Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1852/18.3T8PDL.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: CULPA DO LESADO
TRANSPORTE DE PASSAGEIROS
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. O transporte de trabalhadores nos bancos situados na caixa de um veículo, permitida nos termos do Regulamente Regional, não constitui por si só um acto ilícito e culposo, devendo aferir-se do comportamento dos trabalhadores que seguiram para o interior da caixa contrariando a vontade e orientações do condutor do veículo, bem como a opção de um deles de permanecer na escada de acesso e a relevância da orientação dada ao condutor que podia prosseguir a sua marcha, por ausência de visibilidade do condutor para a caixa onde os trabalhadores podiam ser transportados.
II. Logo, para estabelecer o nexo de causalidade relevante da queda do trabalhador é necessário, em primeiro lugar, averiguar se entre o transporte e a queda existe uma causalidade adequada e, em segundo lugar, se não ocorreu um facto (de terceiro ou do lesado) que, em concreto, a afastou.
III. Ocorrendo a queda do trabalhador quer pela circulação do veículo, quer pela forma como o transportado seguiu no mesmo, concorre quer o risco da circulação do veículo, quer a conduta do lesado para a ocorrência do dano.
IV. Na interpretação actualista dos artº 505º e 570º ambos do Código Civil, haverá que ajuizar da adequação e proporcionalidade, entre a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente e a gravidade da culpa imputável ao comportamento do lesado, sopesando em termos de contribuição de cada um desses elementos para a verificação dos danos, concluindo-se pela obrigação de indemnizar assente nesta concorrência de causas, e não “o apagamento das consequências de um risco relevante da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
D..., viúva, por si e em representação dos seus filhos menores, S… e I…, bem como A… interpõem a presenta ação contra S..., SA, pedindo a condenação da R. a pagar aos AA.:
a) a título de compensação por perda do direito à vida do querido marido e pai dos AA., D… a quantia de €70.000,00 (setenta mil euros), cabendo a cada um dos AA. a quantia de €17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros);
b) a título dos danos morais sofridos pelos AA. pela morte violenta e perda abrupta do querido marido e pai, D..., a quantia de €180.000,00 (cento e oitenta mil euros), cabendo €40.000,00 à A., viúva, €40.000,00, ao filho, A…, €50.000,00, ao filho, S… e €50.000,00, ao filho, I…;
c) pelos danos morais sofridos pela vítima, D..., tendo em conta o sofrimento suportado pelo mesmo, desde a percepção da sua morte, imediatamente antes da queda, até ao momento da sua morte, deve ser fixada uma compensação em valor nunca inferior a €20.000,00 (vinte mil euros), cabendo a cada A. o valor de €5.000,00 (cinco mil euros):
d) pelos danos patrimoniais futuros, a quantia global de €131.091,08 (cento e trinta e um mil e noventa e um euros e oito cêntimos), cabendo à A., D…, a quantia de €55.000,00, ao filho, A…, a quantia de €14.847,04, ao filho, S…, a quantia de €25.982,32 e ao filho, I… a quantia de € 35.261,72, tudo no valor global de €401.091,08 (quatrocentos e um mil e noventa e um euros e oito cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegam em abono das suas pretensões, em síntese, que a vítima, marido da A. e pai dos AA., ao pretender aceder através de uma escada amovível ao interior da caixa de um camião, onde era transportado, não conseguiu aceder antes do veículo iniciar a sua marcha, o que determinou a sua queda, tendo sofrido lesões que determinaram a sua morte. Mais referem que a licença de transporte de trabalhadores estava caducada, mas foi pelo facto de iniciar a marcha sem cuidar se todos já se encontravam no interior do veículo que levou à ocorrência do acidente, actuando com culpa. Pedem assim, a título de danos os valores supra aludidos.
Regularmente citada a R. contestou - fls.37 e ss. - excecionando a prescrição do direito de ação dos AA.; a sua ilegitimidade decorrente do entendimento que tem de que o sinistro não é enquadrável na noção de acidente e ainda a exclusão da cobertura por entender que não se trata de acidente de viação, no mais impugnou os factos.
Os AA. pronunciarem-se quanto às exceções avançadas pelas R. o que fizerem impugnando os factos em que se alicerçam.
Findos os articulados e dispensada a audiência prévia foi proferido despacho saneador que decidiu, além do mais, pela improcedência das exceções de ilegitimidade e prescrição.
Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente por parcialmente provada a ação e, em consequência: a) condenou a R. ..., SA. a pagar aos AA. ..., o montante de €116.920,12 (cento e dezasseis novecentos e vinte euros e doze cêntimos) a título de indemnização pelos lucros cessantes;
b) condenou a R. ..., SA. a pagar aos AA. ..., o montante de €52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos euros) pelo dano morte;
c) condenou a R. ..., SA. a pagar aos AA. ..., o montante de €15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido;
d) condenou a R. ..., SA. a pagar à A. ..., o montante de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos;
e) condenou a R. ..., SA. a pagar ao A. A…, o montante de €30.000,00 (trinta mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos;
f) condenou a R. ..., SA. a pagar ao A. S…, o montante de €37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos;
g) condenou a R. ..., SA. a pagar ao A. I…, o montante de €37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos;
h) aos montantes referidos em a) a g) acrescem os juros legais contados a partir da citação e até integral pagamento. No mais do pedido foi a R. absolvida.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
« I. Vem a Apelante, S..., S.A., através do presente Recurso de Apelação, impugnar o julgamento de facto e o julgamento de direito do tribunal a quo, patente na douta sentença, que decidiu julgar a presente ação parcialmente procedente, porquanto mal andou o tribunal a quo na análise crítica das posições assumidas pelas partes na petição inicial e nas contestações e da prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência, à luz do ónus de prova.
II. A sentença é nula, por omissão de pronúncia, nos termos e para efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, d) do Cód. de Processo Civil, pois que o tribunal não se pronunciou de todo pela procedência ou improcedência da aplicação da Condição especial 021 que determinaria a exclusão da cobertura da apólice contratada dos danos sofridos pelos passageiros transportados nas caixas de carga dos veículos que não possuam a necessária autorização para o efeito.
III. A mera referência feita pelo tribunal a que o contrato de seguro era válido e eficaz à data dos factos e que os pedidos formulados se encontram cobertos pelo seguro, não prejudicou o conhecimento pelo tribunal a quo da exceção invocada, pois que, o conhecimento da limitação da responsabilidade (ainda que com parca fundamentação) não contendia com o conhecimento e eventual procedência ou improcedência da aplicação, no caso em concreto, da cláusula de exclusão do contrato de seguro em caso de o veículo seguro não possuir a necessária autorização para o transporte de pessoas na carga.
IV. A aplicação no caso em concreto da cláusula de exclusão prevista no ponto 3. do art. 4.º da Condição Especial 021 é uma questão que está intimamente ligada aos pedidos formulados e à respetiva causa de pedir, tendo o tribunal proporcionado o contraditório às partes sob todos os aspetos jurídicos da causa, não encontrando, contudo, tal questão a devida expressão e resposta na decisão.
V. Sem prescindir, mal andou o tribunal a quo na análise crítica das posições assumidas pelas partes na petição inicial e nas contestações e da prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência, à luz das regras de repartição do ónus de prova, pois que, a circunstância de estarmos no domínio da culpa presumida não afasta a exigência de terem de estar presentes todos os requisitos da responsabilidade civil, geradora do dever de indemnizar, nos termos do disposto nos arts. 562.º e 563.º do Cód. Civil.
VI. No que se refere ao contrato de seguro titulado pela Apólice n.º …, a transferência de responsabilidade vigorava nos termos e condições contratualizados com o tomador de seguro.
VII. Deverá este Venerando Tribunal, revogar a decisão proferida e substituí-la por outra que altere a resposta dada ao facto provado 10., dando por provado que: “À data do acidente, o veículo de caixa aberta da marca Toyota Dyna, com a matrícula …, circulava com seguro de responsabilidade civil automóvel válido, mediante contrato de seguro celebrado com a R., a que se referia a Apólice 90.00186035, nos termos do qual: i) é garantido o pagamento de capitais e/ou indemnizações na modalidade “todos os ocupantes”, nos quais se incluem os passageiros transportados na caixa de carga, resultando das condições particulares sob “âmbito de cobertura”, que o capital seguro em caso de morte é de € 9.975,96; e ii) é aplicável a condição especial 021 das condições especiais, segundo a qual são excluídas da cobertura da apólice contratada, “os danos sofridos pelos passageiros transportados nas caixas de carga dos veículos que não possuam a necessária autorização para o efeito”.
VIII. No que concerne à taxa de alcoolemia de 2,79 g/l registada à entrada de D... no Hospital do Divino Espirito Santo, EPE, o tribunal não poderia considerar ser tal taxa «indeterminável», a ela não fazendo referência na factualidade provada e não provada.
IX. Deverá assim, este Venerando Tribunal, aditar um ponto à factualidade dada por provada, o qual, entende-se que deverá ser introduzido como ponto 12.º da matéria de facto provada, dando por provado que: “À entrada no Hospital, pelas 17:45 horas, D... registava uma taxa de alcoolemia no sangue de 2,79 g/l”.
X. Não poderia, salvo o devido respeito, o tribunal dar por assente com base nos referidos depoimentos que o D... “gozava de boa saúde”, apoiando-se a prova de tal facto, não na informação constante dos registos clínicos da vítima mortal - e dos quais certamente as referidas testemunhas não estão completamente inteiradas - mas sim nos depoimentos de tais testemunhas.
XI. Deverá assim, este Venerando Tribunal, revogar a decisão proferida e substituí-la por outra que altere a resposta dada ao facto 12., dando por provado que: “D... tinha, à data do acidente, 45 anos de idade, constando na sua história clínica registo de antecedentes de Tiroidite autoimune, Hepatite C e alcoolismo, sendo uma pessoa querida e estimada, por todos que com ele contactavam e se relacionavam, principalmente com a sua mulher e seus filhos, constituindo uma família feliz e harmoniosa.”
XII. Os factos 17(i) e 17(ii) foram alegados pelos Autores e foram dados como provados pelo tribunal a quo, mas da prova produzida em sede de audiência de julgamento não resulta qualquer prova de que a vítima David tenha percecionada, nem sendo a sentença esclarecedora sobre os concretos meios de prova que levaram o tribunal a quo a formar tal convicção.
XIII. Deverá este Venerando Tribunal atuar em conformidade, revogando a decisão proferida que deverá ser substituída por outra que altere a resposta dada aos factos 17 (i) e 17(ii), dando-se por não provado que: 17 (i) A morte do D... não foi imediata e, pese embora ele se apresentasse, na altura da entrada no hospital, alcoolizado foi por ele percecionada o que lhe terá causado medo e pânico; 17(ii) A dimensão, extensão e profundidade das sequelas do acidente provocaram, necessariamente, um quadro de sofrimento físico e agudo em D..., aquando da queda e durante as manobras de reanimação e tratamentos a que foi sujeito e até à hora da sua morte;
XIV. Resulta dos termos do contrato de seguro celebrado entre a Apelante e o Município de Vila Franca, um seguro em benefício de terceiros, sendo estes todos os ocupantes da viatura segurada, nos quais se incluem os passageiros transportados na caixa de carga.
XV. Dando-se por provada que a licença de transporte de trabalhadores em veículo de caixa aberta emitida para a viatura …, se encontrava caducada à data do acidente, de acordo com a referida condição especial 021, (facto provado em 9 e que são excluídas da cobertura da apólice contratada, “os danos sofridos pelos passageiros transportados nas caixas de carga dos veículos que não possuam a necessária autorização para o efeito”, é manifesta a exclusão da responsabilidade da Apelante pelos danos alegados pelos Autores, deveria ter sido esta considerada parte ilegítima na ação, sendo absolvida da instância, conforme disposto nos arts. 576.º, n.º 2 e 577.º, al. e) do CPC.
