Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
127735/16.7YIPRT.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: LOCAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CLÁUSULA NULA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2019
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – Seja o contrato de locação clássica ou de locação financeira, é proibida e por isso nula, por força do art. 19/-c do RJCCG, a cláusula contratual que prevê que, no caso de cessação antecipada do contrato, a locadora poderá exigir um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato.
II- Admite-se a hipótese de “o pedido se encontrar na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, como sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente”, o que não é o caso dos autos em relação aos juros para além dos legais, sendo por isso nula (arts. 609/1 e 615/1-e do CPC) a sentença que condenou a ré em juros que excedem os legais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

Grenke Renting, SA, requereu uma injunção contra a APEC – Associação Portuguesa de Escolas de Condução, para que esta fosse notificada para lhe pagar 28.372,21€ [de facturas vencidas e cláusula penal], mais 4659,86€ de juros de mora [não diz a que taxa], com base num contrato de 01/08/2013, referente ao período de 01/08/2013 a 11/06/2014, mais 229,50€ de taxa de justiça.
Alega em síntese que celebrou com a requerida dois contratos – ditos de locação clássica - (094-11973 e 111-6950) em 01/08/2013 e 19/02/2014, respectivamente, através dos quais lhe cedeu o gozo de equipamentos, por si comprados para o efeito, contra o pagamento de 60 alugueres mensais; a requerida deixou de pagar os alugueres; a requerente resolveu os contratos em 11/06/2014 e 04/06/2015, respectivamente, e reclamou o pagamento das facturas vencidas e ainda, em consequência da cessação antecipada do contrato, 10.885,97€ e 15.429,37€ equivalentes a todos os alugueres que eram devidos até ao termo de cada um daqueles contratos, respectivamente. Acrescenta que foi ainda convencionado e aceite que caso a requerida incorresse em mora, seriam devidos juros à taxa legal acrescidos de 8% pelos alugueres em dívida e juros à taxa legal acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em dívida; a requerida não pagou os valores pedidos; diz ainda que face à cessação dos contratos, a requerida perdeu o direito de posse sobre os bens locados e tinha a obrigação de os devolver à requerente, o que não fez pelo que, tem a obrigação de pagar à requerente, conforme contratado, 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal por cada dia adicional de detenção dos bens até efectiva restituição, a liquidar a final no acto da entrega dos bens ou em sede de acção executiva.
A requerida deduziu oposição, pela mão do seu presidente, dizendo que o equipamento dos dois contratos, já tinha sido todo devolvido à requerente e conforme instruções desta; o que fez depois de ter resolvido os contratos (invocou também a prescrição dos créditos, mas na acta da audiência prévia o mandatário da ré considerou-a não arguida).
Face à oposição, o requerimento foi remetido à distribuição e depois convertido em AECOP.
Depois de notificada da oposição, a autora veio dizer que “de facto, e contrariamente ao que por mero lapso indicou, os bens locados pela autora à ré foram por esta devolvidos à autora, assistindo assim razão à ré; deste modo, […], vem a autora prestar desde já este esclarecimento aos autos, requerendo que seja desconsiderado o peticionado no requerimento de injunção no que respeita a devolução dos bens locados, bem como quanto à cobrança de 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal por cada dia adicional de detenção dos bens até efectiva restituição.
Foi depois proferido despacho convidando a autora a, em 10 dias, apresentar nova petição inicial, já considerando a redução do pedido e alegando, além do mais, quer as datas das alegadas interpelações admonitórias à ré e prévias às alegadas resoluções contratuais quer as datas em que os bens lhe foram restituídos pela demandada, mais devendo juntar aos autos os documentos de suporte do pedido por si formulado nestes autos.    Cumprido o convite ora efectuado à autora, a ré poderá pronunciar-se sobre o articulado apresentado nos termos do nº 5 do supra mencionado preceito legal.
A autora apresentou então uma petição inicial aperfeiçoada, em que termina pedindo a condenação da ré a pagar-lhe 33.261,57€, acrescidos dos juros moratórios que se vencerem desde 09/12/2016 e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal; no corpo, desenvolve a petição inicial, mantendo-se o essencial do que consta acima, mas já sem o pedido correspondente à não devolução dos equipamentos; acrescenta que “não é pelo facto de a ré ter devolvido à autora os equipamentos objecto do contrato que deixa de ser responsável pelo pagamento dos alugueres acordados e aceites pela ré até ao fim do contrato; facto que motivou, assim, a resolução do contrato e a cobrança dos valores dos alugueres vencidos e vincendos, bem como os juros às taxas legais e contratadas, conforme previsto nas condições gerais.
Depois, a ré, dando-se por notificada “da petição inicial aperfeiçoada”, e já com advogado constituído, pronunciou-se nos seguintes termos, agora muito em síntese:
Para além de ter impugnado parte dos factos alegados pela autora, ainda diz que: resolveu os contratos por cartas de 20/02/2014 (por alteração das circunstâncias) e de 04/03/2015 (por mau funcionamento do equipamento), respectivamente; a tal resolução, a autora nada disse no sentido de se opor; em conformidade, a ré procedeu à efectiva devolução dos equipamentos, em 19/06/2014 e 10/03/2015, respectivamente, segundo as instruções da autora no primeiro caso e tendo-os a autora aceitado no segundo caso; assim, resolvidos os contratos, não pode a autora vir resolver o que resolvido estava, nem cobrar pretensos alugueres em atraso até à data em que a autora pretendeu resolver os contratos que já se encontravam resolvidos, e, muito menos, pretender cobrar alugueres até ao final desses mesmos contratos; em qualquer caso, a pretensão de pagamento dos alugueres vincendas até ao final dos contratos, como cláusula penal contratualmente fixada, é ilegal, pois ilegal é a cláusula que fixa essa penalização, conforme disposições conjugadas dos artigos 20 e 19-c do DL 466/85, de 25/10; com efeito, é grosseiramente desproporcionado ter direito a receber os equipamentos e, ao mesmo tempo, pretender obrigar-se o consumidor a ter de pagar tudo como se tivesse a fazer uso dos equipamentos - para isso não faria qualquer sentido a devolução.
No dia anterior à data designada para a audiência prévia, foi a mesma dada sem efeito para que a autora se pronunciasse por escrito quanto à matéria de excepção deduzida pela ré.
A autora veio então dizer, sempre muito em síntese, que:
Eram irrelevantes as razões invocadas pela ré para a resolução dos contratos; os contratos celebrados pela autora com a ré são contratos de locação clássica (não de locação financeira) que nada têm a ver com a alteração de circunstância dos contratos celebrados com a ré com terceiros ou com o mau funcionamento dos equipamentos locados; a cláusula 16 dos contratos cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir; como suporte do que diz, refere os acs do TRL de 15/12/2011, proc. 680/10.9YXLSB.L1-6, e de 11/09/2012, proc. 2635/09.7TJLSB.L1-1.
Foi realizada a audiência final e depois foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora as quantias parciais de 11.768,91€ e de 15.301,79€ quanto a cada um dos contratos, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, acrescidos de 8% e até integral pagamento, a contar desde 01/03/2014 (quanto ao primeiro montante) e desde 01/04/2015 (quanto ao segundo montante).
A ré recorre desta sentença, terminando as suas alegações com conclusões em que (i) põe parcialmente em causa a decisão da matéria de facto; (ii) entende que a autora não tem direito aos alugueres vencidos e aos valores pedidos em consequência da resolução do contrato; e (iii) argui a nulidade da sentença por condenação em mais juros do que os que foram pedidos.
A autora contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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Questões que importa decidir: se a decisão da matéria de facto deve ser alterada; se a autora tem direito aos alugueres vencidos e aos valores pedidos pela resolução contratual; se se verifica a nulidade da sentença quanto à decisão dos juros em que a ré foi condenada.
*
São os seguintes os factos dados como provados e que interessam à decisão destas questões:
1. A autora dedica-se à actividade de aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens com o propósito de os alugar e ao aluguer dos mesmos.
2. Por acordo reduzido a escrito e constante de fls. 44 a 46 dos autos [acordo 2], datado de 01/08/2013 e assinado pela autora e pela legal representante da ré, a autora acordou em dar de aluguer à ré, pelo período de 60 meses, um equipamento multifunções Mx-231OU, contra o pagamento de um aluguer mensal de 180,62€, acrescido de IVA, sendo o valor mensal a pagar pela ré a título de aluguer, o de 222,16€ e o fornecedor do mesmo equipamento a Multimac – Máquinas e Esquipamentos de Escritório, SA.
19. Por acordo reduzido a escrito e constante de fls. 55 verso e segs dos autos [acordo 19], datado de 19/02/2014 e assinado pela autora e pelo legal representante da ré, a autora acordou em dar de aluguer à ré, pelo período de 60 meses, equipamentos 2551 Kyocera Mita, contra o pagamento de um aluguer mensal de 342,87€ com IVA incluído, sendo o fornecedor do mesmo equipamento a White Portugal Business Solutions, Lda.
3 e 20 - Os acordos 2 e 19 encontravam-se, antes da sua assinatura pelas partes, pré-redigidos e impressos, com as menções referentes ao nº do contrato, à identificação do bem, nº de rendas, valor das rendas e identificação do fornecedor em branco, de modo a poderem ser preenchidas aquando da outorga de cada contrato.
4 e 21 - Do teor dos acordos 2 e 19 constava ainda em branco e sem menção a qualquer cláusula cujo teor tivesse sido proposto pela ré, o seguinte: “Nós /nós propomos a seguinte cláusula, não prevista no presente contrato: ”.
5 a 12 e 22 a 29. Das condições gerais dos acordos 2 e 19 constam, entre outras, as seguintes cláusulas:
Cláusula 1 - Bem e obrigação de amortização total do locatário, devolução do bem locado:
1. O bem locado é adquirido pelo locador no interesse do locatário, após indicação prévia do locatário do bem a ser locado e da identidade do fornecedor do bem. Após ter adquirido o bem, o locador entregará o bem ao locatário, sujeito ao contrato de locação incluindo estas condições gerais de locação, a confirmação de aceitação e os termos e condições gerais relativos ao seguro de propriedade.
2. O locatário tem a obrigação de amortização total dos custos do locador incorridos em conexão com a aquisição do bem locado e com a execução do contrato, bem como do lucro estimado. Após cessação do contrato de locação, o locatário deverá entregar o bem locado ao locador. “
Cl.ª 4 - Rescisão pelo Locador
1. O locador poderá rescindir este contrato e/ou um acordo relativo à substituição do bem locado (confrontar secção 2) se, devido a uma circunstância não imputável ao locador, o bem locado não seja entregue pelo fornecedor ou não possa ser entregue definitivamente. O locador deverá informar o locatário imediatamente sobre a não disponibilidade do bem escolhido e reembolsar quaisquer pagamentos já efectuados pelo locatário.
Cláusula 6ª - Obrigação de aceitar o bem
1. O locatário aceita assinar a confirmação de aceitação, confirmando a aceitação, inspecção e as perfeitas condições do bem locado imediatamente após receber o bem locado, assegurando que este funciona e não tem defeitos e que verificou que o estado do bem se encontra em conformidade com o contrato.
2. O locatário deverá inspeccionar o bem locado com cuidado razoável antes de assinar a confirmação de aceitação. O locador dá instruções expressas ao locatário de que a confirmação de aceitação não poderá conter quaisquer afirmações incorrectas e acorda que tal corresponde à aceitação do estado do bem, uma vez que o locador paga o preço de compra ao fornecedor baseado na confirmação de aceitação pelo locatário. O locatário não poderá invocar violação contratual pelo locador por qualquer defeito existente no bem locado, dado que o bem locado foi escolhido e inspeccionado apenas pelo locatário.
Cláusula 7ª –
[…]
6. O locatário apenas terá o direito de recusar o pagamento total ou parcial dos alugueres, em caso de defeitos no bem locado, cuja reclamação ao fornecedor seja efectuada dentro do prazo de garantia do bem locado apenas se o mesmo intentar acção contra o fornecedor requerendo a resolução do contrato de compra e venda, a redução do preço de compra ou danos sofridos pela não reparação, ou se o fornecedor reconhecer os defeitos e aceitar por escrito proceder à restituição do preço ou à sua redução. Caso o contrato de compra e venda seja resolvido ou revogado, o contrato de locação também o deverá ser.
Cláusula 14ª –
1. Caso o locatário esteja em mora com o pagamento de quaisquer montantes devidos de acordo com o contrato, serão devidos juros à taxa legal para operações comerciais acrescidos de 8% pelos alugueres em dívida e juros à taxa legal para operações comerciais acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em dívida (taxa de serviço, prémio de seguros, despesas administrativas).
2. No caso de cessação pelo locador, a Secção 16 será aplicável. O locador terá o direito de fazer cessar o contrato de locação sem aviso prévio caso o locatário esteja em mora com o pagamento dos alugueres.
3. O locatário poderá evitar a cessação do contrato através do pagamento dos alugueres em mora, acrescidos de uma penalização de 50% do valor dos alugueres em mora.
