Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18216/21.4T8SNT.L1-7
Relator: CARLOS OLIVEIRA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
PEDIDO DE ESCUSA
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
ANTECEDÊNCIA DA COMUNICAÇÃO
MORA NA RESTITUIÇÃO DO LOCADO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Nos termos do Art. 34.º n.º 2 da Lei do Apoio Judiciário (LAJ - Lei n.º 34/2004 de 29 de julho), o pedido de escusa, que deve ser dirigido à Ordem dos Advogados (cfr. Art. 34.º n.º 1), interrompe o prazo que estiver em curso. Mas, para tanto, é necessário fazer prova, e em tempo, da apresentação desse pedido de escusa no processo onde está a decorrer o prazo que se pretende ver interrompido, o que deve ser feito pelo advogado que patrocina a parte em causa (cfr. Art. 34.º n.º 2 e 3).
2. Num caso em que a parte, em substituição do advogado relapso (que não deu cumprimento ao disposto no Art. 34.º n.º 2 e n.º 3 da LAJ), vem informar, em tempo, no processo onde estava a correr o prazo para interposição de recurso, que o seu advogado “desistiu” e estava a aguardar que a Ordem dos Advogados lhe nomeasse um novo patrono, requerendo que fosse “prorrogado” o prazo para recorrer, esse ato (da parte) deve ser julgado como tendo interrompido tempestivamente o prazo, nos termos do Art. 34.º n.º 2 da LAJ, quando o juiz do processo, nessa sequência, faz intervir o advogado faltoso, que vem a confirmar que, também em tempo, efetivamente apresentou um pedido de escusa, ratificando desse modo o ato da parte que patrocinava (cfr. Art. 41.º do C.P.C.).
3. Tendo sido convencionado que o contrato de arrendamento tinha um prazo de vigência de 1 ano e renovava-se automaticamente por iguais períodos de tempo, o prazo de antecedência para o exercício do direito do senhorio de oposição à renovação é de 120 dias, nos termos da al. b) do n.º 1 do Art. 1097.º do C.C., sendo irrelevante o número de anos de duração efetiva da relação contratual entre as partes, após sucessivas renovações.
4. Discutindo as partes a eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento, quer extrajudicialmente, quer na ação de despejo destinada a reconhecer o direito do senhorio à entrega do locado e consequente condenação do inquilino a cumprir essa obrigação, a indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, prevista no n.º 2 do Art. 1045.º do C.C., apenas será devida após a trânsito em julgado da sentença que condenou o inquilino definitivamente no despejo do locado, solucionando desse modo o litígio entre as partes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A veio propôs a presente ação de despejo, em processo declarativo comum, contra B  e  C, peticionando para:
a) Ser declarado cessado o contrato de arrendamento celebrado entre o A. e os R.R., por oposição à renovação do mesmo por parte do senhorio, condenando-se os R.R. a reconhecer tal facto;
b) Serem os R.R. condenados a restituir ao A., livre e desocupado de pessoas e bens, a fração autónoma identificada; e
c) Serem os R.R. condenados a indemnizar o A. no valor em dobro das rendas vincendas até efetiva entrega do imóvel, ao abrigo do Art. 1045.º n.º 2 do C.C., acrescida dos respetivos juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4% ao ano, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegou ter celebrado com os R.R., em 11 de Novembro de 2013, um contrato de arrendamento para habitação relativamente à fração autónoma de que é proprietário, pelo prazo de um ano, com início em 1 de dezembro de 2013, prorrogável por iguais e sucessivos períodos, tendo ambos permanecidos assim arrendatários até ao seu divórcio. Na sequência do divórcio dos R.R. veio a ser feito um aditamento ao contrato de cedência da posição contratual do R. C.
Entretanto, por carta datada de 19/04/2021, o A. comunicou à R. a oposição à renovação do contrato, devendo aquela entregar o locado livre e limpo, no dia 30 de Novembro de 2021.
A R. respondeu, por carta registada de 4/5/2021, referindo não tencionar desocupar o imóvel, pois o seu contrato durava há mais seis anos e a denúncia deveria ser feita com 240 dias de antecedência, ou seja, 8 meses, alegando que, no caso, tal não se verificava.
Citados ambos os R.R., o R. C não contestou, mas a R. B, após ter requerido e lhe ser deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, veio contestar, admitindo a veracidade dos factos alegados de 1.º a 33º da petição, impugnando os demais, mas sustentando que o contrato durou mais de seis anos e a denúncia deveria ter sido feita com 240 dias de antecedência, em conformidade com a al. a) do n.º 1 do Art. 1097.º do C.C., o que não teria ocorrido no caso concreto.
Findos os articulados foi proferido despacho de 28 de junho de 2022 (Ref.ª n.º 138090600 - p.e.), nos termos do qual foi expresso que existiriam condições para ser conhecido imediato o mérito da causa, concedendo às partes prazo para se pronunciarem sobre a dispensa de audiência prévia e sobre o mérito da causa.
Apenas o A. apresentou alegações sobre o mérito, pugnando pela procedência da ação.
Por despacho de 24 de outubro de 2022 (Ref.ª n.º 139732906 - p.e.), foram ainda as partes advertidas para a possibilidade do tribunal se pronunciar no sentido da ilegitimidade passiva do R. C. Nada tendo sido dito a esse respeito, veio então a ser proferido o despacho saneador-sentença datado de 27 de março de 2023 (Ref.ª n.º 141885358 - p.e.), dispensando-se a realização de audiência prévia, fixando o valor da causa e logo declarando verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do R. C. De seguida, apreciando o mérito da causa, julgou a ação parcialmente procedente por provada, declarou cessado o contrato de arrendamento celebrado em 11 de novembro de 2013, em que figura como senhorio o A. e, como arrendatária, a R., relativamente à fração autónoma designada pela letra “V”, correspondente ao 3.º andar C, do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, freguesia …, concelho …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º …, inscrita na matriz urbana da União das freguesias … sob o art. …, com efeitos a 30 de Novembro de 2021, por ser válida e eficaz a comunicação de oposição à sua renovação, datada de 19.04.2021; condenou a R. a entregar ao A. essa fração autónoma, livre e desocupada de pessoas e bens; condenou a mesma R. a pagar ao A. uma indemnização pela mora na entrega da fração pelo montante mensal de 700€, vencida desde 01/12/2021, e que, sem prejuízo dos montantes que comprovadamente haja pago desde 01/12/2021 até ao presente, se cifrava, à data da prolação da sentença, em 11.200€ (onze mil e duzentos euros) [16 meses x 700 €], e vincenda até à data da entrega da fração; mais condenou a mesma R. a pagar ao A. os juros de mora, à taxa legal dos juros civis, que se vençam sobre a quantia anterior, que se mostre em dívida à data da entrega da fração, contabilizados desde essa data e até integral pagamento; absolvendo a R. do mais peticionado.
Essa sentença foi notificada à patrona nomeada defensora oficiosa da R., Dr.ª D, em 28/3/2023 (cfr. “Not. da Sentença” 28-03-2023 – Ref.ª n.º 143510765 - p.e.).