XVI. Caso assim se não entenda, e com a alteração ao facto provado em 10., a responsabilidade da Apelante encontra-se sempre limitada, conforme previsto na referida Cláusula 021, nos termos da qual em caso de morte das pessoas seguradas, nos quais se incluem todos os ocupantes do veículo segurado, a Apelante obrigou-se, por via do contrato de seguro a garantir o pagamento de indemnização, nos termos e dentro dos valores garantidos que constam expressamente das Condições Particulares da Apólice, pelo que, a ser condenada, deveria a Apelante sê-lo dentro do limite de € 9.975,96,previsto no aludido contrato de seguro para danos patrimoniais e não patrimoniais em caso de morte de um ocupante do veículo seguro.
XVII. Sem prescindir, não se conforma a Apelante com a redução em apenas 25% dos montantes indemnizatórios fixados, atenta a contribuição do lesado para o ato lesivo ou para a agravação do dano
XVIII. Não era objetivamente provável que a vítima ficasse nas escadas, tratando-se de um caso em que os atos do lesado (estado de alcoolizado e o facto de viajar nas escadas) se inseriram indiscutivelmente no processo causal que culminou com a queda.
XIX. Ocorreu assim uma situação de concorrência de causas, “complementares nos seus efeitos ”: a omissão de verificação por parte do condutor e o transporte irregular de D..., que encontrando-se com uma taxa de álcool de 2,79 g/l e por opção própria, viajava nas escadas de acesso à caixa de carga do veículo.
XX. A vítima não agiu com a prudência exigível a uma pessoa medianamente cuidadosa e previdente, colocadas nas circunstâncias concretas do caso (n.º 2 do art. 487.º do Código Civil), colocando culposamente no estado de embriaguez (art. 488.º, n.º 1 do Código Civil).
XXI. Tudo sopesado, é muito mais grave a culpa do lesado na ocorrência do sinistro, afigurando-se mais consentânea com a matéria de facto provado, com a alteração supra requerida, a atribuição de 70% de responsabilidade à vítima mortal e de 30% ao condutor do veículo, devendo, destarte, serem os montantes indemnizatórios reduzidos, não em 25% mas em 70%, nos termos e para efeitos do disposto no art. 570.º do Código Civil.
XXII. Julgados não provados os pontos 17.(i) e 17. (ii) o pedido de reparação dos danos próprios da vítima devia sempre seria julgado improcedente, por não provado e, em consequência, a Apelante absolvida do valor de € 15.000,00 fixado para esse dano.
XXIII. Afigura-se excessivo o valor arbitrado de € 70.000,00 pelo dano morte, devendo o tribunal a quo ter fixado um montante indemnizatório correspondente ao limite mínimo normalmente apontado pela jurisprudência, de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), atendendo ao estado de saúde da vítima mortal e à sua situação profissional e socioeconómica.
XXIV. Deverá o tribunal revogar o montante indemnizatório arbitrado aos filhos S… e I…, fixando uma indemnização em igual medida daquela que foi fixada para A…, no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros), sem prejuízo da sua redução em 70%, fixando assim em € 21.000,00 (vinte e um mil euros).
XXV. No que se refere à indemnização arbitrada a título de lucros cessantes, A…, é maior de idade (nasceu em 25 de agosto de 1997), já concluiu os estudos, pelo que nos termos do disposto no art. 495.º, n.º 3 e arts. 1880.º e 1905.º todos do Código Civil, não teria direito a alimentos, razão pela qual não lhe poderá ser atribuída qualquer indemnização a título de danos patrimoniais futuros.
XXVI. Padece a douta sentença de erro de julgamento quer quanto à matéria de facto dada por provada, e bem assim erro na aplicação do direito e violação do disposto nos arts. 488.º n.º 1, 495.º, n.º 3, 496.º, 562.º, 563.º, 564.º 566.º e 570.º, n.º 1 do Código Civil.».
Os recorridos contra alegaram, concluindo da seguinte forma:
«1- A Recorrente (Ré na acção) assenta o seu recurso, assim parecendo resultar das conclusões, numa alegada nulidade da douta Sentença, por omissão de pronúncia, por um lado, e na impugnação da matéria de facto, com implicações na decisão do direito, incluindo os valores indemnizatórios, por outro.
2- Salvo o devido respeito, diga-se, desde já, não assistir qualquer razão à Recorrente, em nenhuma das situações elencadas no seu recurso.
3- É Jurisprudência unânime, e doutrina pacífica, que a nulidade da Sentença, por omissão de pronúncia, só acontece quando a Sentença deixa de decidir as questões suscitadas pelas partes (questões a conhecer com vista à decisão da causa), salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra.
4- Por ser assim, os AA./Recorridos, na sua P.I., invocando a ocorrência de um acidente de viação, demandaram a R./Recorrente com base na responsabilidade civil extracontratual, por a viatura interveniente no acidente de viação circular com seguro de responsabilidade civil automóvel (obrigatório) válido, mediante contrato de seguro celebrado entre a R./Recorrente e o proprietário, tomador do seguro.
5- Em momento algum, os AA. procuraram accionar ou fizeram referência a qualquer contrato/cobertura de ocupantes, que fosse ou pudesse existir (que sempre seria uma cobertura complementar e facultativa), isto porque, como se disse, o seguro obrigatório de responsabilidade civil também cobre os ocupantes, com excepção do condutor e/ou proprietário (única situação de excepção prevista na Lei), talqualmente os AA./Recorridos tinham adiantado na sua resposta às excepções invocadas, pela R./Recorrente, na contestação.
6- Resulta de forma cristalina, do douto Despacho saneador e da douta Sentença, que na acção foi accionado o seguro obrigatório da responsabilidade civil, celebrado pelo tomador do seguro com a R./Recorrente, e que o pedido formulado não ultrapassa o valor (do seguro obrigatório), que actualmente se cifra em €. 6.000.000,00.
7- Assim, tendo em conta o que acima ficou dito sobre o entendimento Jurisprudencial no que omissão da pronúncia respeita, facilmente se vislumbra que quer no douto Despacho Saneador, quer na douta Sentença, se apreciaram as questões suscitadas pelas partes, relevantes para a decisão da causa, tendo, por isso, ficado prejudicada a questão da existência de seguro de ocupantes, questão que era de todo irrelevante para a decisão final, face ao que se discutia nos autos.
8- Não havendo omissão de pronúncia, não existe qualquer nulidade a apontar à douta Sentença.
9- Na impugnação da matéria de facto que pretende fazer, a R./Recorrente parece esquecer-se das doutas palavras constantes da douta Sentença, no que à decisão de matéria de facto respeita (ponto C – Convicção), quando ai se escreveu que: Antes de começar a motivação da decisão de facto em sentido estrito há que relembrar que, segundo as regras de repartição do ónus da prova, cabe ao A., nos termos do artº.342º, nº.1 do Código Civil (em diante CC) a demonstração dos factos constitutivos dos direitos alegados, sendo que, nos termos do nº.3 do mesmo artigo, havendo dúvida, os factos devem ser considerados constitutivos desse direito. À R., porque avançou factos impeditivos daquele direito cabe-lhe fazer a prova deles nos termos do nº.2 do mesmo preceito legal. Quando haja presunção legal as regras invertem-se - artº.344º, nº.1 do CC. Iluminando aquelas regras não pode desconsiderar-se a muito esquecida norma do artº.516º do Código de Processo Civil, segundo a qual cada um tem que cumprir o seu ónus probatório segundo um padrão legalmente tipificado e exigente - em caso de dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se a mesma contra a parte a quem ele aproveita. É assim que se concatenam aquelas normas de direito substantivo com esta de direito adjetivo, procurando trazer à colação e esgrimir argumentos com base em factos e elementos de prova que não constam dos autos, e bem assim, pretendendo sobrepor a sua apreciação da prova à da douta apreciação do Tribunal a quo postergando, dessa forma o princípio da livre apreciação da prova.
10- Por ser assim, deve a impugnação da matéria de facto ser rejeitada, por manifestamente improcedente.
11- Sem prejuízo, sempre se dirá que toda a prova produzida e analisada em sede de Audiência de Julgamento foi correctamente apreciada pelo Tribunal a quo, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e do raciocínio do homem médio, tudo conjugado com as regras do ónus probatório e de repartição desse ónus, não merecendo a matéria fixada, por essa razão, qualquer censura.
12- A prova pericial está, em regra, sujeito à livre apreciação do Tribunal (artigo 389º do C. Civil).
13- O juízo pericial tem que constituir sempre uma afirmação categórica, isenta de dúvidas, sobre o objecto da perícia.
14- Tudo o que possam ser juízos de probabilidade ou meramente opinativos, não constituem, por isso, um juízo pericial.
15- Assim, quando o Perito, em vez de emitir um juízo técnico-científico claro e afirmativo sobre o objecto, emite uma probabilidade, uma opinião ou manifesta uma dúvida, devolve-se plenamente ao Tribunal a decisão da matéria de facto e este responde de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
16- Sendo a alegação da matéria de direito, na sua maior parte, uma consequência da alegada omissão de pronúncia quanto ao seguro de ocupantes e impugnação da matéria de facto, improcedendo essas alegações, e o recurso nessa parte, devem improceder, também, as alegações e o recurso na matéria de direito.
17- Assim, nada mais havendo, forçoso se torna concordar integralmente com a decisão do Tribunal a quo, ao escrever na douta Sentença recorrida que: Ora…tendo em conta o que está provado não restam dúvidas que a CMVFC, proprietária do veículo, é responsável pelo sinistro já que a viatura usada no transporte tinha a licença para esse fim imprescindível, caducada e, além disso…o condutor, José Marcos, agindo por conta e no interesse dela, tinha consciência de que a condução do veículo por si tripulado, de transporte de trabalhadores, era uma actividade perigosa e susceptível de por em causa a vida e a integridade dos trabalhadores/passageiros que transporta no veículo e que o transporte só pode ser iniciado e realizado com todos os passageiros sentados no interior da viatura e nos assentos…tal como lho impõe o artº.54º, nºs.3 e 4 do Código da Estrada e artº.3º, al.c) do Decreto Legislativo Regional nº.1/2012/A, de 11 de Janeiro…obrigação que o mesmo violou ao não se certificar, antes de colocar o veículo em marcha, dessa realidade que lhe cabia, independentemente da prática laxista que existia ou que instituiu de forma oficiosa, assegurar…tal conduta descuidada não está de acordo com os cânones por que se deve pautar o bonus pater familias, pelo que agiu com culpa - artº.487º, nº.2, do mesmo código….pelo que não restam dúvidas que há responsabilidade do proprietário da viatura em razão da relação de comitente que o liga ao condutor - artº.503º, nº.1 do CC.
18- E que: Sucede que o proprietário tinha transferido a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros emergentes da circulação daquela viatura para a R. por contrato de seguro válido à data do acidente…pelo que a R. seguradora responde pelos danos que do sinistro advieram aos AA…já que os demais pressupostos da responsabilidade civil estão preenchidos.
19- A tudo acresce que o transporte de passageiros, que por si só já uma actividade perigosa por natureza, é substancialmente agravada nas situações em que os 19 trabalhadores são transportados na caixa de um veículo pesado de mercadorias, como se de “animais” se tratassem.
20- Por último, também não assiste razão à R./Recorrente, quando pretende que o valor dos danos patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima seja fixado em igual montante para todos os filhos, alegando não ser inteligível “o motivo pelo qual o Tribunal a quo entendeu conceder uma indemnização mais elevada aos dois filhos mais novos da vítima mortal”(sic).
21- Ora, resulta do ponto 14 da douta Sentença que: 14. Os AA. sentem profundamente, ainda hoje, a dor resultante da privação permanente da companhia, carinho e afecto do seu marido e pai, que não os poderá acompanhar, à A., ao longo da vida, e aos filhos no crescimento e não poderem partilhar as alegrias e tristezas da sua vida de crianças, adolescentes e adulta;
22- Não tendo tal matéria de facto sido impugnada, facilmente se percebe que a diferença de valores teve por base as diferentes fases da vida em que os filhos se encontravam à data da morte do seu querido pai.
23- O Tribunal a quo, tendo por base os factos provados, as circunstâncias do caso concreto, os princípios legais e jurisprudenciais devidamente actualizados, e tendo sempre presente a equidade, decidiu, e bem, atribuir os valores indemnizatórios constantes da douta Sentença, razão pela qual, e não sofrendo de qualquer vício, nem violando qualquer norma ou princípio legal, deve a douta Sentença ser mantida na íntegra.».