Cláusula 16ª - Consequências da cessação prematura extraordinária
1. Tendo em consideração que o locador adquiriu o bem locado para benefício do locatário e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes, nomeadamente com o investimento patrimonial perdido pelo locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objecto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato, entre outros, caso o locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o locatário cesse o contrato de acordo com a secção 12, o locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato. A compensação com a poupança de custos ou a obtenção de benefícios relacionados com a cessação antecipada – incluindo indemnizações pagas pelo seguro e outras indemnizações, se existirem (…) recebidas pelo locatário estarão sujeitas às disposições legais. Os direitos do locador tornam-se exigíveis com a recepção da notificação de cessação. O locatário deverá ser considerado em incumprimento caso não realize o pagamento devido nos 30 dias subsequentes à recepção da notificação da cessação e dos danos enumerados.
2. Mais o locatário perderá o seu direito de posse. O locatário tem a obrigação de devolver o bem locado ao locador por sua conta e risco […].
3 – Excepto nos caos de cessação prematura do contrato de acordo com a secção 12 [as condições gerais utilizam a expressão secção para se referirem àquilo que a sentença recorrida e as partes chamaram de cláusulas; a secção 12 tem a epígrafe de ‘perda total, furto, outros eventos danosos ou perda na acepção da secção 11/1 – parenteses deste TRL], o bem locado deverá encontrar-se em boas condições de funcionamento aquando da devolução, correspondentes à sua condição na entrega, tendo em consideração o desgaste e uso causados pela utilização prudente. Caso o bem locado não esteja nas referidas condições, o locador terá o direito de reparar o bem locado por forma a colocá-lo em boas condições de funcionamento de acordo com o contrato às custas do locatário. Tal não será aplicável caso os custos de reparação excedam o valor reduzido atribuível ao bem locado se [es]tivesse em boas condições.
4. Caso o locatário não tenha devolvido o bem locado violando as suas obrigações de acordo com o nº 2, apesar da solicitação do locador, deverá pagar, a partir da data prevista para o termo inicial da locação (se o contrato tivesse sido cumprido), 1/30 do dobro do valor de cada aluguer mensal por cada dia adicional de detenção do bem até efectiva restituição.
Cláusula 18ª
[…]
3. Este contrato não assegurará ao locatário o direito de adquirir a propriedade do bem locado.
Cláusula 22ª - Recepção do bem locado
1. Nós /nós recebemos o bem locado identificado na data supra na data de aceitação.
13 e 30 - A ré, através do seu legal representante apôs, com data de 01/08/2013, a sua assinatura e respectivo carimbo no acordo referido em 2 [e fez o mesmo no acordo 19 com data de 19/02/2014] após as seguintes menções: “Proposta do(s) Locatário(s) / Declarações: Eu/Nós aceitamos as condições constantes supra e as condições gerais de locação anexas, bem como os termos constantes do contrato de compra e venda do bem locado celebrado entre o locador e o fornecedor relativamente às regras relativas a defeitos no bem locado (confrontar secção 7, nº 1 e 2) e às condições de garantia do bem locado (confrontar secção 7, nº 3). Eu/Nós declaramos que eu/nós lemos as condições constantes supra e as condições gerais de locação anexas, que eu/nós fomos informados das condições gerais pelo que se rege este contrato e que as minhas/nossas questões foram adequadamente respondidas pelo Locador.”  
14 e 31 - A ré apôs o seu carimbo nos acordos referidos em 2 e 19 e na proposta respectiva apresentada à autora, após a seguinte menção pré-impressa: “Confirmação de aceitação. Data de aceitação nos termos da Secção 6 e 22 das Condições Gerais de Locação Data: 01/08/2013 [19/02/2014 no acordo 19]”, tendo ainda o legal representante da ré assinado a última página das condições gerais do mesmo acordo.
15 - O legal representante da ré assinou, em data não concretamente apurada, mas contemporânea com a assinatura do acordo 2 uma autorização de débito directo SEPA, autorizando a autora a enviar instruções ao seu banco para debitar a sua conta e a este a debitá-la, de acordo com as instruções da autora, indicando em tal autorização o respectivo IBAN.
16-17 - Com data de emissão e de vencimento em 31/07/2013 a Multimac emitiu em nome da autora a factura nº FTR D13/1296, referente ao fornecimento, à mesma, do copiador digital cor Sharp, dispositivo de impressão, consola, três módulos de fax e demais equipamentos dela constante, com o valor de 11.108,13€, com IVA incluído, que a autora pagou, pagando-lhe também uma comissão no valor de 30,75€.
18 - A autora não teve, antes da assinatura do acordo 2, qualquer contacto com a ré, tendo sido a Multimac que entregou à ré, interessada na outorga do aluguer em causa nos autos, a proposta de acordo 2 e que a enviou à autora, que a aceitou.
32-33 - Com data de emissão e de vencimento em 19/02/2014 a White Portugal, emitiu em nome da autora a factura nº 18219, referente ao fornecimento, à mesma, do equipamento aí identificado, com o valor de 16.097,44€, com IVA incluído, que a autora pagou, pagando-lhe também uma comissão no valor de 674,64€, com I.V.A. incluído.
34 - A autora não teve, antes da assinatura do acordo 19, qualquer contacto com a ré, tendo sido a White Portugal que entregou à ré, interessada na outorga do aluguer em causa nos autos, a proposta de acordo 19 e que a enviou à autora, que a aceitou.
35 - Por carta datada de 20/02/2014, remetida pela ré à autora, que a recebeu, a ré comunicou-lhe o seguinte, sob o “Assunto: 1. Contrato de locação financeira nº 09411973 equipamento mx 231 e 2. Contrato de locação financeira nº 09411434 equipamento mx 5112N”:
“[…] Vimos por este meio solicitar a Vossa melhor atenção para o seguinte assunto: Através da empresa Multimac, em 30/04/2013 e 01/08/2013 celebramos 2 contratos relativos à aquisição de máquinas fotocopiadoras. Os contratos encontram-se acima identificados. Acontece que devido às alterações das condições do mercado, com reflexos negativos nas empresas portuguesas, nomeadamente na APEC, resultantes da profunda crise que atravessamos, a APEC teve que procurar negociar com a Multimac no sentido de reduzir os muito elevados custos que vinha a suportar com esta empresa. Reunimos com a Multimac, apresentamos os factos e pedimos uma renegociação dos custos associados, de acordo com o que se pratica no mercado, tendo a Multimac recu-sado qualquer ajuste ou redução nos preços praticados à APEC. De facto, a Multimac estava a desenvolver uma operação com a APEC, que obrigava a APEC a suportar: a) Nos custos de cópia a preto e branco um valor de 0,0072€, 0,0079€ e 0,0148€. b) A White propôs-nos um valor de € 0,0042 para cópia similar a preto e branco, idêntico para todas as máquinas; c) Nos custos de cópia a cores um valor de 0,062€, 0,059€ e 0,053€ enquanto a White propôs-nos um custo de 0,029€ para cópia a cores em todas as máquinas. Estes valores representam largas centenas de euros de poupança mensal. Na análise das facturas de apenas um mês, concluímos que conseguimos poupar mais de 54% dos custos quando comparada a Multimac com a White. De facto, no mercado encontrámos empresas que ofereciam serviços semelhantes e melhores a custos muito mais baixos, pelo que, para assegurar a manutenção da actividade foi necessário recorrermos aos serviços de outra empresa. Assim, encontrámos a empresa White. Falámos com eles, e a operação que nos propuseram permite-nos economizar um valor significativo face aos custos que estávamos a ter com a Multimac. No entanto, sugerimos a condição de que a locação financeira deveria ser feita com a Grenke, empresa que nos merece o melhor respeito e que tem a titularidade dos contratos celebrados via Mutimac. No âmbito da rescisão dos contratos celebrados via Multimac, solicitamos que nos indiquem a morada da entrega das máquinas, que já se encontram descativadas desde o dia 18/02/2014, sendo os custos de transporte e entrega suportados pela APEC. A APEC vem, nos termos do art. 437 do Código Civil rescindir os 2 contratos de locação financeira nº 09411973 e nº 09411434 celebrados com a Grenke, em virtude de já não usar os equipamentos objecto dos dois contratos, e informamos também que, pela via da empresa White, celebrámos 3 novos contratos com a Grenke, os quais se deverão manter até ao final dos mesmos. Agradecemos a melhor compreensão para este assunto e ficamos a aguardar a indicação da morada de entrega, bem como os documentos para a o cancelamento do contrato. […]”
37 - Por e-mail datado de 26/02/2014 e dirigido ao endereço de correio electrónico da ré, a autora, por intermédio de BP, comunicou à ré o seguinte:
“Boa tarde Exmo. Sr. AC. Antes de mais permita-nos agradecer a vossa carta datada de 20/02/2014 (em anexo) e ter-nos dado conta da vossa insatisfação, assim como a oportunidade concedida para o esclarecimento. Como certamente é do seu conhecimento, a Grenke é uma empresa financeira, totalmente autónoma e que apenas concretizou um contrato de locação/aluguer de bens móveis, sendo que os bens alugados, assim como a empresa fornecedora e as condições de renting (prazo, método pagamento, periodicidade, facturação, etc.) foram escolhidos exclusivamente pela sua empresa. Ou seja, a Grenke disponibilizou-se para adquirir os equipamentos por vós pretendidos e exclusivamente para vosso usufruto, pelo que é imprescindível o respeito e cumprimento dos contratos. Assim, face a situação por vós apresentada, a Grenke oferece 2 soluções:
- Rescisão antecipada do contrato – isto é, o cliente termina o contrato antes da data de término efectuando o pagamento total das rendas vincendas O valor do cálculo da rescisão antecipada à presente data, tendo em consideração que a factura referente ao mês de Março já foi emitida e será debitada na data de 01/03/2014 respeita: - Contrato 094-11434: 14.003,79€ + IVA - Contrato 094-11973: 9266,18€ + IVA
- Cessão posição contratual – isto é, como a própria designação indica, o cliente transfere a sua posição contratual para outra entidade de seu interesse (direitos, responsabilidades, etc.), sendo o processo a uma prévia análise.
Caso optem pela rescisão, agradecemos que nos remetam o comprovativo de pagamento com indicação do nº do contrato para que nos seja permitido agir em conformidade. Agrademos que nos informe qual das soluções pretende realizar. Na esperança de ter correspondido às vossas expectativas estaremos a vossa inteira disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais. […]”
36, 38, 39, 40 e 41: Nas seguintes datas, a autora emitiu em nome da ré e remeteu à mesma (que a recebeu) as seguintes facturas/recibos, referentes ao acordo 2 e aos alugueres para os seguintes períodos ou aos custos de aviso, nos seguintes valores, sendo feito constar de tais documentos que os mesmos valeriam como recibo após boa cobrança. 

Datafactura/recibo nºPeríodo de ou custos de avisovalor
15/02/20140000045621/201401/03/2014 a 31/03/2014222,16€
15/03/20140000058865/201401/04/2014 a 30/04/2014222,16€
10/04/20140000073472/2014 12,30€
15/04/20140000077371/2014de 01/05/2014 a 31/05/2014222,16€
15/05/20140000087822/201401/06/2014 a 30/06/2014222,16€

42. A ré não pagou à autora os valores referidos em 36, 38, 39, 40 e 41.
43. A ré restituiu à autora, em 19/06/2014, o equipamento objecto do acordo 2.
44. Por carta datada de 04/03/2015, dirigida à autora e que esta recebeu, a ré comunicou àquela o seguinte, relativamente ao acordo 19:
“[…] Vimos por este meio solicitar a vossa melhor atenção para o seguinte assunto:
          Através da White, em 22/02/2014 celebramos 1 contrato nº 111-6950 com a Grenke relativa aos equipamentos à margem identificados. A APEC vem, nos termos dos artigos 432 a 439 do Código Civil, rescindir o contrato nº 1116950, nos termos seguintes: 1 – Quando a APEC celebrou os referidos contratos, foi com a intenção de reduzir custos, os quais foram reduzidos em cerca de 67%. No entanto, a razão e o motivo de agora vir a rescindir os contratos, ter que ver com a manifesta insatisfação relativa aos 3 equipamentos, tanto na sua capacidade de fazer cópias, como qualidade das mesmas e sobretudo pelos problemas criados com os atrasos nas entregas de tonners, os quais, por mão chegarem em prazos razoáveis, bloquearam o normal funcionamento da APEC. Acresce ainda a insatisfação relativa à gestão dos depósitos de resíduos dos tonners, que muitas vezes foram tirados de uma máquina para serem utilizados noutra máquina e tiveram que ser despejados algumas vezes no lixo, com os riscos associados. 2 – Outro motivo de insatisfação, tem a ver com a quantidade de vezes que ao longo dos dias, as máquinas encravavam o papel, levando a que se tivesse que interromper os trabalhos de impressão em curso e originando fotocópias estragadas, as quais continuavam a ser contabilizadas para efeitos de custos no âmbito dos contratos, mas para a APEC representavam prejuízos de papel, de tempo e desmotivação, e de cópias gastas inutilmente. Nestes termos, a APEC por tal insatisfação continuada, e várias vezes demonstrada à White, sentiu a necessidade de procurar outras soluções no mercado. Por isso, se rescinde o referido contrato nº 111-6950, por força dos artigos 432 a 439 do C.C. Nesta data também já informámos a White da rescisão dos contratos. As máquinas já não estão ao serviço desde o dia 27/02/2015, e encontram-se prontas para entrega. Por isso, a APEC fará a entrega das 3 máquinas, na morada da Grenke Renting SA, na Avenida D. João II, 1.1703, 1998-026-Lisboa, até ao próximo dia 11/04/2015, nesta morada. […].”
