pela testemunha A…, resultando dos depoimentos de ambas que só depois de a autora se ter dado conta de que não encontrava os certificados em casa é que terá interpelado o primo sobre este facto, tendo primo negado que os tivesse subtraído.    
Deverá então ser eliminado o ponto 22º dos factos provados.
Pretendem também os apelantes o aditamento aos factos provados da seguinte matéria:
(i) Com o óbito do seu titular de conta cessam os poderes de movimentador.
(ii) A ré admite que é responsável pela guarda dos valores que lhe foram confiados pelo Sr. JSB…, no caso, certificados de aforro, estando obrigado à sua restituição com os seus frutos, juros.
Esta matéria é conclusiva, não é matéria de facto, pelo que não deve ser aditada.
Mais pretendem os apelantes o aditamento, nos pontos 9º e 35º, da seguinte matéria:
Ponto 9º- (…) a essa data já os certificados do falecido haviam sido resgatados por PB….
Ponto 35º- (…) o prazo do direito dos autores não se encontrava prescrito.
O ponto 9º dos factos consigna que o óbito dos pais dos autores não foi comunicado à ré e à interveniente antes de 1/11/2013, sendo que o facto de que a essa data já os certificados haviam sido resgatados pelo primo dos autores consta no ponto 16º dos factos provados, não se justificando o pretendido aditamento.
No ponto 35º menciona-se o procedimento aplicável quando é conhecido o óbito do aforrista até ao conhecimento dos herdeiros, sendo conclusiva a afirmação de que no caso não estava prescrito o prazo do direito dos autores, pelo que não deverá ser aditada.
Finalmente, não se descortina a violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva que os recorrentes invocam, sem, contudo, a concretizarem devidamente.
Pelo exposto, julga-se a impugnação da matéria de facto parcialmente procedente, com a eliminação do ponto 22º dos factos provados, e improcedente no restante.
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II) Responsabilidade da ré pelas quantias reclamadas.
Com a presente acção os autores pretendem a condenação da ré a pagar-lhes o valor de 9 255,08 euros, correspondente ao valor actualizado de dois certificados de aforro subscritos pelo seu falecido pai em 1997 e de quem são os únicos herdeiros.
Os certificados de aforro são títulos da dívida pública criados em 1960, sendo os da série B, em causa nos autos, instituídos pelo DL 172-B/86 de 30/6, com alterações introduzidas pelo DL 122/2002 de 4/5 e DL 47/2008 de 13/3, emitidos pela agência de gestão da tesouraria e da dívida pública, IGCP, ora ré, de acordo com a Lei 7/98 de 3/2 (Regime Jurídico da Dívida Pública), que tem com os CTT acordos de colaboração para a execução do serviço relativo a estes títulos, nos termos do Decreto Regulamentar 37/79 de 29/6.
Trata-se de títulos nominativos que capitalizam juros, são resgatáveis e são transmissíveis apenas por morte do titular, caracterizando-se como depósitos irregulares previstos no artigo 1205º do CC, tendo por objecto coisas fungíveis e estabelecendo relações contratuais entre a entidade emissora e o aforrista depositante a que são aplicáveis, por força do artigo 1206º, as normas do contrato de mútuo regulado nos artigos 1142º e sgts do mesmo código, para além das normas específicas da legislação acima referida.
No caso dos autos provou-se que a obrigação de guarda e de restituição das quantias depositadas não foi cumprida, por estas terem sido levantadas por um movimentador da conta averbado por forma fraudulenta, ao fazer-se passar pelo titular aforrista, já depois da data do falecimento deste e sem o conhecimento nem a autorização dos herdeiros, ora autores.
Incumprida a obrigação contratual, cabe à parte devedora que incumpriu, ora ré, o ónus de provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua, em conformidade com o artigo 799º do CC.
Antes de analisar a existência ou inexistência de culpa por parte da ré, haverá que clarificar dois pontos prévios.
O primeiro diz respeito ao facto de os autores não terem comunicado imediatamente o óbito do titular dos certificados de aforro.
Esta omissão, ao contrário do foi defendido ao longo processo pela ré e pela interveniente, bem como depois pela sentença recorrida, não tem de forma alguma o efeito de afastar a responsabilidade da ré, caso se venha a apurar a sua culpa.