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
Objecto e delimitação do recurso:
Nos termos do disposto nos artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente, no confronto com a decisão recorrida, que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal da Relação adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Tal limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, contanto que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a ponderação das seguintes questões:
1ª A alteração dos factos contidos nos pontos 10., o aditamento de um facto, bem como a alteração dos factos contidos nos pontos 17. (i) e 17. (ii), com a reapreciação da prova;
2ª A nulidade da sentença por omissão de pronúncia por ausência de decisão sobre a invocada limitação da responsabilidade contratada com a ré seguradora;
3ª A apreciação do comportamento da vítima como causa de exclusão da responsabilidade ou a redução da indemnização devida em 70%;
4ª A ausência de danos próprios da vítima face à alteração da matéria de facto e a redução do valor arbitrado a título de dano morte;
5ª A redução do valor devido a título de danos não patrimoniais atribuído aos filhos da vítima.
                                                      *
II. Fundamentação:
A) Motivação de facto:
Na 1ª instância julgaram-se provados e não provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
A. Factos provados:
1. A A. ... é viúva de D..., com quem foi casada, desde 9.1.1996 até ao dia 10.7.2015, data da morte deste;
2. Na pendência do casamento nasceram três filhos: o A…, nascido a 25 de Agosto de 1997; o S…, nascido a 10 de Agosto de 2003 e o I…, nascido a 4 de Abril de 2009, filhos de ambos;
3. Em 9 de Julho de 2015, o falecido, D..., exercia funções correspondentes às da categoria de Assistente Operacional, no programa de emprego designado por PROSA, para a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo;
4. Nesse mesmo dia 9 de Julho de 2015, pelas 16h00, o veículo de caixa aberta Toyota Dyna, de matrícula …, propriedade e ao serviço da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, conduzido por J…, no interesse e sob ordens daquela, surgiu para proceder ao transporte dos seus trabalhadores (ocupados pelo programa de emprego PROSA) de regresso a casa, neles se incluindo, além do M…, o D...;
5. Nessa altura ambos os trabalhadores se recusaram a viajarem na cabine onde seguia o condutor, optando por seguirem na caixa para onde subiram por uma escada, amovível, encaixada no taipal traseiro mas sem estar aparafusada ao mesmo, sentando-se nos respetivos banco existentes na caixa e sob um toldo também amovível;
5. Com os trabalhadores na caixa e a ordem de um deles, o condutor iniciou a marcha do veículo parando um pouco abaixo, na zona das Grotas Fundas, a fim do D... ir buscar os sacos com comida que se encontravam em casa da sua mãe onde estiveram a almoçar;
6. Minutos depois, o D... retorna ao veículo onde o M… permanecera e, ao invés de subir para a caixa do camião, pela retaguarda, onde estava colocada a cabine amovível, em lona, de transporte de passageiros, subiu para a escada amovível de acesso àquela caixa e aí ficou (de pé na escada) contra recomendação do colega M…, segurando-se, com as mãos, ao taipal onde a escada encaixava sem que a ele se encontrasse aparafusada, enquanto aquela viatura iniciou a sua marcha;
7. O condutor não tinha qualquer visibilidade para a escada amovível situada na traseira da viatura nem para o interior da caixa onde os trabalhadores são transportados, não saiu do lugar do condutor, tendo iniciado a marcha por indicação do D... sem verificar e confirmar se todos os trabalhadores estavam no interior da caixa e devidamente sentados;
8. Iniciada a marcha, nas circunstâncias referidas em 6. e 7., pela Estrada Regional de Ponta Garça e, percorridos cerca de 80m em subida, no local onde a estrada apresenta uma curva com ligeira inclinação para a esquerda, iniciando-se aí uma descida com inclinação ligeira, D... caiu da escada onde se encontrava para o asfalto…queda que lhe provocou lesões crânio meningo encefálicas, as quais determinaram a sua morte;
9. Naquela data, a licença para transporte de trabalhadores em veículo de caixa aberta, emitida para a viatura …, encontrava-se caducada…sendo certo que o condutor, José …, tinha consciência de que a condução do veículo por si tripulado, de transporte de trabalhadores, era uma actividade perigosa e susceptível de por em causa a vida e a integridade dos trabalhadores/passageiros que transporta no veículo e que o transporte só pode ser iniciado e realizado com todos os passageiros sentados no interior da viatura e nos assentos;
10. À data do acidente, o veículo de caixa aberta da marca Toyota Dyna, com a matrícula …, circulava com seguro de responsabilidade civil automóvel válido, mediante contrato de seguro celebrado com a R., a que se referia a Apólice …; * Alterado, passando a ter a seguinte redacção:
«10. À data do acidente, o veículo de caixa aberta da marca Toyota Dyna, com a matrícula …, circulava com seguro de responsabilidade civil automóvel válido, mediante contrato de seguro celebrado com a R., a que se referia a Apólice …, nos termos constantes das condições particulares e gerais juntas a fls. 43 vº a 80 cujo teor se dá por reproduzido, figurando expressamente quer a responsabilidade civil obrigatória e a condição especial 021 facultativa e relativa à cobertura de protecção de ocupantes com os limites e nos termos contratualmente estabelecidos e que se deram por reproduzidos.».

11. Logo após o acidente o marido e pai dos AA., D..., foi assistido no local pelos Bombeiros Voluntários de Vila Franca do Campo, bem como por uma equipa de suporte imediato de vida - SIV, sendo transportado de urgência para o Hospital do Divino Espirito Santo de Ponta Delgada, onde deu entrada pelas 17h45, do dia 9 de Junho de 2015, entrando em paragem cardíaca, e ali permanecendo em tratamento e manobras de reanimação até à sua morte, pelas 4h15 minutos, do dia 10 de Junho de 2015;
12. D... tinha, à data do acidente, 45 anos de idade, gozava de boa saúde e não tinha qualquer defeito físico, sendo uma pessoa querida e estimada, por todos que com ele contactavam e se relacionavam, principalmente com a sua mulher e seus filhos, constituindo uma família feliz e harmoniosa;
13. Era uma pessoa divertida, simpática com imensa e contagiante alegria de viver, sendo um marido e pai amigo e extremoso, nutrindo laços recíprocos de amor e estima;
14. Os AA. sentem profundamente, ainda hoje, a dor resultante da privação permanente da companhia, carinho e afecto do seu marido e pai, que não os poderá acompanhar, à A.,
ao longo da vida, e aos filhos no crescimento e não poderem partilhar as alegrias e tristezas da sua vida de crianças, adolescentes e adulta;
15. Sentiram e, ainda, sentem, uma profunda revolta e consternação pelas circunstâncias em que o acidente ocorreu, o que lhes provoca um sentimento de infelicidade prolongado e doloroso;
16. A notícia do acidente foi recebida pelos AA. como um choque desmedido e com um grande sofrimento;
17. A morte do D... não foi imediata e, pese embora ele se apresentasse, na altura da entrada no hospital, alcoolizado foi por ele percepcionada o que lhe terá causado medo e pânico;* Alterado, passando a ter a seguinte redacção:
17.(i) A morte do D... ocorreu doze horas após a queda, apresentando o mesmo, na altura da entrada no hospital, uma taxa de alcoolémia de 2,79g/l.
17. A dimensão, extensão e profundidade das sequelas do acidente provocaram, necessariamente, um quadro de sofrimento físico e agudo em D..., aquando da queda e durante as manobras de reanimação e tratamentos a que foi sujeito e até à hora da sua morte;* Alterado, passando a ter a seguinte redacção:
17.(ii) As sequelas que advieram da queda provocaram, necessariamente, um quadro de sofrimento físico em D..., aquando da queda e durante as manobras de reanimação e tratamentos a que foi sujeito e até à hora da sua morte.
18. D..., no exercício da actividade que exercia na altura, auferia uma retribuição mensal ilíquida de €530,25 (quinhentos e trinta euros e vinte e cinco cêntimos), tendo, ainda, direito a 30 dias de férias remuneradas e subsídios de férias e de Natal do mesmo montante, o que corresponde a uma retribuição anual de €7.423,50, quantia que era, na sua totalidade, entregue à A., sua esposa, para suportar as despesas do lar e respectivo agregado familiar;
19. O condutor do veículo apenas se apercebeu que aquele o D... se encontrava caído no solo, após percorridos cerca de 100 metros desde o início da marcha e por indicação de um transeunte.
                                                   *
B - Não provados:
20. Que o D... não conseguiu aceder ao interior do veículo por ter ele iniciado a marcha;
21. Que o D... “pouco depois largou as mãos e caiu”;
                                                   *
Da impugnação da decisão de matéria de facto:
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção, face ao qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção firmada acerca de cada facto controvertido, tendo porém presente o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414º do C.P.C., de que a «dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita». Conforme é realçado por Ana Luísa Geraldes («Impugnação», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I. Coimbra, 2013, pág. 609 e 610), em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». E mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.»
Assim, apesar de se garantir um duplo grau de jurisdição, tal deve ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artº 607 nº 5 do C. P. Civil, sendo certo que decorrendo a produção de prova perante o juiz de 1ª instância, este beneficia dos princípios da oralidade e da mediação, a que o tribunal de recurso não pode já recorrer.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 347, “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.
 Assim, para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção do julgador de 1ª instância, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos que deu como assentes.
Porém, e apesar da apreciação em primeira instância construída com recurso à imediação e oralidade, tal não impede a «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida(…) Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada» (Luís Filipe Sousa, Prova Testemunhal, Alm. 2013, pág. 389).
Feito este enquadramento, haverá que aferir se assiste razão à recorrente quanto aos pontos concretos que devem ser apreciados por este tribunal, ou seja se os factos contidos nos pontos 10., 12., 17. (i) e (ii), dado existirem dois factos sob o ponto 17., e o aditamento nos termos pretendidos pelo recorrente deve ou não ser atendido. Vejamos cada ponto ou alteração individualmente.
Ø Quanto ao ponto 10.
O recorrente entende que deve ser revogada a decisão sobre este ponto, alterando-se a resposta dada ao facto provado em 10., dando por provado que: “À data do acidente, o veículo de caixa aberta da marca Toyota Dyna, com a matrícula …, circulava com seguro de responsabilidade civil automóvel válido, mediante contrato de seguro celebrado com a R., a que se referia a Apólice …, nos termos do qual: i) é garantido o pagamento de capitais e/ou indemnizações na modalidade “todos os ocupantes”, nos quais se incluem os passageiros transportados na caixa de carga, resultando das condições particulares sob “âmbito de cobertura”, que o capital seguro em caso de morte é de € 9.975,96; e ii) é aplicável a condição especial 021 das condições especiais, segundo a qual são excluídas da cobertura da apólice contratada, “os danos sofridos pelos passageiros transportados nas caixas de carga dos veículos que não possuam a necessária autorização para o efeito”.
Como fundamento de tal alteração é a própria apólice junta, na qual aliás a sentença recorrida baseia a sua resposta, tendo tal cláusula sido referida expressamente em sede de contestação.
Com efeito, na sentença em causa a resposta a tal ponto advém da apólice e respectivas cláusulas de fls. 43 verso e ss., logo, entendemos que o facto a ter em conta terá de ter na sua base o contrato na sua íntegra, e não apenas a referência tal como é feito no ponto 10. Assim, o ponto 10. abrangerá integralmente a apólice que titula a relação contratual invocada como fundamento do pedido formulado nesta ação pelos autores, e não apenas especificamente o que a recorrente pretende, passando a ter a seguinte redacção:
«10. À data do acidente, o veículo de caixa aberta da marca Toyota Dyna, com a matrícula ...., circulava com seguro de responsabilidade civil automóvel válido, mediante contrato de seguro celebrado com a R., a que se referia a Apólice 90.00186035, nos termos constantes das condições particulares e gerais juntas a fls. 43 vº a 80 cujo teor se dá por reproduzido.».