45. A ré restituiu à autora, em 10/03/2015, os equipamentos a que se refere o acordo 19.
46. Com data de 15/03/2015 a autora emitiu em nome da ré e remeteu à mesma a factura nº FT2015/0000033219, no valor de 1028,62€ (com IVA incluído), referente ao acordo 19 e ao período do aluguer trimestral de 01/04/2015 a 30/06/2015, de tal factura fazendo constar valer como recibo após boa cobrança.
47. Em 24/03/2015 a autora dirigiu à ré - que a recebeu -, para a sede da mesma, carta com o seguinte teor, em resposta à aludida em 44: “Assunto: Resposta à v/ carta datada de 04/03/2015
[…] Nos termos do contrato de locação celebrado entre a Grenke Renting, SA, e a APEC, a obrigação da Grenke enquanto locadora do bem em causa é, no que respeita a eventuais defeitos do bem, a de transferir para a entidade locatária todos os direitos relativos a defeitos no bem locado que tenha obtido em virtude da compra do bem locado, bem como transferir todos os direitos referentes a garantias. A Grenke cumpriu escrupulosamente esta sua obrigação, tendo transferido para a Locatária todos os referidos direitos, pelo que é direito da Locatária fazer valer tais direitos junto da entidade que assegura a manutenção e que confere garantia ao equipamento. À Grenke não compete, nos termos do contrato, proceder à reparação ou manutenção do equipamento. O funcionamento/adequação de tais serviços são completamente alheios ao contrato de locação e à actividade desenvolvida pela Grenke Renting, SA, pelo que jamais será legítimo que deixem de cumprir o contrato de locação com base em eventual falha ou desadequação de serviço. As rendas são devidas e devem ser pagas nos termos previstos no contrato. […].”
48 - Com data de 10/04/2015 a autora emitiu em nome da ré e remeteu à mesma a factura nº FT2015/0000046505, no valor de 12,30€ (com IVA incluído), referente a custos do aviso, relativo ao acordo 19.
49 - Por carta datada de 10/04/2015 dirigida à ré e por esta recebida, a autora comunicou à mesma, no que ora releva, encontrar-se a mesma em dívida com o valor de 1040,92€ no que se referia ao acordo 19 e que esperava que a mesma liquidasse tal montante em atraso até ao dia 20/04/2015, por cheque ou transferência bancária para a sua conta bancária com o NIB 004300010321342870119, do Deutsche Banck (Portugal), SA, e que se a mesma não liquidasse a quantia indicada até àquela data iria entregar o exercício dos seus direitos a uma empresa especializada em serviços de recuperação de crédito, o que acarretaria mais despesas para a ré.
50 - Por carta datada de 20/04/2015 dirigida à ré e por esta recebida, a Logicomer-Gestão e Recuperação de Créditos, SA, comunicou à ré, além do mais, que fora incumbida pela autora de proceder à recuperação do crédito daquela sobre a demandada e que o valor que se encontrava em dívida era de 1155,93€, pela mesma discriminado e que o deveria liquidar impreterivelmente até ao dia 30/04/2015, através de cheque a enviar para a remetente, por depósito ou transferência bancária para a conta titulada pela autora, referida em 49.
51 – Nessa carta a Logicomer comunicou ainda à ré que se o pagamento não fosse efectuado até àquela data a autora iria resolver o contrato de locação sem qualquer aviso prévio e que tal determinaria a obrigação da demandada de restituir os bens locados e indemnizar a demandante através do pagamento dos alugueres em dívida, vencidos e vincendos até ao final do contrato, valor acrescido de juros de mora às taxas devidas, além de eventuais outras despesas, judiciais e extrajudiciais a que o incumprimento desse azo.
52. Por carta datada de 11/05/2015 dirigida à ré e por esta recebida, a autora comunicou à mesma, no que ora releva, encontrar-se a mesma em dívida do valor de 1170,98€ no que se referia ao acordo 19 e que esperava que a mesma liquidasse tal montante em atraso até ao dia 21/05/2015, indicando os seus dados bancários e que se a mesma não liquidasse a quantia indicada até àquela data iria resolver o contrato e exigir a devolução dos bens locados e o pagamento do saldo total resultante do incumprimento definitivo à mesma imputável, incluindo os alugueres não pagos, vencidos e vincendos, os juros de mora, despesas e indemnização legal e que anexava a respectiva conta corrente.
53. A autora adquiriu os equipamentos em causa nos acordos 2 e 19 para sua entrega à ré, nos termos do mesmo acordo, o que faz com todos os equipamentos relativos a acordos similares por si outorgados com outros clientes.
54. A autora não volta, por política da empresa, a dar os bens locados em locação, após a sua restituição.
55. Antes da carta referida em 44 a ré nunca comunicou à autora qualquer problema com o equipamento objecto do acordo 19.
56. Após a restituição, pela ré à autora, dos bens em causa nos autos, a autora vendeu a Carlos Manuel Martins Santos Unip, Lda, Assisminho, pelo preço de 645,75€ e de 522,75€, com IVA incluído, duas das fotocopiadoras a que se refere o acordo 19, tendo os demais equipamentos [do acordo 19] ido para abate. Relativamente aos equipamentos do acordo 2, os mesmos continuam a ser propriedade da autora.
57. A partir de, pelo menos, 2010, verificou-se uma situação de crise económico-financeira no país. 
*
Da alteração da decisão da matéria de facto
Na conclusão 5 do recurso a ré entende que:
Para uma melhor compreensão global do que ora se pretende ver analisado, um vez que a referida cláusula 16/3, está omitida, como se o seu teor não fosse relevante, dos factos provados sob os pontos 10 e 27, deverá aditar-se à redacção destes pontos, o teor da dita cláusula […]
A autora não diz nada contra isto nas suas contra-alegações.
Decidindo:
Visto que a cláusula em causa consta do contrato e que o teor do mesmo foi invocado por ambas as partes, não tendo sido impugnado por nenhuma delas; e que, por outro lado, para a argumentação da ré importa a consideração dela, a mesma deve ser aditada [já foi colocada acima, no local próprio.]
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No facto provado sob 56 diz-se:
Após a restituição, pela ré à autora, dos bens em causa nos autos, a autora vendeu a Carlos Manuel Martins Santos Unip, Lda, Assisminho, pelo preço de 645,75€ e de 522,75€, com IVA incluído, duas das fotocopiadoras a que se refere o acordo 19, tendo os demais equipamentos ido para abate.
A motivação desta decisão consta do seguinte:
No que se refere aos factos 53 a 56: no teor do depoimento da testemunha CS, pelas razões indicadas supra e ainda no teor dos documentos de fls. 113 e 114 dos autos […].
A ré entende, na conclusão 13, que aos factos provados [mais precisamente, sob 56, tal como a ré concretiza no corpo das alegações] deverá ser acrescentado o seguinte:
“com excepção de todos os equipamentos relativos ao contrato 094-11973, os quais continuam a ser propriedade da autora”.
E a ré diz, na conclusão 12, que este facto está provado “de acordo com a informação prestada pela autora nos autos (requerimento de 23/01/2019), [de que] os bens relativos ao contrato 094-11973 permanecem propriedade da locador […]”.
A autora não contra-alega nada quanto a isto.
Decidindo:
No seu requerimento de 23/01/2019, a autora diz:
“[…] notificada para juntar aos autos os documentos e/ou elementos requeridos pela ré, vem juntar as facturas de venda, à empresa Assisminho, de dois dos três equipamentos objecto do contrato de locação n.º 111-6950.
O outro equipamento do contrato de locação n.º 111-6950 foi enviado para abate.
Relativamente aos equipamentos objecto do contrato de locação n.º 094-11973, os mesmos continuam a ser propriedade da autora.”
Ora, tendo em conta que a fundamentação do facto 56 se baseia no documento em causa, como resulta do seu teor, em confronto com o facto, embora nela também se refira um depoimento de uma testemunha do qual não se diz que tenha posto em causa o documento, que é aproveitado, considera-se que, realmente, está provado aquilo que a ré quer que seja acrescentado, o que teria relevo nem que seja para apreciação da questão que ela coloca a propósito, como se verá.
Assim, ao ponto 56 será acrescentado aquela frase (já foi colocada acima, no local próprio).
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Do recurso sobre matéria de direito
A sentença recorrida deu procedência ao pedido da autora, com base na seguinte fundamentação, em síntese feita por este TRL, e repartida tendo em conta a argumentação da ré contra ela:
I
Da resolução dos contratos
Sobre esta questão diz a sentença, em síntese:
Os contratos dos autos reconduzem-se a contratos de locação pura de bens móveis, tipo de contrato previsto e regulado nos artigos 1022 e seguintes do Código Civil, com a única especialidade a residir no facto de não ser o locador (a autora) que tinha de proceder à entrega à ré dos bens locados, antes sendo a pessoa obrigada a tal entrega o fornecedor dos bens, com quem a demandada contactou, tendo sido esta que lhe facultou os termos do acordo pré-impresso da autora com vista à outorga dos contratos, entidades a quem a autora adquiriu os bens para os dar em locação à ré. Contratos que constituem contratos de adesão, por força da sua pré-elaboração e pré-impressão, pela autora, de modo a poder, a sua minuta, ser utilizada por uma multiplicidade de interessados que queiram com a mesma outorgar.
No que se refere à resolução efectuada pela ré quanto ao contrato 2, os factos alegados não se reconduzem à previsão do art. 437 do CC e a autora não aceitou a resolução (ver pontos 35 e 37). A alegada crise económico-financeira que o país atravessou não pode, sem mais, permitir a resolução contratual (no sentido referido, veja-se o ac. do STJ de 10/01/2013, referido em Código Civil Anotado, Abílio Neto, Ediforum, 20.ª edição, em anotação ao preceito em causa) sendo que, de qualquer modo, a ré nem provou os factos por si alegados quanto ao respectivo circunstancialismo, questão que, por outro lado, é alheia ao contrato 2, não podendo, por isso, reconduzir-se tais factos à previsão do art. 437 do CC.
Quanto ao contrato 19, a ré não fez qualquer tentativa de prova dos factos alegadamente constitutivos do seu direito de resolução contratual sendo que, de qualquer modo, a haver um qualquer problema de funcionamento da máquina ou máquinas locadas, teria de agir em conformidade com o teor da cláusula 7ª.6 dos contratos sob apreciação, o que nem alegou ter feito nem provou.
Assim, as resoluções contratuais dos contratos, efectuada pela ré, são ilícitas, por não verificação dos respectivos pressupostos.
Apesar das várias teses que existem sobre a questão (que a sentença discrimina, com referência aos vários autores que as defendem), o tribunal entende que a resolução contratual ilícita traduz, em regra, o incumprimento contratual da parte que da mesma lança mão, facultando, por isso, ao credor ou contraparte, o direito de reagir contra tal incumprimento, usando os meios para o efeito pela lei previstos, com dispensa de efectuar qualquer interpelação admonitória – art. 808 do CC.
Assim, as comunicações efectuadas pela ré através das cartas de 20/02/2014 e de 04/03/2015, acompanhadas da restituição dos bens à autora em 19/06/2014 e em 10/03/2015, traduziram-se no incumprimento, pela ré, dos contratos e na sua declaração clara de que os não ia cumprir no futuro, como não cumpriu, pelo que a autora tinha o direito de - para além de querer os alugueres em atraso, vencidas até então, com juros de mora -, de resolver os contratos, como o fez, e de obter da ré o valor das cláusulas penais.
Contra isto diz a ré:
10. […A]s resoluções contratuais comunicadas à autora por cartas da ré de 20/02/2014 (para o 1.º contrato) e de 10/03/2015 (para o 2.º contrato) produziram o efeito de extinção justificada do contrato, porquanto, no imediato mais próximo, a autora aceitou essas resoluções, tendo aceite receber, sem quaisquer restrições, os equipamentos objecto das locações – devoluções em cumprimento do disposto no art. 432/2 do CC.
11. As posteriores resoluções contratuais por parte da autora deverão ser entendidas como inócuas porquanto, à luz da boa-fé na execução dos contratos (arts 334 e 762/2 do CC) tal actuação representa um manifesto e inaceitável venire contra factum proprium, violando a confiança da ré de que, perante a aceitação pacífica das devoluções dos bens, as resoluções haviam sido pelo menos tacitamente aceites.
