Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30227/21.5T8LSB-A.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
REQUERIMENTO EXECUTIVO
EMBARGOS DE EXECUTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGAR PROVIMENTO
Sumário: I - É inepto o requerimento de injunção que não contenha a exposição (ainda que sucinta) dos factos que fundamentam a pretensão, com a consequente verificação da exceção dilatória, de conhecimento oficioso, de nulidade de todo o processo [cf. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 552.º, 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1, todos do CPC, e art. 10.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro], exceção essa que, quando naquele tenha sido aposta fórmula executória, pode ser conhecida, na oposição à execução - cf. art. 857.º, n.º 3, al. b), do CPC, e do art. 14.º-A, n.º 2, al. a), 2.ª parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09.
II - De igual modo, a ineptidão do requerimento executivo, designadamente por falta de indicação da causa de pedir [mormente quando os factos em que se fundamenta o pedido não constem do título executivo – cf. art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC], gera a nulidade de todo o processo, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que, consoante os casos, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, a absolvição dos executados da instância executiva ou a rejeição oficiosa da execução, nos termos dos artigos acima referidos (cf. art. 551.º, n.º 1, do CPC) conjugados com os artigos 726.º, n.º 2, al. b), 732.º, n.º 4, e 734.º do CPC (aplicáveis também na execução sumária – cf. art. 551.º, n.º 3, do CPC).
III - Não é inepto por falta de causa de pedir ou contradição entre o pedido e a causa de pedir, o Requerimento de injunção - com fórmula executória e que serve de base à ação executiva principal - em que a Requerente alegou ter sido acordada, no âmbito do mesmo contrato celebrado em 05-05-2017 - que designou de empreitada, de fornecimento de hardware e software, respetiva instalação e parametrização -, a prestação de mais serviços, relativos a licenciamento de software, além dos trabalhos inicialmente previstos, e peticionou o pagamento do valor correspondente ao somatório do valor remanescente do preço (por pagar) fixado no contrato reduzido a escrito em 05-05-2017 (39.641,18 €) com o valor dos trabalhos a mais (20.233,50 €). Estando assim bem evidenciada no título executivo a causa de pedir, e não tendo a Exequente deixado de alegar no requerimento executivo, embora de forma mais sucinta, os factos que fundamentam a sua pretensão de pagamento da quantia exequenda, este não é inepto.
IV - Figurando a Executada como requerida no aludido Requerimento de injunção, apresentado em 27-09-2021 e no qual foi aposta, em 25-11-2021, fórmula executória, deverá ser considerada parte legítima na execução instaurada com base no mesmo, improcedendo a exceção de ilegitimidade processual passiva (cf. art. 53.º, n.º 1, do CPC).
V - Tendo sido suscitados na Petição de embargos, apresentada na oposição à execução, certos meios de defesa que não se reconduzem aos fundamentos previstos no art. 729.º do CPC, antes configurando uma defesa por exceção perentória (a não verificação de condição de que dependia o pagamento) e por impugnação motivada, não é nulo, por omissão de pronúncia, o saneador-sentença que rejeita conhecer dos mesmos, por os considerar precludidos, ao abrigo do disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC, conjugado com o art. 14.º-A do regime anexo ao DL n.º 269/98, de 01-09, ambos na versão introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, não afrontando uma tal interpretação normativa, que considera inaplicável ao caso o art. 731.º do CPC, os princípios constitucionais da proibição da indefesa e da reserva de juiz, nem a jurisprudência firmada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015.
VI - Invocada ainda, na Petição de embargos, a inexistência, inexequibilidade e nulidade do título executivo, bem como a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda, restará apreciar, tendo em atenção o disposto nos artigos 713.º, 729.º, alíneas a) e e), e 857.º, n.º 1, ambos do CPC, do CPC, se os embargos podem proceder, apreciando tais meios de defesa em face do título executivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
AA, S.A., Executada na execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, intentada por BB - SISTEMAS INFORMÁTICOS, S.A., interpôs o presente recurso de apelação do saneador-sentença proferido no apenso de oposição à execução mediante embargos que aquela deduziu.
A ação executiva teve início em 21-12-2001, com a apresentação de Requerimento executivo, em que a Exequente peticionou o pagamento da quantia exequenda no valor de 77.421,70 €, acrescida de 1.049,86 € a título de juros de mora vencidos, contabilizados, à taxa legal, desde a data da entrada da Injunção até à referida data, alegando, para tanto, o seguinte:
1. A Exequente, BB - SISTEMAS INFORMÁTICOS S.A., é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio, importação, exportação e representação de equipamentos eletrónicos, informáticos, telecomunicações, audiovisuais, publicidade e de multimédia. Atividades de programação informática, atividades de consultoria em informática, gestão e exploração de equipamentos informáticos, outras atividades relacionadas com as tecnologias da informação e comunicação. Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação, portais web, conceção, desenvolvimento e gestão de plataformas de transações eletrónicas. Prestação de serviços de design, marketing, desenvolvimento e conceção e instalação de soluções de publicidade, imagem de comunicação, marketing digital/social, gestão de conteúdos e acessória de impressa. Instalação, implementação e manutenção de sistemas informáticos, telecomunicações, audiovisuais e multimédia. Comercialização e instalação de sistemas de domótica, segurança, cablagem estruturada e CCTV. Desenvolvimento, comercialização e implementação de soluções cloud e datacenter.
2. No âmbito da sua atividade comercial a Exequente, por via de contrato celebrado entre as partes, prestou à Executada, por solicitação desta, diversos bens e serviços no âmbito da sua atividade comercial, não tendo os mesmos sido todos liquidados por parte da Executada, aquando da emissão das respetivas faturas, por parte da Exequente.
3. Facto é que, apesar de interpelada para o efeito, a Executada não procedeu à regularização do valor em dívida, que se cifrava em € 59.874,68 (cinquenta e nove mil, oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos), razão pela qual não teve a Exequente outra solução senão intentar o Requerimento de Injunção n.º …/…, datado de 27.09.2021, que serve de base à presente execução.
4. Notificada do requerimento de injunção supra referido, a Executada não deduziu oposição, não contactou por qualquer outra forma a Exequente, nem procedeu ao pagamento do valor aí peticionado, € 77.421,70 (setenta e sete mil, quatrocentos e vinte e um euros e setenta cêntimos), razão pela qual foi aposta a respetiva fórmula executória, em 25.11.2021.
5. Apesar de interpelada para proceder à regularização da quantia em aberto, a Executada não efetuou qualquer pagamento por conta da mesma.
6. Assim, é a Exequente credora da ora Executada no valor constante do título executivo, € 77.421,70 (setenta e sete mil, quatrocentos e vinte e um euros e setenta cêntimos), ao qual acrescem juros vencidos, no valor de € 1.049,86 (mil e quarenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), contabilizados à taxa comercial desde a entrada da Injunção até à presente data.
7. Contas feitas encontra-se em dívida, à presente data, o valor de € 78.471,56 (setenta e oito mil, quatrocentos e setenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), ao qual acrescerão juros vincendos, bem como todas as custas, despesas e honorários de Agente de Execução inerentes à presente Ação Executiva.
A Exequente juntou, como título executivo, o Requerimento de injunção apresentado em 27-09-2021 no qual foi aposta, em 25-11-2021, fórmula executória, requerimento esse no qual solicitara a notificação da Requerida (Executada) no sentido de lhe pagar a quantia de Capital de 59.874,68 €, acrescida de 17.354,02 € a título de juros de mora vencidos, e ainda 40 € referente a “Outras Quantias”, bem como 153 € relativos a “Taxa de justiça paga”, indicando, quanto à causa de pedir, tratar-se de “Contrato de empreitada”, datado de 05-05-2017 e referente ao período de 05-05-2017 a 17-07-2018, expondo os factos que fundamentavam a pretensão nos seguintes termos:
1. A Requerente celebrou com a Requerida, a 05.05.2017, um contrato (adiante apenas designado por “Contrato”), através do qual se comprometia a vender, e esta se comprometia a comprar, «diverso material em estado novo, composto por hardware e software, melhor discriminado nas faturas Pró-Forma n.º …/…, …/…, …/…, …/…, …/…, …/… e …/… (doravante em conjunto o “Material”), todas emitidas pela Primeira Contraente e que se anexam ao presente Contrato como Anexo 1».
2. A aquisição referida no número anterior incluía a respetiva «instalação e parametrização, tendo em conta as necessidades do seu Cliente Final, MB, S.A., com morada na …, em Luanda, Angola».
3. Em contrapartida da celebração desse contrato a Requerida obrigou-se ao pagamento de € 290.062,13 (duzentos e noventa mil, sessenta e dois euros e treze cêntimos), de acordo com a Cláusula Primeira, n.º 2 do Contrato.
4. Preço este que, posteriormente, em consequência de sucessivos acertos, foi fixado em € 286.724,13 (duzentos e oitenta e seis mil, setecentos e vinte e quatro euros e treze cêntimos).
5. Mais foi acordado pela Requerente e Requerida que o pagamento da quantia referida no número anterior seria efetuado nos termos da Cláusula Terceira do Contrato.
6.Com efeito, nos termos da Cláusula Terceira, alínea d) do Contrato, o remanescente do preço, de e 43.509,32 (quarenta e três mil, quinhentos e nove euros e trinta e dois cêntimos) seria pago pela Requerida com a conclusão dos trabalhos de instalação e parametrização contratados.
7. Acontece que, apesar dos aludidos trabalhos se encontrarem todos concluídos por parte da aqui Requerente, a Requerida não procedeu ao pagamento da totalidade do valor contratado.
8. Por conta do valor que era devido por conta do preço contratado, previsto no n.º 4, a Requerida efetuou diversos pagamentos, no valor global de € 247.082,95 (duzentos e quarenta e sete mil, oitenta e dois euros e noventa e cinco cêntimos).
9. Pelo que, até à presente data, e não obstante as várias interpelações para pagamento, a Requerida nunca liquidou o remanescente em dívida por conta do referido contrato, no montante de € 39.641,18 (trinta e nove mil, seiscentos e quarenta e um euros e dezoito cêntimos), correspondente às faturas: FA …/… de 10/07/2017 e FA …/… de 11/07/2017, as quais eram devidas por conta da aludida Cláusula Terceira, alínea d), das quais só foram feitos pagamentos parciais no valor de total de € 81.031,82 (oitenta e um mil, trinta e um euros e oitenta e dois cêntimos).
10. Adicionalmente, foi ainda acordada a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, no valor de € 20.233,50 (vinte mil, duzentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos), tendo sido emitidas as seguintes faturas: FA …/…, no valor de € 2.152,50 de 02/07/2018 e FA …/…, no valor de 18.081,00 de 17/07/2018, não tendo sido liquidado qualquer valor por conta da mesma, mantendo-se assim o valor € 20.233,50 (vinte mil, duzentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos) em aberto.
11.Tais quantias mencionadas nos números anteriores perfazem o valor total de € 59.874,68 (cinquenta e nove mil, oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos).
12. Ao valor do capital em dívida referido acrescem os seguintes juros de mora, no valor de € 17.354,02 (dezassete mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e dois cêntimos).
13. Nestes termos, deve a Requerida à Requerente o montante global de € 59.874,68 (cinquenta e nove mil, oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos) correspondente ao capital em dívida, acrescido de juros de mora vencidos, no valor de € 17.354,02 (dezassete mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e dois cêntimos) bem como a quantia de € 40,00 (quarenta euros) a título de despesas de cobrança, tal como previsto pelo D.L. n.º 62/2013 de 10 de Maio.
14. Contas feitas, atualmente, encontra-se em dívida o valor total de € 77.268,70 (setenta e sete mil, duzentos e sessenta e oito euros e setenta cêntimos).
A Executada deduziu oposição à execução mediante embargos de executado, bem como oposição à penhora, alegando, em síntese, na sua Petição de embargos, o seguinte:
- As duas quantias iniciais objeto do procedimento de injunção e agora em execução nos presentes autos não são devidas e, além disso, não são exequíveis, sendo falso quanto alegado pela Exequente quer no requerimento de injunção, quer no requerimento executivo;
- No âmbito do contrato de compra e venda celebrado entre as partes foi acordado que o remanescente do preço – isto é, o montante de 39.641,18 € aqui em execução – só seria pago com a conclusão dos trabalhos de instalação e de parametrização, os quais só seriam considerados concluídos com a emissão pelo cliente final de um auto de medição e com a emissão pela Executada, recebido esse auto de medição, de um auto de receção; ora, não foi junto pela Exequente, quer aos autos injuntivos, quer aos presentes autos executivos, o auto de medição do cliente final, que é condição para a exigibilidade do mesmo montante;
- É falso que, interpelada a Executada para pagamento, esta nada tenha feito, uma vez que respondeu declarando que o valor em causa não era devido, quer porque não tinha sido emitido o auto de medição exigido, quer porque os serviços adicionais acordados não tinham sido prestados, solicitando ainda a sua prestação cabal;
- Não é, assim, a obrigação exequenda, no que respeita ao montante de 39.641,18 €, alegadamente emergente do contrato, exigível, nem certa e líquida, devendo a mesma, em consequência, ser deduzida do valor da execução, juros incluídos;
- Quanto ao segundo valor alegadamente em dívida, no montante de 20.233,50 €, a título de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software alegadamente efetuada, resulta do contrato celebrado entre as partes que a referida prestação de serviços não faz parte das obrigações da Exequente;
- Fica assim demonstrada a falta de certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, quer porque falta o preenchimento de uma condição necessária suspensiva – o auto de medição emitido pelo cliente final – para ser devida, no que respeita ao montante de 39.641,18 €, quer porque, no que respeita ao valor de 20.233,50 €, não obstante se fundamentar a sua exigibilidade no contrato de compra e venda celebrado entre as partes, não constar deste qualquer referência a um acordo de prestação de serviços de renovação de licenciamento, razão pela qual este montante não é também certo, exigível e líquido;
- Quanto aos juros imputados, não são os mesmos líquidos, uma vez que não foram indicados, quer no requerimento de injunção, quer no requerimento executivo os fatores de quantificação para apuramento da dívida de juros - isto é, o início de contagem, a taxa de juro aplicada e a data de termo -, ficando assim demonstrado que não cumpriu a Exequente com o ónus de liquidação dos juros, pois não foi mencionada nem indicada a taxa legal de juros aplicada para o respetivo cálculo, nem o modo e tempo da sua aplicação, o que constitui preterição do cumprimento do ónus de liquidação previsto no art. 716.º do CPC;
- Como resulta do requerimento executivo, não foi pela Exequente alegada a existência de condição suspensiva, quanto mais o cumprimento do ónus previsto no art. 715.º do CPC, pelo que a instância executiva deve ser declarada extinta, por falta de alegação e prova da verificação da condição suspensiva;
- O contrato de compra e venda celebrado entre as partes não abarca a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, pelo que, tendo sido aposta fórmula executória ao requerimento de injunção e demonstrando-se que o mesmo não abarca a referida prestação de serviços, este título certifica, assim, factos falsos, o que constitui vício de nulidade do título e fundamento de extinção da presente instância;
- Noutra perspetiva, entendendo-se que a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software não emerge do contrato de compra e venda, carece a execução da quantia de 20.233,50 € de falta absoluta de título executivo, o que constitui também fundamento de extinção da presente instância executiva;
- Os fundamentos suprarreferidos constituem quer fundamentos dos embargos de execução quer de oposição à penhora, pelo que deve ser determinado o levantamento da penhora;
- O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, de 12 de maio de 2015, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do art. 857.º, n.º 1 do CPC, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção, à qual foi aposta a fórmula executória, pelo que, e conforme a melhor interpretação constitucional, a Embargante impugna toda a matéria de facto constante quer do requerimento de injunção, quer do requerimento executivo, a qual não corresponde à verdade.
Terminou a Embargante concluindo pela procedência da oposição à execução e da oposição à penhora, requerendo, consequentemente, que fosse determinada a extinção da execução, bem como o levantamento da penhora.