A R., por email de 27 de abril de 2023 (cfr. “E-Mail – Recibos” de 27-04-2023 Ref.ª n.º 23251804 - p.e.) veio pedir «o prolongamento do prazo para apresentar recurso, porque a advogada Dra. D, desistiu, e estou à espera que a Ordem dos Advogados me nomeie outro patrono» (sic - cfr. fls. 52).
Por despacho de 11 de maio de 2023 (Ref.ª n.º 144115774 – p.e.), foi ordenada a notificação da patrona de todos os emails remetidos pela R., logo se dizendo que, por via dos mesmos, não ocorreria fundamento para a requerida prorrogação do prazo (cfr. fls. 55).
Quer a patrona, nomeada defensora oficiosa da R., quer a R., foram ambas notificadas do despacho em menção, sendo a primeira também dos referenciados emails juntos (cfr. “Not do Despacho Anexo” de 12-05-2023 – Ref.ª n.º 144289359 e n.º 144287666 - p.e.).
A Dra. D veio então apresentar requerimento a informar que no dia 28-04-2023 havia efetivamente apresentado na Ordem dos Advogados um pedido de escusa (cfr. “Requerimento” de 15-05-2023 – Ref.ª n.º 23356296 - p.e.).
O A., em resposta, veio apresentar requerimento de 17 de maio de 2023 (Ref.ª n.º 23370911 - p.e.), sustentando o seguinte:
«1. Tendo por base o documento nº1 junto com o Requerimento que antecede, verifica-se que, no âmbito do APJ 164386/2021, N.P. 58387/2022, apresentou a Ré o seu pedido de substituição de Patrono, seguido do pedido de escusa de Patrocínio por parte do M. I. Patrono que lhe fora nomeado.
«2. Não obstante operarem duas figuras distintas vertidas na Lei 34/2004, a verdade é que impende sobre a parte o ónus de comunicar E DEMONSTRAR ao processo quer a apresentação do pedido de substituição, quer o comprovativo de pedido de escusa, como se infere, respetivamente, do disposto no artigo 34º nº2 desta mesma lei, por remissão expressa do artigo 32º nº2 do mesmo normativo.
«ORA
«3. Tal dever impedia sobre a patrona nomeada que, ao apresentar pedido de substituição ou escusa, deveria em ato contínuo, comunicar e demonstrar tal diligência aos autos, assim fazendo suspender o prazo em curso consoante a lei determina.
«O que não fez.
«4. Apenas o demonstrou quando instada pelo douto tribunal, já fora do prazo conferido para o recurso.
«5. Prazo de recurso esse que, ao dia de hoje, se encontra irremediavelmente ultrapassado.
«6. Tendo sido extemporânea a comunicação aos Autos, rectius, pedido apresentado na pendência do processo, não assistirá razão à Ré quanto ao deferimento do seu pedido de prolongamento do prazo para apresentação de recurso, devendo ser indeferido tal pedido, consolidando-se o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do presente processo».
A R. veio, por email de 17 de maio de 2023, repetir o seu pedido de prorrogação do prazo para apresentar recurso, porque a advogada Dra. D havia “desistido” (cfr. “E-Mail – Recibos” de 17-05-2023 – Ref.ª n.º 23374786 – p.e.).
Entretanto, a Ordem dos Advogados veio a comunicar ao tribunal que em substituição da Dra. D era nomeada patrona à R. a Dra. E (cfr. “E-Mail – Recibos” de 02-06-2023 – Ref.ª n.º 23492520 - p.e.).
A Dra. E, por requerimento de 3 de junho de 2023, veio informar o tribunal que havia apresentado nesse mesmo dia um “requerimento de abertura de vicissitudes”, que poderia levar à sua substituição, requerendo que o prazo para recurso se mantivesse suspenso (cfr. “Requerimento” de 03-06-2023 – Ref.ª n.º 23496623 – p.e.).
Nessa sequência, é proferido o despacho de 7 de junho de 2023 (Ref.ª n.º 144364905 - p.e.) com o seguinte teor:
«Por requerimentos de 27.04.2023 e 02.05.2023, veio a ré "(...) pedir por este meio o prolongamento do prazo para apresentar recurso, porque a advogada Dra. D, desistiu, e estou à espera que a Ordem dos Advogados me nomeio novo patrono."
«Sem qualquer indicação da I. Patrona, nos autos, acerca de qualquer pedido de escusa, foi a mesma informada do teor do requerido, para os fins tidos por convenientes, e de que não ocorria, por via do mesmo e face aos elementos dos autos, fundamento para a requerida prorrogação de prazo.
«Em resposta, por requerimento de 15.05.2023, veio a I. Patrona nomeada da ré referir que: "É verdade que solicitei escusa à Ordem do Advogados no dia 28-04-3023, ainda em prazo de recurso e que aguardo confirmação da Ordem quanto aos motivos apresentados.
«Junto, anexo, tela comprovativa do pedido de escusa enviado à Ordem.
«Nada tenho a opor que seja prorrogado o prazo para efeitos do recurso."
«Com o requerimento, juntou uma impressão das vicissitudes do processo de apoio judiciário obtido no site da Ordem dos Advogados.
«Notificado do aludido requerimento, o autor veio tomar posição no sentido de que impende sobre a parte o ónus de comunicar e demonstrar ao processo quer a apresentação do pedido de substituição, quer o comprovativo de pedido de escusa, como se infere, respetivamente, do disposto no artigo 34.º, n.º 2, da Lei 34/2004, por remissão expressa do artigo 32.º, n.º 2, do mesmo normativo.
«Que tal dever impedia sobre a patrona nomeada que, ao apresentar pedido de substituição ou escusa, deveria em ato contínuo, comunicar e demonstrar tal diligência aos autos, assim fazendo suspender o prazo em curso consoante a lei determina, o que não fez.
«Que apenas o demonstrou quando instada pelo douto tribunal, já fora do prazo conferido para o recurso.
«Conclui que, tendo sido extemporânea a comunicação aos Autos, rectius, pedido apresentado na pendência do processo, não assistirá razão à ré quanto ao deferimento do seu pedido de prolongamento do prazo para apresentação de recurso, devendo ser indeferido tal pedido, consolidando-se o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito do presente processo.
«Por e-mail de 18.05.2023, a ré veio juntar aos autos a cópia dos e-mails que enviou à Ordem dos Advogados em 26.04.2023, solicitando a nomeação de um novo patrono.
«A 02.06.2023 a Ordem dos Advogados informou os autos da nomeação de Patrona, a qual, no dia 03.06.2023 informou ter efetuado pedido de escusa, sendo que a 07.06.2023, mostra-se junta nova nomeação de Patrono.
«Tendo em conta o estado dos autos, impõe-se aferir da interrupção, ou não, do prazo de recurso da sentença proferida em 27.03.2023 e notificada às partes por notificação de 28.03.2023.