Decidindo:
Note-se que a ré não põe em causa que não provou os fundamentos que tinha invocado para a resolução dos contratos. O que ela implicitamente diz é que houve uma revogação tácita dos contratos pelas duas partes (art. 406/2 do CC).
Por isso não vale a pena discutir a conclusão a que a sentença chegou de que não se verificavam os fundamentos invocados pela ré para a resolução dos contratos.
O que interessa é saber se se pode aceitar que se verificou a revogação tácita dos contratos.
Tem-se vindo a admitir que a entrega dos bens locados com a sua aceitação pelo locador, em dadas condições, consubstancia uma revogação tácita do contrato (arts. 406/1 e 217/2 do CC).
Num caso paralelo, o do arrendamento urbano, é conhecida a figura da revogação tácita, implícita ou real do contrato, resultante de o inquilino ir ter com o senhorio, já com o locado vazio, e dizer-lhe que não quer mais ficar no locado e entregar-lhe as chaves, aceitando-as o senhorio. Ou encontrarem-se os dois no locado, com o inquilino a entregar as chaves ao senhorio, que as aceita, saindo o inquilino logo nesse momento com as suas coisas (arts. 217, 406/1 e 1082, todos do CC, e Aragão Seia, Arrendamento urbano, Almedina, 1995, págs. 271 e 272, lembrando em nota a posição de Henrique Mesquita, RLJ ano 125, pág. 96, e Pinto Furtado, Manual do arrendamento urbano, 2011, 5ª edição, Almedina, págs. 860/861).
Mas, no caso, tal como sugerido pela sentença recorrida quanto a um dos contratos, os pontos de facto 37 e 47 desmentem que a autora/locadora tenha aceitado a devolução dos bens a título de revogação dos contratos; pelo que não há factos que permitam concluir que a autora tenha aceitado a proposta de revogação dos contratos feita pela ré (os factos que constam dos pontos 35 e 44 podem ser vistos como tal).
Não tendo os contratos sido revogados, tem de se dar razão à sentença quando diz que a falta de pagamento, posterior, pela ré, dos alugueres entretanto vencidos, representa um incumprimento do contrato que, junto com outros factos provados, dava à autora o direito de os resolver, e de querer o pagamento daqueles alugueres, bem como da cláusula penal convencionada, o que não se desenvolve porque, como já se disse, a ré apenas vem defender que já tinha havido revogação dos contratos, não pondo em causa nada do resto.
II
Da desproporcionalidade da cláusula penal
A sentença diz o seguinte quanto a isto:
Os contratos de locação dos autos não constituem contratos de locação normal, em que o locador é proprietário do bem locado e o dá em locação a terceiro, contra o pagamento de uma renda. Da especialidade que acima [aquando da questão da resolução - TRL] se referiu decorre que em caso de incumprimento do contrato pelo locatário, a locadora sofre o prejuízo decorrente da aquisição dos bens, para o que teve de fazer um esforço financeiro, para os locar à ré, e da não percepção dos alugueres acordados, pelo que é manifesta a validade da cláusula penal prevista em 16, por não ser desproporcional aos danos a ressarcir, que são aqueles que o locador não teria tido se o contrato não tivesse sido celebrado: ver artigos 432 a 436 (em particular o 433), 285 e seguintes e 798, 799 e 809 a 812 do CC, e António Pinto Monteiro, O duplo controle de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão – Diálogos com a jurisprudência, conferência proferida no STJ em 18/05/2017 e os acórdãos do STJ de 16/03/2017 e de 28/03/2017, citados nesse artigo. É que a desproporcionalidade se tem de aferir em função do momento em que a mesma é estipulada e acordada entre as partes, mediante a outorga do contrato e não ao momento posterior, decorrente das vicissitudes contratuais entretanto verificadas. Não se subscreve, precisamente por isso, a tese defendida no ac. do TRL de 07/03/2019.
Nem se diga que, de qualquer modo, a circunstância de a autora não voltar a dar em aluguer os bens locados após a sua restituição pelos locatários se deve a opções de política da mesma e por cuja adopção/escolha a parte contrária não deverá ou não poderá ser penalizada. É que tal tese esquece que após o seu uso por um locatário, os bens locados perdem valor, sendo natural a dificuldade de novamente os mesmos serem locados por valores compensatórios para a entidade locadora, até por terem um tempo útil médio de vida limitado e que condiciona a manutenção da sua utilização e ou a sua nova locação (impõe-se ter presente que os equipamentos locados nos autos se reconduzem a fotocopiadoras, que até deixam de estar actualizadas devido à sua saída de linha por parte do produtor, dado o lançamento de novas máquinas e, por isso e muitas, vezes, à saída de linha dos respectivos consumíveis).
Contra isto, a ré diz o seguinte:
1- As cl.ª 16/1 são nulas por aplicação do disposto nos artigos 12 e 19-c do DL 446/85.
2. Efectuada uma interpretação objectiva e a partir da referida cláusula em si própria e encarada no respectivo conjunto contratual (mormente contextualizada com o disposto na cl.ª 16/3), verifica-se ser a mesma desproporcionada relativamente aos prejuízos previsíveis para a locadora, tornando-se até mais vantajoso, para esta, o incumprimento pela locatária do que o escrupuloso cumprimento contratual.
3. Resulta do disposto na clª 16/3 dos contratos de locação que quem predispôs as cláusulas em causa (a locadora), em contratos que são de adesão, demonstrou preocupação com o estado dos bens em termos do seu normal funcionamento, mostrando assim, no contrato, que, finda a locação, continua a ter valor económico para si.
4. Aliás, nunca a autora alegou nas suas peças processuais que apenas procedia à locação de bens novos ou que os bens dados em locação jamais, em caso de termo dos contratos, voltariam a ser objecto de negociação, antes resultando da clª 16/3 uma preocupação da mesma quanto ao estado dos bens locados, assim também o entendendo a ré, como normal intérprete e destinatária dos contratos de adesão.
[…]
6. No montante fixado para o aluguer está já incorporada a tripla vertente dos custos da locadora com a aquisição do bem, com o desgaste dele e com o lucro planeado pela locadora, o que decorre desde logo da clª 1/2 das condições gerais da locação.
7. De acordo com a jurisprudência nacional, pacífica, a apreciação da validade da cláusula contratual deverá ser feita, não de forma casuística, mas a partir da cláusula em causa, em si própria e encarada no respectivo conjunto contratual (mormente, no caso em apreço, com o disposto nas clªs 16/3 e 1/2), “abstraindo-se da pura justiça do caso concreto”.
8. A sentença objecto de recurso não apreciou devidamente e nem teve em consideração a análise crítica – antes omitindo intencionalmente pontos de facto considerados chave, como visto – do ac. do TRL de 07/03/2019, que apreciou a validade de cláusula com a mesma redacção e enquadramento da dos contratos sub judice (sendo os contratos exactamente iguais nas respectivas redacções), concluindo pela respectiva nulidade nos termos do disposto nos arts. 12 e 19-c do DL 446/85.
A autora contra-alega com os argumentos da sentença, que já eram os da autora no requerimento injuntivo e na resposta às excepções. Os dois acórdãos por ela invocados já na resposta às excepções - o ac. do TRL de 15/12/2011, proc. 680/10.9YXLSB.L1-6 (dá relevo à distinção entre locação clássica e locação financeira, por falta da opção da compra do bem; vê na cláusula 19-c do DL 149/95, no essencial, o mesmo critério que consta do art. 812 do CC); e o ac. do TRL de 11/09/2012, proc. 2635/09.7TJLSB.L1-1 (segue aquele que se passa a transcrever) – podem resumir-se, no que interessa, ao conteúdo do sumário do ac. do TRL de 03/05/2012, proc. 80/10.0YXLSB.L1-1:
I - A locação ‘clássica’ está construída no pressuposto de que o bem locado é susceptível de uma utilização prolongada e que essa utilização pode ser feita por períodos e pessoas sucessivas; terminado o período de cedência do uso da coisa ela continua a ser utilizável e o seu proprietário pode continuar a tirar aproveitamento económico dessa utilização.
II- Porém, nas hodiernas condições do mercado de equipamentos, existem certos bens que, embora duradouros, não só o seu tempo de utilização é curto como, independentemente dele, o seu valor económico se esgota com o início de utilização. Ou seja, o seu tempo de vida útil é curto, ficando obsoletos rapidamente, e não são susceptíveis de rentabilidade económica enquanto bens em segunda mão.
III- Relativamente a esses bens, a cedência temporária do uso normalmente não só coincide com o período de vida útil do bem como também é causa de imediata desvalorização da coisa. Uma vez cedido o uso da coisa ela passa a ser coisa usada insusceptível de outra utilização económica que não a consubstanciada naquela cedência; e esgotado o período da cedência a coisa está obsoleta.
IV - Neste tipo de bens não releva a perspectiva de utilização posterior do bem para além do período contratual, ao contrário do que ocorre com os contratos de financiamento de aquisições de bens de longa duração (leasing, ALD), os quais inserem cláusulas ou negócios dependentes que prevêem as condições de transferência da propriedade no final do contrato para o utilizador do bem.
V- Nos contratos referidos em III, visa-se tão só possibilitar a utilização de um bem pelo período da sua vida útil, sem necessidade do investimento inicial da sua aquisição, que é efectuado por outrem, substituído pelo pagamento fraccionado daquele encargo ao longo do período de utilização.
VI- Porque é esse o sentido económico dos contratos referidos em III, logo a partes espelham nele o programa contratual quando estipulam que o bem é adquirido pelo locador no interesse do locatário, após indicação deste do bem e do fornecedor, e que o locatário se obriga a pagar (no prazo de 4 anos, tido como o de vida útil do bem e correspondente ao de vigência do contrato) os custos incorridos pelo locador com a aquisição do bem e a execução do contrato e os lucros esperados.
VII- No caso de extinção antecipada do contrato, como seja a resolução por incumprimento do locatário, o prejuízo do locador consiste no que gastou na aquisição do bem ainda não amortizado e nos lucros cessantes; o que corresponde, aliás, às prestações vincendas do contrato resolvido.
VIII- E assim sendo a cláusula penal estabelecida e que estabelece deverem ser pagos todos os alugueres até ao fim do contrato não é superior aos danos causados, antes lhe correspondendo, [não sendo] desproporcionada aos danos a ressarcir (mesmo no entendimento lato adoptado na sentença recorrida) [o parenteses recto foi colocado em substituição do ‘porque’ que lá estava, por ser um evidente lapso de escrita - TRL].
IX – Em face do referido em VIII, a cláusula penal em causa não é nula.
Decidindo:
Grosso modo, o contrato 2 corresponde a equipamentos com o valor de 11.000€. Tem o prazo de duração de 5 anos, durante o qual aquele valor deverá ser pago em 60 prestações mensais. A cláusula em discussão prevê que, em caso de cessação antecipada do contrato, não interessa o momento, o locatário terá de pagar tudo o que faltar até ao termo do contrato e o locador recebe os equipamentos de volta. Ou seja, resolvido o contrato, o que pode acontecer, por exemplo, 6 meses depois do seu início, o locador acaba por receber 11.000€ e fica com o equipamento, que, suponha-se, está desvalorizado em 10% (correspondendo a uma desvalorização de 20% em cada um daqueles 5 anos) e que pode voltar a alugar pelos 9.900€ nos mesmos termos [e o mesmo se pode dizer do contrato 19, com a diferença de valor].
Em suma, o locador com base no contrato celebrado por 5 anos, pode ficar, passados 6 meses, com 11.000€ + 9.900€ + a possibilidade de fazer novo negócio idêntico.
Ou seja, supondo-se um investimento inicial de, por exemplo, 8500€ [a diferença de 2.500€ para os 11.000€ tem a ver com o lucro, de cerca de 5% ao ano, tudo grosso modo], ao fim de 6 meses o locador poderá ter 20.900€ e a possibilidade de fazer novo negócio que lhe dê mais 9900€ ao fim de 6 meses. E assim por diante.
Uma cláusula contratual de um contrato de adesão que permite isto é de uma chocante desproporção com quaisquer prejuízos que possam estar em causa.
Há muito que isto tem sido entendido assim.
Januário Gomes escreve que – aceitando implicitamente o resultado - “após uma tormentosa evolução, a jurisprudência veio a fixar-se, grosso modo, no entendimento de que, em caso de resolução – situação em que o locador fica “em definitivo” com o bem locado – não é possível exigir o pagamento das rendas vincendas, mas é admissível a fixação de uma cláusula penal correspondente a 20% do valor das rendas vincendas.” (Contratos comerciais, 2013, Almedina, pág. 364).