Foram admitidos liminarmente os embargos de executado, tendo a Exequente, em 12-04-2022, apresentado Contestação, em que alegou, em síntese, o seguinte:
- Os serviços cujo pagamento é reclamado foram prestados e a solução contratada encontra-se a funcionar, tendo sido solicitada diversas vezes a assinatura do referido auto de medição, sem que tal pedido tenha sido acedido quer pela Executada, quer pelo cliente final;
- O relatório de assistência técnica encontra-se assinado pelo cliente final, assim como o auto de receção está assinado pela Executada e foram emitidos à Executada os licenciamentos de software em causa nos autos, sendo que os serviços prestados pela Exequente de instalação, parametrização e formação não são colocados em causa pela Executada, apenas fundamentando os seus embargos na falta de assinatura do auto de medição;
- Competia à Executada, em estrito cumprimento das cláusulas contratuais, obter essa mesma formalização junto do beneficiário, atuando assim em manifesto abuso de direito;
- Estamos perante um contrato que foi cumprido total e integralmente pela Exequente, faltando, por parte da Executada, o pagamento do preço devido;
- Existe, pois, uma obrigação certa, exigível e líquida, ao invés do alegado pela Executada, não se tratando de uma obrigação condicional, uma vez que os trabalhos de instalação e parametrização executados pela Exequente foram concluídos com sucesso e recebidos pelo cliente final;
- Quanto à liquidação dos juros reclamados, os mesmos foram calculados desde a data de vencimento das faturas em causa, às taxas legais sucessivamente aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, encontrando-se devidamente liquidados tanto no requerimento de injunção como no requerimento executivo, sendo que as taxas de contabilização dos mesmos decorrem da legislação aplicável, inexistindo qualquer preterição do cumprimento do ónus de liquidação, sendo que a Executada nem sequer alega que os juros se encontrem erroneamente calculados;
- A obrigação exequenda é exigível, porquanto decorre do teor do título executivo e encontram-se alegados no requerimento executivo os factos que a corporizam, de acordo com o estabelecido no art. 713.º do CPC;
- A obrigação não é condicional, uma vez que a mesma foi cumprida por parte da Exequente, que prestou os serviços, tendo estes sido recebidos pela cliente final MB S.A., sendo que o auto de medição não se encontra assinado como estratégia da Executada para se furtar ao pagamento aqui devido;
- Relativamente à nulidade do título, concretamente no que respeita à renovação de licenciamento de software, este contrato de prestação de serviços é sequência do contrato de compra e venda suprarreferido, tendo a aqui Exequente prestado os correspondentes serviços, que foram recebidos e nunca reclamados, pelo que o presente título executivo é exequível, inexistindo qualquer fundamento de extinção da instância executiva.
Terminou a Embargada concluindo pela improcedência total dos embargos de executado.
A Embargante apresentou, em 28-04-2022, requerimento em que se pronunciou sobre os documentos juntos com a Contestação, alegando, além do mais, que tais documentos atestam que a Embargante é parte ilegítima nos presentes autos, uma vez que não é interveniente no eventual negócio de software. Mais requereu, em 29-05-2022, a junção de outros documentos.
Respondeu a Embargada, em 09-06-2022, sustentando, além do mais, que a Embargante é parte legítima, “dado que celebrou dois contratos com a Exequente, conforme já alegado”.
Em 24-10-2022, foi determinado que a Secção procedesse à impressão e incorporação nestes autos do expediente que integra o referido procedimento de injunção no qual se formou o título executivo apresentado nos autos de execução.
Foi junto tal documento, do qual consta, além do mais, a carta enviada para notificação da Requerida, elaborada a 13-10-2021, na qual é referido que lhe estava a ser exigido o pagamento de uma dívida relativa a um contrato de Empreitada, no valor total de 77.421,70 €, sendo 59.874,68 € de capital, 40 € de “Outras quantias”, 153 € de Taxa de justiça e 17.354,02 € de juros de mora, pelos fundamentos indicados no requerimento de injunção (que são reproduzidos), mencionando-se designadamente ser muito importante a resposta à notificação e que:
Tem 15 dias para reagir ao pedido de injunção
No prazo de 15 dias após receber esta notificação, pode escolher:
· pagar 77 421,70 € diretamente a quem fez o pedido contra si ou
· responder-nos indicando motivos para não ter a obrigação de pagar
Saiba como pagar ou responder nas páginas seguintes
Tenha em atenção que os 15 dias para reagir ao pedido de injunção apresentado contra si começam a contar no dia a seguir à assinatura do aviso de receção desta notificação.
O que acontece se não fizer nada no prazo de 15 dias
Se não pagar nem responder dentro do prazo:
· Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com exceção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
· O pedido de injunção vai ser suficiente para haver uma ação executiva em tribunal. Por causa dessa ação executiva contra si, os seus bens ou rendimentos podem vir a ser penhorados para pagar o valor que lhe é exigido.
Na ação executiva, o valor a pagar aumenta porque passa também a dever:
· juros pelo atraso no pagamento desde 27-09-2021
· juros de 5% desde a data em que a ação executiva seja possível
· as custas judiciais da ação executiva.”
Após, em cumprimento do determinado no despacho de 28-10-2022, foram as partes notificadas de tal documento, bem como para se pronunciarem quanto à possibilidade de, tendo em atenção o disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, o alegado na Petição de embargos, na parte em que se discute a relação contratual existente entre as partes e que esteve na origem do procedimento de injunção, não constituir fundamento de oposição à presente execução mediante embargos de executado, bem como quanto à possibilidade de, em sede de despacho saneador, se conhecer, desde já, por o estado dos autos o permitir, de tal questão e das demais questões suscitadas nos autos, bem como quanto à possibilidade de dispensa da audiência prévia, ao abrigo do disposto no art. 6.º, n.º 1, do CPC.
Em resposta, a Exequente/Embargada sustentou, mediante requerimento apresentado em 14-11-2022, que se mostram precludidos os meios de defesa que a Executada poderia invocar em sede de oposição ao procedimento de injunção, ficando limitada a sua defesa nos presentes autos, porquanto o alegado pela Executada não se enquadra em nenhuma das exceções previstas no n.º 2 do art. 14.º-A do anexo ao DL n.º 269/98. Concluiu, assim, pela improcedência dos embargos, por força das aludidas disposições legais, a decidir em sede de despacho saneador.
A Executada/Embargante, por sua vez, em requerimento apresentado a 15-11-2022, opôs-se à dispensa da realização de audiência prévia e reiterou que o art. 857.º do CPC, na atual redação, é inconstitucional, mantendo-se válidos os fundamentos com base nos quais o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade daquela norma nas suas anteriores redações, bem como do art. 814.º, n.º 2, do anterior CPC. Alegou ainda que os fundamentos de embargos concretamente invocados se subsumem ao art. 729.º do CPC, sendo que a incerteza, a inexigibilidade e a iliquidez das obrigações exequendas (que são duas obrigações distintas, emergentes de dois distintos contratos) resultam necessariamente da relação contratual entre as partes que esteve na origem do procedimento de injunção, não se discutindo essa relação, mas os factos que integram a causa de pedir do requerimento injuntivo – que podem e devem ser discutidos e conhecidos pelo Tribunal – sob pena de denegação (inconstitucional) de justiça.
Invocou ainda a ineptidão do requerimento injuntivo, “quer por contradição quanto à sua causa de pedir, quer por contradição entre a causa de pedir e o pedido”, alegando, em síntese, que falta a causa de pedir - traduzida na invocação do contrato de prestação de serviços de licenciamento de software, que fundamentaria o pedido de pagamento da quantia respetiva em causa [al. a) do n.º 1 do art. 186.º do CPC] -, e estar a causa de pedir em contradição com o pedido - por o contrato de 05-05-2012 (terá pretendido dizer 05-05-2017) não ser fundamento para o pedido de pagamento no que concerne ao licenciamento de software [al. b) do n.º 2 do art. 186.º do CPC]. Conclui, por isso, que é inepto o requerimento injuntivo e mais ainda o requerimento executivo, o que origina a nulidade de todo o processo, a qual é de conhecimento oficioso e acarreta a absolvição da instância.
Foi realizada audiência prévia, em 09-05-2023, com as finalidades previstas nas alíneas a), b) e d) do art. 591.º, n.º 1, do CPC, tendo-se frustrado a conciliação das partes e sido ouvidas as mesmas quanto à possibilidade de o alegado na Petição de embargos, na parte em que se discute a relação contratual existente entre as partes e que esteve na origem do procedimento de injunção, não constituir fundamento de oposição à presente execução mediante embargos de executado, por força do disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, conjugado com o art. 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, bem como quanto à possibilidade de se conhecer, em sede de despacho saneador, a proferir por escrito, das demais questões objeto dos embargos de executado.
De seguida, tendo o Tribunal considerado que o estado dos autos o permitia, foi proferido o Saneador-sentença (recorrido), cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, decide-se:
- Não tomar conhecimento da presente oposição mediante embargos de executado, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da petição de embargos, a respeito de o pagamento do valor de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, a respeito de a prestação a que respeita esse valor não estar abrangida no contrato celebrado entre as partes);
- No mais, julgar improcedente a presente oposição mediante embargos de executado e, consequentemente, determinar o prosseguimento da execução;
- Indeferir o pedido de levantamento da penhora.
Fixa-se o valor do presente incidente de oposição à execução mediante embargos de executado em €78.471,56 (setenta e oito mil quatrocentos e setenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos)
Custas pela Embargante.
Notifique e registe.
Comunique à Sra. Agente de Execução.”
É com esta decisão que a Embargada não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões (que, apesar de prolixas, se reproduzem, pois possibilitam a compreensão do objeto do recurso; sublinhado nosso):
a) O presente recurso vem interposto do Douto Despacho Saneador-Sentença datado de 8 de Agosto de 2023 (…)
b) Esta decisão julgou: “(…)”
c) O presente recurso jurisdicional tem também por objecto a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual, salvo o devido respeito e melhor entendimento de Vossas Excelências, é claramente insuficiente, na sua extensão, não tendo o Douto Tribunal a quo, levado a factos, tudo quanto articulado pela ora Recorrente na sua petição inicial que foi confessado pela Recorrida nos seus articulados (como aliás a própria decisão recorrida disso dá conta e nota), e que são essenciais para o julgamento da presente lide.
d) Assim, no presente recurso requer-se o aditamento de factos à decisão da matéria de facto – os quais resultam amplamente demonstrados, e foram até admitidos por acordo das partes (confissão) – os referentes aos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 31.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, e 45.º da petição inicial da ora Recorrente;
 e) Salvo o devido respeito, que é muito, e melhor entendimento deste Alto Tribunal, entende a ora Recorrente que a douta decisão recorrida padece de vários vícios, reclamando por isso, para a sua sanação e devida composição jurídica, a intervenção deste Alto Tribunal.
f) Desde logo, e em 1.º lugar, a douta sentença recorrida padece de nulidade, por – aliás confessadamente –, não ter conhecido questões que (ao contrário do defendido) estava obrigada a conhecer, nos termos da al. d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
g) Depois, em 2.º lugar, entende a Recorrente que a douta sentença recorrida faz uma interpretação inconstitucional do direito aplicável, e que aplicou no seu julgamento, designadamente, faz uma interpretação inconstitucional quer do artigo 857.º, n.º 1, do CPC, quer do artigo 731.º do CPC, ao interpretar as mesmas normas no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção, ao qual foi aposta fórmula executória.
h) Ou, noutra perspectiva, aplicou estas normas com sentido e âmbito delimitativo inconstitucional;
i) A douta decisão recorrida padece ainda de erros de julgamento, quer de julgamento da matéria de facto, como já infra referido, por insuficiência da mesma, quer de erros de julgamento da matéria de direito – fazendo uma errada aplicação do direito;
j) Em suma, os concretos pontos objecto do presente recurso são os seguintes: 1) Nulidade da sentença; 2) Interpretação inconstitucional do direito aplicável ou aplicação de direito inconstitucional; 3) Erro de julgamento sobre a matéria de facto – deficiente e insuficiente julgamento dos factos; 4) Erros de julgamento no Direito;
k) Como resulta da própria decisão recorrida, o Douto Tribunal a quo decidiu “Não tomar conhecimento da presente oposição mediante embargos de executado, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo; porque em seu entender o âmbito de defesa previsto no artigo 857.º, n.º 1 do CPC não o permite;
l) Contudo, como fica demonstrado, estava o Douto Tribunal a quo obrigado a fazê-lo, pelo que, não o tendo feito, padece a douta sentença recorrida de nulidade, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
m) A norma do artigo 857.º, n.º 1 do CPC, na sua actual redacção, introduzida pela Lei n.º 117/2029, de 13 de Setembro, é inconstitucional, por violação, entre outros do princípio da proibição da indefesa, uma vez que o actual regime, ao contrário e ao arrepio do julgado constitucional, continua a limitar os fundamentos de oposição à execução fundada em título executivo de injunção à qual foi aposta fórmula executória aos fundamentos da execução fundada em sentença, e não aos fundamentos de oposição à execução comuns aos demais títulos executivos, impedindo assim a apreciação por um Tribunal de todos os fundamentos de defesa.
n) Não sendo o título executivo de injunção à qual foi aposta fórmula executória uma sentença, não tendo nesse título se verificado qualquer intervenção de um juiz, não pode este título ser equiparada a uma sentença (princípio da reserva de juiz) – como o artigo 857.º, n.º 1 do CPC equipara –, mas sim aos demais títulos executivos em que essa intervenção também não se verifica, sob pena de (persistente) inconstitucionalidade.
o) Sendo verdade que a norma do artigo 857.º, n.º 1, do CPC julgada inconstitucional com força obrigatória geral, é a norma resultante da redacção da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, é também verdade que a actual redacção do artigo 857.º, n.º 1 do CPC, resultante da Lei n.º 11/19, de 13 de Setembro, em nada alterou o respectivo âmbito de aplicação – que se mantém o mesmo;
p) Com efeito, embora possa parecer que a nova redacção do artigo 857.º, n.º 1, do CPC alarga os fundamentos de embargos, por remissão para o artigo 14.º- A, do referido Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, a verdade é que tal remissão é uma mera tautologia, nada acrescentando ao âmbito de aplicação do artigo 857.º do CPC, julgado inconstitucional pelos supra citados Acórdãos
q) Pura e simplesmente porque, os fundamentos que nos termos desta norma se não encontram precludidos – previstos nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 14.º A – são os mesmos que já se podiam usar.
r) Deste modo o âmbito dos meios de defesa não foram aumentados, não se tendo dando cumprimento, com a actual redacção do artigo 857.º, n.º 1, do CPC, ao juízo de inconstitucionalidade declarado com força obrigatória geral pelo Tribunal Constitucional.
s) Com efeito, na prática, o requerimento executivo a que tenha sido aposta fórmula executória continua a ser equiparado a uma sentença, não obstante a não intervenção de um juiz, continuando a limitar-se os meios de defesa aos meios de defesa de oposição por embargos a uma execução titulada por sentença – como disso constitui exemplo paradigmático a douta sentença recorrida
t) Acresce, por último, que as regras do artigo 225.º do CPC, dos seus n.º 2 a 5, só se aplicam à citação de pessoas singulares, e não de pessoas colectivas, como é o caso da Executada – uma vez que só as pessoas singulares podem ser advertidas com ciência e consciência
u) Pelo que, o argumento da citação pessoal não constitui fundamento relevante quanto a pessoas colectivas, como é o caso da ora Recorrida.
v) Deste modo, a decisão do Douto Tribunal a quo, de “Não tomar conhecimento da presente oposição mediante embargos de executado, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da petição de embargos, a respeito de o pagamento do valor de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, a respeito de a prestação a que respeita esse valor não estar abrangida no contrato celebrado entre as partes)” por não constituírem fundamentos de oposição à presente execução mediante embargos de executado...” constitui:
1) aplicação de norma inconstitucional – do artigo 857.º, n.º 1 do CPC – por violação do princípio da proibição da indefesa, previsto no artigo 20.º da CRP e do princípio da reserva de juiz;
2) ou, noutra perspectiva, interpretação inconstitucional do artigo 857.º, n.º 1 do CPC, por violação dos mesmos princípios, da proibição da indefesa previsto no artigo 20.º da CRP, e da reserva de juiz.
w) Nestes termos, por provados (quer por confissão, quer por prova documental, como é até referido na decisão recorrida), devem ser aditados à especificação, os seguintes factos:

1) O contrato de compra e venda tem por objecto a aquisição de material de hardware e software e a sua instalação e parametrização (cfr. Doc. 1, Considerando C);
2) O contrato de compra e venda celebrado pela Embargante no âmbito da sua actividade de trading, destinando-se o material de hardware e software e a sua instalação e parametrização, para um cliente final, a sociedade “MB, S.A.”;
3) O Contrato de compra e venda tem o valor de € 290.062,13 (cfr. Doc. n.º 1);
4) O Contrato de Compra e venda não inclui o valor de € 20.233,50, relativo à prestação de serviços de renovação de licenciamento de software (cfr. Doc. n.º 1);
5) O contrato de compra e venda não inclui no seu objecto a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software à sociedade MB (cfr. Doc. n.º 1);
6) Os serviços de renovação de licenciamento de software, a terem sido prestados, foram prestados à sociedade “MB, S.A”, situada em Luanda;
7) No que respeita à forma de pagamento, foram acordados 4 (quatro) pagamentos, tendo sido pagos os 1.º, 2.º e 3.º pagamento, respectivamente dos valores de € 101.521,75 (cfr., al. a) da clausula 3.ª do Doc. n.º 1), € 101 521,75 (cfr., al. b) da clausula 3.ª do Doc. n.º 1) e € 43.509,32 (cfr. al. c) da clausula 3.ª do Doc. n.º 1).
