Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24142/21.0YIPRT.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: LOCAÇÃO DE EQUIPAMENTO
NULIDADE DE CLÁUSULA PENAL
INDEMNIZAÇÃO DESPROPORCIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Na locação de equipamentos informáticos é desproporcional aos danos presumivelmente causados, e por isso proibida e nula, a cláusula contratual que estabelece, sem definir qualquer percentual intermédio, que em caso de resolução o locatário fica obrigado a pagar a totalidade das rendas vincendas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório[1]
L, S. A. intentou procedimento de injunção (posteriormente transformado em acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum) contra “C – Sociedade, Lda.”, peticionando neste a condenação da Ré nos seguintes termos:
“(…) a quantia global de 28.682,54€”, correspondente a alugueres acrescido de “juros de mora vencidos desde 2020-05-11, e vincendos até integral pagamento, à taxa anual de 15%”, acrescido ainda do “valor de 75€ a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida”, ascendendo o “valor total em dívida ascende, na presente data, a 28.757,54€”.
Mais peticionou:
“13. A Locatária, ao celebrar o contrato de locação (…), obrigou-se ao pagamento (…) dos (…) alugueres (…), e ainda a restituir os bens findo o contrato, sendo que o contrato cessou em 2020-05-11, com a comunicação da resolução.
14. Como a Requerida não restituiu os bens alugados até à presente data, apesar de interpelada para tal, presume-se que aquela pretende continuar a utilizar os mesmos e adquirir a sua propriedade
15. Para aquisição da propriedade dos bens locados, além das quantias supra descritas (…) terá de proceder ao pagamento do preço que se fixa em 3.744,97€ (IVA incluído)
16. A venda ora proposta fica condicionada ao prévio pagamento da dívida e do preço, só se transferindo a propriedade dos bens em causa após integral pagamento da dívida e do preço
17. Acrescem ainda os juros de mora vincendos desde a data da instauração da injunção até efetivo e integral pagamento, à taxa convencionada de 15% sobre a quantia de 28.634,99€
18. Bem como o valor de 229,5€, a título de reembolso de taxa de justiça devida pela instauração da presente injunção
19. O que perfaz o valor total de 32.732,01€”
Em síntese, alegou ter celebrado contrato de locação que foi resolvido por incumprimento definitivo, não tendo a locatária devolvido o bem locado.
Citada já na acção declarativa, a Ré não contestou.
A Autora juntou documentos aos autos, de que a Ré foi notificada.
Foram julgados confessados os factos, passíveis de confissão ou que para cuja prova não se exigisse documento escrito, alegados pela Autora no requerimento injuntivo/petição inicial.
Dado cumprimento ao artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sem produção de alegações, foi proferida sentença do seguinte teor dispositivo:
Em razão do exposto julgo a acção parcialmente procedente e em consequência:
a)  Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de €2.903,98, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável aos créditos de titularidade das empresas comerciais desde a vencimento das correspondentes facturas e até integral pagamento.
b)  Condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de €40,00 a título de indemnização por custos de cobrança.
c) Absolvo a Ré do restante pedido formulado pela Autora.
d) Condeno a Autora e a Ré no pagamento das custas, na proporção dos respectivos decaimentos”.
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Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. Nulidade da decisão que julgou nula a cláusula 8.3 do contrato de locação AP - 11404 sem audição prévia das partes, em violação do princípio do contraditório, previsto no artigo 3º nº 3, do CPC;
2. Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quanto ao pedido formulado no montante 3.744,97€ (IVA incluído), a título de valor residual e dos juros peticionados à taxa de 15%, contratualmente acordado por A. e R., por violação no disposto no artigo 608º, nº 2 do CPC, e alínea d), do n.º 1, do art.º 615º, do CPC.
3. Erro de julgamento ao considerar a cláusula 8.3 do contrato de aluguer aqui em apreço, proibida, por desproporcional em relação aos danos a ressarcir, e por isso nula ao abrigo do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, nos termos dos artigos 12º e 19º al. c) do DL 446/85 e 286º do Código Civil.
4. Desconsiderando, que o contrato foi celebrado por 36 meses;
5. que a A. adquiriu, a pedido da R., Software denominado SOSRepair APP móvel e Backoffice a quantia de 24.966,51 EUR,
6. Que o software não foi devolvido e ainda se mantém na posse e a ser usado pela R.,
7. A R. apenas pagou duas prestações, pois o contrato iniciou-se a 30 de dezembro de 2019 e não a fatura de março de 2020, nem as subsequentes;
8. Pelo que “à luz da matéria de facto provada é evidente o dano patrimonial que para a Autora resulta do incumprimento do contrato pelo locatário: perda do capital investido em bens que não têm utilidade para si, e impossibilidade de eliminar ou atenuar o prejuízo em face da dificuldade de recolocação no mercado dos bens em causa em condições minimamente atraentes.
9. Decidindo ao arrepio da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a propósito de um caso semelhante, aluguer de software, e cujo douto Acórdão de 10-09-2020,[2] (…) e que aqui se transcreve parte do sumário:
II – O art.º 19º, alínea c) do DL nº 446/85 proíbe a cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir, aferindo-se a desproporção não por um critério casuístico, mas na sua compatibilidade e adequação ao ramo ou sector de atividade negocial a que pertencem;
III – À luz da proposição anterior, não viola o art.º 19º, c) do DL446/85, a cláusula inserta em contrato de locação de equipamentos informáticos, que o locador adquire para esse fim sob indicação do locatário, que prevê que em caso de resolução do contrato o locador pode exigir o pagamento de “todos os alugueres que fossem devidos até ao termo contrato.”
10. Pelo que ao julgar a cláusula tal cláusula nula, tribunal incorreu num ERRO de JULGAMENTO, quer na interpretação e subsunção dos factos ao direito e ao arrepio da mais recente jurisprudência.
Termos em que deverá esse Venerando Tribunal conceder provimento ao presente recurso e, por via dele, ser declarado nulo o processado por violação dos trâmites processuais e direito do contraditório, e nessa conformidade, ser proferido douto Acórdão que revogue a decisão a quo (…)”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC - as questões a decidir são a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a nulidade da decisão que julgou nula a cláusula 8.3 do contrato de locação por violação do princípio do contraditório, e o erro de julgamento neste juízo de nulidade.
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III. Matéria de facto
A decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto – e que não vem impugnada – é a seguinte:
“1. A Requerente é uma sociedade comercial cujo objecto consiste em aluguer de bens móveis, nomeadamente de bens de escritório, de máquinas e de bens informáticos, incluindo softwares e hardwares, e de bens industriais.
2. No âmbito da sua actividade celebrou com a Ré, em 23/12/2019, o contrato AP-…, constante como documento n.º 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, ao abrigo do qual se comprometeu a adquirir e a proporcionar-lhe o gozo, temporário e oneroso, dos seguintes bens, destinados à actividade comercial e/ou profissional: “Desenvolvimento aplicação SOSRepair APP movel com backoffice - 1 qtd.”
3. Em cumprimento desse contrato, por indicação e sob proposta da Requerida, a Requerente adquiriu os mencionados bens à Fornecedora “A - UNIPESSOAL, Lda.”.
4. A Requerente, em 30/12/2019, por intermédio da indicada fornecedora, entregou tais bens à Ré, pelo prazo de 36 meses, mediante o pagamento de prestações devidas a título de aluguer, mensais e sucessivas, no montante de €681,63 cada, ao qual acresce o IVA à respectiva taxa legal à data; constando o auto de aceitação como documento n.º 5, dando-se por integralmente reproduzido o seu teor.
5. No âmbito do referido contrato foram emitidas e enviadas para a Ré, através do correio eletrónico fornecido por esta, as seguintes facturas:
- FT n.º PT2019/91842, de 900,68€, vencida em 2020-03-01, constante como documento n.º 6 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- FT n.º PT2019/96343, de 33,85€, vencida em 2020-03-14, constante como documento n.º 7 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- FT n.º PT2019/106139, de 113,15€, vencida em 2020-03-30, constante como documento n.º 9 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- FT n.º PT2019/96748, de 900,68€, vencida em 2020-04-01, constante como documento n.º 8 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- FT n.º PT2019/113499, de 30,38€, vencida em 2020-04-20, constante como documento n.º 11 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
- FT n.º PT2019/109923, de 900,68€, vencida em 2020-05-01, constante como documento n.º 10 e cujo teor se da por integralmente reproduzido;
- FT n.º PT2020/840, de 23,87€, vencida em 2020-05-11, constante como documento n.º 12 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Após as respectivas datas de vencimento, o pagamento das mesmas não foi efectuado pela Ré.
7. A cláusula 8.3. do contrato tem o seguinte teor:
A resolução do Contrato por incumprimento confere ainda à L… o direito a receber, além dos alugueres e prémios de seguro vencidos, juros de mora e custos de avisos e de não concretização do débito direto, os alugueres vincendos até ao termo da duração inicial do Contrato nos termos da cláusula 3.3.”.