Essa “tormentosa evolução” é relatada por Menezes Cordeiro, no Manual de Direito Bancário, Almedina, que se vai passar a citar numa edição de 1998, por revelar que ao resultado defendido já se tinha chegado então, isto é, há mais de 20 anos [não se transcrevem as inúmeras notas em que são citados mais de 15 acórdãos no mesmo sentido]:
III. Boa parte do contencioso relativo a locação financeira tem ocorrido na área da sua cessação, mormente perante o incumprimento do locatário.
Como foi referido, tal incumprimento tende de colocar o locador numa situação melindrosa: sendo uma instituição de crédito, ele pouco proveito poderá tirar do objecto locado; além disso, haverá dificuldades em colocá-lo no mercado, visto tratar-se dum bem usado e, normal­mente, em mau estado de conservação. O locador financeiro, através das suas cláusulas contratuais gerais, tende, assim, a rodear-se de garan­tias pesadas, gizando, ainda, cláusulas penais de grande extensão. A jurisprudência tem actuado no sentido de moderar tais esquemas de protecção.
Uma vez resolvido o contrato por incumprimento, a jurisprudência tern entendido, dum modo geral, que não pode haver lugar a cobrança das prestações vincendas: TRL 13/03/1990, TRL 19/03/1992, TRC 23/11/1993, STJ 18/03/1995. Bem se compreende: se o locador recebe o bem locado, não se compreenderia que recebesse, também, as rendas subsequentes a essa recepção. A resolução - que deve ser pactuada - é incompatível com a cláusula penal de recepção das rendas vincendas.
Assente esse ponto, a jurisprudência encaminhou-se para admitir a inclusão de cláusulas penais. Começou-se por julgar nula a cláusula que, perante a resolução, considerasse uma indemnização pelo interesse positivo: apenas o negativo seria ressarcível. Seriam admitidas cláusulas que, perante um incumprimento, pelo locatário, seguido de resolução, consignassem a perda das rendas vencidas e pagas, e o dever de pagar as que se fossem vencendo antes da efectiva restituição, com juros de mora. No passo seguinte, seriam admitidas cláusulas que consignassem o pagamento, pelo locatário inadimplente, de um quinto das rendas vincendas e do valor residual; com hesitações, essa orientação veio a sedimentar-se na jurisprudência, a qual acrescentaria, ainda, mais 20% do valor residual e os juros vencidos desde a resolução até ao efectivo pagamento.
IV. As referências a indemnizações pelo interesse negativo ou pelo interesse positivo prestam-se a confusões. Efectivamente, quando, em vez da resolução o locador opte por uma acção de cumprimento, ele verá contemplado o seu interesse positivo, isto é, o interesse que tem no acatamento do contrato. Mas quando recorra à resolução, nenhuma norma limita a indemnização ao chamado interesse negativo, isto é, ao interesse que teria na não celebração dum contrato que seria incumprido e que é, em regra, substancialmente menor.
As dúvidas surgem por o CC não referir, directamente, a resolução por incumprimento mas, apenas, a resolução por impos­sibilidade culposa imputável ao devedor - artigo 801/2. Esta norma é, porém, aplicável ao incumprimento culposo definitivo. A lei é clara: a resolução opera “... independentemente do direito à indemnização .. ". Esta, nos termos gerais, deve colocar o credor na posição em que estaria, se não fosse a violação: artigos 798 e 562, entre outros, do CC. O interesse positivo deve ser considerado: danos emer­gentes e lucros cessantes.
V. Havendo resolução, há uma limitação da indemnização, mas por via diferente: recebendo o bem de volta, o locador não poderá fac­turar, simultaneamente, o valor deste e o das rendas vincendas: haveria uma duplicação.
Contudo, a mera restituição do bem não é ressarcitória: como tem sido reconhecido na jurisprudência, o locador suporta múltiplos inves­timentos, que devem ser compensados. A sua actividade e puramente financeira: ele não colhe as vantagens reais, quando receba, de volta, o bem locado. A solução do pagamento duma percentagem das rendas vincendas e do valor residual parece razoável.
Para além destas considerações, haverá que ponderar, de acordo com o tipo de contrato em causa, o eventual excesso de cláusula penal.”
Antes disto, Menezes Cordeiro, na pág. 440 do referido Manual, a propósito do art. 19/-c do RJCCG já lembrava que o ac. do STJ de 05/07/1994, proc. 085274, considerou que “É nula a cláusula geral de contrato de locação financeira que estabelece, para caso de incumprimento do contrato por falta de pagamento de rendas pelo locatário, o pagamento das rendas vencidas e vincendas e do valor residual dos equipamentos locados, e respectivos juros moratórios, face ao disposto nos artigos 12 e 19/-c do DL 446/85.
Para fundamentar a desproporcionalidade, já dizia este acórdão:
Basta pensar em que o uso dos equipamentos locados, mesmo por prazo diminuto, como aliás sucede neste caso, faz logo deflagrar o pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas e respectivos juros, o que exorbita, desmedidamente, o preço de tais equipamentos e quaisquer possíveis danos decorrentes do incumprimento, para já não falar na injustificada e aberrante exigência de juros das rendas vincendas.
E não se diga, em contrário, que a validade da cláusula em apreço, sempre se justificaria tendo em consideração o risco assumido pela locadora, derivada do facto de ter que aceitar o bem locado, se o locatário decorrido o prazo do contrato, o não adquirir, como produto sem valor ou de reduzido valor comercial, mercê do desgaste nele verificado, em consequência do uso prolongado […]. É que esse risco está sempre incluído no valor das rendas[,] não constitui um elemento a valorar autonomamente (cfr. Maria Teresa Veiga de Faria, Leasing e Locação Financeira, in Cadernos de Ciências e Técnica Fiscal, página n. 480, ac. do TRL de 19/06/1992, CJ92, Tomo III, página 178 e seguintes).
E mais à frente:
Interessa agora realçar que se a lei elege como critério para a determinação da excessividade da pena a sua desproporção em face dos danos a ressarcir (artigo 19/-c do DL 446/85) o que tem como subjacente a noção de que pretende medir pelo valor do dano o montante da pena, então, perante isto e tendo em conta as demais premissas postas, forçoso é considerar que tal desproporção se verifica neste caso, de modo particularmente chocante, inculcando a ideia de que a cláusula em apreço tem aqui uma função meramente coercitiva e não indemnizatória - que é obviamente a pensada naquele preceito - sendo, portanto nula de acordo com as disposições combinadas do artigo enfocado é do preceituado no artigo 12 do mesmo diploma.
É também esta a posição de Gravato Morais, Manual da locação financeira, 2011, 2.ª edição, Almedina, págs. 251 a 261, que entre o mais diz:
“[A]ctualmente pode falar-se de uma tendencial uniformização dos contratos no tocante à estipulação que fixa em 20% a soma indemnizatória a pagar pelo locatário, calculado por referência às rendas vincendas e ainda o pagamento, por inteiro, do valor residual. Mas nem sempre assim sucedeu.
[…] Assim, previa-se que “em alternativa [à cláusula mencionada no § anterior] pode o locador optar por exigir o pagamento de todas as rendas vincendas, acrescidas dos juros moratórios, desde as datas dos vencimentos dessas rendas até às da sua efectiva cobrança, e do valor residual.”
E nas páginas seguintes o autor fundamenta, extensamente (e com referência a inúmera jurisprudência), a sua resposta negativa à admissibilidade de tal cláusula, como se vê na página 253, já que a sua resposta positiva da pág. 260 tem a ver com a cláusula dos 20%.
No mesmo sentido, vai também Pestana de Vasconcelos, no Direito Bancário, Almedina, 2017, págs. 295 a 304, que começa assim o estudo da questão: “Começaram por ser impostas (são cláusulas contratuais gerais) cláusulas nos termos das quais, incumprido e resolvido o contrato, o locador poderia exigir ao locatário o conjunto das rendas vencidas e não pagas, as rendas vincendas, assim como o valor residual. Elas foram, em geral, consideradas, e bem, abusivas pela jurisprudência.”
À mesma conclusão, da inadmissibilidade de tal cláusula, chega também José Manuel de Araújo Barros, que, no entanto, vai muito mais longe, pondo em causa também e dir-se-ia com toda a razão mas no caso não interessa desenvolver a questão, os termos em que tem sido admitida a cláusula que prevê o recebimento de 20% das rendas vincendas (Clausulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2010, págs. 231 a 249.
A posição do Prof. Pinto Monteiro não contradiz nada disto, pois que se limita, na parte que importa, a chamar a atenção de que o argumento de que a locadora tem “mais a ganhar com o incumprimento do contrato do que com o cumprimento do mesmo, não pode ser utilizado assim, já que, ele “choca frontalmente contra a essência da cláusula penal — e contra a própria lei: art. 812º, precisamente. […].”. Que é só isto que este Professor pretende, nesta parte, resulta logo da passagem em itálico, usada no estudo: “A este respeito, independentemente do acerto da decisão, aquilo com que não concordo é com […]” (págs. 10-12).
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Da locação clássica e da locação financeira
Contra tudo isto, a sentença recorrida, e os acórdãos invocados, sustentam posição contrária dizendo/sugerindo que tudo isto é válido para as locações financeiras, não para as locações clássicas, do CC.
É um argumento puramente conceitualista e que, apesar de fundamental para aquela posição, por ser a base que é invocada para tentar inverter todos os argumentos usados até então, não tem qualquer razão de ser, como logo resulta daquilo que se disse no início – quando se tentou demonstrar o carácter chocante de desproporção da cláusula - que é aplicável sem qualquer dependência do facto de se estar perante um contrato de locação ou de locação financeira. Ou melhor, até tem mais razão de aplicação no caso de se estar perante uma locação.
Veja-se:
Grosso modo, e utilizando o Manual da Locação financeira de Gravato Morais, 2011, 2.ª edição, Almedina, págs. 61 e 62, a locação financeira distingue-se da locação clássica porque (i) a obri­gação de proporcionar o gozo da coisa (art. 1022 do CC) tem um con­teúdo diverso do dever de conceder o gozo do bem (art. 1 do DL 149/ /95); (ii) a duração do contrato envolve contornos peculiares na locação financeira (art. 6/1 do DL 149/95: o prazo da locação financeira de coisas móveis não deve ultrapassar o que corresponde ao período presumível de utilização económica da coisa); (iii) a retribuição tem funções diversas numa e noutra hipótese: na locação corresponde a mera contrapartida do gozo que é proporcio­nado, ao passo que na locação financeira engloba outras vertentes; (iv) as rendas são prestações periódicas na locação, mas prestações fraccionadas na locação financeira; (v) o conteúdo do direito de propriedade é substancial­mente diverso: o locador financeiro, por exemplo, não suporta os riscos inerentes a um verdadeiro proprietário, designadamente o da perda ou o de deterioração da coisa (art. 15 do DL 149/95); (vi) a coisa a adquirir ou a construir é indicada ou é esco­lhida pelo locatário financeiro; (vii) no termo do prazo contratual, existe a possibilidade de este comprar a coisa locada, mediante o pagamento de um valor residual (art. 1 do DL 149/95).
Ora, tendo isto presente, dir-se-ia que, no caso dos autos, se está muito mais próximo de contratos de locação financeira do que da locação clássica; eles só se afastam daquela na questão da opção da compra que no caso não existe; a diferença assinalada, quanto à duração do contrato, até pode servir para dizer que o prazo da duração dos contratos em causa nos autos põe em causa a característica muito invocada para se dizer que a cláusula 16/1 se justifica: a sua rápida obsolescência; é que o art. 6/3 esclarece que “não havendo estipulação de prazo, o contrato de locação financeira considera-se celebrado pelo prazo de 18 meses ou de 7 anos, consoante se trate de bens móveis ou de bens imóveis.” O que indicia que a lei, quando pensa em prazos próprios da locação de bens móveis, no sentido de bens de fácil depreciação, está em pensar em períodos de 18 meses e não de 5 anos, estando este muito mais próximo da locação de bens imóveis.
Seja como for, a diferença específica da opção da compra, que no caso não existe, não tem qualquer valor favorável à autora na discussão que está em causa nos autos: daí que a inexistência de opção de compra nem sequer tenha sido argumento usado pela autora para dizer que, perante isso, a cl.ª 16/1 já se justificaria. Diga-se que antes pelo contrário: é que se o locatário ao menos pudesse ficar com o equipamento, a desproporção, quando ele quisesse usar de tal poder [e se tal fosse um poder e não uma imposição disfarçada], talvez já não existisse.
Daí que, por exemplo, Pestana de Vasconcelos comece por citar um acórdão do STJ que se refere aos casos em que o locador fica com o bem, que é o caso destes autos e que se verifica na locação clássica, mas logo acrescente: “Mas mesmo na versão em que se transmite a propriedade do bem, ainda assim, para além de se manter em melhor posição, porque desde logo obtinha antecipadamente os juros a constituir no futuro, não é aceitável impor a compra do bem, que consiste num direito, mas não de um dever do locatário […]. Os tribunais puseram-lhe, bem, cobro.” (pág. 296, o sublinhado foi agora colocado).