8) É a seguinte a redacção da al. d) da clausula 3.ª: “O remanescente do preço” (...), isto é, o montante de € 39.641,18, depois de acertos “... será integralmente pago pela Segunda Contraente à Primeira Contraente com a conclusão, com sucesso, dos trabalhos de instalação e parametrização tal como definidos na Clausula Quarta infra. Para o efeito, os trabalhos de instalação e parametrização serão considerados concluídos, com sucesso, após emissão, por parte do Cliente Final, de um auto de medição que certifique a integral entrega e correcta instalação de todo o material e da posterior emissão, por parte da Segunda Contraente, de um auto de recepção, o qual deverá ser emitido no prazo máximo de 10 dias a contar da emissão, pelo Cliente Final, do referido auto de medição”;
9) A título de obrigação acessória, as partes acordaram na clausula 5.ª que, “Com a entrega do material ao Cliente Final, a Primeira Contraente compromete-se, assim que solicitada por escrito pela Segunda Contraente para o efeito e num prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar dessa data, a fazer deslocar, a suas expensas, uma equipe técnica às instalações do Cliente Final, sitas na MB, em Luanda, Angola, afim de proceder à instalação e parametrização necessárias ao cabal funcionamento do Material, assim como proceder à adequada formação do pessoal a indicar pelo Cliente Final, nomeadamente, aquela que esta última entender como necessária para o bom manuseamento do Material”;
10) As Partes acordaram que o remanescente do preço – isto é, o montante de € 39.641,18 aqui em execução – só seria pago com a conclusão dos trabalhos de instalação e de parametrização, os quais só seriam considerados concluídos com a emissão pelo Cliente Final de um auto de medição, e com a emissão pela Executada, recebido esse auto de medição, de um auto de recepção;
11) Não foi junto pela Exequente quer aos autos injuntivos quer aos autos executivos, o auto de medição do cliente final;
12) O auto de mediação final, e o subsequente auto de recepção, eram condições para o pagamento do remanescente;
13) A Exequente não fez menção ao auto de mediação final nem ao auto de recepção no seu requerimento executivo (cfr. requerimento executivo);
14) nem ao qualquer menção ao mesmo, quer no seu RI antecedente, que neste RE;
15) Em 11/11/2019, a Executada recebeu da Exequente uma Carta de Interpelação, datada de 8/11/2019, através da qual veio a BB informar que tinha solicitado aos seus advogados “a ... interposição de processo judicial de forma a obter o pagamento de 63.612,04 € que se encontram em dívida, acrescidos dos respectivos juros legais”, aguardando o prazo de 5 dias ou para o seu pagamento integral ou para a apresentação de uma proposta de pagamento (cfr. Doc. n.º 2);
16) A Executada respondeu à carta de interpelação, dizendo: “(...) para garantir que estas obrigações relativas à prestação dos referidos serviços complementares seriam integralmente cumpridas por parte da vossa cliente, acordou-se que o supra referido quarto e último pagamento apenas seria legalmente exigível após a integral e boa conclusão desses mesmos serviços. (...) Lamentavelmente, e por motivos exclusivamente imputáveis à vossa cliente e que dessa forma apenas a mesma poderá justificar, ainda não foi possível receber do cliente final a validação sobre a conclusão, com sucesso, de tais serviços complementares. Logo, ainda não nos foi possível obter o supra referido documento que desencadeará a nossa obrigação de cumprimento da liquidação do último pagamento acordado” (cfr. Doc. n.º 3);
17) Referindo ainda expressamente que:“Seria, pois, a nosso ver importante que a vossa cliente validasse internamente quais os motivos subjacentes a esta situação, bem como qual a melhor forma de concluir os serviços, tal como descritos na clausula quinta do supra referido contrato, que nesta data ainda se encontram pendentes de conclusão” (cfr. Doc. n.º 3).
18) Em 27/12/2020, foi pela Exequente enviado à Executada, carta recebida em 12/01/2020, através da qual a Exequente vem reclamar a existência dos seguintes valores em divida: a) € 36.964,08, a título de valor remanescente emergente do Contrato de Compra e Venda, nos termos da al. d) da clausula 3.ª, b) € 20.233,50, a título de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software alegadamente efectuada (cfr. Doc. n.º 4);
19) Nesta carta a Exequente volta a não juntar o “Auto de Medição” do Cliente Final (cfr. Doc. n.º 4);
20) Nos termos da clausula 8.ª, n.º 2, do Contrato, era obrigação da Segunda Contraente, isto é, da Executada, “... reunir todas as condições técnicas que sejam necessárias à boa execução dos trabalhos por parte da Primeira Contraente, obtendo todo o licenciamento ou outros formalismos legais que lhe sejam exigíveis para o bom desenrolar dos trabalhos da Primeira Contraente”;
21) Não foram indicados pela Exequente no RI e no RE os factores de quantificação para apuramento da divida de juros – o inicio de contagem, a taxa de juro aplicada e a data de termo;
22) Já depois da entrada em juízo do RE, e dos embargos de executado, a Exequente enviou à ora, 10 de Maio de 2022, carta de interpelação para o pagamento da quantia de € 20.233,50, a título de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, juntandi as mesmas facturas, sob pena de, como termina, dar por definitivamente incumprido o alegado contrato de prestação de serviços;
23) Tendo a ora Recorrente respondido que não tinha celebrado aquele contrato, que o desconhecia, e que a referida imputação era até caluniosa;
24) A exequente não juntou aos autos, sendo totalmente desconhecido do mesmo, o contrato de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software.

x) Como fica demonstrado, todos estes factos estão provados, por prova documental e até por confissão da Exequente, como até resulta da douta sentença recorrida, ao referir expressamente ter sido a seguinte a posição da Exequente, em sede de Contestação: - “A obrigação não é condicional, uma vez que a mesma foi cumprida por parte da Exequente, que prestou os serviços, tendo estes sido recebidos pela cliente final MB S.A., sendo que o auto de medição não se encontra  assinado, como estratégia da Executada para se furtar ao pagamento  aqui devido; - Relativamente à nulidade do título, concretamente no que respeita à renovação de licenciamento de software, este contrato de  prestação de serviços é sequência do contrato de compra e venda supra referido, tendo a aqui Exequente prestado os correspondentes serviços, que foram recebidos e nunca reclamados, pelo que o presente titulo executivo é exequível, inexistindo qualquer fundamento de extinção da presente instância executiva”;
y) Quanto a erros de julgamento de direito, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter julgado improcedente a excepção dilatória de ineptidão do requerimento executivo;
z) Como resulta do requerimento de injunção, o fundamento da injunção é o contrato, denominado pela Exequente, de empreitada, datado de 05/05/2017, pelo período de 05/05/2017 a 17/07/2018;
aa) Já em sede de Contestação veio a Exequente confessar – o que à data se aceitou – que a quantia em causa emergia de um contrato de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software (cfr. artigo 21.º da Contestação) – isto é, veio confessar que tal crédito emergiria de um outro contrato, que não o contrato de empreitada de 05/05/2017 (cfr. artigo 22.º da Contestação);
bb) Assim, quer porque falta a causa de pedir traduzida na invocação do contrato de prestação de serviços de licenciamento de software, que fundamentaria o pedido de pagamento da quantia respectiva em causa (al. a) do n.º 1 do artigo 186.° do CPC), quer porque está a causa de pedir em contradição com o pedido – porque o contrato de 05/05/2012 [sic, trata-se de lapso de escrita, será 05-05-2017] não é fundamento para o pedido formulado de pagamento, também, do licenciamento de software (al. b) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC), a verdade é que é inepto o requerimento injuntivo e mais ainda o requerimento executivo, o que origina nulidade de todo o processo;
cc) Mal andou também a douta Sentença recorrida ao ter julgado a ora Recorrente parte legitima no que respeita ao contrato de prestação de serviços de renovação de licenciamento, até porque desconhecem estes autos, em absoluto, porque não foi junto, o contrato de prestação de serviços de renovação de licenciamento – quando foi celebrado, em que consistia, quantidades, trabalhos, prazo de execução, etc;
dd) Como fica demonstrado, os fundamentos concretamente alegados pela ora Recorrente são admissíveis em sede de oposição, nos termos do artigo 731.º do CPC, pelo que estava o douto tribunal a quo obrigado a conhecê-los;
ee) Nos termos do disposto no artigo 713.º do CPC, constituem requisitos da obrigação exequenda a sua certeza, exigibilidade e liquidez, devendo a execução principiar pelas diligências para a tornar certa, exigível e líquida, quando em face do título executivo não reunir estas circunstâncias.
ff) Como demonstrado, a alegada obrigação exequenda constante do título executivo que funda a acção executivo não é certa, exigível nem líquida;
gg) Foi acordado entre as Partes que o remanescente do preço – isto é, o montante de € 39.641,18 aqui em execução – só seria pago com a conclusão dos trabalhos de instalação e de parametrização, os quais só seriam considerados concluídos com a emissão pelo Cliente Final de um auto de medição, e com a emissão pela Executada, recebido esse auto de medição, de um auto de recepção;
hh) Ora, não foi junto pela Exequente quer aos autos injuntivos quer aos autos executivos, o auto de medição do cliente final, que era condição para a exigibilidade do mesmo montante;
ii) Nem faz a Exequente qualquer menção ao mesmo, quer no seu RI antecedente, que neste RE
jj) Não é assim a obrigação exequenda, no que respeita ao montante de € 39.641,18, alegadamente emergente do contrato, exigível nos termos do mesmo, nem certa e líquida como se demonstra – devendo a mesma, em consequência, ser deduzida do valor da execução, juros incluídos.
kk) Quanto ao segundo valor alegadamente em dívida, é pela Exequente, ora Recorrida referido inicialmente quer no RI quer no presente RE que o mesmo resulta do Contrato de Compra e Venda celebrado
ll) Bastando a leitura do Contrato de Compra e Venda para se constatar que a referida prestação de serviço não faz parte das obrigações da Exequente – como aliás veio depois a ser confessado pela própria exequente, ora recorrida
mm) Não constando dos autos, sendo de todo omisso, o contrato de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software.
nn) Fica assim demonstrado a falta de certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação exequenda, quer porque lhe falta o preenchimento de uma condição necessária suspensiva – o auto de medição emitido pelo Cliente Final – para ser devida, no que respeita ao montante de € 39.641,18, quer porque, não obstante se fundamentar a sua exigibilidade neste, não constar do Contrato de Compra e Venda qualquer referência a um acordo de prestação de serviços de renovação de licenciamento, e o indicado valor de € 20.233,50 – não sendo este montante, consequentemente, também certo, exigível e líquido.
oo) Quer ainda por não constar dos autos o contrato de prestação de serviço de renovação de licenciamento
pp) Julgou a douta sentença recorrida erradamente o não incumprimento pela Recorrida do ónus previsto no artigo 715.º do CPC, com fundamento em que, atendendo ao título aqui em causa, a exigibilidade da obrigação apenas pode ser apreciada em face do título;
qq) Pois nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 715.º do CPC, “quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efectuou ou ofereceu a prestação”.
rr) E como resulta do RE, não foi pelo Exequente sequer alegado a existência de condição suspensiva, quanto mais o cumprimento do ónus previsto no artigo 715.º do CPC
ss) Entendeu por último erradamente mais uma vez a douta sentença recorrida, que não se verifica o fundamento deduzido de inexistência, inexequibilidade e nulidade do título – estritamente com fundamento na interpretação inconstitucional que fez do artigo 731.º do CPC, cujos fundamentos julgou aqui inaplicáveis.
tt) Pois como fica demonstrado, não só são os mesmos fundamentos aplicáveis, como resulta inequivocamente demonstrada a inexistência, inexequibilidade e nulidade do título executivo.
Terminou a Apelante requerendo que seja julgada procedente a oposição deduzida por meio de embargos, por se verificarem os respetivos fundamentos.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Apelada terminou, defendendo o seguinte:
“Inexistindo, assim, qualquer falta de causa de pedir ou contradição que conduza a erro de julgamento ou à nulidade da sentença em crise.
Resumindo, a obrigação exequenda é líquida, certa e exigível, não padecendo a sentença de qualquer nulidade que obrigue à sua alteração.
Não merecendo qualquer censura, resulta como evidente que a douta sentença recorrida, deverá ser mantida in totum.”
No despacho que admitiu o recurso, o tribunal de 1.ª instância pronunciou-se ainda nos seguintes termos:
“Afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que a decisão recorrida não padece da nulidade que lhe é assacada pela recorrente.
Com efeito, na decisão recorrida não se tomou conhecimento da oposição mediante embargos de executado, na parte em que se discutia a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da petição de embargos).
Contudo, pelas razões referidas na decisão ora colocada em crise, que aqui se reiteram, entende-se que este tribunal não deveria apreciar tais questões, não existindo, por isso, salvo melhor opinião, qualquer nulidade da decisão recorrida (designadamente a prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC) que cumpra suprir ou qualquer razão para que se proceda à reforma da mesma, nos termos previstos no artigo 617.º, n.ºs 1 e 2”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir (pela ordem que nos parece mais lógica):
1.ª) Se está verificada a exceção de nulidade de todo o processo, por ineptidão do requerimento de injunção e do requerimento executivo (por falta da causa de pedir e contradição entre esta e o pedido);
2.ª) Se a Executada é parte ilegítima;
3.ª) Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, ao recusar conhecer, em face do disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC, dos fundamentos invocados na Petição de embargos atinentes à relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo;
4.ª) Se devem ser aditados ao elenco dos factos provados as alegações constantes dos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 31.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, e 45.º da Petição de embargos;
5.ª) Se inexiste, é inexequível ou nulo o título executivo;
6.ª) Se a obrigação exequenda não é exigível, nem certa e líquida.
Da nulidade de todo o processoIneptidão do requerimento de injunção e do requerimento executivo
Na decisão recorrida teceram-se, no que ora importa, as seguintes considerações de direito:
Da exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo
a) Conforme referido, a Embargante alegou que é inepto o requerimento injuntivo, bem como requerimento executivo, o que origina a nulidade de todo o processo, com a consequente absolvição da instância da Executada.
Cumpre apreciar.
b) (…) [segue-se o elenco dos factos que foram considerados provados com relevância para apreciação desta questão e das demais objeto da oposição mediante embargos de executado]
Antes de mais, importa referir que a Embargante, no alegado, suscita duas questões diferentes que, como tal, merecem tratamento diferenciado.
Por um lado, a questão da ineptidão do requerimento de injunção, questão essa que, conforme se verá, configura fundamento específico de oposição à execução baseada em requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória e que será apreciada nesse âmbito. Por outro lado, a questão da ineptidão do requerimento executivo, a qual, a ser procedente, origina a nulidade de todo o processado, no âmbito da ação executiva e que, por isso, deverá ser agora apreciada, no âmbito da apreciação da eventual existência de nulidades processuais.
De acordo com o disposto no artigo 552.º, n.º 1 alínea d) do CPC, na petição com que propõe a ação, o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação, isto é, deve indicar a causa de pedir ou a fonte do direito invocado, o ato ou o facto jurídico no qual se baseia para formular o seu pedido e de que, no seu entender, o direito procede.