Ø Quanto à alteração do ponto 12. e aditamento nos termos pretendidos
A apelante entende que no que concerne à taxa de alcoolemia de 2,79 g/l registada à entrada de D... no Hospital do Divino Espirito Santo, EPE, o tribunal não poderia considerar ser tal taxa «indeterminável», a ela não fazendo referência na factualidade provada e não provada.
Conclui que deverá ser aditado um ponto à factualidade dada por provada, o qual, entende-se que deverá ser introduzido como ponto 12.º da matéria de facto provada, dando por provado que: “À entrada no Hospital, pelas 17:45 horas, D... registava uma taxa de alcoolemia no sangue de 2,79 g/l”.
A consideração de tal facto não se insere na factualidade essencial, mas apenas instrumental, e o tribunal a quo relativamente a esta questão e na motivação refere o seguinte:« (…) o perito esclareceu as razões da morte e precisou que a taxa de álcool que consta do relatório de autópsia se estriba no exame de toxicologia realizado…contudo, o relatório que está a fls.40 aponta para um taxa que varia entre os 0,12 e 0,2…o que não é consentâneo com o que está na perícia e, por isso, nos factos provados ou não provados a ela não se faz referência por seu indeterminável independentemente do que foi alegado pelos AA., visto que esta não é matéria que esteja na sua disponibilidade por a aferição da taxa de álcool é feita através de instrumento legal específico que não pode ser contornado. Aliás…a testemunha Mariano ..., que esteve todo o dia com o D..., confirmou que não o viu ingerir qualquer bebida alcoólica…o que não sendo definitivo…vem auxiliar a ter a taxa avançada no exame de toxicologia como a mais consentânea.».
Haverá ainda que considerar que o Tribunal a quo deu como provado que: “A morte do D... não foi imediata e, pese embora ele se apresentasse, na altura da entrada no hospital, alcoolizado foi por ele percepcionada o que lhe terá causado medo e pânico” ( sublinhado nosso).
Manifestamente não pode fundamentar o grau de alcoolémia da vítima o depoimento da testemunha, porém, e tal como se transcreveu supra e fundamentou o juiz a quo, também o relatório de autópsia não é de molde a considerar como provada a taxa de álcool no sangue com precisão aquando do acidente. Com efeito, nem do relatório nas suas conclusões – fls. 27 - nem do relatório final do serviço de química e toxicologia forenses de fls. 28, resulta evidente qual seria a taxa de alcoolémia com precisão, pois o acidente terá ocorrido pelas 16h05m – cf. auto de participação de fls. 17, e a entrada no hospital só ocorreu pelas 17h45m, desconhecendo-se se na assistência foram ou não ministradas substancias que possam ter alterado tal valor. Acresce que a eventual taxa concreta de alcoolémia da vítima no momento da chegada ao hospital poderá ser considerada no ponto 17., tal como foi declarado pelo tribunal recorrido em termos conclusivos, pelo que remetemos para a sua apreciação que se procederá infra. Porém, manifestamente a indecisão quanto ao grau de alcoolémia que advém do depoimento do perito não é a relativa ao momento da entrada do sinistrado no Hospital, mas sim aquando da autópsia.
Conclui-se assim, pela improcedência quanto à alteração/aditamento pretendido sem prejuízo do que se referirá infra. 
A apelante conclui ainda que não poderia o tribunal dar por assente com base nos depoimentos que o D... “gozava de boa saúde”, apoiando-se a prova de tal facto, não na informação constante dos registos clínicos da vítima mortal - e dos quais certamente as referidas testemunhas não estão completamente inteiradas - mas sim nos depoimentos de tais testemunhas. Arremata que deverá ser revogada a decisão proferida e substituí-la por outra que altere a resposta dada ao facto 12., dando por provado que: “D... tinha, à data do acidente, 45 anos de idade, constando na sua história clínica registo de antecedentes de Tiroidite autoimune, Hepatite C e alcoolismo, sendo uma pessoa querida e estimada, por todos que com ele contactavam e se relacionavam, principalmente com a sua mulher e seus filhos, constituindo uma família feliz e harmoniosa.”.
O Tribunal fundamentou a resposta contida no ponto 12. da seguinte forma: «Os factos relacionados com as condições pessoais do D...; os sentimentos que teve e também os dos AA., resultam dos depoimentos claros das testemunhas Ana ...., Marina .... e Lina ...., que conhecem bem a família e com ela partilharam muitos momentos.».
Da inquirição de tais testemunhas resulta a confirmação que a vítima não vivia com qualquer problema de saúde evidente ou incapacitante. Com efeito, a indicação de “gozava de boa saúde e não tinha qualquer defeito físico”, prende-se com a qualidade de vida do mesmo em termos de saúde, ou seja, a inexistência de doenças que o incapacitassem ou determinassem menor qualidade de vida. É certo que consta do relatório de autópsia que com base no boletim de informação clinica o mesmo tinha como antecedentes Tiroidite auto-imune e Hepatite C, porém, tais antecedentes não eram limitativos em termos de vivência da vítima, tal como evidenciaram as testemunhas indicadas, pelo que tais antecedentes em nada relevam para contrariar que actualmente “gozava de boa saúde”, mantendo-se inalterada tal resposta. Quanto ao pretenso alcoolismo da vítima, o mesmo ficou referido no relatório de autópsia na parte relativa a “discussão”, mas nada nos permite aferir de onde resulta tal conclusão, pois não é referido tal problema do teor da informação clínica, pelo que tal conclusão não tem suporte documental suficiente que nos permita considerar a mesma.
Improcede, deste modo, a alteração do ponto 12. Nos termos pretendidos.
Ø Quanto aos pontos 17 (i) e 17 (ii)
Refere a apelante que os factos 17(i) e 17(ii) foram alegados pelos Autores e foram dados como provados pelo tribunal a quo, mas da prova produzida em sede de audiência de julgamento não resulta qualquer prova de que a vítima David tenha percecionado, nem sendo a sentença esclarecedora sobre os concretos meios de prova que levaram o tribunal a quo a formar tal convicção.
Conclui assim, que deve ser revogada a decisão proferida que deverá ser substituída por outra que altere a resposta dada aos factos 17 (i) e 17(ii), dando-se por não provado que: 17 (i) A morte do D... não foi imediata e, pese embora ele se apresentasse, na altura da entrada no hospital, alcoolizado foi por ele percecionada o que lhe terá causado medo e pânico; 17(ii) A dimensão, extensão e profundidade das sequelas do acidente provocaram, necessariamente, um quadro de sofrimento físico e agudo em D..., aquando da queda e durante as manobras de reanimação e tratamentos a que foi sujeito e até à hora da sua morte.
Na motivação a tais pontos, feita por bloco, o tribunal recorrido expõe o seguinte:« O que temos em 3. a 19. resulta da compaginação do teor dos documentos de fls.16 e ss. (certidão da participação do sinistro e relatório de autópsia, relatório toxicológico do falecido, fotos da viatura que transportava o falecido e assento de óbito); 43 verso e ss. (apólice e respetivas cláusulas); 80 e ss. e 92 e ss. (relatório da averiguação que preconizou) e ainda do depoimento, analisado de forma crítica das testemunhas e perito ouvidos. Assim…o perito esclareceu as razões da morte (…)No que toca aos demais factos (…) As consequências da queda estão bem patentes no relatório de autópsia já referido. Os factos relacionados com as condições pessoais do D...; os sentimentos que teve e também os dos AA., resultam dos depoimentos claros das testemunhas Ana ...., Marina .... e Lina ...., que conhecem bem a família e com ela partilharam muitos momentos.»
Com efeito, do relatório de autópsia resulta que a vítima faleceu 12 horas após o acidente, figurando ainda quais os meios de assistência que foram utilizados, quer no local, com reanimação, quer os exames posteriormente efectuados – cf. fls. 24. Mas nada mais resulta, nomeadamente sobre o estado consciente ou não da vítima.
Quanto à prova testemunhal, Mariano ..., trabalhador que se encontrava juntamente com a vítima aquando da queda ocorrida e que se discute, confirmou que o veículo era destinado ao transporte dos trabalhadores, proporcionado pela Câmara Municipal, mas nada afirmou sobre a eventual consciência da vítima após a queda de que foi vítima e que foi causa determinante do seu falecimento. A testemunha Ana …., irmã da Autora e tias dos demais AA., apenas afirmou a vivência do falecido, como amigo, pai, padrinho dos seus filhos, e a forma como se expressava e o sofrimento da família decorrente do falecimento. A testemunha Marina …., companheira do irmão da Autora, também depôs acerca da forma como decorria a vivência do falecido com a família, com os amigos e próximos, mas nada referiu quanto aos últimos momentos de vivência da vítima, nomeadamente de molde a confirmar os factos contidos nos pontos 17. Quanto à testemunha Lina …., apenas confirmou a convivência harmoniosa da família, a simpatia do falecido e o sofrimento sofrido pela família na sequência da morte de D Com efeito, não resulta da prova sequer que a vítima estivesse consciente, ou se esta consciência tenha existido em algum momento antes do falecimento, de molde a considerar a forma como vivenciou as sequelas ou consequências da queda, ou seja nada resulta nos autos que nos permite aferir da sua percepção em concreto.
Logo, os factos contidos no ponto 17.(i) apenas resultam do teor do relatório de autópsia, pelo que a resposta apenas poderá ter por base o aí constante, nomeadamente o referido em sede de conclusões a fls. 27.
Assim, o ponto 17.(i), passará a ter a seguinte redacção:
17(i). A morte do D... ocorreu doze horas após a queda, apresentando o mesmo, na altura da entrada no hospital, uma taxa de alcoolémia de 2,79g/l.
Porém, entendemos que já não assiste razão à recorrente quanto à alteração do ponto 17.(ii) na sua essência, ainda que haja que expurgar de tal ponto as conclusões contidas no mesmo, ou seja, “a dimensão, extensão e profundidade” e “agudo” reportado à qualificação do sofrimento. Pois do relatório da autópsia que reproduz o boletim clínico, resultam as sequelas concretas, como sendo o traumatismo crânio-encefálico e ainda a paragem cardíaca decorrente das hemorragias correlacionadas. Mas no ponto em termos factuais haverá que considerar tais concretizações e não as qualificativas reportadas às sequelas, sem contudo as identificarem. Quanto à conclusão que as mesmas determinaram sofrimento físico, eliminando-se o agudo que não resulta de qualquer prova ou indicio, este resulta por presunção e tendo presente a normalidade da vida e as regras de experiência comuns, pois qualquer dano físico ou que afete a integridade física tem como correlativo sofrimento. Como se alude no Acórdão do STJ, de 29.09.2016 (processo nº 286/10.2TBLSB.P1.S1 in www.dgsi.pt/jstj), « a presunção centra-se, pois, num juízo de indução ou de inferência extraído do facto base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência». É assim, o que ocorre quanto ao facto relativo ao sofrimento físico o qual advém necessariamente dos danos corporias que sofreu na sequência da queda.
Deste modo, o ponto 17.(ii) passará a ter a seguinte redacção:
17.(ii) As sequelas do acidente provocaram, necessariamente, um quadro de sofrimento físico e agudo em D..., aquando da queda e durante as manobras de reanimação e tratamentos a que foi sujeito e até à hora da sua morte.
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III. O Direito:
Consolidados os factos haverá que subsumir os mesmos ao direito, aferindo se é de seguir o raciocínio do Tribunal a quo que determina que os factos se subsumem à responsabilidade civil extracontratual e aquiliana.