*
«Nos termos do disposto no art. 32.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho: "1 - O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido.
«2 - Deferido o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes.
«3 - Se a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono."
«Por seu turno dispõe o art. 34.º do mesmo diploma que: "1 - O patrono nomeado pode pedir escusa, mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respetivos motivos.
«2 - O pedido de escusa, formulado nos termos do número anterior e apresentado na pendência do processo, interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção dos respetivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º
«3 - O patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior.
«4 - A Ordem dos Advogados ou a Câmara dos Solicitadores aprecia e delibera sobre o pedido de escusa no prazo de 15 dias. (...)"
«Na situação vertente e tendo em conta os elementos constantes dos autos, é incontornável concluir que a I. Patrona inicialmente nomeada não deu cumprimento ao disposto no art. 34.º, n.º 2 e 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, informando os autos, dentro do prazo de recurso, do pedido de escusa que formulou junto da Ordem dos Advogados, a 28.04.2023.
«Sucede, porém, que também dos autos resulta que a ré procurou de imediato informar o processo de que o patrocínio estava em causa, se bem que, agora se afere, não tenha logrado de se expressar de forma imediatamente percetível, o que deu origem ao despacho de 11.05.2023, nos termos em que o foi.
«A conduta da ré, nesta situação, foi de preocupação e acompanhamento do processo, o que, afigura-se-nos, impõe que se salvaguarde a sua situação, tanto mais quando atendemos aos valores em presença nos presentes autos e quando se conclui que seria sobre a mesma que se repercutiriam as consequências da ausência de comunicação do pedido de escusa, que se impunha à I. Patrona nomeada inicialmente, dentro do prazo do recurso.
«Neste condicionalismo, tendo em conta os requerimentos da ré de 27.04.2023 e de 02.05.2023, considero interrompido o prazo de recurso.
«Consigna-se que, nesta data, foi nomeada como Patrona, à ré, a Senhora Dra. F, I. Advogada, com escritório na Av. …, contacto: … (Cfr. Ref.ª CITIUS 23517213).
«Notifique.
«Informe do presente despacho a ré e com a informação de que não deve dar resposta pessoalmente ao mesmo.
*
«Atualize na árvore de intervenientes inserindo a identificação da I. Patrona nomeada na presente data».
Na mesma data a Ordem dos Advogados nomeou, em substituição da Dra. E, a Dra. F como patrona da R. (cfr. “E-Mail – Recibos” de 07-06-2023 – Ref.ª n.º 23517213 - p.e.).
Nessa sequência, a Dra. F veio informar o tribunal que havia pedido escusa (cfr. “Requerimento” de 12-06-2023 – Ref.ª n.º 23534210 - p.e.).
De seguida, a Ordem dos Advogados nomeia patrona da R. a Dra. G, em substituição da Dra. F (cfr. “E-Mail – Recibos” de 23-06-2023 – Ref.ª n.º 23622486 - p.e.).
A Dra. G também veio informar os autos que havia pedido escusa (cfr. “Requerimento” de 19-07-2023 – Ref.ª n.º 23786481 – p.e.), vindo a Ordem dos advogados a nomear, em sua substituição, o Dr. H (cfr. “E-Mail – Recibos” de 25-07-2023 – Ref.ª n.º 23817420 - p.e.), que finalmente apresentou alegações de recurso em 1 de setembro de 2023 (cfr. “Alegações” de 01-09-2023 – Ref.ª n.º 23965904 - p.e.), o qual tinha por objeto o despacho saneador-sentença que havia posto termo ao processo.
No final das suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
1- Na PI apresentada, o recorrido clamou por ser “declarado cessado o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor e os Réus, por oposição à renovação do mesmo, por parte do senhorio, condenando-se os Réus a reconhecer tal facto” , assim grafando, sob a letra a) o seu pedido no remate da peça processual que apresentou, pedido que não foi alterado até á prolação da sentença em crise.
2- Na sentença impugnada, o tribunal a quo declara cessado o contrato de arrendamento ajuizado, com efeitos a 30 de Novembro de 2021.
3- Ou seja, o que o A. requereu, com a presente ação, foi, unicamente, a declaração judicial da extinção do contrato ajuizado, por caducidade do mesmo.
4- Considerando o disposto nos termos do artº 1096º nº 1 e artº 1097º nº 1 CC , nas sucessivas redações dadas àquelas normas pela Lei nº 31/2012 (em vigor à data da celebração do contrato), e pela Lei nº 13/2019 (em vigor á data da comunicação invocada), o contrato de arrendamento ajuizado nos autos cessaria por impedimento da sua renovação automática convencionada, mediante comunicação do Apelante aos arrendatários referida nos autos , nos termos ali previstos e nas formas consignadas pelo artº 9 e artº 10º da Lei 9/2006.
5- Atendendo á norma contida no n.º 1 do art.º 14.º do NRAU -“a ação de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação, e segue a forma de processo comum declarativo”, não sendo a decisão a proferir nos autos, determinativa (que a lei imponha dela usar) da extinção do contrato de arrendamento em causa, a ação intentada é uma ação de simples apreciação, no caso, de apreciação da cessação do contrato de arrendamento em causa.
6- Nesse sentido, seria imprescindível que o Apelado, no pedido formulado, referisse, expressamente, que pretendia, com a ação intentada, que o tribunal reconhecesse que o contrato em causa tivesse cessado em determinada data, assim o pretendesse ver reconhecido judicialmente, o que não fez.
7- Logo, a inclusão no segmento decisório da sentença em crise de uma data a partir da qual deve o contrato ser considerado cessado, e, consequentemente, a partir do qual deverá ser restituído, sem que tal tenha sido peticionado, constitui nulidade da sentença de excesso de pronúncia, nos termos do artº 615º nº 1 al. e ) , artº 609º nº 1 e artº 3º nº 1 CPC , que aqui se argui para todos os efeitos legais.
8- Pelo supra citados factos elencados, sequer o Apelado tinha interesse processual na instauração da presente ação, pois, promovendo, como afirma ter promovido, a oposição á renovação automática do contrato de arrendamento, o mesmo cessaria por caducidade na data por ele considerada (controvertida face á resposta da R.) e, assim, o contrato terá cessado, como afirma, em 30/11/2021.
9- Logo, atento o disposto no artº 224º nº 1 CC, não necessitaria da intervenção judicial para a obtenção do efeito extintivo do contrato em causa, como se disse.
10- O apelado não alegou que a R. se tenha oposto à restituição do locado.
11- Consequentemente, ao A., caso não tivesse ocorrido a restituição do arrendado naquela data por ele considerada como termo do contrato de arrendamento, restar-lhe-ia recorrer ás instâncias judiciais para a restituição coerciva do locado, isto é, através de ação executiva ou, dado o disposto no artº 15º nº 1 da lei 6/2006, através de procedimento especial de despejo, não existindo, para nenhum dos pedidos formulados pelo Apelado, a necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir a presente ação.