Por sua vez, o artigo 186.º, n.º 2, do CPC, no que ora releva, estabelece que petição inicial é inepta sempre que falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (alínea a)) ou quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir (alínea b)).
Na alínea a) estão incluídas duas patologias inerentes à causa de pedir e que, em qualquer caso, terão como consequência a ineptidão a petição inicial: ou se está perante a total ausência de causa de pedir (ou seja, da falta de alegação dos factos concretos essenciais nos quais assenta a pretensão do autor) ou se está perante uma exposição desses factos de uma forma obscura ou ambígua “de modo a que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir” (cf. Alberto dos Reis, in Comentário, Volume II, pág. 371).
Na alínea b), por sua vez, estão em causa situações em que se verifique uma incompatibilidade formal entre o pedido e a causa de pedir, que revele uma absoluta falta de nexo lógico, quando o pedido e a causa de pedir se neguem reciprocamente (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31-10-2019, proferido no processo n.º 4180/18.0T8BRG.G1, e do Tribunal da Relação de Évora, de 17-06-2021, proferido no processo n.º 112/20.4T8TNV-E1, acessíveis, como dos demais indicados, a partir da hiperligação www.dgsi.pt).
No caso da ação executiva, as referidas exigências respeitantes à causa de pedir decorrem igualmente do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 724.º do CPC, no qual se estabelece que, no requerimento executivo, o exequente deve expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo.
A este respeito, Amâncio Ferreira refere o seguinte [cf. Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 155]:
«A fundamentação fáctica e jurídica da demanda executiva é, em geral, mais simples que a do processo de declaração, bastando, por vezes, a referência ao título executivo, quando dele conste a narração dos factos que integram a causa de pedir, e a indicação dos preceitos processuais em que se apoia a competência do Tribunal, a força executiva do título e a legitimidade das partes; se esta não resultar directamente do título executivo, torna-se necessário invocar os factos e os fundamentos jurídicos em que se apoia (...).».
E, mais adiante, acrescenta ainda este mesmo Autor [cf., ob. cit., págs. 157-158]:
«O credor só não terá necessidade de indicar a causa de pedir no requerimento executivo (...) quando ela constar do título executivo, como é a regra nas sentenças condenatória e nos documentos notariais.
Com efeito, o título executivo junto com o requerimento executivo deve considerar-se parte integrante deste e suprir, por isso, as lacunas de que o requerimento enferme (...).».
Como é sabido, todo o processo executivo tem necessariamente por base um título (cf. artigos 10.º, n.º 5, e 703.º do CPC), cuja cópia ou original deve acompanhar o requerimento executivo (cf. artigo 724.º, n.º 4, alínea a), do CPC).
O título executivo, para além de determinar o fim da execução, que pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo (cf. o n.º 6 do referido artigo 10.º), define os limites objetivos e subjetivos da execução, sendo ainda com base nele que se afere da legitimidade ativa e passiva (cf. artigo 53º do CPC) e ainda da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda (cf. o artigo 713.º do CPC).
No caso em apreço, o título executivo é um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, do qual constam os factos integradores da causa de pedir, sendo certo que, no requerimento executivo, a Exequente fez referência sumária a tais factos e identificou o título executivo, onde os mesmos constam de forma mais desenvolvida, tendo igualmente formulado um pedido exequendo, tendo por base o referido título executivo, liquidando ainda os juros entretanto vencidos.
Refira-se ainda que, conforme adiante se verá, o requerimento de injunção junto como título executivo não padece de qualquer ineptidão, com base nos fundamentos alegados pela Embargante.
Significa isto que, em face do título executivo junto, bem como do alegado no requerimento executivo, encontra-se indicada, sendo perfeitamente inteligível, a causa de pedir na presente execução, não existindo igualmente qualquer contradição entre tal causa de pedir o pedido formulado.
c) Face ao exposto, julga-se improcedente a exceção dilatória de ineptidão do requerimento executivo.
*
O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem de todo.”
E mais adiante, na decisão recorrida, julgou-se não verificada a exceção de ineptidão do requerimento de injunção, o que se fundamentou nos seguintes termos:
“Conforme referido, a Embargante alegou que de tudo quanto invocou em sede de Embargos de Executado resulta a ineptidão do requerimento injuntivo, quer por contradição quanto à sua causa de pedir, quer por contradição entre a causa de pedir e o pedido, quer porque falta a causa de pedir traduzida na invocação do contrato de prestação de serviços de licenciamento de software, que fundamentaria o pedido de pagamento da quantia respetiva em causa (al. a) do n.º 1 do artigo 186.º do CPC), quer porque está a causa de pedir em contradição com o pedido – porque o contrato de 05/05/2012 não é fundamento para o pedido formulado de pagamento, também, do licenciamento de software (al. b) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC).
Conforme decorre do artigo 857.º, n.º 3, alínea b), do CPC, e do artigo 14.º-A, n.º 2, alínea a), segunda parte, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, constitui fundamento de oposição à execução, neste caso, a ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso. Assim, a ineptidão do requerimento de injunção, constituindo uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso (cf. os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, 278.º, alínea b), 577.º, alínea b) e 578.º do CPC), pode ser invocada enquanto fundamento de oposição à execução.
Não obstante, tal meio de defesa deveria ter sido invocado na petição de oposição à execução e não em momento posterior (como aconteceu), atendendo ao princípio da concentração da defesa, consagrado no artigo 573.º do CPC.
Sempre se dirá, no entanto, que, contrariamente ao invocado pela Embargante, não se verifica qualquer ineptidão do requerimento de injunção.
Ora, e tendo em atenção o acima referido, aquando da análise da invocada ineptidão do requerimento executivo, a respeito da interpretação do disposto as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC, é de concluir que, no requerimento de injunção que serve de título executivo, é perfeitamente inteligível qual a causa de pedir, no que respeita às quantias de capital aí peticionadas. Quanto à quantia de €39.641,18, é feita referência ao contrato celebrado entre as partes, bem como às respetivas cláusulas e às obrigações dele decorrentes, bem como às faturas em dívida, cujo pagamento é peticionado (cf. os pontos 1 a 9 dos factos alegados no requerimento de injunção); no que respeita à quantia de €20.233,50, foi alegado que tal valor diz respeito uma a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, acordada entre as partes, indicando-se ainda as correspondentes faturas cujo pagamento é peticionado (cf. o ponto 10, idem).
Encontra-se, assim, suficientemente descrita e delimitada, de forma perfeitamente inteligível, a causa de pedir em que a Exequente, em tal requerimento de injunção, fundou o pedido aí formulado.
Por outro lado, não se vislumbra a existência de qualquer contradição entre a causa de pedir e o pedido, uma vez que, tendo em atenção o alegado no requerimento de injunção, o pedido formulado tem um nexo perfeitamente lógico com a causa de pedir invocada, nos termos expostos. Ou seja, em consequência do contrato descrito nos pontos 1 a 9 do requerimento de injunção, relativamente ao qual, segundo alegou a requerente, estava em dívida o valor de €39.641,18, bem como do acordo referido no ponto 10 (que, contrariamente ao que sustenta a Embargante, não se confunde com o contrato referido nos pontos anteriores), relativamente ao qual se alegou estar em dívida a quantia de €20.233,50, foi formulado um pedido de pagamento de capital correspondente à soma destes dois valores (cf. o ponto 11 do requerimento de injunção), acrescido de juros de mora (cf. o ponto 12, idem).
Assim, conclui-se, pela inexistência da invocada ineptidão do requerimento de injunção, improcedendo o alegado pela Embargante a este respeito.”
A Apelante considera que a decisão recorrida está errada, argumentando, em síntese, que:
- Como resulta do requerimento de injunção, o fundamento da injunção é o contrato, denominado pela Exequente de empreitada, datado de 05-05-2017, pelo período de 05-05-2017 a 17-07-2018, tendo, em sede de Contestação, a Exequente confessado que a quantia em causa emergia de um contrato de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software (cf. artigo 21.º da Contestação), isto é, veio confessar que tal crédito emergiria de um outro contrato, que não o contrato de empreitada de 05-05-2017 (cf. artigo 22.º da Contestação);
- Assim, quer porque falta a causa de pedir traduzida na invocação do contrato de prestação de serviços de licenciamento de software, que fundamentaria o pedido de pagamento da quantia respetiva em causa [al. a) do n.º 1 do artigo 186.° do CPC], quer porque está a causa de pedir em contradição com o pedido, porque o contrato de 05-05-2017 não é fundamento para o pedido formulado de pagamento, também, do licenciamento de software [al. b) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC], é inepto o requerimento injuntivo e mais ainda o requerimento executivo, o que origina nulidade de todo o processo.
Apreciando.
Nos termos do art. 186.º, n.ºs 1 e 2, do CPC da petição, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, sendo inepta a petição “a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.
A nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial constitui uma exceção dilatória nominada, de conhecimento oficioso, conducente, consoante os casos, ao indeferimento liminar da petição ou à absolvição dos réus da instância - cf. artigos 186.º, 196.º, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. b), e 590.º, n.º 1, todos do CPC.
Tendo em atenção a tramitação do procedimento de injunção, há que reconhecer que o requerimento de injunção equivale a uma petição inicial de ação declarativa, sendo certo que naquele requerimento deverá o requerente, além do mais, deve identificar as partes, formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas, bem como expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão (cf. art. 10.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, e art. 552.º do CPC).
Assim, quando falte no requerimento de injunção a exposição (ainda que sucinta) dos factos que fundamentam a pretensão, será de concluir (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 186.º, isto é, quando tal falta seja sanável) pela sua ineptidão, com as legais consequências, ou seja, a procedência da aludida exceção dilatória de conhecimento oficioso. Nem podia ser de outra forma, sob pena até de subversão de princípios basilares do processo civil: o dispositivo e o contraditório (como poderia o requerido deduzir oposição se não lhe fosse dado conhecimento dos factos em que o requerente estribava a sua pretensão?). Neste sentido, a título exemplificativo, destacamos os seguintes acórdãos (disponíveis em www.dgsi.pt):
- o acórdão da Relação de Guimarães de 27-06-2019, no proc. n.º 30491/18.7YIPRT.G1, em cujo sumário se refere:
“1. A petição inicial é inepta quando falte a indicação da causa de pedir, consubstanciada nos factos concretos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
2. Embora num requerimento de injunção se tenha de formular a causa de pedir e o pedido num modelo aprovado pelo Ministério da Justiça (nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09), o que implica uma necessária concisão, a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respectiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio.”
- o acórdão da Relação do Porto de 21-06-2022, proferido no proc. n.º 3052/21.6T8MAI-A.P1, em que se confirmou a decisão recorrida, que julgou procedente a exceção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento de injunção e, consequentemente, do requerimento executivo, absolvendo a executada da instância executiva, pelas razões sintetizadas nos pontos II e III do respetivo sumário, com o seguinte teor:
“II - A lei não dispensa o requerente de invocar no requerimento de injunção os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, para que se compreenda o negócio que está na origem do litígio, apenas flexibilizando a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
III - Ocorre nulidade do processo de injunção, se o requerente, no requerimento de injunção se limita a invocar o incumprimento de um contrato de empreitada, remetendo os valores em dívida para os autos de medição que identifica.”
De igual modo, a ineptidão do requerimento executivo, designadamente por falta de indicação da causa de pedir, gera a nulidade de todo o processo, constituindo uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que, consoante os casos, determina o indeferimento liminar do requerimento executivo, a absolvição dos executados da instância executiva ou a rejeição oficiosa da execução, nos termos dos artigos acima referidos (cf. art. 551.º, n.º 1, do CPC) conjugados com os artigos 726.º, n.º 2, al. b), 732.º, n.º 4, e 734.º do CPC (aplicáveis também na execução sumária – cf. art. 551.º, n.º 3, do CPC).
Desde há muito vem sendo entendido que a causa de pedir na ação executiva não se confunde com o título executivo, o qual constitui, por assim dizer, a base da execução, podendo carecer, em alguns casos, de alegação (e prova) complementar para fundar a pretensão deduzida na execução, mormente da alegação da causa da obrigação exequenda, quando essa causa não conste do título executivo. É o que resulta expressamente do disposto no art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC, ao prever que, no requerimento executivo, o exequente, “Expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges”.
Neste sentido, na doutrina mais antiga, destacamos os ensinamentos de Castro Mendes, in “Direito Processual Civil, Recursos e Acção executiva”, AAFDL, 1989, págs. 272-273, explicando, a propósito do preceito a que corresponde o atual art. 186.º, que: “Sendo o art. 193.º disposição geral e comum, parece que também o requerimento inicial para uma acção executiva deve ser tido como inepto se não contiver menção duma causa de pedir. Assim o temos sustentado: se por exemplo o credor dispuser dum título meramente probatório por exemplo que não faça referência à causa debendi, não pode instaurar a acção executiva remetendo apenas para o título, e abstendo-se de indicar no requerimento da execução a causa de pedir.”; também Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 12.ª edição, 2009, Almedina, páginas 41 a 43, e José Lebre de Freitas, “A Acção Executiva”, 5.ª edição, 2009, Coimbra Editora, páginas 59, 62 e 63, 156, 158, 163; idem na 7.ª edição, páginas 184 e 189, nota 6; aliás, este último autor, já na 2.ª edição da referida obra (Coimbra Editora, 1997, págs. 133-134), afirmava:
“Uma vez que a execução tem sempre por base um título executivo e esta deve acompanhar a petição inicial, bastará quanto à causa de pedir, remeter para o título, a menos que:
- este careça de prova complementar,
- a obrigação precise de ser liquidada;
- tratando-se de obrigação causal, o título não lhe faça referência concreta.
Esta falta de referência ocorrerá quando o título executivo contiver uma promessa de cumprimento ou o reconhecimento duma dívida sem indicação da respectiva causa (art. 458 CC) (…) A mesma alegação deve ter lugar nos outros casos de título que não mencione a causa.”
Na doutrina mais recente, destaque para Rui Pinto, “A Ação Executiva”, AAFDL Editora, 2018, pp. 311 e 312, e Marco Carvalho Gonçalves, in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2.ª edição Revista e Aumentada, Almedina, pág. 214 (que, por sua vez, também cita outros autores e jurisprudência).
Tendo presente o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, al. d), 581.º, n.º 3 e 4, e 724.º, n.º 1, al. e), do CPC, podemos dizer, de forma sintética, que o pedido corresponde ao efeito jurídico que o autor/requerente/exequente pretende obter e a causa de pedir corresponde ao conjunto de factos jurídicos/factos essenciais ou factos substantivamente relevantes em que se fundamenta tal pretensão, o que significa que o autor/requerente/exequente (este último, quando seja caso disso) deve concretizar os factos em que baseia a sua pretensão, em termos inteligíveis, não sendo suficiente o apelo a conclusões jurídicas, conceitos legais ou a invocação do direito sem indicação da sua origem. Portanto, o conceito de causa de pedir consagrado no art. 186.º do CPC reporta-se a um conjunto de factos essenciais, nucleares ou principais, não abrangendo os factos que, embora essenciais (em sentido amplo), são complementares ou concretizadores daqueles.
No que concerne à contradição entre o pedido e a causa de pedir, lembramos as palavras ainda atuais de Alberto dos Reis, no seu “Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, págs. 380-381: “a causa de pedir deve estar para com o pedido na mesma relação lógica em que, na sentença, os fundamentos hão-de estar para com a decisão. O pedido tem, como a decisão, o valor e o significado duma conclusão; a causa de pedir, do mesmo modo que os fundamentos de facto da sentença, é a base, o ponto de apoio, uma das premissas em que assenta a conclusão. Isto basta para mostrar que entre a causa de pedir e o pedido deve existir o mesmo nexo lógico que entre as premissas dum silogismo e a sua conclusão.
A petição inicial, para ser uma peça bem elaborada e construída, deve ter a contextura lógica dum silogismo, deve poder reduzir-se, em esquema, a um raciocínio, com a sua premissa maior (razões de direito), a sua premissa menor (fundamentos de facto) e a sua conclusão (pedido). O autor, ao preparar e organizar a petição, há-de raciocinar como raciocinará mais tarde o juiz, na sentença, para julgar procedente a acção. O esqueleto da petição terá de ser forçosamente um silogismo, sob pena de não poder desempenhar convenientemente a função que lhe é própria. Não quer isto dizer, é claro, que o silogismo apareça explicitamente enunciado no articulado; o que pretendemos significar é que, se a petição não puder transformar-se, em substância, num silogismo, se não tiver sido concebida e elaborada sobre a base dum silogismo mentalmente formulado, há-de ser fatalmente uma peça infeliz e comprometedora.