8. A cláusula 3.3 do contrato tem o seguinte teor: “A cessação antecipada do contrato implica em qualquer circunstância, a título de cláusula penal, a obrigação de pagamento pelo Cliente dos alugueres correspondentes ao período de duração inicial do contrato, tendo em vista compensar a L… pelo investimento efetuado com a aquisição e disponibilização dos Bens ao Cliente.”
9. Em face da falta de pagamento dos alugueres vencidos e após ter diligenciado inúmeras vezes junto da Ré para que esta efectuasse o pagamento, diligências estas que se revelaram infrutíferas, a Autora comunicou à Ré, em 11/05/2020, a resolução do contrato por incumprimento definitivo.
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IV. Apreciação
1ª questão: - Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia – artigo 615º nº 1 alínea d), 1ª parte, do Código de Processo Civil.
Discorreu-se na sentença sob apreciação:
“O contrato em lide celebrado entre a Autora e a Ré, é um contrato de locação – artigos 1022.º e seguintes do Código Civil. 
A Ré não pagou à Autora as mensalidades devidas pela locação relativas a Março, Abril e Maio de 2020, bem como as demais quantias referidas nas facturas e contratualmente previstas. 
Nos termos contratuais e ao abrigo do disposto no artigo 1038.º, al. a), do Código Civil, a Ré encontrava-se obrigada a pagar tais quantias à Autora.
Face à falta de pagamento pela Ré dos indicados valores, a resolução contratual efectuada pela autora é válida – artigos 432.º, 436.º, e 1048.º “a contrario”, do Código Civil, e cláusulas 8.1 e 8.2 do contrato.
As cláusulas do contrato que estão a seguir às particulares, e que constam sob os números a 1 a 16, são típicas de um quadro padronizado pré-existente apresentado pela Autora, de letra diminuta, sendo aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais quanto às mesmas – artigo 1.º, n.º 2, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.
Deflui do teor das indicadas cláusulas 3.3. e 8.3 que em caso de resolução do contrato por parte da Autora esta poderá exigir da Ré, a título de cláusula penal, os alugueres que fossem devidos até final do período de duração inicial do contrato.
No que concerne a cláusulas contratuais gerais relativamente proibidas, é estatuído no artigo 19.º, designadamente, na alínea c), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG – DL n.º 446/85, de 25/10, na sua actual redacção) serem proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, normativo que se aplica às relações contratuais entre empresários ou entidades equiparadas (como é o caso de Autora e  Ré, duas sociedades comerciais) e dependem de uma valoração posterior.
Conforme impressivamente refere o Sr. Juiz Desembargador José Manuel de Araújo Barros (em Cláusulas Contratuais Gerais, 1.ª Edição, Abril de 2010, Coimbra Editora, página 236, em entendimento que ora perfilhamos: “(…) E ainda por referência à razão de ser do regime das cláusulas contratuais gerais, na medida em que intenta a correcção de uma desigualdade e a prevenção de abuso contratual, que deve haver uma menor tolerância de cláusulas favoráveis ao predisponente, relativamente à admitida no regime geral, concernente a contratos negociados. O que impõe que que o juízo de valor sobre o carácter abusivo de determinada cláusula favorável ao predisponente seja mais exigente do que aquele que incidiria sobre a mesma, caso esta tivesse resultado de negociação. Assim, não se deve confundir o critério plasmado na alínea c) do artigo 19.º do DL n.º 446/85 (cláusula proporcional desproporcionada) com o constante do n.º 1 do artigo 812.º do Código Civil (cláusula penal manifestamente excessiva). Ou melhor, deverá atentar-se em que é precisamente aquela a razão pela qual nas cláusulas não negociadas se é mais exigente, proibindo-se a cláusula penal simplesmente desproporcionada aos danos a ressarcir, não sendo necessário que essa desproporção (excesso) seja manifesta. (…) “ e (obra citada, página 237) “ (…) esse juízo de valor sobre a desproporção deverá ser reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado), sendo incorrecto relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu, nomeadamente com os termos em que foi resolvido.”. 
Ora, face ao citado teor que deflui das indicadas cláusulas, que em caso de resolução do contrato por parte da Autora esta poderá exigir da Ré, a título de cláusula penal, os alugueres que fossem devidos até final do período de duração inicial do contrato, tal cláusula é desproporcionada em relação aos danos a ressarcir.
Decorre assim do quadro negocial padronizado e a montante de concretas vicissitudes contratuais, que a penalidade consagrada nas citadas cláusulas é desproporcional para a Ré/Locatária, decorrendo desde logo que a Autora/Locadora (predisponente) beneficiaria mais com o incumprimento definitivo da Locatária, pois receberia todos os alugueres contratualmente previstos antes do período normal de decurso do contrato e poderia colocar novamente os bens locados no tráfico jurídico decorrente da sua actividade – locação.
São assim cláusulas contratuais gerais relativamente proibidas e desta forma nulas e não integrantes do contrato, sendo a nulidade de conhecimento oficioso – artigos 12.º e 19.º, al. c), do DL 446/85, e 286.º, do Código Civil.
Neste sentido, veja-se, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/03/2019 e de 11/12/2019, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, como os nºs de processo 127318/16.1YIPRT.L1-8 e 127735/16.7YIPRT.L1-2.
Sendo assim não integrantes do contrato, não é devida pela Ré a indemnização peticionada pela Autora a título de penalidade, bem como os peticionados juros relativamente à mesma.
A Ré encontra-se assim obrigada a pagar à Autora a quantia de €2.903,98, correspondente ao valor total das facturas referidas em 5, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável aos créditos de titularidade das empresas comerciais desde o vencimento das correspondentes facturas e até integral pagamento – artigos 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil, e artigo 5.º, nºs 4 e 5 do DL n.º 62/2013.  
Quanto a custos de cobrança, e por se tratar de transacção comercial, a Autora tem direito a receber da Ré a tal título a quantia de €40,00 – artigo 6.º, do DL n.º 62/2013”.  (fim de citação).
Como resulta da mera leitura da dissertação jurídica, o pedido que a recorrente fez – “14. Como a Requerida não restituiu os bens alugados até à presente data, apesar de interpelada para tal, presume-se que aquela pretende continuar a utilizar os mesmos e adquirir a sua propriedade 15. Para aquisição da propriedade dos bens locados, além das quantias supra descritas (…) terá de proceder ao pagamento do preço que se fixa em 3.744,97€ (IVA incluído) 16. A venda ora proposta fica condicionada ao prévio pagamento da dívida e do preço, só se transferindo a propriedade dos bens em causa após integral pagamento da dívida e do preço 17. Acrescem ainda os juros de mora vincendos desde a data da instauração da injunção até efetivo e integral pagamento, à taxa convencionada de 15% sobre a quantia de 28.634,99€ 18. Bem como o valor de 229,5€, a título de reembolso de taxa de justiça devida pela instauração da presente injunção 19. O que perfaz o valor total de 32.732,01€” – não foi conhecido no que toca a “3.744,97€ (IVA incluído), a título de valor residual”.
Já no tocante aos juros peticionados à taxa de 15%, contratualmente acordado por A. e R., o vício a apontar não é a nulidade por falta de conhecimento do pedido de juros, mas o eventual erro de julgamento em matéria de direito, concretamente por inconsideração dos exactos termos da cláusula contratual que os prevê.
Procede então a nulidade invocada quanto à primeira parte, e este tribunal conhecerá do pedido por via da regra de substituição – artigo 665º do Código de Processo Civil.
2ª questão: - nulidade da decisão que julgou nula a cláusula 8.3 do contrato de locação AP - 11404 sem audição prévia das partes.
Não resulta dos autos a referida audição. Devia o tribunal de primeira instância ter notificado as partes de que entendia que, perante o teor das cláusulas contratuais, a cláusula 8.3 era nula por desproporcional, sendo certo que não está em causa o poder dever de conhecimento oficioso dessa questão?
Sobre o princípio do contraditório e sobre o âmbito do conceito de decisão surpresa, citamos o acórdão desta Relação e Secção proferido em 10.9.2020 no processo 12841/19.0T8LSB.L2-6 (relatora Ana de Azeredo Coelho) que o ora relator subscreveu, e em cujo texto se lê:
“1.1. A proibição das decisões surpresa ou, noutra terminologia, das denominadas decisões solitárias do juiz[3], encontra o seu fundamento próximo no princípio do contraditório, consagrado, na lei adjectiva no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Estatui aquela norma que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório constitui pedra angular do processo civil, visando permitir que nenhuma decisão seja tomada sem que a parte/entidade por ela afectada possa pronunciar-se sobre a mesma[4].
1.2. Princípio fundamental consagrado na lei adjectiva, o contraditório encontra raízes em princípios constitucionais como o direito de acesso ao direito e à justiça, o direito a um processo equitativo e justo e a tutela jurisdicional efectiva, que proíbem as situações de indefesa ou violações de princípios de igualdade ou proporcionalidade[5].
Refere o Tribunal Constitucional
[6] que o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante um correcto funcionamento das regras do contraditório.