12- Ora, o interesse em agir, constitui um pressuposto processual cuja violação é de conhecimento oficioso e constitui, a verificar-se, exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância do R., nos termos conjugados do artº 576º nº 1 e nº 2,artº 577º , artº 578º e. al. e), do nº1, do art. 278º C.P.C.
13- O tribunal a quo, não se pronunciou sobre a falta de tal pressuposto processual, incorrendo, assim, em nulidade de omissão de pronuncia prevista no artº 615º nº 1 al. d) CPC que , aqui, igualmente se invoca para todos os efeitos legais.
14- Quando assim não se entenda, sempre a sentença em crise é errada, fazendo uma incorreta aplicação do Direito aplicável ao caso sub judice.
15- Entendeu o tribunal quo que, atentos os factos dados por provados e a norma prevista no artº 1096º nº 1 CC, na redação dada pela Lei 13/2019, o contrato dos autos renovou-se, em 1/12/2018, pelo período de 3 anos, até 30/11/2021, e que, nos termos do disposto no artº 1097º nº 1 al. b) do CC, o prazo de antecedência da comunicação do senhorio de oposição à próxima renovação, seria esse ali consignado, seja, de 120 dias, prazo que terá sido cumprido nos caso dos autos, atento entre a que a data da comunicação do A por parte da R. (24/4/2021) e a data da produção dos seus efeitos (30/11/2021) mediaram 220 dias.
16- Logo, ali se conclui que a comunicação de oposição é válida e operante, incorrendo em erro com tal interpretação.
17- O contrato de arrendamento ajuizado nos autos, à data do recebimento da comunicação, tinha uma duração superior a 6 anos, logo, logo, a antecedência da comunicação de oposição á renovação pelo senhorio deveria ser de 240 dias, conforme a norma prevista no artº 1097º nº 1 al. a) do CC.
18- Pois, considerando o facto contante no ponto 2 da mesma, o contrato de arrendamento ajuizado nos autos teve início em 1 de dezembro de 2013 e , considerando o facto contante no ponto 6 , a Apelante recebeu a carta de oposição à renovação que lhe foi endereçada pelo A. e datada de 19/4/2021, em 24/4/2021.
19- A melhor interpretação da norma ínsita no disposto no artº 1097º nº 1 do CC, nas diversas alíneas, respeita a antiguidade do contrato de arrendamento, e não a duração inicial ou a duração das suas renovações individualmente consideradas.
20- Na verdade, a justificação pela diversidade de prazos de antecedência previstas naquele dispositivo legal (240, 120, 60 dias e 1/3 do prazo de duração inicial nos contratos de prazo inferior a seis meses) e pela sua elevação gradual conforme a maior duração do contrato, em benefício do arrendatário, apenas poderá resultar da maior ou menor estabilidade da relação locatícia estabelecida pelos contratos em causa, nomeadamente, do direito ao gozo do locado para sua habitação pelo arrendatário, desde o seu inicio, e não tomando em consideração os prazos, iniciais ou renovatórios, que estejam em vigor à data da declaração de oposição.
21- Na verdade, o contrato de arrendamento é sempre o mesmo, ocorrendo ou não ocorrendo qualquer renovação, querendo assim dizer-se que a antecedência mínima que a declaração de oposição à renovação do contrato pelo senhorio ali prevista seria de 240 dias antes do termo do prazo em curso, se o prazo de duração do contrato, inicial ou renovado, fosse igual ou superior a 6 anos.
22- Ora, tal prazo não se mostra de todo observado, pois a comunicação da oposição à renovação foi feita em 29.03.2018 e o termo do contrato teria lugar a 31.08.2018, sendo, assim, absolutamente ineficaz tal comunicação, para os fins de caducidade do contrato em causa.
23- Consequentemente, mal andou o tribunal a quo quando considerou que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento dirigida pelo A à ora apelante, por ela recebida em 24/4/2021, foi valida e eficaz para impedir a renovação do contrato de arrendamento no termo do prazo da renovação que se encontrava em curso e que, por tal, o mesmo cessou, por caducidade , em 30/11/2021.
24- A decisão assim proferida violou o disposto no artº 1097º nº 1 al. a) CC., devendo ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo a ineficácia daquela declaração de oposição, julgue a ação improcedente por não provada e, antes, considere o contrato de arrendamento dos autos, renovado em 1/12/2021, por 3 anos, nos termos do artº 1097 nº 3 CC na redação atual.
25- Quando assim não se entenda, e ao invés se julgue válida e eficaz a referida comunicação de oposição do A., sempre a sentença faz uma incorreta interpretação e aplicação da norma constante no artº 1045º nº 1 e nº 2 CC.
26- A apelante não incorreu em mora na restituição do locado, caso se considere que o contrato de arrendamento cessou, por caducidade, no termo do prazo em vigor em 24/4/2021.
27- Entendeu o tribunal, assim, que a R. incorreu em mora, para efeitos da aplicação do disposto no 1045º nº 2 do CC, em 30/11/2021, data em que foi considerado, na sentença em crise, cessados os efeitos do contrato de arrendamento ajuizado nos autos.
28 - Em primeiro lugar, aquela data assim fixada viola o disposto no artº 279º al. b) e c) do CC. pois que, a considerar-se válida a oposição à renovação automática, o que não se aceita, o prazo inicial do contrato terminaria, assim às 24 horas do dia 1 de Dezembro de 1/12/2014. As subsequentes renovações, porque estabelecidas em ano ou anos, terminaria, igualmente, ás 24 horas do dia 1 de Dezembro dos anos seguintes.
29- Logo, jamais a R. teria qualquer obrigação de restituição do locado em 30/11/2021.
30- Ainda que se considere (no qual não se transige, conforme é bom reflexo o disposto nas presentes alegações) que a R. devia restituir o locado ao A em 30/11/2021 ou em 1/12/2021; e se assim não ocorreu (facto que não se mostra alegado e provado!!!), tal não determinará, por si só, a obrigação de pagamento de uma indemnização equivalente ao valor da ultima renda em dobro.
31- Na verdade, a indemnização prevista na Lei, no caso de não restituição do locado, findo o contrato de arrendamento, a pagar pelo locatário, é a equivalente à própria renda convencionada, nos termos do disposto no artº 1045º nº 1 CC.
32- No caso dos autos, e pese embora não haja sido alegado ou provado, o que se poderia alvitrar é que a R. não restituiu em 30/11/2021 (ou 1/12/201) o locado ao A. e que em 2/12/2021, o mesmo instaurou a presente ação.
33- A não restituição do arrendado é facto distinto da mora do locador, razão da destrinça naqueles dois parágrafos do artº 1045º CC.
34- A cessação do contrato de arrendamento, por qualquer das causas legais possíveis, não determina ao vencimento imediato da obrigação de restituição do arrendado, tornado, apenas, exigível tal obrigação – vg. Artº 1081º nº 1 CC.
35- Deste entendimento resulta que o inquilino só incorrerá em mora na restituição do locado após ter sido interpelado para o restituir, pois o vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá, de imediato, no momento em que termina o contrato.