A única diferença que importa, para o caso, é pois uma questão de formulação: nos contratos em que haja opção de venda, a questão da admissibilidade da cláusula coloca-se como a do direito de receber rendas vincendas e o preço residual e tudo isto, mais as já pagas, faz os 100% do valor (e o locatário poderá ficar com o bem); nos contratos em que não haja opção de venda, ela coloca-se como o direito de receber as rendas vincendas que, com as já pagas, fará os 100% do valor (e o locador ainda fica com o bem). Ou seja, é uma diferença que não favorece a tese da admissibilidade no caso de o contrato poder ser qualificado como de locação clássica, antes pelo contrário, desfavorece-a, porque o locador, no caso, ainda é mais favorecido (para além de tudo o mais, ainda fica com o bem).
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Posto isto, o outro único argumento – para além do da ‘locação clássica”, já afastado (e a propósito dele ainda se poderia dizer que é muito contraditório: diz que o contrato não é de locação financeira, porque é de locação clássica; mas logo a seguir diz-se que não é um contrato de locação normal…) e do da perda rápida do valor do bem, também já afastado (não se pode dizer que um bem locado por 5 anos, que, por força da lógica da lei [art. 6/1 do DL 149/95], corresponde ao período presumível de utilização económica da coisa, perde rapidamente o seu valor) – também não é válido: dizer-se que a ré sofre o prejuízo de perder os alugueres vincendos acordados, esquece que os alugueres vincendos correspondem a um período de tempo em que o locatário não esteve a usufruir o gozo dos equipamentos, por à data já os ter devolvido (se não o tiver feito, é evidente que a locadora tem direito ao valor correspondente). O que se passa é que o prejuízo efectivo do locador não será maior do que o valor dos alugueres vincendos deduzido do valor dos bens que vai reaver à data do incumprimento. A exigência do valor da totalidade dos alugueres vincendos é excessivo, na consideração das várias componentes que integram o seu montante e na consideração de que a restituição do bem, antes do fim do contrato, ainda permite ao locador valorizar o mesmo por não estar esgotado o seu período de vida útil.
As restantes razões invocadas pela tese da admissibilidade, todas elas já estiveram na base da jurisprudência e da doutrina que afasta a validade da cláusula na locação financeira, pelo que não basta à tese da admissibilidade invocá-las, sem qualquer justificação, para dizer o contrário quanto ao caso dos autos.    Dito de outro modo: essas razões podem levar a admitir uma cláusula de indemnização dos prejuízos sofridos fixada antecipadamente de forma razoável, como, à primeira vista, a dos 20% [mas aqui remete-se de novo para as observações contrárias a ela de Araújo Barros], o que é diferente de admitir uma cláusula em que se imponha o pagamento de todo o preço e a locadora ainda fique com o bem.
Aliás, impressiona a total ausência, nos acórdãos referidos, de qualquer referência à posição da doutrina, toda ela em sentido contrário como se viu, bem como a completa ausência de referência a acórdãos em sentido contrário, para ponderar as respectivas razões e para as rebater.
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Quanto à ideia de que pretendendo a ré valer-se da desproporção das cláusulas, que importasse a sua nulidade – e uma vez que tal nulidade constitui uma excepção peremptória –, incumbia-lhe o ónus de alegação e prova dos factos concretos e específicos que demonstrassem qualquer relevante desproporção (nomeadamente, a inexistência de danos ou prejuízos para o locador) de acordo com o disposto no art. 342/2 do CC [acs do STJ de 21/05/1998; de 15/12/1998 e de 16/05/2000], há que lembrar, como sugerido por Araújo Barros (obra citada, págs. 238 a 240), que ela é contraditória com o entendimento de que a análise da desproporção se faz tendo em conta as circunstâncias que acompanharam a evolução da cláusula, o momento em que a cláusula é concebida, ou seja, as circunstâncias que a ditaram no contexto do quadro negocial típico, pois que os factos a que se referem aqueles acórdãos se reportam a eventos posteriores à aceitação da cláusula do contrato e por isso é que os vêem como se fossem objecto de excepção peremptória.
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Perante tudo isto pode-se acompanhar facilmente o já muito citado ac. do TRL de 07/03/2019, proc. 127318/16.1YIPRT.L1-8, num caso idêntico aos autos [sem as referências que não se acompanham e com alguma alteração de ordem]:
Como se sublinha no acórdão do STJ de 02/05/2002, “as valorações necessárias à concretização de tal proibição não devem ser efectuadas e maneira casuística, mas a partir das cláusulas, em si próprias e encaradas no respectivo conjunto, para eles abstractamente predispostas”.
Do mesmo modo, observa-se no ac. do TRP de
27/02/1996, que “a desproporcionalidade dos danos a ressarcir deve ser apreciada, nos contratos de adesão, por um critério de índole objectiva, abstraindo-se da pura justiça no caso concreto”.

Como se observa no ac. do TRL de 27/11/2007 [proc. 5424/2007-1], “reputa-se mais correcta a interpretação segundo a qual não se faz mister, para que uma cláusula penal deva ser tida por proibida, ao abrigo do art. 19/-c do DL 446/85, que exista uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, bastando para tanto que a pena predisposta seja superior aos danos que, provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal decurso das coisas, o predisponente venha a sofrer, mesmo que essa superioridade não seja gritante e escandalosa (...).”
No caso em apreço, a resolução contratual operada pela autora com base no incumprimento da ré, consubstanciado no não pagamento dos alugueres mensais, confere-lhe o direito a perceber as rendas vencidas e não pagas até à data da resolução, já que aquelas constituem uma contrapartida pelo uso do bem locado.
No entanto há que ter em conta que, no montante fixado para o aluguer está já incorporada a tripla vertente dos custos do locador com a aquisição do bem, com o desgaste deste em função do seu uso pelo locatário e com o lucro planeado pelo locador, o que decorre desde logo da cl.ª 1/2 das condições gerais da locação.
É certo que a par do montante de cada aluguer se deverá ter em conta a duração do contrato, e nessa base, o número total de rendas. Todavia, a desvalorização do bem, em função do seu uso e desgaste, dependerá em parte do tempo de tal uso, embora aqui tenham cabimento outras considerações relacionadas com a natureza do bem, a existência e características do mercado em relação à comercialização do bem já usado, a rápida desactualização dos equipamentos por inovações tecnológicas no sector […].
Diz a autora que apenas procede à locação de bens novos. Daqui resultaria que cada locação, cumprida ou não pelo locatário, conduziria à perda total da utilidade económica do bem para a locadora.
Contudo, as próprias cláusulas contratuais, indiciam uma realidade diferente, como é o caso da 16/3. Uma tal preocupação com o estado do bem em termos do seu normal funcionamento, mostra que o mesmo, finda a locação em causa, continua a ter valor económico para o locador.
[…A] cláusula penal referida parece completamente desproporcionada, obrigando a locatária a pagar a totalidade das rendas que se venceriam até ao termo da locação contratada mas sem dispor do bem locado.
Em contrapartida, a autoria teria em sua posse tal bem, com
pouco tempo de utilização, podendo rentabilizá-lo. Ou seja, além de receber o montante do custo de aquisição do bem, da margem de lucro prevista, teria ainda o proveito da disponibilidade de rentabilizar o bem como lhe aprouvesse.

Diga-se ainda que o carácter coercivo da cláusula penal, a sua função de coagir os contraentes a cumprir o contrato sob pena de uma indemnização avultada, não afasta o critério do art. 19/-c do DL 446/85. A não ser assim, estaria encontrado o caminho para fazer letra morta deste preceito, invocando-se sempre o carácter coercivo, de pressão, da cláusula penal, sobretudo nos casos em que esta não se mostrasse proporcionada à extensão dos prejuízos previsíveis resultantes do incumprimento.
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Da não reduzibilidade
Diz a ré:
9. Sendo nula a cláusula 16/1 não é a mesma passível de redução de acordo com a equidade prevista no art. 812 do CC, aliás como é entendimento pacífico na jurisprudência e na doutrina nacionais.
Assim já o dizia o acórdão do STJ de 05/07/1994, proc. 085274:
“Ponto que interessa sobremaneira aqui realçar, como elemento diferenciador do regime geral das cláusulas penais, inserto nos artigos 810 a 812 do CC é o de que as cláusulas penais, em contratos de adesão, quando abrangidas pelo mencionado diploma legislativo (DL 446/85), "se forem desproporcionadas aos danos a ressarcir não são meramente redutíveis antes feridas de nulidade, por conjugação do disposto no artigo 19-c com a doutrina do artigo 12" (Pinto Monteiro, obra citada, página 753).
No mesmo sentido, o ac. do TRL de 07/03/2019, já citado, diz que o problema é que a solução que pareceria óbvia, no âmbito do art. 812 do CC, ou seja, a redução da cláusula penal, não é aplicável aos casos de nulidade previstos no art. 19/-c do DL 446/85 e invoca no mesmo sentido ainda o ac. do TRL de 18/05/2005:
“... deve ser declarada nula, e não é passível de redução, a cláusula contratual geral que estabelece a favor do locador cláusula penal equivalente ao valor das rendas vincendas após declaração de resolução do contrato de aluguer, atento o disposto nos artigos 12 e 19/-c do DL 446/85. Tal nulidade ocorre sempre, pois verifica-se ao nível da própria previsão dos prejuízos considerados no âmbito de uma cláusula firmada no seio de quadro negocial padronizado”.
Também neste sentido (de impossibilidade de redução de cláusula penal declarada nula no âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais), veja-se Araújo de Barros, obra citada, pág. 240-241, que invoca no mesmo sentido o estudo de Ana Mafalda Miranda Barbosa, EDC, 3, pág. 417.
Note-se, de resto, que os equipamentos no caso dos autos foram todos restituídos antes da resolução dos contratos pela autora e que neste acórdão se está a reconhecer à autora o direito de receber os alugueres vencidos até à resolução; e que, por fim, no contrato de locação, a indemnização prevista é para o caso de o locatário ficar com o bem locado em seu poder (art. 1045 do CC).       
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Da compensação
Afastada a condenação no pagamento dos valores da cláusula 16, fica prejudicada a questão da compensação que a ré, que aproveitava o que a sentença dizia quanto ao assunto, levanta na conclusão 12. Isto é, reconhecendo-se que a ré não tem que pagar as rendas vincendas, até porque não ficou com os equipamentos, cuja propriedade é da autora, não há razão para operar qualquer compensação com o valor dos equipamentos.
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Da nulidade da sentença
Diz a ré:
14. […D]everá ser considerada nula a sentença na parte em que condena a ré no pagamento de uma penalização contratual adicional de 8% de juros moratórios, porquanto a autora pediu apenas a condenação no pagamento dos juros moratórios “à taxa legal” (e não também à taxa contratual) – nulidade prevista no art. 615/1-c do CPC.
A autora responde que:
No requerimento de injunção/petição inicial é pedido que “caso a requerida incorresse em mora com o pagamento de quaisquer montantes devidos de acordo com os contratos, seriam devidos juros à taxa legal acrescidos de 8% pelos alugueres em divida e juros à taxa legal acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em divida”.
Decidindo:
Antes de mais, o que a autora diz não corresponde ao que se passou:
O que ela requeria, na injunção é que a requerida fosse notificada para lhe pagar 28.372,21€ [de facturas vencidas e cláusula penal], mais 4659,86€ de juros de mora [não diz a que taxa], com base num contrato de 01/08/2013, referente ao período de 01/08/2013 a 11/06/2014.
E depois, no meio de 82 linhas de texto denso e quase sem espaços, constam estas 5 linhas: “Mais ficou convencionado, e assim aceite, que caso a requerida incorresse em mora com o pagamento de quaisquer montantes devidos de acordo com os contratos, seriam devidos juros à taxa legal acrescidos de 8% pelos alugueres em dívida e juros à taxa legal acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em dívida.”
Por fim, na petição aperfeiçoada, a autora limita-se a escrever o seguinte na parte formalmente dedicada ao pedido: condenando-se a ré a pagar à autora 33.261,57€ acrescidos dos juros moratórios que se vencerem desde 09/12/2016 e até integral e efectivo pagamento, à taxa legal.” E no corpo da petição escreve, quanto ao primeiro contrato: “33 Assim, e atentos os montantes em divida de capital no valor total de 11.786,91€, acrescido do valor de juros à taxa legal desde 01/03/2014, a autora viu-se forçada a apresentar o presente requerimento de injunção.” E quanto ao 2º: “62 Assim, e atentos os montantes em divida de capital no valor total de  16.470,29€, acrescido do valor de juros à taxa legal desde 01/03/2014, a autora viu-se forçada a apresentar o presente requerimento de injunção.” Isto sendo que em relação aos dois contratos tinha escrito em 22 e 52: Para além da comunicação da resolução do contrato, a autora reclamou, por via da aludida carta, à Ré, o pagamento das facturas vencidas, bem como dos custos de aviso e demais despesas inerentes ao contrato, os juros de mora às taxas convencionadas. E em 31 e 61: Facto que motivou, assim, a resolução do contrato e a cobrança dos valores de rendas vencidas e vincendas, bem como os juros às taxas legais e contratadas, conforme previsto nas condições gerais.”