Tal como não fica ilibada de responsabilidade a pessoa que comete um furto entrando numa casa cuja porta foi deixada aberta, não poderá a entidade depositária dos certificados de aforro deixar de ser responsabilizada se não cumprir as diligências exigíveis para evitar o levantamento fraudulento, só porque o óbito do titular não foi comunicado, pois a prática de tais diligências impõe-se em qualquer situação, comunicado ou não o óbito.
A omissão de comunicação do óbito antes do prazo da prescrição, por si só, não tem como consequência a perda do saldo do depósito, não é causa adequada dessa perda. Mas a falta de diligência nos procedimentos exigíveis para o averbamento de movimentador na conta e para o levantamento do salto, a verificar-se, é causa adequada da perda do saldo da conta, haja ou não comunicação do óbito.
O segundo ponto prende-se com a argumentação dos apelantes no sentido de que existiria sempre uma responsabilidade objectiva por parte da ré, por ter sido efectuado o pagamento não ao credor, mas sim a um terceiro e que tal pagamento não seria liberatório, nos termos dos artigos 476º nº2 e 77ºº do CC.
Desde logo não se pode acompanhar este entendimento porque a aplicação dos artigos 476º e 770º do CC pressupõe que o pagamento seja feito a um terceiro, ou seja, a quem não tem formalmente legitimidade para o receber, o que não sucede se o pagamento for efectuado a alguém que se apresenta, não como terceiro, mas sim falsamente como a pessoa que tem direito a receber e que, aos olhos de quem paga e que foi enganado sem que lhe possa ser imputada culpa, não é um terceiro, mas sim a pessoa com legitimidade para receber a prestação.
A referida argumentação baseia-se no acórdão citado e transcrito nas alegações de recurso, da RP de 7/2/2011, p. 11873/03, que veio a ser revogado pelo ac. do STJ de 20/10/2011 proferido no mesmo processo e onde se entendeu que, não havendo culpa da ré, através do seus funcionários, o pagamento foi feito como se fosse feito ao próprio titular e não a terceiro, não se aplicando os referidos artigos 476º e 770º (ambos os acs estão disponíveis em www.dgsi.pt).  
Posto isto, vejamos então se, neste caso concreto, se conclui dos factos provados que houve culpa da ré, quer através dos funcionários dos CTT, quer através dos seus próprios funcionários (artigo 800º do CC).
Provou-se nos pontos 12º e 13º que o funcionário dos CTT atendeu a pessoa que se apresentou ao balcão como sendo o titular da conta (e preencheu o formulário, assinando-o presencialmente, para averbar PB… como movimentador da conta) e não teve dúvidas quanto à sua identidade, nem quanto à assinatura aposta nesse momento, depois de fazer a confrontação dos documentos.
E, no ponto 15º, ficou provado que, depois de enviar a documentação aos serviços financeiros dos CTT, onde a documentação foi validada, foi a mesma enviada à ré que também a validou e emitiu outra via dos certificados com a indicação do movimentador indicado.
Como consequência de toda esta actuação, dias depois o movimentador averbado por quem se apresentou fraudulentamente como o titular da conta (que já era falecido), resgatou os títulos, levantando o respectivo valor, com prejuízo para os herdeiros, os ora autores.
O procedimento descrito seguiu formalmente as normas da instrução 3/2004 do DR II série de 30/9, em vigor à data, publicada ao abrigo do artigo 10 nº 1 a) do DL 122/2002.
Resta saber se nesse procedimento foram efectivamente conferidos os elementos constantes nos documentos e as respectivas assinaturas, bem como a fotografia do documento de identificação com a pessoa que se apresentou ao balcão.
Está provado que a pessoa que se apresentou não era o titular da conta, que já tinha falecido, por isso importava saber se foi feita a conferência da fotografia do documento do documento de identificação com essa pessoa.
Não basta dizer-se que o funcionário não teve dúvidas quanto à identidade da pessoa que se apresentou, porque a ausência de dúvidas tanto pode significar que houve um efectivo controlo mas nada foi detectado, porque não era possível distinguir as assinaturas e a pessoa em causa não levantou suspeitas por ser parecido com a fotografia do documento de identificação (inexistindo culpa); ou pode significar que não se deu atenção ao conteúdo dos documentos, nem à semelhança ou dissemelhança das assinaturas, nem ao aspecto da pessoa em causa (neste caso existindo culpa).