Pois bem. É da essência do silogismo que a conclusão se contenha nas premissas, no sentido de ser o corolário natural e a emanação lógica delas. Se a conclusão, em vez de ser a consequência lógica das premissas, estiver em oposição com elas, teremos, não um silogismo rigorosamente lógico, mas um raciocínio viciado, e portanto uma conclusão errada.
Compreende-se, por isso, que a lei declare inepta a petição cuja conclusão ou pedido briga com a causa de pedir.”
Há agora que transpor estas considerações para os presentes autos, desde já adiantando que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida quanto à questão em apreço, muito pelo contrário, não tendo razão de ser as objeções da Apelante.
Efetivamente, da análise do teor do Requerimento de injunção, acima reproduzido, é manifesto que contém uma exposição sucinta dos factos essenciais que fundamentam a pretensão aí deduzida, em termos perfeitamente inteligíveis e sem qualquer contradição entre o que foi peticionado e tal causa de pedir.
Em particular, foi alegado no ponto 10. do Requerimento de injunção ter sido “Adicionalmente” “ainda acordada a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, no valor de € 20.233,50 (vinte mil, duzentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos), tendo sido emitidas as seguintes faturas: FA …/…, no valor de € 2.152,50 de 02/07/2018 e FA …/…, no valor de 18.081,00 de 17/07/2018, não tendo sido liquidado qualquer valor por conta da mesma, mantendo-se assim o valor € 20.233,50 (vinte mil, duzentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos) em aberto.” Portanto, a Requerente, ora Apelada, alegou ter sido acordada, ainda no âmbito do mesmo contrato (que qualificou como sendo de empreitada, e não de compra e venda, e relativo ao período de 05-05-2017 a 17-07-2018, data da última fatura mencionada), a prestação de mais serviços, o que nada tem de inusitado no contexto de um tal contrato, sendo, aliás, frequente em contratos de empreitada as partes acordarem na realização de “trabalhos a mais”, isto é, de trabalhos que vão para além do caderno de encargos, trabalhos que não estavam inicialmente previstos no acordo por elas celebrado.
Tão pouco se poderá entender que a causa de pedir está em contradição com o pedido, afirmando, como faz a Apelante, que o contrato de 05-05-2017 não é fundamento para o pedido de pagamento atinente ao licenciamento de software. Como vimos, foi alegada a celebração de um contrato de empreitada e a realização de trabalhos a mais, tendo sido requerida a notificação da Requerida, ora Apelante, para pagar uma quantia de capital (59.874,68 €) correspondente ao somatório do valor remanescente do preço (por pagar) fixado no contrato reduzido a escrito em 05-05-2017 (39.641,18 €) com o valor dos trabalhos a mais (20.233,50 €), pelo que nenhuma contradição existe entre o pedido e a causa de pedir.
Ainda que se considerasse, ante as alegações constantes do Requerimento de injunção (posto que não cumpre nesta perspetiva outra indagação fáctica), tratar-se de um novo contrato (o que não nos parece ser o caso), fazendo uma qualificação jurídica diferente dos factos que foram efetivamente alegados (e que a Apelante compreendeu perfeitamente), continuaria a não existir uma tal contradição, pois a causa de pedir não se cingiria, nessa perspetiva, ao contrato inicial, mas englobaria um segundo contrato, correspondendo o pedido formulado ao somatório do preço de ambos os contratos (descontando o valor já pago em cumprimento do primeiro).
De igual modo, não se mostra inepto o Requerimento executivo, pois, além de a causa de pedir se encontrar bem evidenciada no título executivo que foi junto aos autos, não deixou a Exequente de alegar os factos que fundamentam a sua pretensão de pagamento da quantia exequenda no valor de 77.421,70 €, alegando designadamente que no âmbito da sua atividade comercial, por via de contrato celebrado entre as partes, a Exequente prestou à Executada, por solicitação desta, diversos bens e serviços no âmbito da sua atividade comercial (não oferecendo dúvida, pela análise do Requerimento de injunção, que aqui se incluem os atinentes ao licenciamento de software), não tendo os mesmos sido todos liquidados por parte da Executada, ascendendo o valor global em dívida a 59.874,68 €, razão pela qual foi instaurado o procedimento de injunção, apresentando o Requerimento de Injunção datado de 27-09-2021, que serve de base à presente execução, em que o valor total peticionado, foi de 77.421,70 €, tendo sido aposta a respetiva fórmula executória, em 25-11-2021. Portanto, é manifesto que do requerimento executivo consta a causa de pedir, inexistindo fundamento legal para o considerar inepto.
Logo, nenhuma censura merece a decisão recorrida que julgou improcedente a exceção de nulidade de todo o processo, considerando não verificada a ineptidão do requerimento de injunção e a ineptidão do requerimento executivo.
Da ilegitimidade da Executada
De seguida, na decisão recorrida, apreciou-se esta outra exceção, nos seguintes termos:
“a) Sustentou a Embargante/Executada, em requerimento autónomo, apresentado após a apresentação da petição de embargos de executado, que é parte ilegítima nos presentes autos, uma vez que não é interveniente no eventual negócio de licenciamento de software, a que respeita o valor de que terá estado na origem da emissão da fatura no valor de €20.233,50, peticionado na execução.
Cumpre a apreciar.
b) Conforme referido título executivo, para além de determinar o fim da execução, define os limites objetivos e subjetivos da execução. No que respeita à legitimidade para ação executiva, esta resolve-se no confronto entre as partes e o título executivo: têm legitimidade como exequente e executado, respetivamente, quem no título figura como credor e como devedor (cf. artigo 53.º, n.º 1, do CPC).
No caso dos autos, sendo o título dado à execução, conforme se disse, um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, a ação executiva tem de ser instaurada contra quem, nesse título, figure como requerido.
Daí que, sendo a Executada/Embargante requerida no procedimento de injunção em que se formou tal título executivo e tendo a execução de que estes autos constituem apenso sido instaurada contra aquela, não existe qualquer ilegitimidade passiva, posto que a referida execução foi instaurada contra quem, nesse título, figura como devedor.
Refira-se, por outro lado, que a questão suscitada – de ter sido ou não celebrado entre as partes um contrato mediante o qual a Executada assumiu perante a Exequente a obrigação que originou o crédito, no valor de €20.233,50, peticionado no requerimento de injunção, bem como na execução – é uma questão atinente ao mérito, que se prende com saber se, ao contrário do alegado pela Exequente no requerimento de injunção apresentado como título executivo, não existiu qualquer relação contratual entre ambas, da qual tenha emergido a obrigação em causa.
Não entanto, tal questão, ainda que reportada ao procedimento de injunção, não se configura como um problema de legitimidade processual.
Com efeito, de acordo com o artigo 30.º, n.º 1, do CPC, o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, esclarecendo o n.º 2 desta disposição legal que o interesse em contradizer se exprime pelo prejuízo que advenha da procedência da ação. Finalmente, o n.º 3 do citado artigo 30.º esclarece que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor.
Assim, a legitimidade «tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência ou improcedência da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação material controvertida, tal como a apresenta o autor» (cf. Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade singular em processo declarativo, in BMJ n.º 292, pp. 105).
O referido n.º 3 do artigo 30.º do CPC adota, a exemplo do que se verificada no CPC anterior, no que toca à averiguação da titularidade dos interesses integrados na relação material afirmada ou negada em juízo, a tese de Barbosa de Magalhães, segundo a qual ao apuramento da legitimidade ad causam interessa apenas a consideração do pedido e da causa de pedir, independentemente da prova dos factos que integram esta última.
Ora, no requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória e que constitui título executivo, a aí requerente, ora Exequente/Embargada, alegou que “foi ainda acordada a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, no valor de € 20.233,50 (vinte mil, duzentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos), tendo sido emitidas as seguintes faturas: FA …/…, no valor de €2.152,50 de 02/07/2018 e FA …/…, no valor de 18.081,00 de 17/07/2018, não tendo sido liquidado qualquer valor por conta da mesma, mantendo-se assim o valor € 20.233,50 (vinte mil, duzentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos) em aberto» (cf. o ponto 10 de tal requerimento).
Sendo esta a causa de pedir no âmbito do procedimento de injunção, no que respeita à aludida quantia de €20.233,50, há que concluir que, em face do alegado pela Requerente, a aí Requerida (ora Executada/Embargante) é parte da relação material controvertida tal como esta foi configurada pela Requerente.
Daí que, mesmo no âmbito do referido procedimento de injunção, sempre seria de concluir que a aí Requerida era dotada de legitimidade ad causam, não ocorrendo, por isso, qualquer exceção dilatória de ilegitimidade passiva que pudesse ser aí conhecida (e que, pudesse igualmente ser conhecida nestes autos, nos termos do artigo 857.º, n.º 3, alínea b), do CPC.
c) Pelo exposto, julga-se improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade invocada pela Executada/Embargante.”
A Apelante discorda, defendendo que a decisão recorrida está errada ao ter julgado a Executada parte legítima no que respeita ao contrato de prestação de serviços de renovação de licenciamento, invocando, para tanto e em síntese, o desconhecimento nestes autos, até porque não foi junto, do contrato de prestação de serviços de renovação de licenciamento, designadamente quando foi celebrado, em que consistia, quantidades, trabalhos, prazo de execução.
Apreciando.
Estabelece o art. 53.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe, “Legitimidade do exequente e do executado”, que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.”
A Executada, ora Apelante, figura como requerida no título executivo, o requerimento de injunção em que foi aposta fórmula executória, o que basta para que deva ser considerada parte legítima, improcedendo a exceção de ilegitimidade processual passiva.
Sempre se dirá ainda que, contrariamente ao que sustenta a Apelante - na qualificação jurídica que faz das alegações de facto constantes do Requerimento de injunção -, não ter sido aí alegada a celebração de um novo contrato de prestação de serviços, mas sim de “trabalhos a mais” no âmbito de um mesmo contrato (de empreitada/prestação de serviços) celebrado entre as partes, contrato esse que é, de novo, mencionado no Requerimento executivo. Ainda que assim não se entendesse, a única outra interpretação que se nos afigura possível seria a de considerar, ante a alegação constante do Requerimento de injunção, que as partes tinham celebrado dois contratos. Em qualquer dos casos, aferindo-se a legitimidade processual face à relação material controvertida tal como configurada pelo autor/requerente (cf. art. 30.º, n.º 3, do CPC), é inevitável considerar que a Requerida/Executada é parte legítima.
Assim, improcedem as conclusões da alegação de recurso a este respeito.
Da nulidade da decisão recorrida
De seguida, no saneador-sentença apreciou-se da Questão prévia: da admissibilidade dos embargos no que respeita aos fundamentos invocados pela Embargante na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes, subjacente ao requerimento de injunção apresentado como título executivo. Decidiu-se, a final, além do mais, “Não tomar conhecimento da presente oposição mediante embargos de executado, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da petição de embargos, a respeito de o pagamento do valor de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, a respeito de a prestação a que respeita esse valor não estar abrangida no contrato celebrado entre as partes”.
Fundamentou-se o assim decidido na inadmissibilidade legal, por preclusão, da defesa a esse respeito (o que configura uma exceção dilatória inominada), tecendo-se as seguintes considerações:
«a) Na sua oposição mediante embargos, a Executada, embora sob a referência à “incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda”, bem como à nulidade, inexistência ou falta de título, alegou meios de defesa respeitantes à relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo. Designadamente, e em síntese, alegou que o pagamento do valor de €39.641,18, de acordo com o contratualmente estabelecido, está dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, reclamando a título de prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, alegou que tal prestação não se encontra abrangida no contrato celebrado entre as partes, não sendo o seu pagamento devido.
Importa, assim, apreciar se tal alegação constitui fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executória, atendendo ao disposto nos artigos do 729.º e 857.º do CPC e 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
b) O executado pode opor-se à execução através dos meios previstos no artigo 728.º do CPC, estabelecendo o artigo 731.º do referido Código que, se a execução não se basear em sentença, «além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729.º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração».
No caso, o título dado à execução é um requerimento de injunção a que foi aposta a fórmula executória.
De acordo com o disposto no artigo 7.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei 269/98, de 01-09, a injunção é uma providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98 ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/03, de 17-02.
Neste caso, uma vez notificado o requerido, caso este não deduza oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a fórmula executória, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. O documento assim obtido – isto é, o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória – constitui título executivo, nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, al. d) do CPC.
Instaurada a execução com base neste título, o artigo 857.º do CPC (na redação introduzida pela Lei n.º 117/19, de 13-09), estabelece o seguinte, quanto aos fundamentos de oposição à execução:
«1 - Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.0-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.0 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.
2 - Verificando-se justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, podem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º; nesse caso, o juiz receberá os embargos, se julgar verificado o impedimento e tempestiva a sua declaração.
3 - Independentemente de justo impedimento, o executado é ainda admitido a deduzir oposição à execução com fundamento:
a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção;
b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.».
Por sua vez, o artigo 14.º-A, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (aditado pelo artigo 7.º da Lei n.º 117/19, de 13-09), sob a epígrafe «Efeito cominatório da falta de dedução da oposição», estabelece o seguinte:
«1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.».
No caso dos autos, o procedimento de injunção no qual se formou o título executivo dado à execução deu entrada no dia 29-09-2021, isto é, após a entrada em vigor da Lei n.º 117/2019 (que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020 – cf. artigo 15.º da referida Lei), pelo que têm aplicação ao caso a nova redação do artigo 857.º do CPC, introduzida pela referida lei, bem como o artigo 14.º-A do referido Regime Anexo, aditado pela mencionada Lei.
Decorre destas normas, que, fundando-se a execução em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, constituem fundamento de oposição à execução mediante embargos de executado, «os fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações» bem como «os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (cf. o artigo 857.º, n.º 1 do CPC).
Ora, de acordo com o n.º 1 do referido 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, tendo o requerido sido notificado nos termos aí previstos e não tendo deduzido oposição, «ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados».
Decorre, assim, desta norma que, não tendo deduzido oposição ao requerimento de injunção, não pode a ora Embargante vir discutir, no âmbito dos presentes embargos, aspetos respeitantes à relação contratual celebrada entre as partes que esteve na base das quantias peticionadas no aludido requerimento de injunção (concretamente, a circunstância de pagamento do de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e de o valor de €20.233,50, respeitante a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, não ser devido, por tal prestação não se encontrar abrangida no contrato celebrado entre as partes). Tais meios de defesa, por respeitarem a factos anteriores à instauração do requerimento de injunção, poderiam e deveriam ter sido alegados em sede de oposição a tal requerimento, ficando, assim, precludida a sua invocação em sede de oposição à execução, nos termos expostos.
É certo que este efeito preclusivo está sujeito às exceções previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 857.º do CPC, bem como no n.º 2 do artigo 14.º-A. Contudo, relativamente à alegação dos referidos meios de defesa, não se verifica qualquer das exceções previstas em tais normativos.
Com efeito, apesar de a Embargante sustentar que alegou como fundamento dos embargos por si deduzidos, a inexistência, inexequibilidade ou nulidade do título e a incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda (fundamentos previstos, respetivamente, nas alíneas a) e e) do artigo 729.º do CPC), tais fundamentos devem ser analisados em face do título, em si mesmo considerado, não permitindo que, a coberto da sua invocação, se possa discutir a relação contratual subjacente, impugnando o alegado no requerimento de injunção ou invocando factos que deveriam ter sido alegados em sede de oposição à injunção. Tais fundamentos, não obstante o enquadramento que lhes é dado pela Embargante, não tendo sido oportunamente alegados, correspondem, na verdade, a meios de defesa cuja invocação se tem por precludida nos termos já referidos.
Assim, os factos invocados na petição de embargos, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da referida petição de embargos, a respeito de o pagamento do valor de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, a respeito de a prestação a que respeita esse valor não estar abrangida no contrato celebrado entre as partes), não constituem fundamento de oposição à execução baseada em requerimento de injunção com fórmula executória, por não se enquadrarem em quaisquer das hipóteses previstas nos artigos do 729.º do CPC e 14.º-A do Regime Anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, em conjugação com o artigo 857.º do CPC.