36- Extinto o contrato de locação, se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art. 1045º, n.º 1 CC, deve continuar a pagar a renda ou aluguer ajustados.
37- Assim, o locatário, extinto o contrato, só entra em mora, relativamente à obrigação de restituir a coisa, depois de ter sido interpelado para a entregar, ou seja, extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente (art. 1045º, n.º 2 CC)“
38- Ora a interpelação para a restituição apenas pode ser considerada, em abstrato, efetuada com a citação dos RR. na presente ação.
39- No entanto, conforme cópia da carta da R junta aos autos, é notória a divergência entre a A. e R quanto á cessação do contrato de arrendamento e, consequentemente, quanto ao vencimento da obrigação da restituição do locado.
40- Ocorrendo divergência jurisprudencial e doutrinal quanto ao prazo de antecedência da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais e, mesmo, o prazo dessa renovação, atento o disposto na redação dada pela Lei nº 13/2019, é bem de considerar que, a eventual (sublinha-se, não alegada ou provada) não restituição do locado pela R. no dia 30/11/2021, não advém de qualquer ato de rebeldia ou incúria por parte da R., mas antes, “de existência de “uma situação controvertida, não provocada pelo locatário e enquanto ela perdurar”, isto é, uma situação de não restituição simples”
41- Estando controvertida entre senhorio e arrendatários a data do prazo da renovação do contrato e consequentemente o momento da cessação do arrendamento, não sendo esta situação provocada pelos arrendatários, não existe mora destes, mas apenas não restituição simples, situação que perdurará até ao transito em julgado da decisão que definitivamente decida a controvérsia.
42- Não há, assim, uma falta voluntária, nem culposa, da R. para a eventual não restituição do locado.
43- A R. não está, assim, em mora na restituição do locado, pelo que não lhe pode ser assacada a responsabilidade de pagamento de uma indemnização fixada nos termos do artº 1045º nº 2 CC, antes, apenas assacada a responsabilidade de pagamento da compensação de valor igual ao da renda convencionada até decisão definitiva do presente diferendo, nos termos do artº 1045º nº 1 CC
44- Concluindo-se, apenas poderá haver lugar à condenação da apelante a entregar o locado após o trânsito em julgado da decisão a proferir nos presente autos, e ao pagamento ao recorrido do valor mensal da renda convencionada respeitante ao contrato até à efetiva entrega do locado.
45- A sentença em crise, porque violadora dos supra citados normativos legais, dever ser revogada e substituída por outra que assim conclua.
O A. respondeu ao recurso e, mesmo não apresentando conclusões, veio pugnar pela improcedência do mesmo, quer quanto às alegadas nulidades da sentença, quer quanto ao fundo da causa, suscitando a questão prévia da tempestividade do recurso apresentado pela R., expressando o entendimento de que o mesmo não deveria ser admitido.
O Tribunal a quo veio admitir o recurso por tempestivo, por entender que os sucessivos pedidos de escusa interromperam o prazo em curso, consignando ainda não se verificarem as nulidades invocadas pela Recorrente.
Entretanto, a requerimento da Recorrente, por despacho de 24 de novembro de 2023, veio retificar-se o efeito atribuído ao recurso admitido, passando o mesmo a ter efeito suspensivo (cfr. fls. 106).
Distribuídos os autos neste Tribunal da Relação, foi ordenado pelo Relator o cumprimento do contraditório relativamente à questão da tempestividade do recurso de apelação, tendo a Recorrente respondido ao assim solicitado, sustentando que o despacho de 7 de junho de 2023 transitou em julgado e decidiu sobre a tempestividade da intervenção de patrono anterior, tendo-se sucedido sucessivos pedidos de escusa que interromperam, nos termos do Art. 34.º n.º 2 da Lei n.º 34/2004, o prazo em curso, sendo assim o presente recurso tempestivo.
Resta referir que o presente processo foi inscrito em tabela, com reserva expressa sobre a apreciação oportuna, por tribunal coletivo, sobre a questão da tempestividade do recurso.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) A tempestividade do recurso;
b) A nulidade da sentença, por excesso e omissão de pronúncia;
c) A extinção do contrato de arrendamento por oposição à sua renovação e o prazo de antecedência da comunicação do senhorio destinada a esse efeito; e
d) A indemnização devida pelo atraso na restituição do locado.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. O A. é comproprietário da fração autónoma designada pela letra “V”, correspondente ao 3.º andar C, do prédio em regime de propriedade horizontal sito na …, freguesia …, concelho …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva-Cacém sob o n.º …, inscrita na matriz urbana da União das freguesias … sob o art. …;
2. Por contrato, celebrado no dia 11 de Novembro de 2013, denominado de “'CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO”, o A. e os R.R., na qualidade, respetivamente, de proprietário e primeiro contratante e de arrendatários e segundos contratantes convencionaram o seguinte:
“(…) Cláusula Primeira
“O primeiro contraente é legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra "V" do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, 3.º C, freguesia … - concelho …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Agualva Cacém, sob o n.º …, inscrita na respetiva matriz urbana da freguesia de São Marcos com n.º … e com a licença de utilização n.º …/99, passada pela Câmara Municipal de Sintra em 09/09/1999, que concede aos segundos contraentes, mediante retribuição e segundo o regime de renda livre, o seu gozo temporário.
“Cláusula Segunda
“1 - O presente contrato é feito pelo prazo efetivo de um ano, tacitamente prorrogável, por períodos iguais de um ano, desde que nenhum dos contraentes o denuncie no prazo mínimo de 60 (sessenta) dias, através de carta registada com aviso de receção.
“2 - O presente contrato terá início a 01 de dezembro de 2013.
“Cláusula Terceira
“1 - A renda no valor de €4.200,00 (quatro mil e duzentos euros), será paga em duodécimos, no valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros), a pagar pelos segundos contraentes.
“2 - primeira renda vencer-se-á até 08 de dezembro de 2013, sendo que cada uma das restantes, será obrigatoriamente paga entre o primeiro dia útil de cada mês e como limite máximo, até o dia 08 do mês correspondente.
“3 - O pagamento da renda será efetuado por meio de transferência bancária para a conta que o primeiro contraente é titular no banco CGD com o NIB: ….
“4 - No momento da celebração do contrato, os segundos contraentes entregam ao primeiro contraente o valor de 350,000 (trezentos e cinquenta euros), correspondentes ao pagamento de um mês de caução, que será usado com o último mês de utilização do imóvel. (…)”
3. O contrato de arrendamento foi comunicado à Autoridade Tributária;
4. Em duas vias, uma assinada pelo A. e C em 14.02.2021 e, outra, assinada pelo A. e pela R. B em 25.04.2021, foi celebrado um acordo denominado de “ADITAMENTO AO CONTRATO DE ARRENDAMENTO (CEDENCIA DE POSIÇÃO CONTRATUAL)”, nos termos dos quais, as partes acordaram que:
“(…) É acordado o presente aditamento ao contrato de arrendamento urbano para habitação, celebrado em 1 de dezembro de 2013, referente ao 3.° andar C, do prédio sito na Rua …, freguesia …, concelho …, Serviço de Finanças de Sintra, inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º n.º ….