Abordando em conformidade o disposto no artº 483º, nº.1, do CC, os seus pressupostos, bem como ónus da prova aplicável, dizendo que “é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (cfr. artº.487º, nº.1, do CC) como ocorre na situação prevista no artº.503º, nº.3, do CC.”. Assim, defende que:”(…)tendo em conta o que está provado não restam dúvidas que a CMVFC, proprietária do veículo, é responsável pelo sinistro já que a viatura usada no transporte tinha a licença para esse fim imprescindível, caducada e, além disso…o condutor, José Marcos, agindo por conta e no interesse dela, tinha consciência de que a condução do veículo por si tripulado, de transporte de trabalhadores, era uma actividade perigosa e susceptível de por em causa a vida e a integridade dos trabalhadores/passageiros que transporta no veículo e que o transporte só pode ser iniciado e realizado com todos os passageiros sentados no interior da viatura e nos assentos…tal como lho impõe o artº.54º, nºs.3 e 4 do Código da Estrada e artº.3º, al.c) do Decreto Legislativo Regional nº.1/2012/A, de 11 de Janeiro…obrigação que o mesmo violou ao não se certificar, antes de colocar o veículo em marcha, dessa realidade que lhe cabia, independentemente da prática laxista que existia ou que instituiu de forma oficiosa, assegurar…tal conduta descuidada não está de acordo com os cânones por que se deve pautar o bonus pater familias, pelo que agiu com culpa - artº.487º, nº.2, do mesmo código….pelo que não restam dúvidas que há responsabilidade do proprietário da viatura em razão da relação de comitente que o liga ao condutor - artº.503º, nº.1 do CC
Ora, tal abordagem não considera que do lado passivo não figura o proprietário do veículo, a quem incumbia o transporte dos seus trabalhadores, mas sim a seguradora no âmbito da responsabilidade civil de seguro obrigatório, pois à data do acidente, o veículo de caixa aberta da marca Toyota Dyna, com a matrícula …, circulava com seguro de responsabilidade civil automóvel válido, mediante contrato de seguro celebrado com a R., a que se referia a Apólice 90.00186035, nos termos constantes das condições particulares e gerais juntas a fls. 43 vº a 80 cujo teor se dá por reproduzido.
Assim, e reportando-nos à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por alegada ausência de decisão sobre a invocada limitação da responsabilidade contratada com a ré seguradora, a mesma, considerando a opção em termos jurídicos constante da sentença, não se verifica, pois da sentença recorrida resulta que se entendeu que o acidente se situava no âmbito da responsabilidade civil aquiliana, logo no âmbito do seguro de responsabilidade civil obrigatório, no âmbito da qual não haveria que aquilatar da limitação de responsabilidade, a qual só existiria se fosse considerado que não se tratava de um acidente de viação enquadrado no artº 483º do CPC, opção que foi tomada pela sentença recorrida, pelo que afastada está a nulidade apontada à mesma. Ou seja, a invocação da pretensão ilegitimidade pela recorrente (não sendo a questão meramente processual, pelo que afastada estaria a mesma, por não se conter na ilegitimidade ad causam, mas sim ao mérito da ação) reporta-se a uma causa de execução no âmbito do seguro facultativo de ocupantes, correspondente à condição especial 021 também contratada e relativa ao veículo em causa. 
Haverá porém, que aquilatar do instituto jurídico aplicável à situação.
  Nos termos do preceituado no artº 483º nº 1 do Código Civil "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".  Ali se estabelece pois o princípio geral da respon­sabilidade civil, fundada em facto que seja objectivamente controlável ou dominável pelo agente, isto é uma conduta humana, que tanto pode consistir num facto positivo, uma acção, como num negativo (omissão ou abstenção), violadora do direito de outrem ou de qualquer disposição legal que vise proteger interesses alheios — comportamento ilícito. Para que desse facto irrompa a consequente respon­sabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa. A ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente conside­rada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico. A responsabilidade civil pode ter lugar independentemente de contrato, i.e. assumir o cariz de extra-contratual, resultando da infracção de regras regulamentadoras especificas inerentes a várias actividades, - v.g. o Código da Estrada, ou outros Regulamentos – mas também coexistindo com a violação de normas de prudência genéricas na prática dessas actividades, v.g. falta de cuidados genéricos reveladores de imprudência, imperícia, falta de atenção. Mas a responsabilidade civil pode eclodir por via da infracção dos deveres emergentes da violação de um contrato podendo esta traduzir-se num não cumprimento ou apenas em cumprimento defeituoso. Dado não existir em princípio responsabilidade civil independente de culpa é também ao lesado em sede de responsabilidade contratual que cabe o ónus de provar a culpa do autor da lesão; contudo, nos termos do artigo 799º nsº 1 e 2 do Código Civil, incumbe ao Autor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil.
A 1ª instância, como referimos, encarou o caso pelo prisma da responsabilidade extra-contratual, porém, resulta dos factos em 9 de Julho de 2015, o falecido, D…, exercia funções correspondentes às da categoria de Assistente Operacional, no programa de emprego designado por PROSA, para a Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. E nesse mesmo dia 9 de Julho de 2015, pelas 16h00, o veículo de caixa aberta Toyota Dyna, de matrícula …, propriedade e ao serviço da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, conduzido por J…, no interesse e sob ordens daquela, surgiu para proceder ao transporte dos seus trabalhadores (ocupados pelo programa de emprego PROSA) de regresso a casa, neles se incluindo, além do Mariano ..., o D
O contrato de transporte pode definir-se como sendo aquele mediante o qual uma das partes (o transportador) se compromete/obriga perante outro (que poderá ser o passageiro ou o carregador/expedidor) a fazer deslocar (por si ou recorrendo aos serviços de outrem) por cuja prestação responderá – transportar – pessoas ou coisas de um lugar para o outro. Trata-se de um contrato típico, nominado, sendo certo todavia que para além de normas específicas de regulamentação – no nosso caso o DL - o mesmo rege-se pelos princípios gerais do Código Civil, nomeadamente no que concerne ao cumprimento e não cumprimento respectivos – artigos 798º ss do citado Diploma Legal.  O contrato de transporte é fonte de uma pluralidade de direitos e obrigações para todos os intervenientes na respectiva relação jurídica, aqui particularmente o transportador e o destinatário. No que toca ao primeiro salienta-se o direito ao pagamento do frete; no que toca ao segundo salienta-se o direito ao transporte do próprio e bagagens que tiver consigo em segurança, bem como o de ser atempadamente colocado no local de destino. Mas o percurso do trajecto não esgota o objecto do contrato mau grado lhe esteja no cerne, como obrigação de resultado que é; com efeito associados ao contrato encontram-se os chamados “deveres de protecção” Schutzpflicht consistentes de um modo geral em medidas laterais destinadas a conseguir que pessoas e bens cheguem incólumes a bom porto. A inobservância destes deveres pode suscitar incumprimento, avaria, atraso ou eventos danosos para as pessoas e bens, sendo certo que por estes casos responde a transportadora exigindo-se todavia que tenha actuado com culpa. Resta apurar se é possível deduzir in casu que a Ré violou os seus deveres e agiu com culpa. Da análise crítica das provas não temos dúvidas em concluir afirmativamente. Nos termos do artigo 798º do Código Civil “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” sendo certo que o normativo imediato – artigo 399º - estatui que “1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. Ora não há dúvida que o transportado não chegou incólume ao seu destino, mas a entidade que tinha também a incumbência de tal transporte assumia as funções de entidade patronal ou para quem eram prestados serviços, pelo que não está subjacente aos factos  considerar a existência de um contrato de transporte, mas sim a conexão entre a actividade desenvolvida pelo sinistrado (por um vínculo laboral ou outro ) e o seu transporte, mas sendo este acessório do primeiro.
Mas esta situação nada releva nos autos em concreto, pois nesta ação apenas existe no lado passivo a seguradora, quer relativa ao seguro automóvel obrigatório, reportando-se ainda a Apólice …, nos termos do qual além da responsabilidade civil obrigatória com o limite de 6.000.000,00€, quer ainda a protecção de ocupantes, da qual fazia parte da condição especial 021 subscrita pelo tomador de seguro e nesta além de se prever o limite do capital seguro em caso de morte de € 9.975,96. E era nesta condição do regime de seguro facultativo que também se prevê, como causa de exclusão, no seu artº 4º ponto 3. Alínea a) “os danos sofridos pelos passageiros transportados nas caixas de carga dos veículos que não possuam a necessária autorização para o efeito”.
Como referimos a sentença conclui pela ilicitude da conduta por violação quer do artº 54º do CE, quer ainda do Decreto Legislativo Regional nº.1/2012/A, de 11 de Janeiro Regulamentar.
Sob a epígrafe “transporte de pessoas” dispõe o artº 54º do Código da Estrada que:1 - As pessoas devem entrar e sair pelo lado direito ou esquerdo do veículo, consoante este esteja parado ou estacionado à direita ou à esquerda da faixa de rodagem. 2 - Excetuam-se: a) A entrada e saída do condutor, quando o volante de direção do veículo se situar no lado oposto ao da paragem ou estacionamento; b) A entrada e saída dos passageiros que ocupem o banco da frente, quando o volante de direção do veículo se situar no lado da paragem ou estacionamento; c) Os casos especialmente previstos em regulamentos locais, para os veículos de transporte coletivo de passageiros. 3 - É proibido o transporte de pessoas em número que exceda a lotação do veículo ou de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução.  4 - É igualmente proibido o transporte de passageiros fora dos assentos, sem prejuízo do disposto em legislação especial ou salvo em condições excecionais fixadas em regulamento.
Quanto ao Decreto Legislativo Regional nº.1/2012/A, de 11 de Janeiro, o mesmo define as condições excecionais para o transporte particular de trabalhadores em veículos de mercadorias de caixa aberta na Região Autónoma dos Açores. Estabelecendo no artº 2º que o diploma é aplicável ao transporte particular de trabalhadores de pessoas singulares e coletivas que exercem atividade nos setores agrícola, pecuário, florestal e piscatório, da construção civil e obras públicas e da extração de massas minerais. E no seu nº 2 prevê-se que é também aplicável ao transporte particular de trabalhadores da administração regional autónoma, das autarquias locais e das empresas do setor público empresarial regional e local, quando afetos à construção, beneficiação, reparação, manutenção, conservação e limpeza de vias públicas, infraestruturas e equipamentos coletivos, edifícios e, ainda, à gestão e conservação do ambiente e recursos naturais. Além disso estabelece o artº 3º que a realização do transporte particular de trabalhadores em veículos de mercadorias de caixa aberta fica sujeita às seguintes condições: a) O transporte apenas se pode realizar entre o local de residência ou o local de concentração dos trabalhadores e o local de trabalho ou entre os diferentes locais de trabalho; b) Não é permitido o transporte de trabalhadores e material, como equipamentos e ferramentas, em conjunto no mesmo veículo sem que estejam devidamente separados uns dos outros; c) Não é permitido o transporte de trabalhadores fora dos assentos colocados no estrado da caixa da carga do veículo; d) Não é permitido o transporte de pessoas em número superior ao fixado na licença referida no n.º 1 do artigo 4.º. Ora, o artº 4º do mesmo regulamento estabelece a necessidade de licenciamento de veículos
 de mercadorias de caixa aberta a afetar ao transporte particular de trabalhadores estão sujeitos a licença a emitir pela direção regional competente em matéria de transportes terrestres.
Não estando em causa um contrato de transporte, pois inexistia contrato entre a vítima e o transportador, resta aferir se foram violadas as normas pelo condutor, tal como conclui o tribunal recorrido, ou ao invés haverá que ter em conta o comportamento da vítima e o eventual risco inerente à circulação do veículo.
Ora, na análise da responsabilidade necessário se torna, à partida, que o agente possa ser censurado pelo direito, em razão precisamente de não ter agido como podia e devia de outro modo; isto é que tenha agido com culpa.
Pois, a ilicitude e a culpa são elementos distintos; aquela, virada para a conduta objectivamente considerada, enquanto negação de valores tutelados pelo direito; esta, olhando sobretudo para o lado subjectivo do facto jurídico.
Donde haverá que considerar se o condutor do veículo violou as normas estradais ou até o Regulamento referido, ou até normas de prudência genéricas na prática dessas actividades, v.g. falta de cuidados genéricos reveladores de imprudência, imperícia, falta de atenção.   
Com efeito, no conceito de culpa reportada aos acidentes de viação, tem a jurisprudência entendido maioritariamente que a prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensado a concreta inobservância da falta de diligência; e que a posição do lesado é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova (por todos, Acs. do STJ, de 20/11/2003, CJ/STJ, ano XI, t. III, p. 150 e de 17/02/2007, Proc. 96A588, disponível em www.dgsi.pt).