Refira-se, por fim, que o artigo 857.º, n.º 1, o CPC (na redação introduzida pela Lei n.º 117/19, de 13-09), interpretado neste sentido (isto é, no sentido de que, na execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem constituir fundamento de oposição à execução, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual), não padece de qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º da CRP.
Com efeito, contrariamente ao que sustenta a Embargante, entende-se que as razões em que se fundou a jurisprudência do Tribunal Constitucional para concluir pela inconstitucionalidade do referido artigo 857.º do CPC, na sua redação anterior, não subsistem face à nova redação deste preceito, aplicada nestes autos.
Conforme refere a Embargante, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 264/2015, de 12 de maio de 2015 (publicado no Diário da República, 1ª série, de 08-06-2015) declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Resulta do referido aresto que a conclusão do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade da referida norma assentou, em síntese, nos seguintes fundamentos:
- A equiparação entre a sentença judicial e o requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória, enquanto títulos executivos, para efeitos de determinação dos possíveis fundamentos de oposição à execução, traduz uma violação do princípio da proibição da indefesa, em virtude de restringir desproporcionadamente o direito de defesa do devedor em face do interesse do credor de obrigação pecuniária em obter um título executivo de forma célere e simplificada;
- A ampliação dos meios de defesa produzida pelos nºs 2 e 3 do artigo 857.º e a consequente atenuação, por essa via, do efeito preclusivo da defesa perante a execução não constitui uma modificação suficientemente relevante para dar resposta aos fundamentos do juízo positivo de inconstitucionalidade relativo ao regime anterior;
- Assim, a persistência da regra de equiparação do requerimento de injunção objeto da aposição de fórmula executória ao título executivo judicial, com os efeitos preclusivos que a mesma acarreta ao nível dos meios de defesa ao alcance do executado, faz permanecer inalterados os aspetos relativos ao regime específico da injunção com fundamento nos quais o Tribunal Constitucional concluiu, anteriormente, pela inconstitucionalidade de solução legal semelhante;
- Para que exista um “processo justo” é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cf. art.º 235º, nº 2, in fine do NCPC); a ausência de advertência, conjugada com a simplificação e desburocratização que carateriza o procedimento de injunção, significa que as vias de defesa no âmbito da injunção e no processo executivo não podem ser assimiladas, em termos de se conformarem como mutuamente equivalentes na perspetiva de quem organiza a sua defesa processual;
- O juízo de inconstitucionalidade que incide sobre a norma contida no artigo 857.º, n.º 1, do CPC, na redação original, quando interpretado «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», funda-se no reconhecimento da incompatibilidade dessa interpretação com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no art.º 200, nº 1, da Constituição, extraída da ponderação conjugada dos três seguintes elementos: i) o facto de a limitação dos fundamentos de oposição à execução ter subjacente um critério de equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado; ii) a circunstância de tal critério desprezar as diferenças existentes entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença judicial quanto ao modo como, no âmbito do processo que conduz à formação de um e outro título, ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor, bem como quanto à probabilidade e ao grau de intervenção judicial; e iii) o facto de o desvio nessa medida verificado não se achar compensado pela obrigatória advertência, no âmbito do processo de injunção, do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título.
No entanto, com as alterações legislativas efetuadas pela Lei n.º 117/2019 ao artigo 857.º do Código de Processo Civil e ao Decreto-Lei n.º 269/98, deixaram de subsistir, conforme se disse, as razões em que o Tribunal Constitucional fundou a inconstitucionalidade da norma do artigo 857.º, n.º 1, do CPC, na sua redação originária.
Com efeito, no que respeita aos fundamentos de oposição à execução, deixou de existir um verdadeiro um critério de completa equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado. Na verdade, no caso do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos de oposição previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações (isto é, os fundamentos de oposição à execução baseada sentença judicial), passou a permitir-se a invocação, nos embargos, dos meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, na sua redação atual (cf. o artigo 857.º, n.º 1, do CPC), alargando-se, assim, os fundamentos de oposição à execução.
Por sua vez, embora se considere no n.º 1 do referido artigo 14.º-A que, no caso de o requerido no procedimento de injunção não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, estabelece-se, no n.º 2 desse mesmo artigo, que a referida preclusão não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.
Para além disso, manteve-se a possibilidade de, quando se verifique justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção, nos termos previstos no artigo 140.º, serem ainda ser alegados os fundamentos previstos no artigo 731.º (cf. o n.º 2 do artigo 857.º do CPC), bem como a possibilidade, também anteriormente prevista no n.º 3 do mesmo artigo, na sua redação originária, de o executado (independentemente de justo impedimento), deduzir oposição com fundamento a) Em questão de conhecimento oficioso que determine a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção; b) Na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
Por outro lado, o efeito preclusivo previsto no artigo 857.º, n.º 1, do CPC, em conjugação o artigo 14.º-A, do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, passou a estar dependente da verificação de duas condições: i) o requerido ter sido pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil (ou seja, ser aplicável à notificação do requerido as regras da citação pessoal, garantindo-se, assim, no que respeita à notificação do requerido o respeito das mesmas formalidades que na ação declarativa); ii) o requerido ser devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no referido artigo 14.º-A em caso de falta de dedução de oposição (advertência esta que se encontra agora prevista, no que respeita ao conteúdo na notificação, na alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.0 269/98).
Conclui-se, assim, que, com estas alterações, o legislador supriu as insuficiências do regime anterior e que estiveram na base da jurisprudência do Tribunal Constitucional que havia concluído pela inconstitucionalidade do artigo 857.º, n.º 1, do CPC, na sua redação inicial, sendo entender que não existe, por isso, qualquer razão que leve a considerar que subsista qualquer inconstitucionalidade da referida norma, na sua atual redação, designadamente por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 201.º, n.º 1, da CRP (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30-05-2023, proferido no proc. n.º 1561/22.9T8SRE-B.C1, do Tribunal da Relação do Porto, de 18-11-2021, proferido no proc. n.º 2918/20.5T8LOU-A.P1).
Assim, não sendo admissíveis estes fundamentos invocados pela Embargante, tal implicaria, em sede liminar, o indeferimento dos embargos, nesta parte, nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, al. b) do CPC.
No caso, não tendo os Embargos sido liminarmente indeferidos, no que respeita a tais fundamentos, importa agora, conhecendo de tal questão, concluir pela inadmissibilidade de tais fundamentos dos embargos.
c) Em face do exposto, não se conhece da presente oposição mediante embargos de executado, na parte em que se discute a relação contratual estabelecida entre as partes e que esteve na origem dos valores peticionados no requerimento de injunção que constitui título executivo (designadamente, o alegado nesse sentido nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da referida petição, a respeito de o pagamento do valor de €39.641,18 estar dependente da emissão de um auto de medição final, que não ocorreu, e, quanto ao valor de €20.233,50, a respeito de a prestação a que respeita esse valor não estar abrangida no contrato celebrado entre as partes).”
Defende a Apelante que o saneador-sentença recorrido é nulo por omissão de pronúncia, quanto àquelas questões (suscitadas nos referidos artigos da petição de embargos), por o juiz considerar, erradamente, que das mesmas não podia conhecer (por estarem precludidos tais meios de defesa); argumenta a Apelante que, ao assim entender, foi feita (1) aplicação de norma inconstitucional - o art. 857.º, n.º 1 do CPC - por violação do princípio da proibição da indefesa previsto no art. 20.º da CRP e do princípio da reserva de juiz ou (2), noutra perspetiva, interpretação inconstitucional do art. 857.º, n.º 1 do CPC, por violação dos mesmos princípios, da proibição da indefesa e da reserva de juiz.
Apreciando.
Conforme expressamente previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de normativo legal que deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
De salientar ser absolutamente pacífico que o conceito de “questões” que o juiz deve resolver na sentença, a que alude aquele normativo legal, se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões. Neste sentido, a título exemplificativo, veja-se o acórdão do STJ de 10-01-2012, no proc. n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1, e o acórdão do STJ de 10-12-2020, no proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, afirmando-se no sumário deste último que: “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes”.
Na doutrina, a propósito do conceito de questões empregado na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º em apreço, destaca-se a explicação de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, pág. 737: “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608).
Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça.”
Clarificam ainda estes autores, na anotação ao art. 608.º, págs. 712-713, que na sentença o juiz deverá responder aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que a apreciação de um esteja prejudicada; o mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo réu ou pelo autor reconvindo (sem prejuízo da possível inutilidade), acrescentando que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”
No presente processo, saber se as questões suscitadas nos aludidos artigos da Petição de embargos deviam (ou não) ser conhecidas é matéria que convoca a interpretação e aplicação do disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC (não se discutindo que não se reconduzem à previsão dos n.ºs 2 e 3 deste artigo), impondo-se agora apreciar se a interpretação normativa feita na decisão recorrida afronta os referidos princípios constitucionais.
Preceitua o 857.º do CPC, cuja epígrafe é “Fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção”, no seu n.º 1, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, que “(S)e a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.” Deve este preceito ser conjugado com os referido art. 729.º do CPC (como já sucedia na redação primitiva), onde são elencados taxativamente os “Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença”, e o novo art. 14.º-A.
No caso dos autos, as aludidas questões que emergem das alegações constantes dos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da Petição de embargos (configurando uma defesa por exceção perentória, que não é de conhecimento oficioso, e por impugnação motivada) não se reconduzem aos fundamentos previstos no art. 729.º do CPC, sendo, ao invés, fundamentos que, na expressão constante do art. 731.º do CPC (aplicável às execuções que não sejam baseadas em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória), poderiam “ser invocados como defesa no processo de declaração”.
Importa, pois, apreciar se a interpretação normativa feita no saneador-sentença recorrido, por limitar os fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória (ao rejeitar conhecer de meios de defesa cuja invocação considerou precludida), afronta os ditos princípios da proibição da indefesa e da reserva de juiz.
Quanto a este último princípio, que deriva designadamente dos artigos 2.º, 202.º, 203.º e 205.º da CRP, desde já adiantamos serem infundadas as objeções da Apelante, pois não nos parece que o exercício da função jurisdicional pelos tribunais seja posto em causa pelo regime da injunção em vigor.
Com efeito, o requerido, aquando da notificação do requerimento de injunção, é advertido de que poderá deduzir a sua oposição, no prazo de 15 dias. Se o fizer, o procedimento de injunção será distribuído nos tribunais judiciais competentes, aos quais compete, na ação declarativa adequada ao caso, apreciar as questões que entenda suscitar em sua defesa. É igualmente advertido de que, não deduzindo oposição, a sua ulterior defesa fica limitada. Tais limitações vão conformar o possível objeto da oposição à execução mediante embargos, cumprindo ao tribunal apreciar casuisticamente se as alegações deduzidas na petição de embargos se reconduzem aos fundamentos previstos na lei e, na afirmativa, conhecendo das questões ali suscitadas.
A intervenção judicial está, pois, suficientemente assegurada no procedimento de injunção, nas situações em que se justifica, de frustração da citação do requerido ou dedução de oposição pelo mesmo (cf. art. 16.º do Capítulo II do Anexo que contém o regime dos procedimentos a que se refere o art. 1.º do diploma preambular), não se descortina motivo para considerar que a atribuição de força executiva ao requerimento de injunção com fórmula executória, nos termos atualmente consagrados na lei, afronte o princípio de reserva do juiz.
Nem isso foi, sequer, reconhecido pelo aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art. 857.º, n.º 1, do CPC, na sua redação primitiva, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Quanto a este último princípio, lembramos, pelo seu interesse, a síntese feita pelo Tribunal Constitucional, nesse acórdão, aí se referindo que “Conforme resulta das decisões preferidas no âmbito da fiscalização concreta, o juízo de inconstitucionalidade que incidiu sobre a norma contida no artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, quando interpretado «no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória», fundou-se no reconhecimento da incompatibilidade dessa interpretação com o princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, extraída da ponderação conjugada dos três seguintes elementos, convergentes na solução impugnada: i) o facto de a limitação dos fundamentos de oposição à execução ter subjacente um critério de equiparação do requerimento de injunção a que tenha sido aposta fórmula executória à sentença judicial para efeitos de determinação dos meios de defesa ao alcance do executado; ii) a circunstância de tal critério desprezar as diferenças existentes entre a execução baseada em injunção e a execução baseada em sentença judicial quanto ao modo como, no âmbito do processo que conduz à formação de um e outro título, ao devedor é dado conhecimento das pretensões do credor, bem como quanto à probabilidade e ao grau de intervenção judicial; e iii) o facto de o desvio nessa medida verificado não se achar compensado pela obrigatória advertência, no âmbito do processo de injunção, do efeito preclusivo dos fundamentos oponíveis à pretensão do credor em caso de ulterior execução fundada naquele título.”
Ora, foi precisamente de modo a afastar este juízo de inconstitucionalidade que o legislador alterou o regime consagrado no CPC de 2013 (incluindo em matéria de citação) e também do próprio regime da injunção, o que foi aguardado com expetativa pela jurisprudência, de que é exemplo o acórdão da Relação de Lisboa de 27-06-2019, no proc. n.º 24103/16.0T8SNT-B.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, em que a ora Relatora teve intervenção como 1.ª Adjunta, aí se fazendo já referência à proposta de alteração aprovada no Conselho de Ministros.
Salvo melhor opinião e contrariamente ao que a Apelante defende, parece-nos que a nova redação introduzida, aplicável ao caso, difere da anterior no sentido de solucionar as objeções assinaladas pelo Tribunal Constitucional.
Efetivamente, ao contrário do que antes acontecia, em que o requerido podia ser confrontado com uma notificação por carta que, pela sua proveniência e teor complexo e insuficiente, não possibilitavam a perceção clara do efeito jurídico decorrente da falta de oposição, foi alterada a matéria atinente à notificação do requerido, equiparando-a à citação pessoal nos termos da parte geral do CPC e incluindo a advertência de que ficam precludidos todos os meios de defesa que ele devesse ter deduzido na oposição. Assim, passou a estar previsto o envio ao requerido de uma carta registada com aviso de receção (cf. art. 12.º) com informação suficiente para que possa/deva ficar ciente das consequências da sua falta de oposição, conforme resulta do disposto no art. 14.º-A do regime em anexo ao DL n.º 269/98, de 01-09, que, sob a epígrafe, “Efeito cominatório da falta de dedução da oposição”, tem o seguinte teor:
“1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”
Prevendo agora o n.º 1 do art. 857.º do CPC, que, além dos fundamentos previstos no art. 729.º, “podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual”, mostra-se evidente o alargamento dos fundamentos de oposição à execução no confronto com o regime de pretérito, em que se previa apenas, no n.º 1, a possibilidade de serem alegados os fundamentos de embargos previstos no art. 729.º do CPC, e, nos n.ºs 2 e 3, que não sofreram alteração, que o executado podia deduzir oposição alegando os fundamentos previstos no art. 731.º no caso de justo impedimento à dedução de oposição ao requerimento de injunção, tempestivamente declarado perante a secretaria de injunção (cf. n.º 2 do art. 857.º) e ainda com fundamento em (a) questão de conhecimento oficioso que determinasse a improcedência, total ou parcial, do requerimento de injunção, e (b) na ocorrência, de forma evidente, no procedimento de injunção de exceções dilatórias de conhecimento oficioso (cf. n.º 3 do art. 857.º).
Reconhecendo a novidade e a relevância da alteração legislativa, veja-se, a título exemplificativo (ambos disponíveis em www.dgsi.pt):
- o acórdão da Relação do Porto de 21-06-2022, no proc. n.º 3052/21.6T8MAI-A.P1, em cujo ponto I do respetivo sumário se afirma precisamente que: “I - Com as alterações efetuadas pela Lei nº 117/2009 de 13.9 foi superada a inconstitucionalidade da norma do art. 857º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, deixando de ter razão de ser a jurisprudência constitucional que a declarara inconstitucional, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual fora aposta fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20º, nº 1 da Constituição da República.”
- o acórdão da Relação de Lisboa de 11-05-2023, no proc. n.º 19754/22.7T8SNT-A.L1-6, como se alcança da seguinte passagem do respetivo sumário: “3- As alterações introduzidas por força do art.º 7º da Lei 117/2019, de 13/09, ao DL 269/98, e ao art.º 857º do CPC, na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional nº 264/2015, visaram essencialmente a superação do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional sobre as anteriores normas do nº 1 do art.º 857º do CPC, relativas aos fundamentos de oposição à execução baseada no requerimento de injunção.”