“Por mútuo acordo, a partir de (…) de Março de 2015, por motivos de divórcio dos segundos contraentes e incindindo o arrendamento sobre casa de morada de família, de acordo com o n.º 3 do artigo 1105.° do Código Civil, a transferência acordada e homologada pelo Conservador do Registo Civil de (…) foi atribuída a B, passando a ser legalmente considerada arrendatária do locado. (…)”
5. Datada de 19 de Abril de 2021, o A. enviou á R. uma carta com o seguinte teor:
“(…) Assunto: Oposição à renovação do contrato de arrendamento
“Exma. Senhora,
“Pela presente comunico a V. Exa. que, ao abrigo do disposto no art.º 1097.° do Código Civil e das cláusulas 2.ª e 9.ª do contrato de arrendamento celebrado em 1 de dezembro de 2013, referente à minha propriedade sita na Rua …, 3.° andar C, em …, pretendo fazer cessar o referido contrato de arrendamento, devendo o locado ser-me entregue livre e limpo, no dia 30 de novembro de 2021.
“Melhores cumprimentos (…)”
6. A Ré recebeu a carta de 19.04.2021 a 24.04.2021;
7. Datada de 04 de Maio de 2021, a R. respondeu ao A. por carta com o seguinte teor:
“(…) Acuso a receção da vossa carta de 19 de Abril de 2021, cujo teor mereceu a minha melhor atenção. Pela presente comunico que o apartamento do prédio sito na Rua …,3 C, em … do qual sou arrendatário e V./ Exa. senhorio, venho por este meio informar o seguinte: tendo o contrato durado mais de seis anos, a denúncia deverá ser feita com 240 dias de antecedência, ou seja 8 meses, o que neste caso não se verificou. (…)”;
8. Com tal comunicação, a R. pretendeu comunicar não tencionar desocupar o imóvel.
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Para a apreciação da questão da tempestividade do recurso são ainda relevantes a sequência de atos processuais sumariados no relatório do presente acórdão, os quais se mostram documentados nos autos.
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Estabelecidas as questões suscitadas na apelação cuja apreciação importará fazer, cumprirá então que sobre elas nos debrucemos, respeitando no seu conhecimento a ordem de precedência lógica.
1. Da tempestividade do recurso.
A primeira questão que importa apreciar neste recurso tem a ver com a tempestividade da apresentação do requerimento de recurso interposto pela R..
Essa questão, em princípio, deveria ser decidida pelo juiz relator, em decisão singular (cfr. Art. 652.º n.º 1 al. b) do C.P.C.), da qual poderia evidentemente haver reclamação para conferência, nos termos do Art. 652.º n.º 3 do C.P.C., com vista a que sobre a mesma pudesse vir a recair acórdão.
Ocorre que os termos como a questão se coloca no caso concreto dos presentes autos importam na ponderação de fatores de alguma sensibilidade que justificam que a mesma deva ser apreciada em coletivo, evitando-se desse modo a duplicação de atos decisórios e o protelamento duma decisão final sobre a questão, encurtando-se assim procedimentos que poderiam na prática revelarem-se ser completamente inúteis.
Relembre-se que estamos perante uma ação de despejo destinada a reconhecer a cessação de um contrato de arrendamento urbano para habitação por motivo da sua extinção por manifestação de vontade do senhorio em se opor à sua renovação (cfr. Art. 1097.º do C.C.).
Essa ação de despejo, por força do Art. 14.º n.º 1 do NRAU (Lei n.º 6/2006 de 27/2), segue a forma do processo declarativo comum, sendo que a decisão recorrida reconheceu a situação de cessação da relação contratual de arrendamento e condenou a R., inquilina, a restituir o imóvel que servia de sua habitação.
Essa decisão é sempre recorrível para o Tribunal da Relação, independentemente do valor da causa e da sucumbência da parte vencida (cfr. Art. 629.º n.º 3 al. a) do C.P.C.), sendo o prazo de interposição do recurso de 30 dias (cfr. Art. 638.º n.º 1 do C.P.C.), porquanto indiscutivelmente que não estamos perante um processo urgente, ao contrário do que sucede com o procedimento especial de despejo regulado nos Art.s 15.º a 15.º-S do NRAU (cfr. Art. 15.º-S n.º 5 e n.º 8 do NRAU – vide ainda, a propósito: Ac. STJ de 4/11/2021 – Proc. n.º 427/19.4YLPRT.L1.S1 – Relatora: Maria Clara Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt).
No caso concreto, a R., aqui Recorrente, havia contestado a ação através de advogada, nomeada sua patrona ao abrigo do benefício de apoio judiciário concedido nessa modalidade (cfr. fls. 16).
A sentença que decretou o despejo foi notificada à R., através da sua patrona nomeada, em 28/3/2023 (cfr. “Not. da Sentença” 28-03-2023 – Ref.ª n.º 143510765 - p.e.), presumindo-se que essa notificação ocorreu no dia 31 de março de 2023 (uma 6.ª feira)  - (cfr. Art. 255.º “in fine” do C.P.C.).
Recorde-se que no dia 2 de abril de 2023 (Domingo de Ramos) iniciaram-se as férias judiciais de Páscoa (cfr. Art. 28.º da LOSJ – aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26/8), as quais se prolongaram até 10 de abril de 2023 (2.ª feira de Páscoa). Pelo que, o prazo de 30 dias, cuja contagem se suspendeu nas férias (cfr. Art. 138.º n.º 1 do C.P.C.), só terminava a 9 de maio de 2023 (uma terça-feira).
Ocorre que a R. veio a informar os autos que a sua advogada “desistiu” e estava à espera que a Ordem dos Advogados nomeasse um novo advogado em sua substituição (cfr. “E-Mail – Recibos” de 27-04-2023 Ref.ª n.º 23251804 - p.e.). Ou seja, aparentemente, a sua defensora oficiosa teria pedido escusa, mas disso não dera conta ao processo.
A R. foi diligente, porque informou esse facto ainda dentro do prazo em curso para interpor o recurso. No entanto, a sua patrona nada havia dito nos autos a esse respeito.
Ora, nos termos do Art. 34.º n.º 2 da Lei do Apoio Judiciário (LAJ -Lei n.º 34/2004 de 29 de julho), o pedido de escusa, que deve ser dirigido à Ordem dos Advogados (cfr. Art. 34.º n.º 1), interrompe o prazo que estiver em curso, mas isso só ocorre «com a junção nos respetivos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º». Acrescentando depois o n.º 3 do mesmo preceito que: «o patrono nomeado deve comunicar no processo o facto de ter apresentado um pedido de escusa, para os efeitos previstos no número anterior».