Mas, igualmente, também age com culpa o condutor de um veículo que, apesar de, objectivamente, não ter infringido nenhuma norma legal de condução rodoviária, não observa, no exercício da condução, os deveres gerais de diligência exigíveis ao "condutor médio" e faz uma condução imprudente, desleixada ou tecnicamente errada, e, por algum desses motivos, causa danos a terceiros (cfr. Ac. RP de 26-01-2000 e Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2008, ambos em www.dgsi.pt; no mesmo sentido Acórdão da RG de 10/7/2018).
No entanto, não basta que o transporte se realizasse em contravenção com o disposto no artigo 54º do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, com as alterações posteriores, sendo a última a 22ª versão – operada pelo DL n.º 107/2018, de 29/11) ou seja, com a proibição de transportar pessoas “de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução” (nº 3) ou “fora do assento” (nº 4). Nem será suficiente também concluir que se o autor não fosse transportado na caixa de carga, não teria caído ao solo. Pois, para estabelecer o nexo de causalidade relevante é necessário, em primeiro lugar, averiguar se entre tal transporte e a queda existe uma causalidade adequada e, em segundo lugar, se não ocorreu um facto (de terceiro ou do lesado) que, em concreto, a afastou.
Em situação similar à dos autos decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/04/2011:«(…)A queda ao solo de uma pessoa transportada na caixa de carga de um veículo, num banco ali colocado, ocorrida durante o percurso para o local do destino, integra-se no âmbito dos riscos próprios do veículo. 3. As condições concretas desse transporte, em abstracto e objectivamente, conjugadas com o objectivo (repetido) do transporte e com a imobilização da viatura, a 30 metros do destino, encostada à berma, são causa adequada dos danos sofridos pelo autor, porque são causa adequada da sua queda. 4. A circunstância de a pessoa transportada se ter levantado quando o veículo se imobilizou, por se ter convencido de que haviam chegado, não tem a virtualidade de tornar indiferente as condições do transporte. 5. Há uma situação de concorrência de causas complementares nos seus efeitos. 6. Os termos em que decorreu a imobilização, a impossibilidade de conhecimento da sua causa por parte do autor e a sua anormalidade e imprevisibilidade excluem que se possa entender que houve culpa da pessoa transportada, mas justificam que se conclua no sentido da culpa do condutor, que tinha o domínio do veículo, decidiu imobilizá-lo e retomou a marcha sem a avisar e sem ter visibilidade para o local onde a mesma se encontrava. 7. Assente a relação de comissão entre o condutor do veículo e o réu Município, este é responsável pelos danos sofridos. 8. Sendo a irregularidade do transporte apenas uma das causas do acidente, não fica excluída a responsabilidade da ré Companhia de Seguros.» ( in www.dgsi.pt/jstj).
No caso em apreço também não há dúvida de que as condições concretas do transporte, em abstracto e objectivamente, são adequadas a provocar uma queda do veículo ao solo: a carroçaria de um veículo (caixa de carga) não é, manifestamente, um local seguro para transportar passageiros, sendo previsível a possibilidade de queda (sobre a razão de ser das proibições dos nºs 3 e 4 do citado artigo 54º do Código da Estrada, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 24/09.2YFLSB).
No entanto, no caso é o regulamento regional supra aludido que permite tal transporte exigindo apenas uma licença, pelo que o local destinado ao transporte não constitui um acto violador de uma norma, pelo que inexiste ilicitude de tal conduta tendo por base as condições em que se efectuava o transporte concreto dos trabalhadores.
Volvendo ao caso concreto, o veículo onde seguia D..., caracteriza-se por ser um veículo de caixa aberta Toyota Dyna, de matrícula ...., propriedade e ao serviço da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, conduzido por José Eduardo Amaral Marcos, no interesse e sob ordens daquela. Na altura em que o condutor surge para recolher os trabalhadores, ambos se recusaram a viajarem na cabine onde seguia o condutor, optando por seguirem na caixa para onde subiram por uma escada, amovível, encaixada no taipal traseiro mas sem estar aparafusada ao mesmo, sentando-se nos respetivos bancos existentes na caixa e sob um toldo também amovível. Com os trabalhadores na caixa e a ordem de um deles, o condutor iniciou a marcha do veículo parando um pouco abaixo, na zona das Grotas Fundas, a fim do D... ir buscar os sacos com comida que se encontravam em casa da sua mãe onde estiveram a almoçar. Minutos depois, o D... retorna ao veículo onde o Mariano ... permanecera e, ao invés de subir para a caixa do camião, pela retaguarda, onde estava colocada a cabine amovível, em lona, de transporte de passageiros, subiu para a escada amovível de acesso àquela caixa e aí ficou (de pé na escada) contra recomendação do colega Mariano ..., segurando-se, com as mãos, ao taipal onde a escada encaixava sem que a ele se encontrasse aparafusada, enquanto aquela viatura iniciou a sua marcha.
Demonstrado ficou ainda que o condutor não tinha qualquer visibilidade para a escada amovível situada na traseira da viatura nem para o interior da caixa onde os trabalhadores são transportados, não saiu do lugar do condutor, tendo iniciado a marcha por indicação do D... sem verificar e confirmar se todos os trabalhadores estavam no interior da caixa e devidamente sentados.
Dos factos resulta evidente que os trabalhadores seguiram para o interior da caixa contrariando a vontade e orientações do condutor do veículo, num primeiro momento. Num segundo momento, é D... que ao invés de aceder à cabine amovível e permanecer sentado no banco situado na caixa do veículo, optou por permanecer na escada de acesso, e é por iniciativa do mesmo que é dada orientação ao condutor que pode prosseguir a sua marcha, ou seja, nenhuma conduta pode ser assacada ao condutor que determine a sua culpa, pois é certo que não confirmou visualmente que os trabalhadores estavam no interior da caixa, mas não há que olvidar que o próprio pretendia que os trabalhadores seguissem na cabine, e foram estes que recusaram o transporte em tal local. E depois de se terem feito transportar na caixa e não tendo o condutor visibilidade para a mesma, é a própria vítima que assegura ao condutor que pode prosseguir a sua marcha, nada existindo que nos permita concluir que o condutor teve a percepção que o trabalhador não seguia sequer na caixa do veículo, tendo sido a vítima a determinar tal conduta.
Daqui se conclui que ao contrário do constante na sentença a quo, falta desde logo um dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, a saber, o facto ilícito e culposo que tenha determinado a queda de D... e cujos danos daí decorrentes foram causa da sua morte.
Porém, estando em causa a queda ocorrida no âmbito da circulação de um veículo, e logo, a verificação de um acidente de viação em sentido lato, haverá que aferir se estamos perante a responsabilidade pelo risco, pois estando em causa essa responsabilidade responderá a ré como Companhia de Seguros no âmbito da responsabilidade civil e do seguro obrigatório – D.L. 291/2007 (alterado, sendo a 3ª versão pelo DL n.º 153/2008, de 06/08).
Na responsabilidade pelo risco esta abrange os danos provenientes dos riscos próprios do veículo. Logo, dentro dos pressupostos da responsabilidade civil, o dano indemnizável será aquele que estiver em conexão causal com o risco. Para traduzir esta ideia, a lei refere-se aos «danos provenientes dos riscos próprios do veículo». O dano liga-se por um nexo causal ao facto material em que se configura o risco. O dano terá de ser sempre condicionado por uma relação de causalidade, mesmo indirecta com o facto em que se materializa o risco (cfr. Manual de Acidentes de Viação, Dario Martins de Almeida, 2ª ed. Pág. 317 e ss).
Assim, a indemonstração do nexo causal inviabiliza a pretensão do lesado à indemnização com base no risco, pois a responsabilidade objectiva pressupõe todos os requisitos da responsabilidade subjectiva, menos a culpa e a ilicitude do facto (STJ, 21.11.1978, BMJ, 281º-307).
Ora, preceitua o artigo 505.º do Código Civil, “Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.”
Ora, a queda da vítima também ocorreu como consequência direta da circulação do veículo onde seguia, pois não se fazia transportar nem na cabine, nem na caixa afeta também ao transporte, mas ainda assim, foi no âmbito da circulação do veículo, cuja força motriz contribuiu necessariamente para a ocorrência da queda.
É certo que ficou provado que o condutor não tinha qualquer visibilidade para a escada amovível situada na traseira da viatura nem para o interior da caixa onde os trabalhadores são transportados, não saiu do lugar do condutor, tendo iniciado a marcha por indicação do D... sem verificar e confirmar se todos os trabalhadores estavam no interior da caixa e devidamente sentados. Mas frise-se “sem verificar” visualmente, pois a indicação do transportado só poderia significar que podia seguir com segurança.
Ora, iniciada a marcha, nas circunstâncias referidas, pela Estrada Regional de Ponta Garça e, percorridos cerca de 80m em subida, no local onde a estrada apresenta uma curva com ligeira inclinação para a esquerda, iniciando-se aí uma descida com inclinação ligeira, D... caiu da escada onde se encontrava para o asfalto, queda que lhe provocou lesões crânio meningo encefálicas, as quais determinaram a sua morte.
Naquela data, a licença para transporte de trabalhadores em veículo de caixa aberta, emitida para a viatura ...., encontrava-se caducada. Provando-se ainda em termos conclusivos que “…sendo certo que o condutor, José Marcos, tinha consciência de que a condução do veículo por si tripulado, de transporte de trabalhadores, era uma actividade perigosa e susceptível de por em causa a vida e a integridade dos trabalhadores/passageiros que transporta no veículo e que o transporte só pode ser iniciado e realizado com todos os passageiros sentados no interior da viatura e nos assentos”.
Donde, a culpa do condutor que é afirmada na sentença resulta da circunstância de os trabalhadores não seguirem no interior do veículo, ou seja na cabine, quando a opção de não serem transportados em tal local resulta de uma decisão livre e consciente dos trabalhadores e não do condutor. O mesmo ocorre com a decisão da infeliz vítima, que optou por ficar apenas na escada de acesso, dando orientação ao condutor que estaria devidamente sentado.
Porém, não é despiciendo considerar que a queda ocorreu no percurso, ou seja 80 metros depois do veículo ter reiniciado a sua marcha, e ainda que tal tivesse ocorrido pela forma como a vítima se colocou no veículo, é certo que o andamento do veículo não permitiria que o transportado se pudesse equilibrar, mas também não haverá que olvidar que o mesmo seguia com uma taxa de álcool no sangue de 2,78 g/l.
A circulação do veículo é uma das causas, sendo a queda produto de um encadeamento ou sequência de causas. Nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; como se sabe, é no artigo 563º do Código Civil que se encontra o critério de determinação do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil, exigindo-se para o efeito que tal causalidade seja adequada. Tendo em conta as regras da experiência, haverá que cotejar se era ou não objectivamente provável que da acção ou omissão em causa resultassem o acidente (a queda) e os danos subsequentes. Ora, a queda ocorreu quer pela circulação do veículo, quer pela forma como o transportado seguiu no veículo, bem como a forma como o mesmo se apresentava à data, em termos de discernimento, mas tal não nos permite afastar na íntegra o risco inerente à circulação do veículo, concorrendo este e a conduta do lesado para a ocorrência da queda.
Como se alude no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/06/2017: «O regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505º e 570º do CC deve ser interpretado, em termos actualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre culpa do lesado e risco do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura. II. Compete ao Tribunal formular um juízo de adequação e proporcionalidade, perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando, por um lado, a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente; e, por outro, valorando a gravidade da culpa imputável ao comportamento, activo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática que, em determinadas situações, não conduzirá a um automático e necessário apagamento das consequências de um risco relevante da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente.» ( in endereço da net aludido ).