1.3. Com esse contexto, consagra a lei processual civil, na leitura que dela vem sufragando o Tribunal Constitucional, que a correcta compreensão do princípio não se basta com a garantia de que as partes tenham a possibilidade de intervir no processo, tendo conhecimento e possibilidade de pronúncia quanto aos pedidos que deduzem ou contra si são deduzidos. Incluindo tal garantia, implica ainda que as partes possam pronunciar-se quanto a questões determinantes para a decisão a proferir e que, constituindo novidade no processo, não tenham sido objecto de pronúncia no decurso do normal contraditório previsto na tramitação processual.
Exemplo típico são as denominadas decisões surpresa, conceito que se tem vindo a densificar na jurisprudência, em termos de enquadrar no seu âmbito apenas aquelas com que as partes se confrontam e que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável ou do regime processual na sua tramitação legalmente estabelecida ou objecto de adequação formal nos termos legalmente previstos.
Visa-se, assim, obstar a que as partes se defrontem com uma interpretação judicial que não poderiam antecipar ou com uma tramitação processual que escape ao modelo formal aplicável e não tenha sido submetida a pronúncia.
Em tais casos, o respeito pelo contraditório impõe audição específica das partes, único modo de possibilitar que a decisão seja o culminar de um processo argumentativo justo e equitativo que permita que cada um dos justiciáveis faça ouvir a sua voz, assim trazendo ao decisor a sua perspectiva e, nessa medida, assim influenciando a decisão.
Como lapidarmente refere o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 17 de Junho de 2014, proferido no processo 233/2000.C2.S1 (Maria Clara Sottomayor):
Admitimos que se deu um avanço no entendimento do princípio do contraditório, na nossa lei processual, perdendo assim actualidade a concepção restrita do mesmo, segundo a qual o processo consistia numa discussão duma parte contra a outra, com o juiz, acima delas, a decidir. Mais do que uma discussão dialéctica entre as partes, está agora aberto o caminho para que estas “influenciem directamente” a decisão. Mas a mais a nossa lei não chega, pois, a estrutura do nosso processo civil não prevê que o tribunal “discuta” com as partes o que quer que seja.
O aprofundamento do princípio e das suas exigências num Estado de Direito Democrático exprime-se na actual consideração da dimensão positiva de consagração do direito de as partes participarem no debate que o processo constitui, respeitando a sua natureza dialética e polémica: o processo civil tem, uma estrutura dialética ou polémica: ele reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (…)[7].
O que implica, não só que exerçam os direitos de acção e de defesa mas, também, que sejam chamadas a emitir pronúncia sobre as questões que hajam de ser decididas a respeito dos interesses que na acção e defesa fazem valer[8].
O princípio do contraditório assume-se, nesta dimensão, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio[9] [10].
Em suma, a prolação de uma decisão judicial tem de ser o termo de um debate igual e équo entre as partes com efectiva possibilidade de pronúncia das mesmas quanto ao sentido que entendem dever ser o da decisão.
1.4. Naturalmente, a efectiva possibilidade de pronúncia não exige a efectiva pronúncia e não impõe que a todo o tempo a prolação de uma decisão imponha a audição das partes quanto ao sentido da mesma.
Assim é que as partes devem assumir com diligência a defesa dos seus interesses e a cooperação entre si e com o tribunal em ordem à tempestividade da composição judicial do conflito que as separa, o que implica que sobre elas impenda o dever de se pronunciarem nas peças processuais admissíveis quanto aos seus requerimentos e aos da parte contrária, bem como quanto ao direito aplicável, nomeadamente no confronto das várias teses doutrinais e jurisprudenciais, sem que seja imperiosa intervenção autónoma[11] do juiz promovendo essa pronúncia.
Cremos não haver divergência sobre o alcance do contraditório exigível, quando no campo das decisões surpresa. Veja-se, por todos, o mais recente acórdão do Tribunal Constitucional, de 10 de Julho de 2019, n.º 426/2019 (Joana Fernandes Costa), que apreciou em conferência a Decisão Sumária n.º 365/2019, onde se lê:
Têm sido repetidamente assinaladas na jurisprudência constitucional, as condições para que assim seja. Nas palavras do Acórdão n.º 173/2016, na linha de muitos outros: «Como o Tribunal Constitucional vem reiteradamente decidindo, «recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica (…)». Cabe-lhes, assim, «a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas» (Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, janeiro de 2010, pp. 81-82)».

Assim, o respeito pelo contraditório não implica que haja que apresentar às partes um projecto de decisão para que sobre ele se pronunciem ou que devam ser ouvidas fora dos momentos processuais previstos sobre questões que as suas pretensões coloquem habitualmente na jurisprudência e sejam por isso conhecidas na comunidade jurídica[12].
O lugar próprio da promoção autónoma de pronúncia[13] é, por isso, o das decisões que se pronunciam sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes no processo ou daquelas que tendo sido suscitadas o foram no último articulado possível, impossibilitando a pronúncia ordinária da parte contrária que, assim, há-de ser promovida por outro modo.
No caso dos autos, a decisão impugnada incidiu sobre a inutilidade da lide, causa de extinção da instância que deve ser oficiosamente conhecida – artigo 277.º, alínea e), Código de Processo Civil. (…)
1.5. Tal não é bastante a que se considere desde logo violado o contraditório.
Necessário se torna ainda que se não verifique uma situação de manifesta desnecessidade de actuar o contraditório. Como determinar o que seja esta manifesta desnecessidade, conceito indeterminado[14] que importa densificar?
No ensino de Manuel de Andrade[15] essa determinação do que é indeterminado impõe que o juiz desvele o/s princípio/s geral/is que o conceito visa prosseguir na sua indeterminação a fim de deduzir deles a interpretação da espécie.
No caso vertente, a desnecessidade há-de verificar-se quando os valores que o contraditório salvaguarda, possam ser assegurados sem a intervenção judicial autónoma destinada a possibilitar a pronúncia.
Ou seja, a desnecessidade do contraditório verifica-se quando a equidade e igualdade das partes e o imperativo da sua participação efectiva no processo que leva a decisões que impactem os seus interesses, se mantêm respeitados sem aquela intervenção autónoma.
Dito de outro modo, a desnecessidade é uma desnecessidade funcional de audição porque sem esta audição nenhum dos valores que a mesma pretende salvaguardar saem violados.
A desnecessidade não deve por isso ser compreendida ao nível da pretensa clareza da questão a dilucidar ou da suficiência dos elementos para a prolação da decisão.
Em conclusão, é desnecessário o contraditório quando os valores que por ele se prosseguem, são salvaguardados sem a intervenção autónoma do juiz para pronúncia. É o caso das situações em que a parte se pronunciou, quiçá fora do esquema processual normal, em que a pretensão da parte contrária será indeferida liminarmente sem afectar os interesses da contraparte ou em que a questão, não tendo merecido consideração das partes, é de debate usual na jurisprudência em situações similares ou está implícita no requerimento apreciando[16].
A esse respeito, a manifesta desnecessidade é vista à luz do princípio da proporcionalidade no acórdão desta Relação de 11 de Julho de 2019, proferido no processo 29624/13.4T2SNT-W.L1-1 (Rijo Ferreira). Lê-se no aresto: segundo o princípio da proporcionalidade, tal pronúncia é dispensável, no dizer do mesmo nº 3 do art.º 3º do CPC, em caso de manifesta desnecessidade; vislumbrando-se como tal, designadamente, aquelas situações em que o efeito pretendido resulta automaticamente da lei, o enquadramento fáctico relevante se mostra insusceptível de controvérsia, ou dados os contornos da lide a decisão era expectável para os seus destinatários.
(…)”. (fim de citação)

Também no acórdão proferido em 11.01.2024 nesta Relação e Secção no processo 8895/17.2T8ALM.L2-6 (relator Adeodato Brotas), e subscrito pelo ora relator e pela ora primeira adjunta, se pode ler, e citamos:
Sobre a decisão-surpresa, em cometário concordante com o decidido no acórdão do TRP de 08/03/2019 (Carlos Portela) o Prof. Teixeira de Sousa, expressamente defende: “O entendimento contrário só pode fundar-se no equívoco de que a decisão-surpresa é toda a decisão com a qual a parte não contava. A verdade é que a decisão-surpresa é apenas aquela em que o tribunal decide algo com que a parte, de forma previsível, não podia contar.” – cf. Blog do IPPC, entrada de 11/09/2019 Jurisprudência 2019 (73).
E percebe-se que assim seja.
Na verdade, a redacção do art.º 3º nº 3 do CPC de 2013 é igual à redacção do art.º 3º nº 3 do CPC anterior. E estabelece o art.º 3º nº 3 do CPC que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Trata-se, neste preceito, da afirmação inequívoca, por parte do legislador, do princípio do contraditório: dever o juiz facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre questões que tenha de decidir de modo surpreendente; isto é, sobre casos e acerca de questões em que as partes não poderiam contar com aquela decisão.