Neste último acórdão dá-se conta de alguma doutrina que se tem pronunciado sobre as alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, referindo que essa alteração “…visou essencialmente a superação do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional sobre as anteriores normas do nº 1 do art.º 857º do CPC, atinentes aos fundamentos de oposição à execução baseada no requerimento de injunção.” (Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 8ª edição, 2021, pág. 124).
Também Geraldes/Pimenta/Sousa (CPC anotado, Vol. II, pág. 287 e seg.) referem “Da nova redacção do nº 1, introduzida pela Lei 117/19, de 13/09, também aditado pela mesma Lei, além do suprimento das questões de inconstitucionalidade, resultou a clarificação do regime de fundamentos de embargos de executado (remetendo para o disposto no artº 729º), no confronto com a cominação associada à falta de oposição no procedimento de injunção (estabelecendo ressalvas à preclusão decorrente da revelia fixada no nº 1 do artº 14-A)”
Teixeira de Sousa (Blog do IPPC, Jurisprudência 2022 (175), consultado a 04/05/2023) em comentário ao acórdão do TRE, de 15/09/2022 (Isabel de Matos Peixoto Imaginário) que contém o seguinte sumário “A petição de embargos de executado deve ser liminarmente indeferida se nela vem invocado como fundamento da oposição o pagamento da quantia exequenda em data anterior à apresentação do requerimento de injunção.”, referiu: “O acórdão reflecte a nova fisionomia dada ao procedimento de injunção introduzida pela L 117/2019, de 13/9. Essa nova fisionomia dignificou o procedimento de injunção e, acima de tudo, acabou com uma incompreensível dicotomia até aí existente na ordem jurídica portuguesa:
-Numa injunção decretada segundo as regras internas portuguesas, podia não operar uma regra da preclusão dos meios de defesa;
-Numa injunção de pagamento europeia, decretada (mesmo em Portugal) ao abrigo do disposto no Reg. 1896/2006, operava necessariamente uma regra de preclusão desses meios.”
Daí que se nos afigure que, no caso de procedimento de injunção em que já tenha sido aplicado o regime atualmente vigente, não tem razão de ser convocar a jurisprudência constitucional nos termos em que a Apelante o faz. Parece-nos mesmo descabida a sua argumentação ao sustentar que as alterações introduzidas só se aplicam às pessoas singulares, e não às pessoas coletivas, como é o caso da Executada, uma vez que, segundo diz, só as pessoas singulares podem ser advertidas com ciência e consciência.
Olvida a Apelante que as pessoas coletivas e as sociedades são citadas na pessoa dos seus legais representantes e consideram-se ainda pessoalmente citadas ou notificadas na pessoa de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração (cf. artigos 223.º, n.º 3, e 246.º, ambos do CPC), até se nos afigurando que os legais representantes e funcionários das sociedades terão, por via de regra, uma maior consciência da importância de um ato de notificação/citação.
Mais deverá a Apelante lembrar-se do princípio da autorresponsabilidade das partes e da importância de que o procedimento de injunção se reveste no sistema processual vigente, possibilitando a formação de título executivo célere nos casos de incumprimento de obrigações contratuais que, dada a falta de (oportuna) dedução de oposição, não aparentam ser motivo de litígio entre as partes.
Perante isto, impõe-se concluir que não se verifica a invocada causa de nulidade da decisão recorrida, pois não deixou o Tribunal a quo de ter em consideração as questões suscitadas na Petição de embargos atinentes à relação contratual estabelecida entre as partes, apenas não tendo conhecido do mérito dos embargos quanto a tais questões, por entender que a tanto obstava o disposto no art. 857.º, n.º 1, do CPC, não sendo legalmente admissível a invocação das mesmas, nos embargos de executado, como meios de defesa, por preclusão, entendimento que não merece censura, mas a nossa concordância.
Assim, como não cumpria conhecer do mérito das questões suscitadas nas aludidas alegações de facto e de direito constantes da petição de embargos, improcedem as conclusões da alegação de recurso atinentes à arguição de nulidade do saneador-sentença.
Do aditamento de novos factos
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos, “atendendo à posição das partes, bem como aos documentos e demais elementos juntos a estes autos e aos autos de execução”:
1. BB - Sistemas Informáticos, S.A., mediante requerimento executivo, dirigido ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que deu entrada no dia 16-12-2021, instaurou contra AA, S.A., a ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, de que estes autos constituem apenso, pedindo o pagamento da quantia de 78.471,56 €. [cf. requerimento executivo apresentado nos autos principais]
2. Indicou, como título executivo, “Injunção” e, como fundamento da execução, alegou o seguinte [cf. requerimento executivo apresentado nos autos principais]:
«1. A Exequente, BB - SISTEMAS INFORMÁTICOS S.A., é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio, importação, exportação e representação de equipamentos eletrónicos, informáticos, telecomunicações, audiovisuais, publicidade e de multimédia. Atividades de programação informática, atividades de consultoria em informática, gestão e exploração de equipamentos informáticos, outras atividades relacionadas com as tecnologias da informação e comunicação. Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação, portais web, conceção, desenvolvimento e gestão de plataformas de transações eletrónicas. Prestação de serviços de design, marketing, desenvolvimento e conceção e instalação de soluções de publicidade, imagem de comunicação, marketing digital/social, gestão de conteúdos e acessória de impressa. Instalação, implementação e manutenção de sistemas informáticos, telecomunicações, audiovisuais e multimédia. Comercialização e instalação de sistemas de domótica, segurança, cablagem estruturada e CCTV. Desenvolvimento, comercialização e implementação de soluções cloud e datacenter.
2. No âmbito da sua atividade comercial a Exequente, por via de contrato celebrado entre as partes, prestou à Executada, por solicitação desta, diversos bens e serviços no âmbito da sua atividade comercial, não tendo os mesmos sido todos liquidados por parte da Executada, aquando da emissão das respetivas faturas, por parte da Exequente.
3. Facto é que, apesar de interpelada para o efeito, a Executada não procedeu à regularização do valor em dívida, que se cifrava em € 59.874,68 (cinquenta e nove mil, oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos), razão pela qual não teve a Exequente outra solução senão intentar o Requerimento de Injunção n.º …/…, datado de 27.09.2021, que serve de base à presente execução.
4. Notificada do requerimento de injunção supra referido, a Executada não deduziu oposição, não contactou por qualquer outra forma a Exequente, nem procedeu ao pagamento do valor aí peticionado, € 77.421,70 (setenta e sete mil, quatrocentos e vinte e um euros e setenta cêntimos), razão pela qual foi aposta a respetiva fórmula executória, em 25.11.2021.
5. Apesar de interpelada para proceder à regularização da quantia em aberto, a Executada não efetuou qualquer pagamento por conta da mesma.
6. Assim, é a Exequente credora da ora Executada no valor constante do título executivo, €77.421,70 (setenta e sete mil, quatrocentos e vinte e um euros e setenta cêntimos), ao qual acrescem juros vencidos, no valor de € 1.049,86 (mil e quarenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), contabilizados à taxa comercial desde a entrada da Injunção até à presente data.
7. Contas feitas encontra-se em dívida, à presente data, o valor de € 78.471,56 (setenta e oito mil, quatrocentos e setenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), ao qual acrescerão juros vincendos, bem como todas as custas, despesas e honorários de Agente de Execução inerentes à presente Ação Executiva.».
3. Em 25-11-2021, o Secretário de Justiça do Balcão Nacional de Injunções conferiu força executiva ao requerimento de injunção apresentado por BB – Sistemas Informáticos, S.A., em 27-09-2021, sob o n.º …/…, contra a ora Embargante, AA, S.A., no qual era pedido o pagamento da quantia 77.421,70 €, sendo 59.874,68 € de capital, 17.354,02 € de juros de mora, 40,00 € de outras quantias e 153,00 € de taxa de justiça paga [cf. requerimento de injunção junto com o requerimento executivo e com o expediente incorporado nos autos em 25-10-2022]
4. Do requerimento de injunção referido em 3 consta, além do mais, a seguinte «Exposição dos factos que a fundamentam a pretensão»:
1. A Requerente celebrou com a Requerida, a 05.05.2017, um contrato (adiante apenas designado por “Contrato”), através do qual se comprometia a vender, e esta se comprometia a comprar, «diverso material em estado novo, composto por hardware e software, melhor discriminado nas faturas Pró-Forma n.º …/…, …/…, …/…, …/…, …/…, …/… e …/… (doravante em conjunto o “Material”), todas emitidas pela Primeira Contraente e que se anexam ao presente Contrato como Anexo 1».
2. A aquisição referida no número anterior incluía a respetiva «instalação e parametrização, tendo em conta as necessidades do seu Cliente Final, MB, S.A., com morada na …, em Luanda, Angola».
3. Em contrapartida da celebração desse contrato a Requerida obrigou-se ao pagamento de € 290.062,13 (duzentos e noventa mil, sessenta e dois euros e treze cêntimos), de acordo com a Cláusula Primeira, n.º 2 do Contrato.
4. Preço este que, posteriormente, em consequência de sucessivos acertos, foi fixado em € 286.724,13 (duzentos e oitenta e seis mil, setecentos e vinte e quatro euros e treze cêntimos).
5. Mais foi acordado pela Requerente e Requerida que o pagamento da quantia referida no número anterior seria efetuado nos termos da Cláusula Terceira do Contrato.
6. Com efeito, nos termos da Cláusula Terceira, alínea d) do Contrato, o remanescente do preço, de € 43.509,32 (quarenta e três mil, quinhentos e nove euros e trinta e dois cêntimos) seria pago pela Requerida com a conclusão dos trabalhos de instalação e parametrização contratados.
7. Acontece que, apesar dos aludidos trabalhos se encontrarem todos concluídos por parte da aqui Requerente, a Requerida não procedeu ao pagamento da totalidade do valor contratado.
8. Por conta do valor que era devido por conta do preço contratado, previsto no n.º 4, a Requerida efetuou diversos pagamentos, no valor global de € 247.082,95 (duzentos e quarenta e sete mil, oitenta e dois euros e noventa e cinco cêntimos).
9. Pelo que, até à presente data e não obstante as várias interpelações para pagamento, a Requerida nunca liquidou o remanescente em dívida por conta do referido contrato, no montante de € 39.641,18 (trinta e nove mil, seiscentos e quarenta e um euros e dezoito cêntimos), correspondente às faturas: FA …/… de 10/07/2017 e FA …/… de 11/07/2017, as quais eram devidas por conta da aludida Cláusula Terceira, alínea d), das quais só foram feitos pagamentos parciais no valor de total de € 81.031,82 (oitenta e um mil, trinta e um euros e oitenta e dois cêntimos).
10. Adicionalmente, foi ainda acordada a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, no valor de € 20.233,50 (vinte mil, duzentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos), tendo sido emitidas as seguintes faturas: FA …/…, no valor de €2.152,50 de 02/07/2018 e FA …/…, no valor de 18.081,00 de 17/07/2018, não tendo sido liquidado qualquer valor por conta da mesma, mantendo-se assim o valor € 20.233,50 (vinte mil, duzentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos) em aberto.
11. Tais quantias mencionadas nos números anteriores perfazem o valor total de €59.874,68 (cinquenta e nove mil, oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos).
12. Ao valor do capital em dívida referido acrescem os seguintes juros de mora, no valor de € 17.354,02 (dezassete mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e dois cêntimos).
13. Nestes termos, deve a Requerida à Requerente o montante global de € 59.874,68 (cinquenta e nove mil, oitocentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos) correspondente ao capital em dívida, acrescido de juros de mora vencidos, no valor de €17.354,02 (dezassete mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e dois cêntimos) bem como a quantia de € 40,00 (quarenta euros) a título de despesas de cobrança, tal como previsto pelo D.L. n.º 62/2013 de 10 de Maio.
14. Contas feitas, atualmente, encontra-se em dívida o valor total de € 77.268,70 (setenta e sete mil, duzentos e sessenta e oito euros e setenta cêntimos).
Capital Inicial: € 59.874,68
Total de Juro: € 17.354,02;
Outras Quantias: € 40,00
Capital Acumulado: € 77.268,70».
5. Foi expedida carta registada com aviso de receção, para notificação da requerida AA, S.A., do requerimento referido em 3 e 4, a qual foi recebida por esta em 21-10-2021, na morada sita na Avenida …, n.º …, …, Oeiras [cf. carta para notificação e aviso de receção constantes do expediente incorporado nos autos em 25-10-2022]
6. Da notificação referida em 5, consta, além do mais, o seguinte:
«Tem 15 dias para reagir ao pedido de injunção
No prazo de 15 dias após receber esta notificação, pode escolher:
· pagar 77 421,70 € diretamente a quem fez o pedido contra si; ou
· responder-nos indicando motivos para não ter a obrigação de pagar
Saiba como pagar ou responder nas páginas seguintes
Tenha em atenção que os 15 dias para reagir ao pedido de injunção apresentado
contra si começam a contar no dia a seguir à assinatura do aviso de receção desta
notificação.
O que acontece se não fizer nada no prazo de 15 dias
Se não pagar nem responder dentro do prazo:
· Não poderá dizer mais tarde por que motivos considera não ter a obrigação de pagar o valor que é exigido, com exceção dos motivos previstos no n.º 2 do artigo 14.º-A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro.
· O pedido de injunção vai ser suficiente para haver uma ação executiva em tribunal. Por causa dessa ação executiva contra si, os seus bens ou rendimentos podem vir a ser penhorados para pagar o valor que lhe é exigido.
Na ação executiva, o valor a pagar aumenta porque passa também a dever:
· juros pelo atraso no pagamento desde 27-09-2021
· juros de 5% desde a data em que a ação executiva seja possível
· as custas judiciais da ação executiva.».
7. Na execução de que os presentes autos constituem apenso, a Exequente apresentou como título executivo o requerimento de injunção referido em 3 e 4.
Pretende a Apelante que sejam considerados como provados um conjunto de factos alegados na Petição de embargos (nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 31.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, e 45.º), todos atinentes à relação jurídica que é causa de pedir da ação executiva.
Apreciando.
A pretensão da Apelante estriba-se na inconstitucionalidade da interpretação normativa do art. 857.º, n.º 1, do CPC.
Pelas razões acima desenvolvidas, que aqui reiteramos, não é admissível a dedução de oposição à execução, com os fundamentos suscitados pela Executada nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º da referida Petição de embargos, ficando, pois, vedado, até porque seria inútil, o aditamento das alegações fácticas constantes de tais artigos ao elenco dos factos provados (cf. art. 130.º do CPC).
De referir que a referência feita na conclusão d) ao facto (supostamente) alegado no art.  41.º da Petição de embargos se deve a lapso de escrita, já que, no corpo da alegação do recurso, o que a Apelante sustenta é que “os factos articulados pela ora Recorrente na sua petição inicial, nos artigos 8.º a 31.º e 42.º a 45.º, foram todos admitidos, por confissão”. Aliás, o que consta do art. 41.º da Petição de embargos nem sequer configura uma alegação de facto, mas uma mera alegação de direito ou conclusão jurídica (“Por tudo quanto antecede, é o presente título executivo inexequível, o que constitui também, noutra perspectiva, fundamento de extinção da presente instância executiva”).
Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso a este respeito, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto.
Da inexistência, inexequibilidade e nulidade do título executivo
Na decisão recorrida apreciou-se ainda “Da alegada inexistência, inexequibilidade ou nulidade do título”, tecendo-se as seguintes considerações:
“Resulta do alegado pela Embargante que esta faz assentar a invocada inexequibilidade do título nos mesmos fundamentos que havia alegado a respeito da incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, da iliquidez dos juros, bem como do não cumprimento do ónus previstos no artigo 715.º do CPC. Ou seja, na perspetiva da Embargante, a inexequibilidade do título é uma consequência da falta dos aludidos requisitos da obrigação exequenda. Daí que, tendo-se concluído pela improcedência dos referidos fundamentos, improcede igualmente a inovada inexequibilidade do título.