Ou seja, não basta pedir escusa junto da Ordem dos Advogados, é necessário fazer prova, e em tempo, da apresentação desse pedido de escusa no processo onde está a decorrer o prazo que se pretende ver interrompido, sob pena da interrupção não poder ocorrer (vide, a propósito: Ac. STJ de 9/0/2021 – Proc. n.º 50/17.8TRLSB – Relator: Eduardo Loureiro – disponível em no sítio “jurisprudência.pt”).
No caso, isso efetivamente não ocorreu e, portanto, como se decidiu no despacho de 11 de maio de 2023 (Ref.ª n.º 144115774 - p.e.) o pedido de prorrogação de prazo feito pela R., via email de 27 de abril de 2023, não teria fundamento (cfr. fls. 55).
Ainda assim, a patrona nomeada, a Dra. D, veio a apresentar requerimento a informar que no dia 28 de abril de 2023 havia efetivamente apresentado na Ordem dos Advogados um pedido de escusa. Só que só fez prova disso no dia 15 de maio de 2023 (cfr. fls. 56 a 57 -  “Requerimento” de 15-05-2023 – Ref.ª n.º 23356296 - p.e.), recordando-se que o prazo para interposição do recurso já havia terminado a 9 de maio de 2023, mesmo sendo certo que o ato ainda poderia ser praticado até 12 de maio, mediante o pagamento de multa (cfr. Art. 139.º n.º 5 ou n.º 6 do C.P.C.).
Por isso mesmo o A. veio pedir que fosse indeferida a pretendida prorrogação de prazo para interposição de recurso (cfr. “Requerimento de 17-05-2023 - Ref.ª n.º 23370911 - p.e.), com base no incumprimento da obrigação estabelecida no n.º 2 do Art. 34.º da LAJ.
Entretanto, a R. continuou a insistir no pedido de prorrogação do prazo e a Ordem dos Advogados veio finalmente comunicar ao tribunal que, em substituição da Dra. D, era nomeada patrona à R. a Dra. E (cfr. “E-Mail – Recibos” de 02-06-2023 – Ref.ª n.º 23492520 - p.e.), a qual também pediu escusa, requerendo que o prazo para recurso se mantivesse suspenso (cfr. “Requerimento” de 03-06-2023 – Ref.ª n.º 23496623 – p.e.).
É então que vem a ser proferido o despacho de 7 de junho de 2023 (Ref.ª n.º 144364905 - p.e.) cujo teor foi reproduzido no relatório do presente acórdão, onde se reconhece a evidência do facto de a patrona inicialmente nomeada como defensora oficiosa da R. não ter cumprido o disposto no Art. 34.º n.º 2 da LAJ. No entanto, relevou o comportamento diligente da R. e a circunstância da omissão de comunicação não lhe ser imputável, mas ser na sua esfera jurídica que se repercutiria essa falta. Assim, relevando os condicionalismos verificados, considerou interrompido o prazo para interposição do recurso, relevando ainda que na mesma data foi nomeada patrona da R. a Dra. F, em substituição da Dra. E.
Sustenta agora a Recorrente que esse despacho transitou em julgado e, portanto, que ficou definitivamente assente no processo que o prazo de recurso se mostrava interrompido nessa data.
Sucede que, estávamos perante uma decisão interlocutória de que não cabia recurso autónomo imediato, nos termos do Art. 644.º n.º 2 do C.P.C.. Consequentemente, essa decisão só poderia ser impugnada no recurso que viesse a ser interposto da decisão final, tal como estabelece o Art. 644.º n.º 3 do C.P.C..
Acresce que estava precisamente em causa a possibilidade de se recorrer duma decisão final (cfr. Art. 644.º n.º 1 al. a) do C.P.C.) que era favorável ao A. e, portanto, dela não poderia este interpor recurso de apelação só com esse objeto (cfr. Art.s 629.º n.º 1 e 631.º do C.P.C.). Nessa medida não se pode dizer que tivesse logo transitado em julgado o despacho de 7 de junho de 2023, por falta de impugnação dele por parte do A..
O A. só poderia aguardar que a R. viesse a interpor recurso da sentença que havia posto termo ao processo para, nas contra-alegações, impugnar, à cautela, o despacho de 7 de junho de 2023.
E foi isso mesmo que fez, sustentando nas contra-alegações a falta de fundamento legal do despacho de 7 de junho de 2023 e que o recurso interposto é manifestamente “intempestivo”, no sentido de que era extemporâneo, já que o prazo havia terminado em 9 de maio de 2023 (sem prejuízo do disposto no Art. 139.º n.º 5 e n.º 6 do C.P.C.) e não foi tempestivamente interrompido, sendo que o requerimento de recurso, com as respetivas alegações, só deram entrada em juízo no dia 1 de setembro de 2023.
Esta linha de raciocínio está indiscutivelmente em conformidade com a literalidade do direito processual aplicável ao caso. A única questão que se coloca é, no entanto, a de como relevar o comportamento anterior da R., tendo em vista obstar que o seu direito a recorrer não ficasse definitivamente precludido.
Veja-se que esta teve a preocupação de, antes do termo do prazo do recurso, vir informar os autos que a sua advogada havia “desistido”, pretendendo que fosse “prorrogado” o prazo para interposição do recurso (cfr. fls. 51).
Essa informação, trazida aos autos por email, poderia ser tida como um ato praticado pela própria parte, em substituição da sua advogada, que no caso foi relapsa, pois não cumpriu, como devia, o disposto no Art. 34.º n.º 2 e n.º 3 da LAJ.
Ocorre que, o presente processo está sujeito a patrocínio judiciário obrigatório, porque estamos perante uma causa em que é sempre admissível recurso, independentemente do valor (cfr. Art. 40.º n.º 1 al. b), conjugado com o Art. 629.º n.º 3 al. a), ambos do C.P.C.). Ora, a R. estava patrocinada por advogado e, portanto, todos os atos que envolvessem questões jurídicas, como sejam o requerimento de “prorrogação de prazo” para interposição de recurso, deveria necessariamente ser praticado pela sua patrona. Aliás, nem sequer é discutível que era essa advogada quem estava obrigada ao cumprimento do disposto no Art. 34.º n.º 2, em face do disposto no n.º 3 do mesmo preceito da LAJ.
Ainda assim não se poderia concluir, sem mais, que a R. estava obrigada a ficar à espera que a sua patrona desse cumprimento à lei. Por isso, estava plenamente justificado que tivesse tomado a iniciativa, de louvável discernimento e cuidado, de informar o tribunal, ainda muito em tempo, que a sua advogada havia “desistido” e estava a aguardar que a Ordem dos Advogados nomeasse outra pessoa em sua substituição.
Como é evidente, a R. não poderia pleitear por si própria, como se não fosse obrigatória a constituição de advogado, à semelhança do que dispõe o Art. 42.º do C.P.C.. Mas a lei não pode deixar de reconhecer à parte o direito de ver substituído o advogado que lhe foi nomeado como seu defensor oficioso, o que importa na prática de atos pessoais pela própria parte, independentemente do patrocínio por advogado.
De facto, nos termos do Art. 32.º n.º 1 da LAJ, o beneficiário de apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados, a substituição do patrono nomeado, fundamentando o pedido.