Simplesmente esse dever do juiz de “audição complementar” e correspondente direito das partes, não é absoluto: está, desde logo, limitado quer pela letra da lei, quer pelo seu espírito.
Com efeito, é a própria letra da lei que afirma que esse dever de prévia audição é dispensado nos “casos de manifesta desnecessidade”.
No que toca ao espírito da norma, há que atender à evolução do preceito. Assim, na redacção da norma que resultava do DL 329-A/95, estabelecia-se que a decisão, pelo juiz, de questões não suscitadas e debatidas pelas partes devia ser precedida da respectiva audição, quando as partes não tivessem tido a possibilidade de “agindo com a diligência devida” sobre elas se terem pronunciado.
Na redacção do preceito dada pelo DL 180/96, foi alterada aquela formulação legal, passando a dispensar-se aquela prévia audição, em “casos de manifesta desnecessidade”, em consonância com o que estava estabelecido em sede de nulidades no art.º 297º nº 1 do CPC/95, actualmente art.º 201º CPC/13.
Desta evolução do preceito retira-se que não constituem decisões-surpresa, geradoras de nulidade, os casos em que era previsível, com o mínimo de diligência pela parte, a possibilidade de o juiz proferir a decisão em determinado sentido.
Como bem sintetiza o Sr. Conselheiro Lopes do Rego (in Comentários ao CPC, vol. I, 2ª edição, pág. 34) “Em suma: não deverá, na nossa perspectiva, “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes, ao abrigo do preceito em análise, de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela actuação do preceito do art.º 3º nº 3. Na verdade, a negligência da parte interessada que v. g. omite quaisquer “razões de direito”, alega frouxamente situando de forma truncada e insuficiente o óbvio enquadramento jurídico da sua pretensão ou deixa escapar questões jurídicas clara e inquestionavelmente decorrentes dos autos, não merece tutela, em termos de obrigar o tribunal …a sob pena de nulidade, realizar uma audição não compreendida no normal fluir da causa”.
De resto, o STJ tem vindo a entender:
II. Decisão-surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito ou com a expectativa que possam ter criado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, do Tribunal, a quem tais julgamentos continuam a pertencer em exclusividade. Não se podendo falar de surpresa quando os mesmos devam ser conhecidos como viáveis, como possíveis.” (Acórdão do STJ, de 13/07/2022, Fernando Baptista).
Similarmente, no acórdão do STJ, de 12/07/2018 (Hélder Roque):
I - A decisão surpresa que a lei pretende afastar com a observância do princípio do contraditório, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas.
II - A decisão surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter perspetivado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento
.”
De igual modo têm decidido as Relações, de que são exemplo os seguintes acórdãos:
- TRP, de 15/07/2022 (Francisca Mota Vieira):

I - Assim, o cumprimento do contraditório não significa “que o tribunal «discuta com as partes o que quer que seja» e que alivie as mesmas «de usarem a diligência devida para preverem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão
Assim, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever.”
- TRG, de 21/01/2021 (Rosália Cunha):
“I – A proibição das decisões surpresa é decorrência do princípio do contraditório consagrado no art.º 3º, nº 3, do CPC, princípio basilar ou estruturante do processo civil e que visa permitir que nenhuma decisão seja tomada sem que a parte por ela afetada possa pronunciar-se sobre a mesma.
II - O conceito de decisão-surpresa tem vindo a ser densificado na jurisprudência “em termos de enquadrar no seu âmbito apenas aquelas com que as partes se confrontam e que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico na parte aplicável ou do regime processual na sua tramitação legalmente estabelecida ou objecto de adequação formal nos termos legalmente previstos.”
- TRG, de 30/06/2022 (Alcides Rodrigues):
I - O princípio do contraditório, plasmado no art.º 3º, n.º 3 do CPC, assume-se como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio.
II - Embora vinculado à causa de pedir delineada pelo autor, não existirá decisão surpresa quando, mantendo-se dentro da causa de pedir invocada, a aplicação de regras de direito fundamentadoras dessa mesma decisão seja efectuada num quadro que as partes prognosticaram ou tinham o dever de prognosticar.”. (fim de citação)
É certo que no caso concreto estamos perante uma questão de conhecimento oficioso e que a Autora a não tinha trazido aos autos e que a Ré não contestou, pelo que também não a invocou.
Como resulta das citações que acabamos de fazer, o crivo essencial para resolver a questão é a “manifesta desnecessidade”, ou seja, e contextualizando para o caso concreto, saber se a Autora, se tivesse conduzido diligentemente a sua acção, teria de ter previsto que a questão da nulidade da cláusula 8.3 por desproporcional poderia ser equacionada na decisão que fosse proferida sobre o petitório.
A cláusula em questão estabelece: “A resolução do Contrato por incumprimento confere ainda à L… o direito a receber, além dos alugueres e prémios de seguro vencidos, juros de mora e custos de avisos e de não concretização do débito direto, os alugueres vincendos até ao termo da duração inicial do Contrato nos termos da cláusula 3.3.”, sendo que esta estabelece: A cessação antecipada do contrato implica em qualquer circunstância, a título de cláusula penal, a obrigação de pagamento pelo Cliente dos alugueres correspondentes ao período de duração inicial do contrato, tendo em vista compensar a L… pelo investimento efetuado com a aquisição e disponibilização dos Bens ao Cliente.”.
Com o devido respeito, a possibilidade de discussão da proporcionalidade é evidente, porquanto são variadíssimos os casos de incumprimento e resolução de contratos de locação em que se discute a proporcionalidade de cláusulas similares às que foram sancionadas pela decisão recorrida, encontrando-se inúmeros acórdãos que se pronunciam sobre a questão, desde há mais de vinte anos.
Vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 27-04-1995, do Supremo Tribunal de Justiça (98A0494) de 21 Maio 1998, da Relação de Coimbra (103/08.3TMDA-A.C1) de 08 Novembro 2011, da Relação de Lisboa (127318/16.1YIPRT.L1-8) de 07.03.2019, e da mesma Relação (2031/12.9TBVFX-A.L1-7) de 24-09-2019, do Supremo Tribunal de Justiça de 2020 (mencionado pela recorrente), da Relação de Porto (1654/21.0T8AVR.P1) de 27-06-2023.
Não estamos sequer em presença dum caso de locação que, pelo objecto locado, não haja sido abordado. Não havia assim qualquer dificuldade em prever que a questão podia ser levantada, quer pela contraparte, se contestado houvesse, quer oficiosamente pelo tribunal.
Deste modo, improcede a invocada nulidade.
3ª questão: - Erro de julgamento ao considerar a cláusula 8.3 do contrato de aluguer aqui em apreço, proibida, por desproporcional em relação aos danos a ressarcir, e por isso nula ao abrigo do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, nos termos dos artigos 12º e 19º al. c) do DL 446/85 e 286º do Código Civil.
A sentença de primeira instância discorreu:
“As cláusulas do contrato que estão a seguir às particulares, e que constam sob os números a 1 a 16, são típicas de um quadro padronizado pré-existente apresentado pela Autora, de letra diminuta, sendo aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais quanto às mesmas – artigo 1.º, n.º 2, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. Deflui do teor das indicadas cláusulas 3.3. e 8.3 que em caso de resolução do contrato por parte da Autora esta poderá exigir da Ré, a título de cláusula penal, os alugueres que fossem devidos até final do período de duração inicial do contrato. No que concerne a cláusulas contratuais gerais relativamente proibidas, é estatuído no artigo 19.º, designadamente, na alínea c), do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG – DL n.º 446/85, de 25/10, na sua actual redacção) serem proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir, normativo que se aplica às relações contratuais entre empresários ou entidades equiparadas (como é o caso de Autora e  Ré, duas sociedades comerciais) e dependem de uma valoração posterior. Conforme impressivamente refere o Sr. Juiz Desembargador José Manuel de Araújo Barros (em Cláusulas Contratuais Gerais, 1.ª Edição, Abril de 2010, Coimbra Editora, página 236, em entendimento que ora perfilhamos: “(…) E ainda por referência à razão de ser do regime das cláusulas contratuais gerais, na medida em que intenta a correcção de uma desigualdade e a prevenção de abuso contratual, que deve haver uma menor tolerância de cláusulas favoráveis ao predisponente, relativamente à admitida no regime geral, concernente a contratos negociados. O que impõe que que o juízo de valor sobre o carácter abusivo de determinada cláusula favorável ao predisponente seja mais exigente do que aquele que incidiria sobre a mesma, caso esta tivesse resultado de negociação. Assim, não se deve confundir o critério plasmado na alínea c) do artigo 19.º do DL n.º 446/85 (cláusula proporcional desproporcionada) com o constante do n.º 1 do artigo 812.º do Código Civil (cláusula penal manifestamente excessiva). Ou melhor, deverá atentar-se em que é precisamente aquela a razão pela qual nas cláusulas não negociadas se é mais exigente, proibindo-se a cláusula penal simplesmente desproporcionada aos danos a ressarcir, não sendo necessário que essa desproporção (excesso) seja manifesta. (…) “ e (obra citada, página 237) “ (…) esse juízo de valor sobre a desproporção deverá ser reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado), sendo incorrecto relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu, nomeadamente com os termos em que foi resolvido.”.  Ora, face ao citado teor que deflui das indicadas cláusulas, que em caso de resolução do contrato por parte da Autora esta poderá exigir da Ré, a título de cláusula penal, os alugueres que fossem devidos até final do período de duração inicial do contrato, tal cláusula é desproporcionada em relação aos danos a ressarcir. Decorre assim do quadro negocial padronizado e a montante de concretas vicissitudes contratuais, que a penalidade consagrada nas citadas cláusulas é desproporcional para a Ré/Locatária, decorrendo desde logo que a Autora/Locadora (predisponente) beneficiaria mais com o incumprimento definitivo da Locatária, pois receberia todos os alugueres contratualmente previstos antes do período normal de decurso do contrato e poderia colocar novamente os bens locados no trafico jurídico decorrente da sua actividade – locação.