No sumário do ac. do TRC de 20/03/2017, proc. 951/05.6TJCBR.C1, diz-se que:
Sendo a petição inicial um todo, o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido que, não constando embora expressamente das conclusões da p.i., está, no entanto, claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes.
No texto do acórdão acrescenta-se:
Na verdade, é sabido que, conforme se expende no ac. do STJ de 24/01/1995, CJSTJ95, I, pág. 39, a petição inicial é um todo, como tal tendo de ser entendida e interpretada. E porque assim é, bem se compreende que no ac. do TRC 03/02/1993, BMJ 424, pág. 748, se tenha doutrinado que o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido que, não constando embora expressamente das conclusões da p. i., está no entanto claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes.
No sumário do ac. do TRC de 03/12/2013, proc. 217/12.5TBSAT.C1, escreve-se que:
I. No percurso expositivo de uma petição inicial (contendo a identificação das partes e da acção a narração e a conclusão) podem existir pedidos expressamente formulados como tal na conclusão do articulado e pedidos deslocalizados dessa conclusão final, formulados ao longo do articulado na exposição dos factos e das razões de direito, mas com suficiente individualização em termos de propiciarem a sua detecção e compreensão com essa natureza: a de pedidos; II – É o que sucede com a invocação expressa, embora ao longo da narração e não na conclusão do articulado, da aquisição pelos autores de um prédio por usucapião, quando da propriedade desse prédio se deduz (este no pedido expresso na conclusão) um direito de preferência dos referidos autores na alienação de um outro prédio (confinante e que onera o prédio dos autores com uma servidão de passagem); III – Vale como situação deste tipo a indicação, no articulado, dos elementos que se entende integrarem a usucapião, seguida da referência expressa de se invocar esse título aquisitivo da propriedade, mesmo que no elenco final dos pedidos este reconhecimento da propriedade não seja expressamente formulado como pedido, mas tão-só o pedido de declaração do direito de preferência, condicionado pelo reconhecimento daquele direito de propriedade; IV – A compreensão pelo réu, evidenciada na contestação, de que a afirmação dessa aquisição por usucapião envolve outras pessoas não demandadas pelos autores, significa ter o réu percebido a natureza de pedido implícito dessa aquisição por usucapião, alicerçando tal incidência, com base na regra interpretativa de um articulado processual que subjaz, com vocação de generalidade, ao artigo 193/3 do CPC (artigo 186/3 do nCPC) a consideração dessa referência à usucapião, não obstante deslocalizada da conclusão do articulado, como traduzindo um pedido efectivamente formulado pelos autores.
No texto do acórdão, para além de muito mais, ainda se diz:
Vale aqui o entendimento que, sendo discutível [referimo-nos ao entendimento de Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, p. 245] - admitimos que o seja -, foi aceite recentemente no ac. do TRC de 10/09/2013 […]: “[o] pedido formulado pelo autor na petição inicial (artigo 467/1-e do CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos.”
Antunes Varela, na obra referida no ac., mas na página 245, nota 1, escreve:
O pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do seu arrazoado, dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a acção.
Esta posição de Antunes Varela é acompanhada por Paulo Pimenta, Processo civil declarativo, 2015, 2.ª ed., Almedina, pág. 157.
Lebre de Freitas (CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, 2017, pág. 493) diz:
“O pedido […] há-de ser expressamente deduzido na conclusão, não bastando que apareça acidentalmente referido na narração (Varela – Bezerra – Nora, idem, pág. 245 (1); mas tal não obsta a que o pedido seja expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez, como sentido da declaração para o declaratário normal, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido, máxime quando o réu o haja entendido correctamente (acs. do TRC de 10/09/2013 e de 03/12/2013 [os citados acima ….]. No mesmo sentido, o ac. do TRC de 27/01/1987, BMJ. 363/612, invocou para tanto o art. 249 CC (rectificação do erro de escrita […]”.
Aceitando que seja como dizem os acs do TRC, acompanhados por Lebre de Freitas, importa que se possa ver com nitidez, na narração, um pedido qualquer, ou seja, a intenção de obter o efeito jurídico pretendido.
Ora, na narração da injunção ou na da petição aperfeiçoada, não é possível ver qualquer pedido de juros a taxas superiores às legais. Há referência a outros juros, mas não há nunca a afirmação de se pretender a condenação da ré neles, ao menos com a necessária nitidez. Tanto mais que, o que há, com nitidez, é a afirmação da pretensão, na versão final da petição, de um pedido de condenação em juros legais, o que aliás é reforçado na narração com referências precisas ao direitos aos mesmos.
Perante isto, a ré nunca poderia ter claramente percebido que a autora queria a sua condenação no pagamento de outros juros que não os juros à taxa legal, mesmo que os contratos previssem outros juros. Descrever-se o que consta de um contrato, com referência a todas as cláusulas contratuais, permite sempre extrair variadíssimos direitos ou pretensões; mas cabe aos autores escolher aqueles que pretendem exercer.
Assim a ré tem razão, tendo havido uma condenação para além do pedido, sendo a sentença, nessa parte, nula (arts. 615/1-e e 609, ambos do CPC).
Mas note-se que juros comerciais são também juros à taxa legal, pelo que a autora tem direito a estes.
Por fim, no que se refere ao cálculo dos juros há que atentar que eles se vencem nos dias 1 de cada mês a que dizem respeito, pois que era nessa data que os alugueres deviam ser pagos (excepto os valores de 12,30e que se vencem nas datas dos avisos), e não na data do início do contrato 2 como pedido pela autora no requerimento de injunção. Isto na lógica já da sentença recorrida, embora com mais precisão.
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a condenação da ré a pagar à autora os valores da cláusula 16/1 dos dois contratos em causa nos autos, bem como juros a taxas superiores às legais, substituindo-se a mesma por esta que agora condena a ré a pagar à autora apenas as quantias referidas nos pontos de facto provados sob 36, 38, 39, 40, 41, 46 e 48, com juros às taxas legais comerciais a contar do dia 1 de cada um dos meses referidos (à excepção dos dois valores de 12,30€ que vencem juros desde a data desses avisos) até integral pagamento, e a absolve do demais pedido.
Custas, na acção e no recurso, na vertente de custas de parte (não existem outras), pela autora e pela ré, na proporção do decaimento.

Lisboa, 11/12/2019
Pedro Martins (relator por vencimento)
Inês Moura
Nelson Borges Carneiro (vencido de acordo com a declaração de voto que anexa)

VOTO DE VENCIDO:
A proibição das cláusulas abusivas está distribuída por vários artigos do Decreto-Lei nº 446/85, pelo seguinte modo: o artigo 15º estabelece como critério geral de proibição a contrariedade à boa fé, de acordo com a concretização constante do artigo 16º. Os artigos 18º, 19º, 21º e 22º contêm listas exemplificativas de cláusulas proibidas[1].
Na prática, para verificar se uma cláusula contratual geral ou contida em contrato de adesão é proibida (abusiva), deve começar-se pela leitura das listas e eventual inserção nalguma das respetivas alíneas. Se esta busca tiver resultado negativo ou duvidoso, a proibição de uma dada cláusula pode ainda resultar da aplicação do critério geral dos artigos 15º e 16º[2].
O carácter abusivo de uma cláusula deve ser avaliado tendo em conta “a natureza dos bens ou dos serviços objeto do contrato em causa e todas as circunstâncias que o profissional podia conhecer no momento da celebração do contrato e que eram suscetíveis de afetar a execução subsequente do referido contrato”[3].
O conceito de “quadro negocial padronizado” remete para uma análise tendo em conta não as circunstâncias relativas às partes ou ao contrato singular em que a cláusula se encontra inserida (e, portanto, não “cada caso concreto”) mas ao contexto típico, e, portanto, abstrato, de inserção, o que permite uma análise do carácter abusivo da cláusula numa ação inibitória. Esta análise deve ser feita tendo igualmente como referência a boa fé e em especial, o (des) equilíbrio nas prestações resultantes da cláusula em causa, o que não é incompatível com a abstração pressuposta pela norma[4].
Este juízo consiste na análise, após interpretação, dos efeitos da cláusula potencialmente abusiva no conteúdo global do contrato em que se insere (“o quadro negocial”), considerando, não aquele contrato em concreto, mas o tipo ou subtipo, legal ou social, a que o contrato pertence (“o quadro padronizado”). Se este juízo confirmar a suspeita legal de desequilíbrio significativo contrário à boa fé, em detrimento do aderente, que é o critério geral de proibição, a cláusula é abusiva, com as mesmas consequências das cláusulas absolutamente proibidas[5].
A referência ao “quadro negocial padronizado” pretende, justamente, explicitar que a concretização das proibições relativas deve operar perante as cláusulas em si, no seu conjunto e segundo os padrões em jogo, nomeadamente se a cláusula penal é excessiva tendo em conta esse tipo de contrato, aferido em abstrato e não em concreto[6].
Com vista a facilitar a tarefa concretizadora, a lei fornece o critério para a determinação da natureza excessiva das cláusulas penais: a desproporção entre as reparações que elas imponham e os danos a ressarcir. Observe-se, porém, que o qualificativo «desproporcionado» não aponta para uma pura e simples superioridade das penas preestabelecidas em relação ao montante dos danos. Pelo contrário, deve entender-se, de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detetar uma desproporção sensível[7].
Nos acordos celebrados entre apelante e apelada foi convencionado nas cláusulas 16ª, ponto 1, das condições gerais que “tendo em consideração que o Locador adquiriu o bem locado para benefício do locatário e tendo em conta a necessidade de compensar os danos emergentes, nomeadamente com o investimento patrimonial perdido pelo Locador como resultado da perda de valor do equipamento, custos financeiros com o investimento em equipamento novo objeto da locação e custos administrativos com a celebração e manutenção deste contrato, entre outros, caso o locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio ou caso o locatário cesse o contrato de acordo com a secção 12, o Locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato. A compensação com a poupança de custos ou a obtenção de benefícios relacionados com a cessação antecipada – incluindo indemnizações pagas pelo seguro e outras indemnizações, se existirem (…) recebidas pelo locatário estarão sujeitas às disposições legais. Os direitos do Locador tornam-se exigíveis com a receção da notificação de cessação. O locatário deverá ser considerado em incumprimento caso não realize o pagamento devido nos 30 dias subsequentes à receção da notificação da cessação e dos danos enumerados”.
Estas cláusulas assumem a natureza de cláusula contratual geral, tal como está definida no art. 1º do DL n.º 446/85 de 25.10.
Nas relações entre empresários ou os que exerçam profissões liberais, singulares ou coletivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua atividade específica, aplicam-se as proibições constantes desta secção e da anterior – art. 17º, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25-10.
Tratando-se de uma relação entre profissionais (atendendo a que apelante e apelada são sociedades comerciais) aplicam-se apenas as duas primeiras listas de cláusulas (arts. 18º e 19º, do citado DL nº446/85).
São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir – art. 19º, al. c), do Decreto-Lei nº 446/85, de 25-10.
No autos, a locatária incumpriu os contratos de locação, que foram resolvidos pela locadora, a quem foram entregues os bens objeto das locações (factos provados nºs 43 e 45), estando por isso em causa, saber se caso o locador exerça o seu direito de cessação sem aviso prévio, ou, caso o locatário cesse o contrato de acordo com a secção 12, o locador poderá exigir a título de cláusula penal um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato.
Vejamos a questão, isto é, se as cláusulas 16ª, ponto 1, consagram cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir.
A restituição imediata do bem é consequência da resolução do contrato prevista pelo art. 433º, do CCivil.
A obrigação de restituição do bem – que não tem carácter ressarcitório – tem como função primordial a “recuperação do capital investido”. É, portanto, sob um outro prisma, o efeito de conservação da propriedade na esfera jurídica do locador no decurso do contrato[8].
Note-se que a restituição do bem – que, pela primeira vez, está agora materialmente nas mãos do locador – não traduz para este, na maior parte das situações, uma específica vantagem, dada a dificuldade que reveste muitas vezes a sua alienação ou a sua oneração[9].
O direito de conservar as rendas vencidas e pagas decorre igualmente do n.º 2 do art. 434º do CCivil, visto ser um contrato de execução periódica.
Note-se que o locador não está adstrito a restituir as rendas vencidas e pagas. É o efeito da resolução do contrato[10].
O locatário gozou o bem até à data da extinção do contrato, dele retirou a sua utilidade económica, pelo que a resolução opera, em princípio, ex nunc[11].
Assim, poder-se-á dizer que com a conservação das prestações liquidadas e entrega dos bens, a apelada ficou inteiramente ressarcida dos danos causados, de modo a poder afirmar-se que a cláusula penal dos contratos é desproporcionada aos danos a ressarcir?
Pensamos que não.