A propósito da responsabilidade pelo risco do artº 503º e a concorrência de culpas, importa ainda ter presente o decidido no recente Acórdão do STJ de 28/03/2019, quer na decisão, quer na doutrina que a sustenta: «(…) diz CALVÃO DA SILVA, decompondo a norma em análise – a ressalva feita no início do art. 505º (“Sem prejuízo do disposto no artigo 570º”) é para aplicar à responsabilidade fixada no n.º 1 do artigo 503º; e esta é a responsabilidade objectiva; logo, a concorrência entre a culpa do lesado (art. 570º) e o risco da utilização do veículo (art. 503º) resulta do disposto no art. 505º, que só exclui a responsabilidade pelo risco quando o acidente for imputável – i.e., unicamente devido, com ou sem culpa – ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte (exclusivamente) de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
E, efectivamente, parece-nos que só assim interpretado o art. 505º, logra significado e efeito útil a sua parte inicial. Assentando a responsabilidade fixada no n.º 1 do artigo 503º no risco da utilização do veículo, e não na culpa, e estando o concurso da conduta culposa do condutor ou detentor do veículo com facto culposo do lesado previsto directamente no art. 570º, não seria razoável interpretar a parte inicial, acima transcrita, do art. 505º, como aplicável havendo culpas de ambas as partes. Numa tal interpretação, aquela parte inicial seria absolutamente desnecessária: mesmo que o art. 505º dela fosse amputado, sempre o caso de concorrência entre facto ilícito e culposo do condutor e facto culposo do lesado seria regulado pelo disposto no art. 570º.(…)
Assim, uma interpretação progressista ou actualista do art. 505º, que tenha em conta (art. 9º/1) a unidade do sistema jurídico – isto é, que considere o sistema jurídico global de que a norma faz parte e, neste, o referido acervo de normas que consagram o concurso da culpa da vítima com o risco da actividade do agente, e repute adquirida, como princípio geral e universal do pensamento jurídico contemporâneo, essa regra do concurso – e as condições do tempo em que tal norma é aplicada – em que a responsabilidade pelo risco é enfocada a uma nova luz, iluminada por novas concepções, de solidariedade e justiça – impõe, segundo este autor, que se tenha por acolhida, naquele normativo, a regra do concurso da culpa do lesado com o risco próprio do veículo, nem sequer se lhe podendo opor o obstáculo representado pelo n.º 2 do mesmo art. 9º, já que tal interpretação tem um mínimo de correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
Também Brandão Proença ( in “A Conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual”, pág. 275 e 276) se tem mostrado profundamente crítico em relação ao entendimento tradicional nesta matéria, dizendo que “a posição tradicional, porventura justificada em certo momento, esquece, hoje, que, por exemplo, o peão e o ciclista (esse «proletariado do tráfego» de que alguém falava) são vítimas de danos, resultantes, muitas vezes, de reacções defeituosas ou pequenos descuidos, inerentes ao seu contacto permanente e habitual com os perigos da circulação, de comportamentos reflexivos ou necessitados (face aos inúmeros obstáculos colocados nas «suas» vias) ou de «condutas» sem consciência do perigo (maxime de crianças) e a cuja danosidade não é alheio o próprio risco da condução”, de tal modo que bem pode dizer-se “que esse risco da condução compreende ainda esses outros «riscos-comportamentos» ou que estes não lhe são, em princípio, estranhos”.
“Numa época em que a relação pura de responsabilidade, nos domínios do perigo criado por certas actividades, se enfraqueceu decisivamente, não parece compreensível, a não ser por preconceitos lógico-formais, excluir liminarmente o concurso de uma conduta culposa (ou mesmo não culposa) do lesado, levando-se a proclamada excepcionalidade do critério objectivo às últimas consequências”.
Donde, ainda que possamos discutir a responsabilidade pelo risco que advém do artº 503º do CPC, haverá que considerar o disposto no artº 570.º do CC, que dispõe que: 1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
Se um facto do próprio lesado concorrer com a culpa do condutor, a responsabilidade poderá ser reduzida ou mesmo excluída, mediante aplicação do artigo 570º. E, de igual modo, existindo concorrência de facto de terceiro, quanto à repartição da responsabilidade, também valerá tal preceito já não com a culpa do condutor, mas com o risco do veículo. Tal posição além do já aludido também é defendida por Américo Marcelino (in “Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil”, 8ª ed. revista e ampliada, pág. 309 e ss”).
Sobre esta problemática importa ter presente a argumentação exposta no Acórdão do STJ de 11/01/2018 ( endereço da net aludido): »(…) passou a defender-se uma solução alternativa que se traduz na admissibilidade daquela concorrência, desde que o sinistro ainda tenha uma conexão relevante com os riscos próprios do veículo, isto é, desde que o acidente não seja de imputar exclusivamente a factores externos integrados na órbita do lesado, de terceiro ou de casos de força maior estranhos ao veículo.
Entre os defensores desta tese destacam-se BRANDÃO PROENÇA, em A Conduta do Lesado como Pressuposto e Critério de Imputação do Dano Extracontratual, págs. 814 e segs.,[2] e CALVÃO da SILVA, RLJ 134º, págs. 115 e segs. 
Para o efeito, defendem a extracção do art. 505º do CC de um sentido que o torne compatível com o art. 570º, com o argumento de que só assim fará sentido a alusão que naquele preceito é feita ao disposto no nº 1 do art. 503º, norma que regula inequivocamente uma situação de responsabilidade objectiva do proprietário do veículo. 
É também feito apelo à necessidade de ajustamento das soluções legais às circunstâncias actuais, designadamente ao risco rodoviário, bem diverso daquele que era perceptível aquando da aprovação do Código Civil, de modo a implicar a concessão de maior protecção aos lesados que se encontrem em situação de maior vulnerabilidade. 
Ajustamento que também decorreria do facto de se ter generalizado o sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel que vem assumindo cada vez mais uma função ressarcitiva de danos, com subvalorização de outros aspectos em que inclui a contribuição do lesado ou de terceiros para a sua ocorrência. 
Pressupõe-se ainda que o direito interno deve ser interpretado por forma a não colocar em causa o regime que dimana das Directivas Europeias sobre Seguro Automóvel, considerando que estas implicam uma efectiva tutela dos interessados em situação mais desprotegida, o que colidiria com uma interpretação do regime da responsabilidade civil que desconsidere os riscos próprios do veículo que também tenham interferido na ocorrência do sinistro. 
Atalhando caminho, CALVÃO da SILVA conclui, a este respeito, que “a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro …” (RLJ 134º/115). E ainda que em comentário posterior ao Ac. do STJ, de 4-10-07, tenha tecido considerações que o levam a admitir a responsabilização do detentor do veículo noutras situações, “na base de uma apreciação individual no caso específico pelo julgador” (RLJ 137º/60), assevera que “só havendo prova certa e segura do facto da vítima ou de terceiro (ou de força maior) como causa única e exclusiva do acidente é que não haverá lugar a concurso do risco próprio do veículo como facto do lesado” (pág. 62). 
Ao nível jurisprudencial, esta foi a solução admitida no Ac. do STJ, de 4-10-07 (www.dgsi.pt - SANTOS BERNARDINO), publicado e comentado na RLJ 137º, págs. 35 e segs., no qual se assumiu, de forma precursora em termos jurisprudenciais, que “o texto do art. 505º do CC deve ser interpretado no sentido de que nele se acolhe a regra do concurso do lesado com o risco próprio do veículo, ou seja, que a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro …”.  
Entendimento também expresso, ainda que de modo condicionado, nos Acs. do STJ, de 3-12-09 (www.dgsi.pt - BETTENCOURT FARIA),[3] ou de 12-11-09 (Revista nº 3660/04 - CARDOSO ALBUQUERQUE).[…]».
Acresce que considerando uma terceira via que considera a responsabilidade da seguradora independentemente da exclusividade da imputação do acidente ao lesado, importa ter presente a argumentação constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/06/2017: “No nosso entendimento, o regime normativo decorrente do estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 505º e 570º do CC deve ser interpretado, em termos actualistas, como não implicando uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre culpa do lesado e risco do veículo causador do acidente, de modo a que qualquer grau ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre, de forma automática, a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos concretos riscos de circulação da viatura – o que nos afasta do resultado que decorreria de uma estrita aplicação da denominada tese tradicional : ou seja, não pode, neste entendimento, excluir-se à partida que qualquer grau de culpa do lesado (nomeadamente do utente das vias públicas mais vulnerável) no despoletar do acidente, independentemente da gravidade do facto culposo e do grau da sua efectiva contribuição para o sinistro, deva, sem mais, excluir automaticamente a responsabilidade decorrente, no plano objectivo, dos riscos próprios da circulação do veículo, independentemente da intensidade destes e do grau em que contribuíram causalmente, na peculiaridade do caso concreto, para o resultado danoso.
Esta conclusão é, em última análise, imposta pelo princípio fundamental da adequação e da proporcionalidade – que naturalmente tenderá a inviabilizar a total e sistemática desresponsabilização do detentor do veículo causador do acidente, nos casos em que foi muito intensa a contribuição para o resultado danoso de riscos agravados da circulação do veículo e diminuta a relevância da falta imputável ao lesado, cometida com culpa leve ou com escassa relevância causal para a produção ou agravamento das lesões por ele próprio sofridas.
E, por outro lado, afigura-se que esta posição é a que melhor se adequa à jurisprudência definida pelo TJUE, na sequência dos pedidos de reenvio, ao permitir que o regime de Direito interno em vigor suportasse o confronto com as normas e princípios de Direito Comunitário, por entender que a legislação em vigor não tem por efeito, no caso de a vítima ter contribuído para o seu próprio dano, excluir automaticamente ou limitar de modo desproporcionado o seu direito.
É, pois, este juízo de adequação e proporcionalidade que os Tribunais devem formular, perante as circunstâncias de cada caso concreto, pesando, por um lado, a intensidade dos riscos próprios da circulação do veículo e a sua concreta relevância causal para o acidente; e, por outro, valorando a gravidade da culpa imputável a comportamento, activo ou omissivo, do próprio lesado e determinando a sua concreta contribuição causal para as lesões sofridas, de modo a alcançar um critério de concordância prática que, em determinadas situações, não conduzirá a um automático e necessário apagamento das consequências de um relevante risco da circulação do veículo, apenas pela circunstância de ter ocorrido alguma falta do próprio lesado, inserida na dinâmica do acidente…”
Mas para que possamos discutir a eventual concorrência, temos de concluir que no acidente em causa se verifica uma situação de risco. Ora, dentro dos riscos próprios do veículo, a que se refere o artigo 503º do Código Civil, cabem, “além dos acidentes provenientes da máquina de transporte, os ligados ao outro termo do binómio que assegura a circulação desse veículo (o condutor)”( Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 7ª ed., pág. 664 ). No caso dos autos, também é o perigo que advém do próprio veículo que determinou a queda, ou pelo menos que foi concausa da queda ocorrida. Porém, a esta causa haverá que considerar a actuação do lesado que optou por permanecer na escada de acesso, situação que foi também determinante para a sua queda. Comportamento, quer num primeiro momento quando não aceitou ser transportado na cabine, quer num segundo momento, que além de não se ter feito transportar na caixa do veículo, fê-lo permanecendo na escada de acesso, mas dando orientação ao condutor que podia seguir a sua marcha, ou seja, criando no condutor a convicção que o mesmo já se encontrava no interior do veículo e sentado junto do outro trabalhador.
Deste modo, a responsabilidade objectiva do detentor do veículo só é excluída quando o acidente for devido unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.
Admite-se assim, o concurso de culpa da vítima com o risco próprio do veículo, sempre que ambos colaborem na produção do dano, sem quebra ou interrupção do nexo de causalidade entre este e o risco, e o risco pela conduta da vítima como causa exclusiva do evento lesivo. Só não será desta forma se o facto do lesado tenha sido a causa única do dano, aí a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do art.503.º é afastada.
A ressalva do art. 570.º feita na 1.ª parte do art. 505.º é para aplicar à responsabilidade fixada no n.º 1 do art. 503.º; a responsabilidade fixada no n.º 1 do art. 503.º é a responsabilidade objectiva; logo a concorrência entre a culpa do lesado (art. 570.º) e o risco da utilização (art. 503.º) resulta do disposto no art. 505.º, que só exclui a responsabilidade pelo risco quando o acidente for imputável (leia-se unicamente devido, com ou sem culpa) ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte (leia-se, exclusivamente) de causa de força maior.
Daqui se conclui pela verificação da responsabilidade objectiva e da responsabilidade do lesado, situação que nos permite aplicar o disposto no artº 570º do CPC.