No que respeita à invocada inexistência ou nulidade do título, a Embargante sustenta tal alegação na circunstância de, no que respeita, ao montante de €20.233,50, serem falsos os factos alegados a esse respeito no requerimento de injunção, uma vez que o contrato celebrado entre as partes não abarca a prestação de serviços de renovação de licenciamento de software, ao menos como incumbência da Exequente, concluindo que daí decorre a nulidade do título ou, em alternativa, a falta de título.
Conforme referido, o alegado pela Embargante a este respeito reconduz-se à impugnação do alegado no requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, correspondendo à invocação de meios de defesa que poderiam e deveriam ter sido invocados em sede de oposição à injunção, cuja invocação, em sede de oposição à execução, se encontra precludida, nos termos já referidos.
Sendo o título executivo o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, e não podendo ser invocados os referidos meios de defesa, conclui-se que não assiste razão à Embargante, não se verificando qualquer falta ou nulidade do título.
Em face do exposto, a oposição à execução deverá ser julgada improcedente, com o consequente prosseguimento da execução.”
A Apelante discorda, alegando, em síntese, que: entendeu erradamente a sentença recorrida, que não se verifica o fundamento de inexistência, inexequibilidade e nulidade do título, estritamente com fundamento na interpretação inconstitucional que fez do art. 731.º do CPC, cujos fundamentos julgou aqui inaplicáveis; porém, não só são os mesmos fundamentos aplicáveis, como resulta inequivocamente demonstrada a inexistência, inexequibilidade e nulidade do título executivo (esta última por contradição entre a causa de pedir e o pedido).
Vejamos.
É fora de dúvida que a oposição à execução pode ter como fundamento a inexistência ou inexequibilidade do título, nos termos do art. 729.º, al. a), aplicável ex vi do art. 857.º, n.º 1, do CPC.
O elenco taxativo de títulos executivos que podem servir de base a uma ação executiva consta do art. 703.º do CPC.
De referir que a inexistência de título executivo [cf. artigos 724.º, n.º 4, al. a), 725.º, n.º 1, al. d), 726.º, n.º 2, al. a), 729.º, al. a), do CPC] não se esgota na situação em que, pura e simplesmente, não seja apresentado qualquer título executivo. Como explica Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, pág. 231, também se verifica quando:
«- exista uma “contradição entre o pedido e o título executivo”;
- o documento que serve de base à execução não se enquadre no elenco dos títulos executivos legalmente admissíveis, previstos no art. 703º, n.º 1; ou
- o executado, não se verificando nenhuma das situações excecionais previstas na lei, não figure como devedor no documento que serve de base à execução».
O requerimento de injunção com aposição de fórmula executória é um documento que tem força executiva, tratando-se de título executivo por força de disposição especial – cf. art. 14.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 e art. 703.º, n.º 1, al. d), do CPC. Para maior desenvolvimento sobre este título veja-se Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, págs. 115-131.
No processo principal, foi dado à execução o Requerimento de injunção com fórmula executória, aí figurando a Executada como devedora, não se descortinando nenhuma contradição entre o pedido de pagamento formulado no requerimento executivo e o título executivo, nem sequer uma qualquer causa de nulidade do título executivo, sendo certo que, como vimos, não se verifica a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, nem é inconstitucional a interpretação normativa que foi feita do art. 731.º do CPC, preceito que não se aplica ao caso, uma vez que, conforme expressamente previsto no mesmo, é aplicável apenas quando a execução não seja baseada em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória.
Improcedem, pois, as conclusões da alegação de recurso atinentes à inexistência, inexequibilidade e nulidade do título executivo.
Da verificação/falta de requisitos da obrigação exequenda - certa, exigível e líquida
Na decisão recorrida desenvolveram-se ainda as seguintes considerações a respeito da invocada incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda.
“É com base no título executivo que se afere da certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação exequenda (cf. o artigo 713.º do CPC). De acordo com esta norma, os referidos requisitos da obrigação exequenda constituem condição da execução, sendo a sua falta, que não tenha sido suprida, fundamento de oposição mediante embargos de executado (cf. o artigo 729.º, alínea e), do CPC).
A obrigação considera-se certa quando está qualitativamente determinada, de modo a que possa ser diferenciada de outras, o que pressupõe que o objeto da prestação esteja devidamente delimitado.
Por sua vez, a obrigação diz-se exigível quando, no momento de instauração da execução, se encontra vencida ou quando o seu vencimento ocorra com a interpelação, ainda que judicial (designadamente, com a citação).
Por fim, a obrigação é líquida quando esteja determinada no que respeita à sua quantidade, podendo, no entanto, a obrigação ilíquida ser liquidada, quer através de incidente de liquidação no âmbito da ação declarativa (cf. artigo 704.º, n.º 6 do CPC), quer na própria ação executiva (cf. artigo 716.º do CPC).
Assim, a liquidez enquadra também as situações em que a obrigação consegue ser quantificada e determinável através de simples cálculo aritmético com base em elementos constantes do título executivo apresentado.
Por outro lado, a liquidação da obrigação pode estar ou não dependente de uma operação que a lei denominou de simples cálculo aritmético e, segundo o artigo 716.º do CPC, se estiver em questão uma obrigação cuja liquidação dependa de factos jurídicos que estão bem assentes no título executivo, não sendo necessário averiguar mais factos, o exequente poderá expor no requerimento executivo detalhadamente os valores pertencentes à obrigação e deverá apresentar um pedido líquido.
No caso dos autos, conforme se referiu já, os fundamentos com base nos quais a Embargante sustentou a falta dos referidos requisitos da obrigação exequenda dizem respeito à discussão da relação contratual subjacente ao requerimento de injunção, ao qual, na falta de oposição da Requerida (ora Embargante), foi aposta fórmula executória e que, pelas razões expostas, dizem respeito a meios de defesa que, podendo ter sido alegados em sede de oposição ao requerimento de injunção, ficaram precludidos.
É certo que a incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução, constitui um dos fundamentos de oposição à execução baseada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória (cf. artigos 857.º, n.º 1, do CPC, 14.º-A, n.º 2, alínea b) do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, e 729.º, alínea e) do CPC).
No entanto, conforme se disse, tais requisitos são aferidos em face do título (cf. o 713.º do CPC) – ou seja, neste caso, em face do requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, que serve de base à execução.
Ora, em face desse título, a obrigação exequenda, é certa, porque está qualitativamente determinada, tendo o seu objeto devidamente delimitado (trata-se de uma prestação em dinheiro, concretamente identificada), é exigível (uma vez que se encontra vencida ou, ainda que o não estivesse, o seu vencimento dependeria apenas da citação da executada) e é líquida, uma vez que do título resulta o seu quantitativo, sendo que, no que respeita aos juros de mora vencidos, compreendidos no título (cf. artigo 703.º, n.º 2, do CPC) o Exequente procedeu igualmente à sua liquidação (que depende de mero cálculo aritmético), tendo formulado um pedido líquido.
Na verdade, repete-se, a Executada o que fez foi reconduzir a este fundamento de oposição à execução, meios de defesa que não havia oportunamente alegado, em sede de procedimento de injunção e que, por essa razão, não pode agora invocar por estarem precludidos.
Assim, em face do título dado à execução, não existe qualquer falta de certeza, exigibilidade ou liquidez da obrigação exequenda.
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Quanto à falta de liquidez dos juros
Esta matéria enquadra-se ainda na invocada falta de liquidez da obrigação exequenda, mas no que respeita à obrigação de juros.
Em primeiro lugar, importa referir que, no requerimento de injunção apresentado como título executivo, foi formulado um pedido de juros de mora vencidos, no montante de €17.354,02, tendo a Requerente alegado que ao valor do capital em dívida, acrescia a referida quantia a título de juros de mora. Ora, resultando do título a quantia devida a título de juros de mora vencidos até à entrada do requerimento de injunção, não existe, contrariamente ao alegado pela Embargante, iliquidez dos juros de mora reclamados.
Por outro lado, no que respeita aos juros de mora vencidos após a entrada do requerimento de injunção (os quais se encontram compreendidos no título, à taxa legal da obrigação dele constante – cf. o referido artigo 703.º, n.º 2, do CPC), os mesmos foram liquidados pela Exequente no requerimento executivo, «no valor de € 1.049,86 (mil e quarenta e nove euros e oitenta e seis cêntimos), contabilizados à taxa comercial desde a entrada da Injunção até à presente data» (cf. o ponto 6 do requerimento executivo). Ou seja, dependendo a liquidação destes juros de mero cálculo arimético, a Exequente procedeu à sua liquidação, à taxa legal para obrigações comerciais, em conformidade com o disposto no referido artigo 703.º, n.º 2, bem como do artigo 716.º, n.º 1, ambos do CPC.
Assim, carece de razão a Embargante quando alega a falta de liquidez dos juros reclamados, uma vez que, contrariamente ao que refere, resultam líquidos do título executivo os juros de mora vencidos até a data da entrada do requerimento de injunção, tendo sido liquidados no requerimento executivo os juros entretantos vencidos.
Por outro lado, a alegação da Embargante no sentido de que não foram indicados quer no requerimento executivo, quer no requerimento executivo, os fatores de quantificação para apuramento da dívida de juros (o início de contagem, a taxa de juro aplicada e a data de termo), também não afeta a liquidez dos referidos juros. Com efeito, no que respeita aos juros liquidados no requerimento de injunção, não tendo a Embargante deduzido oposição ao mesmo, ficaram precludidos, nos termos já expostos, os meios de defesa que poderiam ter sido oportunamente invocados, onde se inclui a eventual impugnação dos juros de mora aí reclamados. Já no que respeita aos juros vencidos após a entrada do requerimento de injunção, conforme referido, os mesmos foram devidamente liquidados do requerimento executivo.
Não se verifica, pois, contrariamente ao alegado pela Embargante, qualquer incumprimento, por parte da Exequente, do ónus de liquidação dos juros de mora.
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Quanto ao alegado incumprimento, pela Exequente, do ónus previsto no artigo 715.º do CPC
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 715.º do CPC, «[q]uando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efetuou ou ofereceu a prestação».
Neste caso, cabe ao exequente proceder «à demonstração do facto externo da exigibilidade da obrigação: a verificação da condição, ou de que efetuou ou ofereceu a sua prestação» (cf. Rui Pinto, A ação executiva, AAFDL, Lisboa, 2020, pág. 234). Refere ainda, a este respeito, Lebre de Freitas (cf. A Ação Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 109) que, «embora não se trate de caso de inexigibilidade, é-lhe dado, no plano dos pressupostos da execução, tratamento semelhante ao dos casos de prestação inexigível».
Conforme referido, a Embargante alega, no que respeita ao montante de €39.641,18, peticionado na execução de que estes autos constituem apenso, foi acordado entre as partes que que tal valor só seria pago com a conclusão dos trabalhos de instalação e de parametrização, os quais só seriam considerados concluídos com a emissão pelo cliente final de um auto de medição e com a emissão pela Executada, recebido esse auto de medição, de um auto de receção, o que não aconteceu. Ou seja, na perspetiva da Embargante, a obrigação em causa seria inexigível, posto que estaria dependente de uma condição ou prestação por parte da Exequente.
No entanto, conforme referido, a invocação deste meio de defesa, que poderia e deveria ser alegado na oposição ao requerimento de injunção (designadamente, à luz do disposto no artigo 428.º do Código Civil), encontra-se precludida em sede de oposição à execução mediante embargos de executado, pelas razões já referidas.
Assim, a invocada inexigibilidade da obrigação exequenda, apenas pode ser apreciada, conforme se disse, em face do título. E, em face do requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória, a obrigação em causa é exigível, não estando dependente de qualquer condição ou prestação da Exequente.
Improcede, assim, o alegado pela Embargante a este respeito.”
A Apelante sustenta que a alegada obrigação exequenda constante do título executivo não é certa, exigível nem líquida, argumentando, em síntese, que:
- Foi acordado entre as Partes que o remanescente do preço – isto é, o montante de 39.641,18 € – só seria pago com a conclusão dos trabalhos de instalação e de parametrização, os quais só seriam considerados concluídos com a emissão pelo Cliente Final de um auto de medição, e com a emissão pela Executada, recebido esse auto de medição, de um auto de receção, mas não foi junto pela Exequente quer aos autos injuntivos quer aos autos executivos, o auto de medição do cliente final, que era condição necessária suspensiva para a exigibilidade do mesmo montante, nem faz a Exequente qualquer menção ao mesmo, quer no RI antecedente, que neste RE, não tendo sido cumprido o disposto no art. 715.º do CPC;
- Quanto ao segundo valor alegadamente em dívida, não consta do Contrato de Compra e Venda qualquer referência a um acordo de prestação de serviços de renovação de licenciamento e ao indicado valor de 20.233,50 €, nem dos autos consta um tal contrato de prestação de serviço de renovação de licenciamento.
Apreciando.
Conforme se afirma na decisão recorrida, insere-se esta linha de defesa na previsão do art. 729.º, al. e), do CPC (aplicável ex vi do art. 857.º, n.º 1), resultando do disposto no art. 713.º do CPC que são requisitos da obrigação exequenda ser “certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.
Nas palavras de Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, págs. 155-156, “A obrigação diz-se certa quando o objeto da respetiva prestação se encontra perfeitamente delimitado ou individualizado em relação à sua qualidade ou conteúdo, isto é, quando se sabe precisamente o que se deve”, explicando este autor que não é certa nos casos em que a escolha da prestação ainda esteja por realizar, tal como sucede na obrigação genérica de espécie indeterminada e na obrigação alternativa (artigos 539.º e 543.º do CC, respetivamente).
Ora, é evidente, em face do título dado à execução, que a obrigação exequenda é certa, estando em relação à sua qualidade e ao seu conteúdo perfeitamente determinada no título executivo.
Quanto ao conceito de exigibilidade, explica o mesmo autor, na referida obra, pág. 160, que a “obrigação exequenda diz-se exigível quando já se encontra vencida ou quando o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor, ou seja, quando já pode ser exigida”. Sobre as obrigações condicionais, acrescenta este autor, págs. 165-166, que “(A)s partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico (condição suspensiva) (…), atento o disposto no art. 270º do CC.” E que, “estando a obrigação sujeita a uma condição suspensiva, esta só é exigível após a verificação da condição, ou seja, após a ocorrência desse acontecimento futuro e incerto (art. 270º do CC)”, sendo que “(N)os termos do art. 343º, n.º 3, do CC, se o direito invocado pelo exequente estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe provar que a condição se verificou ou que o termo se venceu”.
Ante a alegação fáctica constante do Requerimento de injunção com fórmula executória em que se baseia a execução instaurada pela Exequente, impõe-se concluir que a obrigação exequenda é exigível, pois não está evidenciado, antes pelo contrário, que a conclusão dos trabalhos de instalação e de parametrização não tivesse acontecido, à data em que foi apresentado o Requerimento de injunção. A Apelante insiste que apenas podiam ser considerados concluídos os trabalhos com a emissão de autos de medição e receção, mas tal linha de defesa já se prende, conforme acima vimos, com matéria de que não cumpre conhecer nos presentes embargos, por força do disposto no art. 857.º do CPC.
Finalmente, quanto à liquidez da obrigação exequenda, lembramos, de novo, os ensinamentos de Marco Carvalho Gonçalves, na obra citada, pág. 168, explicando que a obrigação se diz líquida “quando a prestação se encontra determinada em relação à sua quantidade ou montante, isto é, quando se sabe exatamente quanto se deve” ou ainda “quando essa quantidade é facilmente determinável através de uma operação de simples cálculo aritmético com base em elementos constantes do próprio título.” Este autor dá vários exemplos de situações em que a liquidação depende de simples cálculo aritmético, entre as quais o cálculo de juros de mora já vencidos (obra citada, págs. 169-170).
Ora, o montante da obrigação exequenda mostra-se fixado e, quanto aos juros, determinado através de cálculo aritmético (que a Apelante nem sequer afirmou estar errado).
Portanto, improcedem as conclusões da Apelante atinentes a este outro fundamento de oposição à execução.
Em suma, improcedem inteiramente as conclusões da alegação de recurso, nenhuma censura nos merecendo a decisão recorrida, a qual, acertadamente e com ampla fundamentação, não atendeu a oposição deduzida pela Executada/Embargante.
Vencida a Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Mais se decide condenar a Apelante no pagamento das custas do recurso.
D.N.

Lisboa, 25-01-2024
Laurinda Gemas
Higina Castelo
Inês Moura