São assim cláusulas contratuais gerais relativamente proibidas e desta forma nulas e não integrantes do contrato, sendo a nulidade de conhecimento oficioso – artigos 12.º e 19.º, al. c), do DL 446/85, e 286.º, do Código Civil. Neste sentido, veja-se, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/03/2019 e de 11/12/2019, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, como os nºs de processo 127318/16.1YIPRT.L1-8 e 127735/16.7YIPRT.L1-2. Sendo assim não integrantes do contrato, não é devida pela Ré a indemnização peticionada pela Autora a título de penalidade, bem como os peticionados juros relativamente à mesma”. (fim de citação).
Dispõe o artigo 19º alínea c) do DL 446/85 relativo a cláusulas relativamente proibidas, que “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que: (…) c) Consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”, aplicando-se neste caso a estatuição do artigo 12º do mesmo diploma, segundo o qual “As cláusulas contratuais gerais proibidas por disposição deste diploma são nulas nos termos nele previstos”.
Para a recorrente, a cláusula 8.3 do contrato de locação mobiliária, que prevê a obrigação de pagamentos dos alugueres vincendos até ao termo da duração inicial do Contrato nos termos da cláusula 3.3. em caso de resolução e acrescendo às rendas vencidas e não pagas, não é desproporcional aos danos a ressarcir.
Sabemos que não há no regime jurídico das cláusulas contratuais gerais disposição que cometa à locadora o ónus de prova da proporcionalidade, aplicando-se em consequência o regime geral instituído pelo Código Civil, designadamente pelo artigo 342º do mesmo, estabelecendo que a prova da desproporção, enquanto facto constituinte da proibição legal e da nulidade invocada, compete ao, neste caso, locatário.
Por outro lado, lemos com atenção o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.9.2020 proferido no processo 127735/16.7YPRT.L1.S1, citado pela recorrente, que sumaria precisamente que no caso da locação de equipamentos informáticos, e atendendo em termos objectivos ao quadro negocial padronizado, uma cláusula idêntica à que está sob apreciação nos autos não é desproporcional e é válida. O argumento central é:
“No douto acórdão do STJ de 21.03.2006, supra referido, que foi relatado pelo Conselheiro Alves Velho, num caso com semelhanças com o presente e que incidiu sobre a locação de fotocopiador e faxes, escreveu-se o que com a devida vénia transcrevemos: “…o que se conhece, no quadro genérico deste ramo negocial e empresarial, é que o seu objecto são equipamentos mobiliários normalmente sujeitos a significativo desgaste e rápidas desactualização e desvalorização, não raramente sem possibilidade de rendibilização, situação que faz recair sobre a locadora avultados riscos, desde o volume de capital investido na aquisição dos bens à dificuldade em recolocação no mercado, através de novos contratos de aluguer, de bens usados, de sorte que terá muito mais interesse no cumprimento do contrato que na sua resolução, com as conhecidas consequências – que o caso dos autos sobejamente confirma - de retardamento da entrega das coisas locadas e inerente agravamento dos falados riscos.”
As considerações transcritas aplicam-se de pleno ao caso dos autos. Também aqui estamos perante equipamentos informáticos, sem utilidade para a Autora, sujeitos a rápida desactualização e desvalorização, cuja recolocação no mercado não é fácil, e quando tal ocorre a preços de saldo, como demonstram os factos supra descritos em 54 e 56. Disse a Relação que a Autora pode ainda rentabilizar os bens, mas nada na matéria de facto suporta esta afirmação, pelo contrário.
À luz da matéria de facto provada é evidente o dano patrimonial que para a Autora resulta do incumprimento do contrato pelo locatário: perda do capital investido em bens que não têm utilidade para si, e impossibilidade de eliminar ou atenuar o prejuízo em face da dificuldade de recolocação no mercado dos bens em causa em condições minimamente atraentes”.
No caso apreciado pelo acórdão que estamos a citar, deu-se como provado que:
“2- No âmbito do referido acordo, a Autora declarou ceder à Ré o gozo de um leitor biométrico "TOUCH BOX" que efectivamente entregou à Ré e que por esta foi recebido.
3- Ficou acordado que a cedência referida em 2) teria o prazo de duração de 60 meses, declarando a ré obrigar-se a pagar à autora, em contrapartida da cedência, o valor mensal de €90,00, acrescido de IVA à taxa legal (23%), no montante total de €110,70 mensais.

(…)
53. A autora adquiriu os equipamentos em causa nos acordos 2 e 19 para sua entrega à ré, nos termos do mesmo acordo, o que faz com todos os equipamentos relativos a acordos similares por si outorgados com outros clientes.
54. A autora não volta, por política da empresa, a dar os bens locados em locação, após a sua restituição.
55. Antes da carta referida em 44 a ré nunca comunicou à autora qualquer problema com o equipamento objecto do acordo 19.
56. Após a restituição, pela ré à autora, dos bens em causa nos autos, a autora vendeu a CS Unip, Lda, Assisminho, pelo preço de 645,75€ e de 522,75€, com IVA incluído, duas das fotocopiadoras a que se refere o acordo 19, tendo os demais equipamentos [do acordo 19] ido para abate. Relativamente aos equipamentos do acordo 2, os mesmos continuam a ser propriedade da autora”.
Percorrendo apenas alguns dos acórdãos que já acima mencionámos, constatamos: 
No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 27.4.1995 (processo 0078526), em que estava em causa a locação de “(uma máquina de fotocomposição marca Varityper, dois terminais da mesma marca equipados com dois drives e três processadores marca Louth)”, sumariou-se, para o que aqui releva:
“(…) IV - Em princípio, são válidas as cláusulas penais que fixam, previamente, indemnização, no caso de resolução pelo locador do contrato de locação financeira, por falta de pagamento de rendas, em medida não superior a 20% do valor das prestações vincendas”. (sublinhado nosso).
E considerou-se no mesmo aresto que: “Assim, desconhecendo-se o montante dos danos, não se pode afirmar que haja desproporção entre a cláusula penal, tal como se apresenta no quadro contratual, e os danos a ressarcir, o que só por si afasta a nulidade da dita cláusula.
Da mesma forma a nulidade é excluída tendo em conta a dita desproporção em abstracto.
É que basta considerar a globalidade das cláusulas do contrato para se constatar a "vultosa mobilização de capitais feita pela autora para a aquisição e disponibilidade dos bens locados", e "os riscos elevados que aquela corre, sobretudo quando se traz
à colação o desgaste do equipamento locado, que o pode tornar, por completo, imprestável" expressões estas, entre aspas, decalcadas de expressões idênticas incluídas no Acórdão desta Relação de 1994/07/07, relatado pelo primeiro adjunto do presente acórdão e publicado na CJ ano XIX -1994 TIV pág. 79 já que as ditas expressões se adaptam perfeitamente à hipótese presente). Sem dúvida que existe a contra-partida das rendas, mas o seu convencionado montante pode não coincidir, mesmo no pressuposto do cumprimento do contrato, com o valor dos bens locados, sendo o risco ainda maior no caso de incumprimento. Por isso, em atenção ao quadro genérico da autonomia privada, se compreende que a lei permita que os particulares, para se protegerem contra aquele risco, optem pela inclusão, em contratos como o presente, de cláusulas penais da natureza da que está em causa nestes autos, em lugar de fixarem rendas mais elevadas que redundariam numa maior dificuldade de celebração de tais contratos. E não se vê que uma indemnização, na apontada percentagem de 20%, atendendo aos lucros que a locadora deixa de auferir e à normal desvalorização do equipamento, seja ofensiva do disposto nos art.ºs 12 e 19, C), do dito DL n. 446/85.

Nestas condições, é de concluir serem, em princípio, válidas, - e serem-no pelo menos quando não fixem uma indemnização superior à dita percentagem de 20% -, as referidas cláusulas penais que fixem previamente a indemnização no caso de resolução pelo locador do contrato de locação financeira, por falta de pagamento de rendas. Neste sentido são os Acórdãos já citados, bem como o Acórdão da Relação de Coimbra de 1993/11/23, in Col. Jur., 1993, 5, 38, e o Acórdão da Relação do Porto de 1993/11/23, na mesma obra e volume, pág. 225”.