A cláusula penal é um instrumento de fixação antecipada da indemnização a prestar pelo devedor no caso de não cumprimento ou mora, desempenhando uma dupla função: a função ressarciadora e a função coercitiva. Através dela as partes pré-avaliam o dano e liquidam-no de uma maneira "forfaitaire" e preventiva. O devedor, vinculado à clausula penal não será obrigado ao ressarcimento do dano que efetivamente cause ao credor, mas ao ressarcimento do dano fixado antecipadamente. A cláusula penal simplifica a fase ressarciadora ao prevenir e evitar as dificuldades de cálculo da indemnização e a intervenção do juiz, para esse efeito, dispensando ao credor a alegação e a prova do dano concreto, mesmo que o devedor prove não ter resultado nenhum dano do seu incumprimento ou retardado cumprimento, a pena negocial é devida[12].
O principal objetivo da cláusula penal é evitar dúvidas futuras e litígios entre as partes quanto à determinação da indemnização[13].
A pena reconduz-se à obrigação de indemnizar que substitui, na medida em que é, ela própria, a indemnização que o credor poderá exigir, com a particularidade de ter sido fixada pelas partes, mediante acordo prévio e de modo invariável[14].
No caso em apreço, as cláusulas penais 16ª, ponto 1, tem uma natureza compensatória na medida em que se aplica em caso de incumprimento definitivo da obrigação pelo locatário, mas também se caracteriza por ser compulsória, ou seja, visando pressionar o locatário a cumprir o contrato, sabendo que em caso de incumprimento estará sujeito a uma pesada indemnização. Em certa medida, a cláusula consiste numa pré-fixação da indemnização exigível em caso de incumprimento, e que simultaneamente constrange as partes a cumprirem o contrato ponto por ponto.
A locação ‘clássica’ está construída no pressuposto de que o bem locado é suscetível de uma utilização prolongada e que essa utilização pode ser feita por períodos e pessoas sucessivas; terminado o período de cedência do uso da coisa ela continua a ser utilizável e o seu proprietário pode continuar a tirar aproveitamento económico dessa utilização[15].
Ocorre, porém, que nas hodiernas condições do mercado de equipamentos, existem certos bens que, embora duradouros, não só o seu tempo de utilização é curto como, independentemente dele, o seu valor económico se esgota com o início de utilização. Ou seja, o seu tempo de vida útil é curto, ficando obsoletos rapidamente, e não são suscetíveis de rentabilidade económica enquanto bens em segunda mão. Relativamente a esses bens, a cedência temporária do uso normalmente não só coincide com o período de vida útil do bem como também é causa de imediata desvalorização da coisa[16].
Uma vez cedido o uso da coisa ela passa a ser coisa usada insuscetível de outra utilização económica que não a consubstanciada naquela cedência; e esgotado o período da cedência a coisa está obsoleta[17].
No caso dos autos, a apelada adquiriu os bens escolhidos pela apelante a terceiras entidades, com vista à outorga dos referidos contratos de locação.
Ou seja, como é normal neste tipo de contratos, a locadora adquire o bem pretendido e aluga-o à locatária, por um determinado prazo, fixando o valor dos alugueres mensais durante esse período. No valor dos alugueres incorpora o custo de aquisição do bem, o desgaste inevitável decorrente do seu uso e as expectativas de lucro que pretende obter[18].
O que se visa com o contrato é possibilitar a utilização de um bem pelo período da sua vida útil, sem necessidade do investimento inicial da sua aquisição, que é efetuado por outrem, substituído pelo pagamento fracionado daquele encargo ao longo do período de utilização.
Neste tipo de bens, no caso fotocopiadoras,  não releva a perspetiva de utilização posterior do bem para além do período contratual, ao contrário do que ocorre com os contratos de financiamento de aquisições de bens de longa duração (leasing, ALD), os quais inserem cláusulas ou negócios dependentes que preveem as condições de transferência da propriedade no final do contrato para o utilizador do bem.
No caso de extinção antecipada do contrato, como seja a resolução por incumprimento do locatário, o prejuízo do locador consiste no que gastou na aquisição do bem ainda não amortizado e nos lucros cessantes; o que corresponde, aliás, às prestações vincendas do contrato resolvido[19].
E assim sendo, as cláusulas penais estabelecidas nas cláusulas 16ª, ponto 1, que estabelecem deverem ser pagos todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato não é superior aos danos causados, antes lhe correspondendo, não sendo desproporcionada aos danos a ressarcir.
E, pretendendo a apelante valer-se da desproporção das aludidas cláusulas, que importasse a sua nulidade – e uma vez que tal nulidade constitui uma exceção perentória –, incumbia-lhe o ónus de alegação e prova dos factos concretos e específicos que demonstrassem qualquer relevante desproporção (nomeadamente, a inexistência de danos ou prejuízos para o locador) de acordo com o disposto no art. 342º, nº 2 do Cód. Civil[20].
Quer dizer, a circunstância de a apelante não ter alegado prejuízos concretos a ressarcir com a cláusula penal (nomeadamente da inexistência de prejuízos para o locador), não leva à conclusão de que a mesma seja nula por desproporcionada aos danos a ressarcir.
A desproporcionalidade há de ser aferida em confronto com os danos previsíveis no momento da sua estipulação. 
No cômputo dos danos deve atender-se a critérios objetivos, privilegiando-se uma avaliação “guiada por cálculos de probabilidade e por valores médios e usuais, tendo em conta fatores que, em casos daquele género, habitualmente relevam na produção e medida dos prejuízos”[21].
E assim sendo, a cláusula penal que estabelece deverem ser pagos todos os alugueres até ao fim do contrato, não é superior aos danos causados, antes lhe correspondendo, não sendo por isso desproporcionada aos danos a ressarcir, não é nula[22].
Acresce dizer que os argumentos para se concluir que uma cláusula é desproporcionada aos danos a ressarcir nos contratos de locação financeira, não poderão ser os mesmos para se concluir que de igual modo nos contratos de mera locação, isto porque há características que são exclusivas da locação financeira e que não se encontram presentes na mera locação.
Em primeiro lugar, temos que a obrigação de proporcionar o gozo da coisa (art. 1022º, do CCivil) tem um conteúdo diverso do dever de conceder o gozo do bem (art. 1º DL 149/95)[23].
Com efeito, o dever de conceder o gozo do bem concretiza-se no facto de o locador não obstar à sua utilização, não impedir o seu uso pelo locatário[24].
Por outro lado, apesar de serem ambos negócios de cariz temporário, a duração do contrato envolve contornos peculiares no leasing financeiro (art. 6 DL 149/95)[25].
Também a retribuição tem funções diversas numa e noutra hipótese. Na locação corresponde à mera contrapartida do gozo que é proporcionada, ao passo que no leasing financeiro engloba outras vertentes. Por sua vez, as rendas são prestações periódicas na locação, mas prestações fracionadas no leasing financeiro[26].
De igual forma, o conteúdo do direito de propriedade é substancialmente diverso. O locador financeiro, por exemplo, não suporta os riscos inerentes a um verdadeiro proprietário, designadamente o de perda ou o de deterioração da coisa (art. 15º DL 149/95)[27].
Concluindo, os que os argumentos para se concluir que uma cláusula é desproporcionada aos danos a ressarcir nos contratos de locação financeira, não poderão ser os mesmos para se concluir que de igual modo nos contratos de mera locação, isto porque há características que são exclusivas da locação financeira e que não se encontram presentes na mera locação.
Aliás, parece-nos contraditória a argumentação utilizada neste acórdão ao referir que a “desproporcionalidade dos danos a ressarcir deve ser apreciada, nos contratos de adesão, por um critério de índole objectiva, abstraindo-se da pura justiça no caso concreto”, e depois não se abstraindo da justiça no caso concreto, entender que ”uma cláusula contratual de um contrato de adesão que permite isto é de uma chocante desproporção com quaisquer prejuízos que possam estar em causa”[28].
O juízo sobre a desproporção das cláusulas deve ser efetuado sem atender às especificidades do caso concreto, ponderando-se apenas o conjunto do quadro negocial padronizado no âmbito do ramo ou setor da atividade em que se inserem[29] (há que ponderar além do tipo negocial, a natureza do bem a prestar, a situação do mercado no setor em que o negocio se integra, o ramo económico, a natureza do consumidor ou de empresário[30]), o que não foi no acórdão.
Isto é, devendo a desproporcionalidade dos danos a ressarcir deve ser apreciada por critérios de índole objetiva, não se poderá depois fazer apelo a critérios de índole subjetiva para a apreciar (nem se compreende os critérios de desvalorização dos bens referido no acórdão, quando se sabe qual a desvalorização anual de uma fotocopiadora, e se ao fim de 5 anos, terá ou não qualquer valor económico).
A nulidade por haver uma cláusula geral desproporcionada aos danos a ressarcir só pode ser reconhecida se forem conhecidos os prejuízos concretos sofridos[31], o que não está demostrado no caso sub judice.
Para se aferir da desproporcionalidade da cláusula é preciso proceder a uma comparação entre o montante da indemnização que resulte dessa cláusula e a ordem da grandeza dos prejuízos que a locadora sofrerá com o incumprimento[32], o que também não foi feito no acórdão.
A desproporção é aferida não por um critério casuístico mas pelo critério do tipo ou modelo geral do contrato em que aquela se insere tendo em conta a atividade do utilizador[33], o que não foi demonstrado no acórdão.
Assim, não se sabendo os prejuízos concretos sofridos, não se pode reconhecer da nulidade da cláusula geral por desproporcionada aos danos a ressarcir.
Concluindo, ao estipular-se uma indemnização correspondente a um montante equivalente a todos os alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato, as cláusulas 16ª, ponto 1, não são nulas, por não serem desproporcionadas aos danos previsíveis no momento da sua estipulação.
Destarte, nesta parte, improcederiam as conclusões Aª a Iª.

Lisboa, 2019-12-11
Nelson Borges Carneiro
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[1] CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos V (invalidade), p. 206.
[2] CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos V (invalidade), p. 206.
[3] JORGE MORAIS CARVALHO, ob. cit., pp. 163/4.
[4] JORGE MORAIS CARVALHO, ob. cit., p. 166.
[5] CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos V (invalidade), p. 212.
[6] MENEZES CORDEIRO, ob. cit., p. 523.
[7] ALMEIDA COSTA E MENEZES CORDEIRO, Cláusulas Contratuais Gerais, p. 47.
[8] GRAVATO MORAIS, Manual de Locação Financeira, p. 177.
[9] GRAVATO MORAIS, ob. cit., p. 178.
[10] GRAVATO MORAIS, ob. cit., p. 180.
[11] GRAVATO MORAIS, ob. cit., p. 180.
[12] CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pp. 248 e segts.
[13] ANTUNES VARELA E PIRES DE LIMA, CCivil Anotado, vol. 2º, p. 63.
[14] PINTO MONTEIRO, Cláusula Penal e Indemnização, p. 323.
[15] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-05-03, Relator: RIJO FERREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[16] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-05-03, Relator: RIJO FERREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[17] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-05-03, Relator: RIJO FERREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[18] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 2019-03-07, Relator: ANTÓNIO VALENTE, http://www. dgsi. pt/jtrl.
[19] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-05-03, Relator: RIJO FERREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[20] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1998-05-21; 1998-12-15 e de 2000-05-16, Relatores: LOPES PINTO; PINTO MONTEIRO e, FERREIRA DE ALMEIDA, respetivamente.
[21] ANA MORAIS ANTUNES, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, p. 296.
[22] Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 2012-05-03, Relator: RIJO FERREIRA, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[23] GRAVATO MORAIS, ob. cit., p. 43.
[24] GRAVATO MORAIS, ob. cit., p. 81.
[25] GRAVATO MORAIS, ob. cit., p. 43.
[26] GRAVATO MORAIS, ob. cit., p. 43.
[27] GRAVATO MORAIS, ob. cit., p. 43.
[28] “Em suma, o locador com base no contrato celebrado por 5 anos, pode ficar, passados 6 meses, com 11.000€ + 9.900€ + a possibilidade de fazer novo negócio idêntico. Ou seja, supondo-se um investimento inicial de, por exemplo, 8500€ [a diferença de 2.500€ para os 11.000€ tem a ver com o lucro, de cerca de 5% ao ano, tudo grosso modo], ao fim de 6 meses o locador poderá ter 20.900€ e a possibilidade de fazer novo negócio que lhe dê mais 9900€ ao fim de 6 meses. E assim por diante” (sic).
[29] Ac. RPorto de 2002-0627, CJ, Ano XXVIII, tomo III, pp. 123/126.
[30] ANA MORAIS ANTUNES, Comentário À Lei das Cláusula Contratuais Gerais, p. 295.
[31] Ac. STJ de 1999-03-02, http://www.dgsi.pt/stj.
[32] Ac. STJ de 2002-10-03, http://www.dgsi.pt/stj.
[33] Ac. STJ de 2004-03-02, http://www.dgsi.pt/stj, e Ac. TRLisboa de 2010-11-02, http://www.dgsi.pt/trl.