Na sentença recorrida, sem que se tenha abordado esta problemática em concreto, uma vez que se conclui pela culpa do condutor do veículo, decidiu-se pela concorrência de culpas, da seguinte forma:« Temos aqui, no entanto, que ter em conta a conduta do D...…pois a lei permite que quando o lesado tenha culposamente concorrido para o ato lesivo ou para a agravação do dano se faça a ponderação se a indemnização pelos danos deve ser concedida, reduzida ou mesmo excluída - artº.570º do CC. Como Pires de Lima e Antunes Varela avançam no seu CC anotado, Volume I, pag.587 e ss., “para que o tribunal goze da faculdade conferida no nº.1 do artº.570º do CC, é necessário que o ato do lesado tenha sido uma das causas do dano, consoantes os mesmos princípios de causalidade aplicáveis ao agente”.
Não restam dívidas que, sem se afastar a responsabilidade primeira da R…o D... agiu de forma a agravar os danos que para ele e seus familiares vieram a sobrevir…não estamos a falar da responsabilidade do condutor em garantir que ele se sentasse…mas a apontar para a realidade insofismável de que ao colocar-se onde se colocou (na escada e fora da caixa onde haveria de estar), dando ele indicação para a viatura prosseguir…acabou por concorrer para que as lesões tivessem a gravidade que se verificou, pelo que a indemnização aqui em causa haverá se ser reduzida equitativamente e que entendo, face ao local onde se colocou e à natureza da atividade em que participava…fixar em 25%. ».
Face aos factos tal como resultam e a concorrência da actuação do lesado e o risco, considerando que sempre a dinâmica inerente ao andamento do veículo determinou o agravamento dos danos, entendemos adequada a proporção de 60% de responsabilidade à vítima mortal (face às circunstâncias e forma como se fazia transportar) e de 40% pelo risco próprio de a queda ter ocorrido com o veículo em movimento e também na sequência deste.
Quanto aos danos, insurge-se a recorrente quanto ao montante fixado concluindo que se afigura excessivo o valor arbitrado de € 70.000,00 pelo dano morte, devendo o tribunal a quo ter fixado um montante indemnizatório correspondente ao limite mínimo normalmente apontado pela jurisprudência, de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), atendendo ao estado de saúde da vítima mortal e à sua situação profissional e socioeconómica.
Na sentença recorrida sobre esta questão expõe-se que:« No que toca ao dano morte (nº.3 do artº.496º do CC) mostra-se necessário, antes de mais, saber se como ofensa do direito à vida é ou não ressarcível. A tradicional corrente afirmativa, de que foi pedra basilar o Ac do STJ, em reunião conjunta, de 17.3.71, in Bol. nº.205, pag.150, tem vindo recentemente a ser posta em causa. A minha posição quanto a essa questão é perfeitamente clara: não posso admitir que o simples ferir seja mais gravoso para o ofensor do que o matar, no plano da responsabilidade civil, na medida em que quem mata possa não dever nada a ninguém por ter "extinguido" o próprio sujeito titular do direito ofendido e, consequentemente, o credor da indemnização. Não deixa de ser essa, em suma, a posição daqueles que defendem não ser ressarcível o dano morte. E, se é certo que uma vida não se paga, também não deixa de ser ajustado que quem a ficou a dever a tenha de pagar. Mais problemático será, quanto a mim, o cálculo, no concreto, do valor desse dano conforme já acima se expôs. Para aqui relevante é o fato do falecido ter à data do acidente que lhe ceifou a vida a idade de 45 anos. Tendo em conta a jurisprudência mais recente e que tende a fixar este dano em montante que parte de um limite mínimo de €50.000,00…entendo, face ao que deixei expresso que o valor de €70.000,00 se mostra equilibrado…contudo, é necessário ter aqui em conta a redução equitativa pela percentagem acima pontada (artº.570º, nº.1 do CC)…pelo que o valor desta indemnização se fica pelos €52.500,00. Também aqui a A. e os filhos do falecido vêm apontar valores indemnizatórios individualizados e extraíveis do bolo fixado…contudo o montante aqui é só um e era com esse que todos se governavam…era desse bolo que todos os que agora pedem indemnizações satisfaziam as suas necessidades e é nessa perspetiva que deve ser atribuído (transmitindo-se aos seus herdeiros pela ordem estabelecida no artº.2133º do CC).». Ora, nada nos permite concluir por um valor indemnizatório inferior ao fixado, pois o valor de 50.000€ tem sido considerado na jurisprudência como valor mínimo, e neste caso, como bem se alude na sentença recorrida esatmos perante um homem de 45 anos, com três filhos. Já no Acórdão do STJ de 3/11/2016, ou seja volvidos mais de três anos, se diz:« Consolidou-se, assim, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, situa-se, em regra e com algumas oscilações, entre os €50 000,00 e €80 000,00, indo mesmo alguns dos mais recentes arestos a €100.000,00 (cfr, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/10.9TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1),  de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.OTBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).  
No Acórdão do STJ de 22/02/2018 conclui-se que: «Tendo em vista a necessidade de uniformização de critérios, que é uma decorrência do princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se como referência o que vem sendo decidido pelos tribunais em casos comparáveis. O STJ vem atribuindo indemnizações pela perda do direito à vida que, na maioria dos casos, oscilam entre 50.000,00€ e 100.000,00€. Pelo que, tudo ponderado, considera-se adequado o valor de 120.000,00€ fixado pelo acórdão recorrido da relação.».
Logo, face a todas as circunstâncias do caso, entendemos ajustado o valor de 70.000€ fixado, o qual porém, será reduzido em 60% face à repartição supra decidida, perfazendo assim o valor de 28.000€.
É certo que se operou a alteração do ponto 17. (i) e ii), dada a repetição de numeração constante da sentença), passando a figurar que a morte do D... ocorreu doze horas após a queda, apresentando o mesmo, na altura da entrada no hospital, uma taxa de alcoolémia de 2,79g/l. Bem como as sequelas que advieram da queda provocaram, necessariamente, um quadro de sofrimento físico em D..., aquando da queda e durante as manobras de reanimação e tratamentos a que foi sujeito e até à hora da sua morte. Todavia, tal alteração não determina a alteração do quantum indemnizatório, o qual se revela ajustado aos factos a considerar.
Nas suas conclusões a recorrente pretende ainda que o tribunal revogue o montante indemnizatório arbitrado aos filhos Sérgio …. e Iúri …., fixando uma indemnização em igual medida daquela que foi fixada para David …., no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros). Mais dizendo que no que se refere à indemnização arbitrada a título de lucros cessantes, David …., é maior de idade (nasceu em 25 de agosto de 1997), já concluiu os estudos, pelo que nos termos do disposto no art. 495.º, n.º 3 e arts. 1880.º e 1905.º todos do Código Civil, não teria direito a alimentos, razão pela qual não lhe poderá ser atribuída qualquer indemnização a título de danos patrimoniais futuros.
Manifestamente não lhe assiste razão. Pois como bem fundamenta o juiz a quoNo que toca aos lucros cessantes demonstrou-se que o D... auferia um valor salário mensal de €530,25…o que representa um rendimento anual de €7.423,50. Nos tempos que correm a idade laboral estende-se até aos 66 anos…assim, tendo em conta a idade do D... à data do decesso e o que era o rendimento do falecido, ficou o agregado familiar privado do rendimento no valor de €155.893,50…contudo, é necessário ter aqui em conta a redução equitativa pela percentagem acima pontada (artº.570º, nº.1 do CC)…pelo que o valor desta indemnização se fica pelos €116.920,12. É certo que a A. e os filhos do falecido vêm apontar valores indemnizatórios individualizados e extraíveis do bolo fixado…contudo o rendimento daquele era apenas um e era com esse que todos se governavam…era desse bolo que todos os que agora pedem indemnizações satisfaziam as suas necessidades e é nessa perspetiva que deve ser atribuído (transmitindo-se aos seus herdeiros pela ordem estabelecida no artº.2133º do CC). No que respeita aos danos próprios dos AA. - de todos eles (nº.2 do artº.496º do CC)…onde estão em causa o desgosto e a tristeza que sofreram, sofrem e sofrerão por se verem privados da companhia de quem amavam, entendo adequado o montante por eles peticionados de €40.000,00 para viúva e o mesmo montante para o filho mais velho…e os de €50.000,00 para cada um dos filhos mais novos, designadamente se tivermos em conta o momento precoce da privação e da previsível duração da relação…contudo, é também necessário ter aqui em conta a redução equitativa pela percentagem acima pontada (artº.570º, nº.1 do CC)…pelo que o valor desta indemnização para a esposa se fica pelos €30.000,00 e igual montante para o filho mais velho…e parada cada um dos filhos mais novos o valor de €37.500,00…aqui, por se tratar de indemnizações por danos próprios são as indemnizações atribuídas especificamente a quem as pede.».
Ora, nada nos autos nos permite reduzir o valor indemnizatório fixado, existindo a redução face à percentagem atribuída a título de culpa da vítima, pelo que é devido o valor de 50.000€ para cada um dos filhos mais novos, deduzido os 60%, ou seja o valor de 20.000€ devido a cada.
No que diz respeito ao filho mais velho, haverá que considerar que o mesmo tem 22 anos de idade, e teria 18 anos aquando do acidente, pelo que ao contrário do defendido pela apelante a obrigação e alimentos perdurará até aos 25 anos. Pois nos termos do nº 2 do artº 1905º do CC (alterado pela Lei n.º 61/2008, de 31/10 e pela Lei n.º 122/2015, de 01/09) para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. Ora, nada nos autos nos permite alterar a decisão que fixou o valor indemnizatório considerando também o filho mais velho, pelo que é de manter a decisão.
Importa ainda referir que não se excluindo a responsabilidade do risco da circulação do veículo, a responsabilidade da ré ocorre por força do contrato de seguro de responsabilidade civil decorrente do seguro obrigatório, e não no âmbito do seguro facultativo de cobertura de ocupantes. Ora, só neste é que poderíamos discutir e analisar a circunstância de não existir de licença de transporte e logo, a eventual exclusão cuja previsão está contida no artº 4º ponto 3. alínea a) da condição especial 021, contratada pelo proprietário do veículo, ou até mesmo o limite de montante indemnizatório reportado a tal seguro facultativo. Acresce que no caso concreto não foi apenas a irregularidade do transporte que foi causa do acidente (da queda), pois essa irregularidade é imputável ao lesado, tendo sido a circulação do veículo o que concorreu para a produção do dano, existindo, como se disse, uma situação de concorrência de causas complementares nos termos proporcionalmente estabelecidos. Tal significa que apenas está em causa o seguro de responsabilidade civil obrigatório cujo limite é de 6.000.000,00€, sem que se possa discutir a exclusão e os limites que fazem parte do seguro facultativo, reportado à condição especial 021.
Face a esta decisão haverá que declarar parcialmente procedente a apelação, considerando reduzidos todos os valores indemnizatórios fixados em 60%.
Nas custas será atendido o princípio geral do artº 527º do CPC.
                                                      *
IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso, e consequentemente:
a) Condena-se a R. ..., SA. a pagar aos AA. ..., o montante de 62.357,40€ (sessenta e dois mil trezentos e cinquenta e sete euros e quarenta cêntimos) a título de indemnização pelos lucros cessantes;
b) Condena-se a R. ..., SA. a pagar aos AA. ..., o montante de 28.000,00€ (vinte e oito mil euros) pelo dano morte;
c) Condena-se a R. …, SA. a pagar aos AA. ..., o montante de 8.000,00€ (oito mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido;
d) Condena-se a R. …, SA. a pagar à A. D…, o montante de 16.000€ (dezasseis mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ela sofridos;
e) Condena-se a R…., SA. a pagar ao A. A…, o montante de 16.000€ (dezasseis mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos;
f) Condena-se a R. …, SA. a pagar ao A. S…, o montante de 20.000€ (vinte mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos;
g) Condena-se a R…., SA. a pagar ao A. I…, o montante de 20.000,00€ (vinte mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos;
h) Aos montantes referidos em a) a g) acrescem os juros legais contados a partir da citação e até integral pagamento.
No mais do pedido vai a R. absolvida.
Custas pelo apelante e apelados na proporção do decaímento.
Registe e notifique.
                                                                                   Lisboa, 7 de Novembro de 2019

Gabriela Fátima Marques
Adeodato Brotas
Fátima Galante