Idêntica foi a solução no processo 98A0494 datado de 21 de Maio de 1998, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça onde se pode ler:
Não pode abstractamente considerar-se nula por «desproporcionada ao dano a ressarcir», nos termos dos artigos 12º e 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, a cláusula penal inscrita em contrato de locação financeira, por força da qual a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento da renda confere ao locador, nomeadamente - além da restituição do equipamento locado, das rendas vencidas, pagas e não pagas, acrescidas dos juros-, o direito a uma indemnização igual a 20% da soma das rendas vincendas com o valor residual dos bens[3].
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 8.11.2011 no processo 103/08.3TMDA-A.C1, sumariou-se “II- Há desproporção, integradora da previsão do art.º 19º al. c) do RCCG quando ela afecta o adequado equilíbrio contratual das partes com reflexo nos seus interesses, o que acontece quando a cláusula, numa perspectiva genérica da economia do tipo de contrato a que se reporta, de per se ou em cumulação com outras vinculações, acarrete, na sequência da resolução do contrato, uma indemnização superior aos prejuízos que o proponente sofrerá com o incumprimento, ou implique indemnização superior à contrapartida que retiraria do seu normal cumprimento”. (sublinhado nosso).
Neste caso, os objectos locados eram um Empilhador Telescópico designado “Telelift Terex, modelo 3713 SX, n.º série 10109”, equipado com balde frontal de 800L, um porta paletes e quatro sistemas integrados de gestão pneus usados pelo preço total de € 47.528,56, mais IVA no valor de € 9.981,00, a pagar em 60 prestações mensais, sendo a primeira no montante de € 11.000,00, e as restantes no montante de € 728,33, acrescidas de IVA, à taxa legal em vigor à data do seu vencimento, sendo o valor residual de € 950,57.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 17.1.2021 no processo 25713/19.0T8LSB.L1-2 – no qual os factos relativos à actividade empresarial desenvolvida e a objectos, rendas e prazos, são “1. A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto, designadamente, a actividade comercial de aluguer de equipamentos informáticos. 2. A ré é uma sociedade comercial que tem por objecto o diagnóstico médico por imagem. 3. Do documento intitulado factura n.º FT …, de 26/02/2013, com data de vencimento no mesmo dia, emitido pela fornecedora …, em nome da autora, consta a descrição do seguinte produto: uma “solução print xerov v_t 550 com finalizador pro”, pelo valor de 44.218,50€. 4. Por documento intitulado Locação Clássica – Contrato de Locação para Clientes Empresariais – Corporate Clients, n.º …, autora e ré acordaram o “aluguer” do produto referido supra, acordando o pagamento de 60 prestações mensais, no valor de 879,95€ cada (com o valor do IVA incluído, à taxa legar em vigor)” – considerou-se:
Também no contrato de locação [tal como nos contratos de crédito ao consumo, nos contratos de locação financeira, nos contratos de aluguer de longa duração, nos contratos de fornecimento de bens, nos contratos de prestação de serviços e nos contratos de manutenção de elevadores, entre outros, com as devidas adaptações] é proibida, por abusiva (art.º 19/-c do RJCCG) e por isso nula, a cláusula contratual geral (16/1 do contrato da …SA com a autora, dito de “locação clássica”) que prevê, a título de cláusula penal, que, “no caso de cessação antecipada do contrato, a locadora poderá exigir um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato”, pois que, no fundo, se prevê uma prestação sem contraprestação, pondo em causa o sinalagma existente entre elas”.
No respectivo texto lê-se:
Ora, se o que importa é que, como há uma sinalagma entre as obrigações, destinando-se a prestação pecuniária a compensar a disponibilidade do bem ou a contrapartida de serviços, essa compensação/contrapartida só deve existir enquanto houver a disponibilidade ou os serviços forem prestados, já não a partir da resolução do contrato, quando eles deixam de existir.
Quando se tenta fugir da fundamentação conceitualista, diz-se – por exemplo no ac. do STJ de 2020, proc. 127735/16.7YIPRT.L1 citando o ac. do STJ de 21/03/2006, “…o que se conhece, no quadro genérico deste ramo negocial e empresarial, é que o seu objecto são equipamentos mobiliários normalmente sujeitos a significativo desgaste e rápidas desactualização e desvalorização, não raramente sem possibilidade de rendibilização, situação que faz recair sobre a locadora avultados riscos, desde o volume de capital investido na aquisição dos bens à dificuldade em recolocação no mercado, através de novos contratos de aluguer, de bens usados, de sorte que terá muito mais interesse no cumprimento do contrato que na sua resolução, com as conhecidas consequências – que o caso dos autos sobejamente confirma - de retardamento da entrega das coisas locadas e inerente agravamento dos falados riscos.”
Antes de mais diga-se que este acórdão do STJ de 21/03/2006 [Revista n.º 396/06 – publicado na página 190 dos sumários do STJ de 2006] conclui o seguinte na parte que importa para o caso dos autos: “Daí que não se possa considerar desproporcionada - para efeitos dos art.ºs 12 e 19- c do DL 446/85, de 25/10 - a cláusula geral em que se estipula que, no caso de não pagamento das rendas pelo locatário, pode a locadora, para além do direito à restituição das coisas locadas e ao recebimento das rendas vencidas e não pagas, exigir indemnização igual a metade do valor das rendas vincendas.” (isto no sumário que consta da publicação no sítio do STJ; o ac. também está publicado na CJ.2006.STJ.I .145-147, que curiosamente também omite, no sumário, esta parte do acórdão).
Portanto, o acórdão do STJ de 2006 admite a cláusula penal de metade do valor e não da totalidade do valor das rendas vincendas, pelo que não devia servir minimamente de apoio para os acórdãos que se servem desta argumentação da natureza dos bens, pois que o que está em causa para o tipo dos contratos com esta CCG é a cláusula relativa à totalidade das rendas vincendas.
Admitindo o ac. do STJ de 2006 que não é excessivo pedir 50% das rendas vincendas, não será difícil concluir que ele, no caso da cláusula dos 100% das rendas vincendas já não a admitiria, ou seja, que se insere antes na corrente que não as admite, mas apenas aquelas que estabelecem uma percentagem dessas rendas vincendas, pelo que a divergência deste acórdão de 2006 do STJ com a corrente nessa data quase unânime será apenas quanto à percentagem (não 20% mas 50%).
Por outro lado, demonstrando que o argumento não tem a ver com o facto de o contrato ser de locação ou não, o argumento foi utilizado nos contratos de locação financeira e foi afastado, e depois utilizou-se, com adaptações, no contrato de manutenção de elevadores (num ac. do STJ de 2017 e num do TRL de 2018), sem que tenha convencido a maioria da jurisprudência (como se verá mais à frente, com a referência a dois acórdãos do STJ de 2019).
Seja como for, o argumento da natureza dos bens, aplicado em abstracto para os contratos de locação, esquece que normalmente na locação financeira de bens móveis, os bens têm essa mesma natureza e os prazos de duração dos contratos, conexos com os prazos de duração da vida útil dos bens, são até, regra geral, mais curtos (18 meses, em vez dos 60 que estão em causa no tipo de contratos dos autos (artigo 6 (na redacção original) - Prazo: 1 - A locação financeira de coisas móveis não pode ser celebrada por prazo inferior a 18 meses (…) 2 - O prazo de locação financeira de coisas móveis não deve ultrapassar o que corresponder ao período presumível de utilização económica da coisa. (…) 4 - Não havendo estipulação de prazo, aplicam-se os prazos previstos no n.º 1; ainda mais claro no art.º 6 na redacção dada pelo DL 285/2001, de 03/11: 1 - O prazo de locação financeira de coisas móveis não deve ultrapassar o que corresponde ao período presumível de utilização económica da coisa. (…). 3 - Não havendo estipulação de prazo, o contrato de locação financeira (de bens móveis) considera-se celebrado pelo prazo de 18 meses (…).)
Por isso, o argumento da natureza dos bens (e do conexo do prazo de duração dos contratos) logicamente, já é considerado na locação financeira e aí tido em conta precisamente para admitir a validade das cláusulas dos 20% do valor das rendas vincendas.
Veja-se, por exemplo, o que é dito por Menezes Cordeiro: “Como foi referido, tal incumprimento tende de colocar o locador numa situação melindrosa: sendo uma instituição de crédito, ele pouco proveito poderá tirar do objecto locado; além disso, haverá dificuldades em colocá-lo no mercado, visto tratar-se dum bem usado e, normal­mente, em mau estado de conservação. […] a mera restituição do bem não é ressarcitória: como tem sido reconhecido na jurisprudência, o locador suporta múltiplos inves­timentos, que devem ser compensados. A sua actividade e puramente financeira: ele não colhe as vantagens reais, quando receba, de volta, o bem locado. A solução do pagamento duma percentagem das rendas vincendas e do valor residual parece razoável.” (Direito bancário, 6.ª edição, Almedina, 2016/2018, págs. 740-743).