Não se sabe se essa pessoa era ou não o primo dos autores que foi indicado como movimentador e depois veio a resgatar os títulos.
Se fosse ele, teria havido uma grosseiríssima negligência, pois o bilhete de identidade do titular da conta descrevia uma pessoa de cerca de 80 anos, com 1,70 m de altura e pouco cabelo, resultando do bilhete de identidade do primo dos autores que este tinha menos 30 anos, tinha mais de 1,80 m de altura e muito cabelo.
Mas se não fosse o primo dos autores (situação que não é impossível de ter ocorrido), sempre haveria que confrontar as assinaturas.
Ora dos documentos a que se referem os pontos 38 a 41 dos factos, verifica-se que a assinatura do titular da conta, no seu BI (consta na cópia do seu BI nos docs 7 da PI a fls 13 verso e no doc 3 da contestação da ré a fls 35 verso e 36) e nos documentos de subscrição dos certificados de aforro (consta no documento junto pela ré em 4/7/2019, a fls 98 e 98 verso), é manifestamente diferente da assinatura da pessoa que preencheu o formulário fazendo-se passar pelo titular (a sua assinatura nesse documento está no doc. 6º da PI, a fls 13).
A única palavra que é parecida nas duas assinaturas é a palavra “B…”. O “J” de “J…” é diferente nas duas assinaturas, assim como é diferente o “S” de “S…” e a caligrafia das palavras “J…” e “S…” é completamente diferente sendo mais miúda e angulosa (bicuda) no formulário do que nas assinaturas do titular da conta.    
Dir-se-á que passaram dez anos desde a data das assinaturas do titular e da assinatura do formulário, de 1998 para 2009 e que o titular da conta envelheceu.
Mas a letra da assinatura aposta no formulário não se afigura como sendo de uma pessoa idosa (trémula, torta, sem controlo); pelo contrário, aparenta ser de uma mão com controlo, numa letra bicuda e controlada.
Por outro lado, é certo que as pessoas por vezes têm assinaturas diferentes, consoante as ocasiões. Só que neste tipo de documentos é sempre naturalmente exigido que as pessoas aponham as assinaturas conforme com as fichas de assinaturas (por exemplo nos bancos), ou conforme o documento de identificação, conforme as circunstâncias, o que sucede precisamente para evitar este tipo de situações.
Perante estas diferenças, impunha-se que o funcionário solicitasse à pessoa em causa que repetisse a assinatura conforme o documento de identificação apresentado, o que aparentemente não fez, ou se o fez, foi sem resultado, pois a assinatura é diferente. E, perante a diferença das assinaturas, também se impunha que fosse conferida com mais atenção a fotografia do documento de identificação, o que também parece não ter sido feito, já que a pessoa não era o titular da conta.
Na verdade, por muito parecida com o titular da conta que eventualmente fosse a pessoa que se apresentou ao balcão, uma suspeita nascida da diferença das assinaturas poderia ter detectado diferenças.
De qualquer forma, só a diferença de assinaturas, detectável a olho nu, como é o caso, é suficiente para se concluir que não houve o cuidado exigível na conferência dos documentos, falha que se repetiu nos serviços financeiros e depois nos serviços da própria ré.
Conclui-se, portanto, que houve actuação culposa, pelo que a ré é responsável pelo pagamento do valor actualizado e juros dos certificados de aforro.
As outras duas indemnizações pedidas na petição inicial não são pedidas no recurso e, de qualquer forma, não se provaram os factos em que assentavam os respectivos pedidos (alíneas b), c) e d) dos factos não provados).
Quanto às despesas com o processo, deverão ser atendidas em sede própria, nas custas de parte.
Procede, pois a apelação, devendo a sentença ser revogada nesta parte.       
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DECISÃO.
Pelo exposto, se decide:
a) Julgar procedente a apelação e revogar parcialmente a sentença recorrida, condenando-se a ré a pagar aos autores a quantia de 9 255,08 euros (nove mil duzentos e cinquenta e cinco euros e oito cêntimos), acrescida de juros de mora legais desde a citação e até pagamento.
b) Manter a sentença recorrida na parte em que a ré foi absolvida do pagamento das restantes quantias peticionadas.    
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Custas da apelação pela apelada.
Custas da acção pelas partes na proporção do vencimento.   

2024-02-08
Maria Teresa Pardal
Anabela Calafate
António Santos