Ainda, como o valor da obrigação pecuniária global foi calculado tendo em conta a natureza dos bens e curta duração do período presumível da utilização do bem, o valor global corresponde ao valor do bem alugado e cada uma das prestações mensais corresponde a cada um dos períodos de disponibilidade, pelo que a sinalagmaticidade continua a existir exactamente nos mesmos termos e, por isso, também aqui, cessando o contrato e deixando a disponibilidade da coisa de ter de estar no locatário, não se justifica de modo algum que ele tenha de pagar por algo que já não tem, para compensar uma disponibilidade que o dono não teve até então, mas readquiriu a partir da cessação do contrato.
Mais, a demonstração do prejuízo, para o locatário, no quadro negocial padronizado é evidente: o tipo de contrato em causa, tal como predisposto pela autora, permite, que, por exemplo, se o locatário deixasse de pagar a renda logo ao fim de 6 meses, o dono da coisa pudesse pôr fim ao contrato, obter a restituição dela e voltar a locar a coisa a terceiro pelo mesmo valor mensal, e, mesmo assim, exigir, a título de cláusula penal, o pagamento dos 54 meses de renda que faltavam, ou seja, a autora poderá quase que duplicar (ou triplicar se o incumprimento voltar a acontecer no outro contrato, passado pouco tempo) o valor que esperava receber naquele período de tempo, se a locatária, por alguma razão, faltar ao pagamento de uma prestação e a locadora resolver o contrato com esse fundamento. Ou seja, da condição geral em causa, resulta uma grave desvantagem para o cliente (que, por exemplo, podendo ter usado do bem apenas por 6 meses, poderá ter de pagar, mesmo assim, 60 meses de rendas, em contraponto com a excessivo benefício para o utilizador (parafraseou-se Almeno de Sá, Cláusula penal e cláusulas contratuais gerais – Anotação ao ac. do TRL de 19/03/2015, Revista da Faculdade de Direito e Ciência Política da Universidade Lusófona do Porto, n.º 11 (2018) páginas 180-213, especificamente pág. 197 – no caso estava em causa um contrato de manutenção de elevadores) nos termos acabados concretizar.
Isto só por si é mais do que suficiente para demonstrar a manifesta desproporção do tipo de cláusula penal em causa face “aos danos tipicamente previsíveis no quadro de um contrato do tipo considerado” (as expressões entre aspas são de Almeno de Sá, obra citada, pág. 196).
Ou seja, pode-se concluir, como a maior parte da jurisprudência tem considerado relativamente a tal tipo de cláusula penal, que ela é uma cláusula contratual geral que deve ser considerada uma cláusula proibida, por, neste tipo de quadro negocial, ser desproporcionada aos danos a ressarcir (art.º 19/-c do RJCCG).”.
Finalmente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo nº 1654/21.0T8AVR.P1 em 27.6.2023, embora relativo a um veículo automóvel, retomou-se a consideração de uma determinada percentagem admitida como proporcional, e sumariou-se: “(…) II - Nos contratos de locação financeira, a cláusula penal que estipula o pagamento de uma quantia correspondente a 20% das rendas vincendas à data da resolução do contrato acrescida do valor residual não é desproporcionada face ao quadro objectivo dos interesses económicos envolvidos neste tipo de contrato de locação financeira de veículos pesados, destinados a serem usados na actividade rodoviária da sociedade locatária”.
Em suma, mesmo a atender-se, em nome da objectividade, a um padrão abstracto do tipo negocial, não se vê que uma cláusula como a cláusula 8.3 no caso dos autos haja sido, sem mais, considerada válida. O próprio acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que a recorrente invoca ressalva a possibilidade de se provarem factos relacionados com a proporcionalidade, e ele mesmo se sustenta não apenas num padrão abstracto mas atende no caso específico aos factos que foram dados como provados, e concretamente que a locadora acabou por revender alguns dos equipamentos informáticos a “preço de saldo”.
Por outro lado, secundamos inteiramente as considerações feitas no acórdão desta Relação proferido no processo 25713/19.0T8LSB.L1-2, que acima transcrevemos, e concretamente apontando a que não há previsão jurisprudencial nem doutrinária da validade duma cláusula penal ou equivalente que estabeleça o dever do locatário pagar todas as rendas vincendas, a jurisprudência e a doutrina afinal concedendo que o tipo negocial e o negócio concreto – que a locadora de equipamentos informáticos não se dedica a actividades informáticas mas meramente financeiras e portanto não tem serventia ela mesma para dar aos bens locados e portanto o não cumprimento do negócio se resolve num prejuízo para si – envolvem um prejuízo ressarcível através, mas apenas, de uma determinada percentagem do valor das rendas vincendas, e nunca no valor da sua totalidade. As considerações que o acórdão desenvolve não são de afastar no caso concreto pela mera circunstância dos bens não terem sido devolvidos. É que, no contrato dos autos, a cláusula 8.4 “A resolução do Contrato constitui o Cliente no dever de restituir imediatamente os bens à L…, nos termos da cláusula 10, alínea a)”, e esta última estabelece “(A cessação do contrato, seja por resolução, denúncia ou qualquer outra forma legalmente prevista, determina as seguintes obrigações para o Cliente: a) Restituição, por sua conta e risco, dos bens ou equipamentos à L…, em bom estado de conservação, considerando o normal desgaste de uma prudente utilização, para a morada da sede da L…, ou outra que venha a ser indicada posteriormente por escrito, ficando designadamente responsável por reembolsar a L… pelos custos necessário à reparação dos bens restituídos que se encontrem danificados. A L… enviará ao Cliente orçamento para a reparação dos bens restituídos que se encontrem danificados, tendo o Cliente o prazo de 10 dias para pagar a reparação ou apresentar solução para reparação alternativa. Em caso de omissão de resposta ou pagamento, a L… dará ordem de reparação e emitirá ao Cliente a fatura para o reembolso do custo da reparação constante do orçamento”. Acresce que nos termos da cláusula 4.7.Caso o Cliente não restitua os Bens, a L… poderá diligenciar pelo seu levantamento, ficando o Cliente obrigado a reembolsar a L… pelas despesas e custos incorridos com o levantamento e restituição.
Quer isto dizer que não é exclusivamente valorável contra o locatário a não restituição por este dos bens após a resolução do contrato, porquanto o poder da locadora de diligenciar pelo levantamento com imputação de custos ao locatário envolve uma atitude proactiva da locadora, num negociado equilíbrio prestacional.
Nestes termos, e considerando ainda que foram pagas duas rendas e ficaram por pagar cinco rendas, e que o prazo era de 36 meses, sendo pois vincendas sensivelmente 29 rendas, entendemos que a cláusula 8.3 do contrato dos autos é desproporcionada em relação ao prejuízo causado e consequentemente é proibida e nula, confirmando-se assim a sentença recorrida nesta parte, e improcedendo, na mesma parte, o recurso.
4ª questão: - das questões a que se referem os seguintes artigos do requerimento injuntivo:
“14. Como a Requerida não restituiu os bens alugados até à presente data, apesar de interpelada para tal, presume-se que aquela pretende continuar a utilizar os mesmos e adquirir a sua propriedade
15. Para aquisição da propriedade dos bens locados, além das quantias supra descritas (…) terá de proceder ao pagamento do preço que se fixa em 3.744,97€ (IVA incluído)
16. A venda ora proposta fica condicionada ao prévio pagamento da dívida e do preço, só se transferindo a propriedade dos bens em causa após integral pagamento da dívida e do preço
17. Acrescem ainda os juros de mora vincendos desde a data da instauração da injunção até efetivo e integral pagamento, à taxa convencionada de 15% sobre a quantia de 28.634,99€”.
Quanto a este último pedido, resulta do requerimento injuntivo (artigo 19) que ele não se refere ao montante de €3.744,97 invocado como preço de aquisição, pelo que a invocação de omissão de conhecimento se reporta unicamente aos juros vincendos sobre €28.634,99. Como referimos, a sentença não omitiu o conhecimento, antes decidiu que os juros vincendos eram “à taxa legal aplicável aos créditos de titularidade das empresas comerciais desde a vencimento das correspondentes facturas e até integral pagamento”.
Ora, no facto provado nº 2 é dado como reproduzido o teor do contrato. Da cláusula 6ª do mesmo consta: “6.4. Em caso de mora de qualquer quantia devida são devidos pelo Cliente à L… juros de mora à taxa convencionada, correspondente à taxa legal para operações comerciais acrescida de 15%”.
Não é isto o mesmo que se defende no corpo do recurso: “12. E ainda acrescem juros de mora vencidos desde a data de 11/05/2020 e vincendos até integral pagamento, à taxa convencionada de 15%, conforme convencionado contratualmente cfr. cláusula 6.4”.
E o que se diz no corpo do recurso sob o nº 11 “À autora assiste “jus” a exigir da ré indemnização moratória, que, por se tratar de obrigação pecuniária, corresponde aos juros legais, contados desde a data do vencimento de cada factura, em causa e sobre o capital que a mesma titula, até efectivo e integral pagamento – cfr. art.ºs 804º, nºs 1 e 2, 805º, nº 2, al a), e 806º, nº 1, do Cód. Civil”, ainda para mais a acrescer aos juros à taxa de 15% (invocados no nº 12) sobre o valor resultante da soma das facturas não pagas e das rendas vincendas e demais quantias invocadas no requerimento injuntivo, não encontra qualquer apoio no pedido formulado no requerimento injuntivo – simplesmente não foram pedidos, tendo apenas sido pedido o pagamento de juros vincendos sobre o montante total resultante do incumprimento a partir da data de resolução. Ora, em matéria de juros, vigora o princípio dispositivo.
Isto posto, a questão é saber se os juros em que a sentença condenou não estão correctos, porque ao invés deviam ser os referidos na cláusula 6.4.
Na sentença considerou-se: 
“A Ré encontra-se assim obrigada a pagar à Autora a quantia de €2.903,98, correspondente ao valor total das facturas referidas em 5, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável aos créditos de titularidade das empresas comerciais desde o vencimento das correspondentes facturas e até integral pagamento – artigos 559.º, 804.º, 805.º e 806.º do Código Civil, e artigo 5.º, nºs 4 e 5 do DL n.º 62/2013.  
Ora, o artigo 559º do Código Civil estipula que:
1 - Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.
2 - A estipulação de juros a taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais”.
Por sua vez, o artigo 806º nº 2 do mesmo diploma, relativo à obrigação pecuniária, estipula que “Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal”.
Já o artigo 5º do DL n.º 62/2013 regula sobre as transacções comerciais entre empresas e entidades públicas, não sendo, portanto, o caso, e o artigo 4º do mesmo diploma estabelece que “1 - Os juros aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas são os estabelecidos no Código Comercial ou os convencionados entre as partes nos termos legalmente admitidos”.
Em suma, a convenção escrita constante da cláusula 6.4 deve aplicar-se aos juros devidos. Recordando – “Em caso de mora de qualquer quantia devida são devidos pelo Cliente à L… juros de mora à taxa convencionada, correspondente à taxa legal para operações comerciais acrescida de 15% - está fixado por convenção entre as partes que a taxa para juros moratórios sobre qualquer quantia devida é a taxa legal para operações comerciais, acrescida de 15%, o que significa que estes 15% se somam à percentagem legalmente estabelecida.
De acordo com os avisos 1568/2020, 10974/2020, 2239/2021, 13486/2021, as taxas supletivas de juros aplicáveis a transacções como a presente eram de 8%, e de acordo com o aviso 13997/2022 passaram a 7% e de acordo com o aviso 1672/2023 passaram a 10,5% e finalmente de acordo com o aviso 14922/2023 passaram a 12%.
Em qualquer dos casos a soma destas taxas ao acréscimo de 15% convencionado excede o pedido injuntivo, pelo que os juros devidos o são apenas à taxa de 15%, que efectivamente foi pedida.
Procede assim nesta parte o recurso.
Quanto à não pronúncia do tribunal de primeiro grau sobre a presunção de que a Ré quer adquirir os bens e que tem de pagar o respectivo preço, não só a decisão sobre a matéria de facto não vem impugnada no recurso, como o próprio modo como a questão é posta é insusceptível de uma decisão judicial, já que a própria Autora admite que a venda fica condicionada ao pagamento, ou seja, que se está perante uma mera hipótese, e os tribunais não decidem hipóteses. Muito menos se encontra no contrato o poder da locadora de impor a venda ao locatário, poder que, em caso de litígio, o tribunal haveria de validar e tornar actual. Repare-se que a autora, na parte final do requerimento injuntivo, soma o valor da venda ao valor das rendas em atraso e devidas, como que – e por isso o pede no recurso – tivesse pedido a condenação da Ré a pagar-lhe o valor da venda, o que não faz qualquer sentido quando se admite a compra como hipótese.
Por outro lado, é o teor do contrato que nos diz claramente que não há que presumir coisa alguma a partir da não restituição dos bens.
Com efeito, na cláusula 4.5 convencionou-se (os sublinhados que seguem são nossos) “O Cliente não adquire através do presente Contrato, nem terá direito a adquirir, a propriedade dos Bens objeto do Contrato. Na cláusula 4.6 estipulou-se “O Cliente obriga-se a restituir por sua conta e risco os Bens à L…, nos termos da cláusula 9, alínea a) deste Contrato. Na cláusula 4.7. acordou-seCaso o Cliente não restitua os Bens, a L… poderá diligenciar pelo seu levantamento, ficando o Cliente obrigado a reembolsar a L… pelas despesas e custos incorridos com o levantamento e restituição.
Acresce que se encontra a previsão da cláusula 8.4 “A resolução do Contrato constitui o Cliente no dever de restituir imediatamente os bens à L…, nos termos da cláusula 10, alínea a)”, a qual estabelece “(A cessação do contrato, seja por resolução, denúncia ou qualquer outra forma legalmente prevista, determina as seguintes obrigações para o Cliente: a) Restituição, por sua conta e risco, dos bens ou equipamentos à L…, em bom estado de conservação, considerando o normal desgaste de uma prudente utilização, para a morada da sede da L…, ou outra que venha a ser indicada posteriormente por escrito, ficando designadamente responsável por reembolsar a L… pelos custos necessário à reparação dos bens restituídos que se encontrem danificados. A L… enviará ao Cliente orçamento para a reparação dos bens restituídos que se encontrem danificados, tendo o Cliente o prazo de 10 dias para pagar a reparação ou apresentar solução para reparação alternativa. Em caso de omissão de resposta ou pagamento, a L… dará ordem de reparação e emitirá ao Cliente a fatura para o reembolso do custo da reparação constante do orçamento”.
E outrossim a alínea c) desta mesma cláusula 10 prevê: “Caso o Cliente se atrase a restituir os Bens à L… por período superior a 10 dias após a cessação do Contrato, o Cliente pagará uma compensação calculada com base no montante que seria devido a título de alugueres como se o contrato se encontrasse em vigor na proporção do período temporal até à efetiva restituição, e, em caso de mora no pagamento dos alugueres, o Cliente deverá pagar o dobro do valor do aluguer mensal ou o seu proporcional diário”.
Destas cláusulas resulta com clareza que as partes acordaram num mecanismo de ressarcimento à locadora dos prejuízos causados pela não restituição atempada, o que contraria completamente a tese da presunção de aquisição por parte do locatário que não restitua os bens.
Assim, improcede o recurso nesta parte.
*
Em conclusão:
Procede parcialmente a arguição de nulidade da sentença por omissão, improcede a arguição da nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório, improcede o recurso na defesa da proporcionalidade da cláusula 8.3 aos danos a ressarcir e por isso da validade da mesma cláusula, procede o recurso na parte relativa à taxa de juros aplicável à quantia em que a recorrida foi condenada e improcede, finalmente, na parte em que a recorrente pretendia a condenação da recorrida a pagar-lhe o preço residual dos bens locados, por presunção da vontade da recorrida em adquirir.
E em suma, mantém-se a sentença recorrida excepto na parte em que à quantia de €2.903,98 que condenou a ré a pagar fez acrescer “juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável aos créditos de titularidade das empresas comerciais desde a vencimento das correspondentes facturas e até integral pagamento”, que nesta parte se substitui pela condenação da Ré a pagar à Autora juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 15% (quinze por cento) desde a data de vencimento das correspondentes facturas e até integral pagamento.
Tendo ambas as partes decaído, são responsáveis pelas custas do recurso – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC – que se fixam em 1/40 para a recorrida e 39/40 para a recorrente.
*
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento parcial ao recurso e em consequência em manter a sentença recorrida excepto na parte em que à quantia de €2.903,98 que condenou a ré a pagar fez acrescer “juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal aplicável aos créditos de titularidade das empresas comerciais desde a vencimento das correspondentes facturas e até integral pagamento”, que nesta parte se substitui pela condenação da Ré a pagar à Autora juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 15% (quinze por cento) desde a data de vencimento das correspondentes facturas e até integral pagamento. Em tudo o mais, mantém-se a sentença.
Custas do recurso por ambas as partes, fixando-se a percentagem da sua responsabilidade em 39/40 para a recorrente e em 1/40 para a recorrida.
Registe e notifique.

Lisboa, 08 de Fevereiro de 2024
Eduardo Petersen Silva
Maria de Deus Correia
Nuno Gonçalves

Processado por meios informáticos e revisto pelo relator
_______________________________________________________
[1] Beneficia do relatório da sentença recorrida.
[2] http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e221de7e9108cd1880258625002ff70e?OpenDocument

[3] Neste caso, a identificação dos objectos móveis locados é feita por remissão para o contrato, não se conseguindo saber quais concretamente eram.