Acresce que, esse pedido pode ser formulado na pendência do processo (cfr. Art. 32.º n.º 3 da LAJ) e, sendo deferido, aplica-se-lhe, com as devidas adaptações, o disposto no Art. 34.º (cfr. Art. 32.º n.º 2 da LAJ).
Daqui decorre que se o beneficiário de apoio judiciário vier a saber que o seu advogado “desistiu”, terá toda a legitimidade para, pessoalmente, requerer a sua substituição ou a nomeação de um novo patrono, seja nos termos do Art. 32.º da LAJ, seja mesmo nos termos do Art. 51.º n.º 1 do C.P.C..
Ocorre que, na situação concreta, em função dos pressupostos invocados no email de 27 de abril de 2023 (cfr. fls. 52), não faria sentido que a R. pedisse essa substituição à Ordem dos Advogados, porque a mesma logo informou que já estava à espera que essa Ordem nomeasse um substituto.
O único problema é que a R. não fez logo prova nos autos de que já havia sido requerida a substituição da patrona, tal como estabelece o Art. 34.º n.º 2, aqui aplicável “ex vi” Art. 32.º da LAJ.
A verdade é que a R. também não teria o domínio do “processo de substituição” que alegadamente já estava em curso na Ordem dos Advogados. Até porque, como sabemos agora, o pedido de escusa teria sido requerido por iniciativa da sua patrona apenas no dia seguinte (cfr. doc. de fls. 57 – dia 28/4/2023). Em consequência, por assim dizer, a R. estava de “pés e mãos atadas”, não conseguindo, por si, fazer prova da pendência desse procedimento, quando apresentou o email de 27/4/2023 (cfr. fls. 52).
Claro que poderia por sua iniciativa pedir logo a nomeação de patrono, seja nos termos do Art. 51.º do C.P.C., seja nos termos do Art. 32.º n.º 1 da LAJ, como já tivemos oportunidade de referenciar. No entanto, isso seria uma duplicação escusada e inútil de procedimentos, que só poderia causar mais confusão. Sendo que não se poderia exigir à R. conhecimento técnicos de natureza jurídica que lhe permitissem agir doutro modo. Na prática a R. limitou-se a reagir de forma sensata, como qualquer cidadão comum, preocupado com a salvaguarda do exercício legítimo dos seus direitos perante o tribunal, dando conta dos factos tal como deles tinha conhecimento e formulando o pedido que lhe pareceu ser o adequado.
Em todo o caso, a R. ainda estava patrocinada pela advogada que havia pedido escusa e, formalmente, sem ter feito prova da apresentação do pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados, não tinha logrado interromper o prazo em curso.
Ainda assim, em condições muito excecionais, não pode deixar de ser permitido às partes praticar certos atos processuais como se não tivesse sido constituído advogado, para salvaguarda do exercício de direitos que doutro modo ficariam definitivamente precludidos.
A esses atos poderá aplicar-se, com as devidas adaptações, o disposto no Art. 41.º do C.P.C., que permite ao juiz, oficiosamente, determinar a correção de eventuais deficiências no patrocínio, fixando determinado prazo para o seu suprimento, sob pena de dar sem efeito a “defesa”, ou no caso, o “ato” praticado.
No caso, a Mma. Juíza do tribunal a quo pretendeu que o ato da parte fosse suportado pela intervenção ratificante da própria advogada da R., convidando-a a requerer o que tivesse por conveniente (cfr. despacho de fls. 55). E foi isso que veio a acontecer com o requerimento subscrito pela advogada em causa (cfr. fls. 56 a 57), nos termos do qual a mesma finalmente informou que havia formulado, em 28/3/2023, um pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados, disso fazendo prova.
Ou seja, o ato da patrona de fls. 56 a 57 (requerimento de 15/5/2023), completou e ratificou, por força do convite constante do despacho de fls. 55 (de 11/5/2023), o ato praticado pela própria parte a fls. 52 (Email de 27/4/2023), juntando a prova a que se reporta o Art. 34.º n.º 2 da LAJ, que a R. não poderia ter junto por sua iniciativa em 27 de abril de 2023, suprindo assim a falta verificada, em conformidade com o disposto no Art. 41.º do C.P.C.. Em conformidade, o ato individual da R. deve ter-se como tendo produzido os efeitos previstos no Art. 34.º n.º 2 e n.º 3 da LAJ, porquanto a defesa assim apresentada foi ratificada e confirmada, nesses mesmos termos, pela sua advogada.
Não admitir que assim fosse seria duma injustiça gritante, violadora dos mais elementares direitos dos cidadãos, limitando de forma injustificada o exercício do direito de defesa, através de recurso, e restringindo o direito  a uma tutela jurisdicional efetiva, no quadro dum processo que se exige que seja justo e equitativo (cfr. Art. 20.º n.º 1 e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e Art. 6.º n.º 1 da Declaração Europeia dos Direitos Humanos).
Julgamos assim que o ato praticado pela R., através do email de 27 de abril de 2023, conjugado com o despacho de 11 de maio de 2023 e o consequente requerimento da patrona da R. de 15 de maio de 2023, ratificando o ato da patrocinada e provando que em tempo havia efetivamente apresentado um requerimento de escusa, cumpriu a formalidade do Art. 34.º n.º 2 da LAJ e interrompeu tempestivamente o prazo em curso.
A partir daí sucederam-se os vários outros pedidos de escusa, com consequentes decisões de substituição do patrono, documentados nos autos. Primeiro, com a substituição da patrona inicialmente nomeada, decidida pela Ordem dos Advogados a 2 de junho de 2023 (cfr. fls. 63). Depois, a Dra. E, assim nomeada, também pediu escusa logo no dia seguinte, em 3 de junho (cfr. fls. 64), sendo substituída a 7 de junho de 2023 pela Dra. F (cfr. fls. 70). A Dra. F vem também a pedir escusa a 12 de junho (cfr. “Requerimento” de 12-06-2023 – Ref.ª n.º 23534210 - p.e.), sendo substituída pela Dra. G em 23 de junho (cfr. “E-Mail – Recibos” de 23-06-2023 – Ref.ª n.º 23622486 - p.e.). Por sua vez, a Dra. G vem igualmente a pedir escusa a 19 de julho (cfr. “Requerimento” de 19-07-2023 – Ref.ª n.º 23786481 – p.e.), tendo a Ordem dos advogados, nessa sequência, nomeado em sua substituição o Dr. H (cfr. “E-Mail – Recibos” de 25-07-2023 – Ref.ª n.º 23817420 - p.e.), em plenas férias judiciais.
Consequentemente, quando foram apresentadas as alegações de recurso em 1 de setembro de 2023 (cfr. “Alegações” de 01-09-2023 – Ref.ª n.º 23965904 - p.e.), primeiro dia útil após as férias judiciais, só podemos concluir que foi observado, evidentemente, o prazo de 30 dias estabelecido no Art. 638.º n.º 1 do C.P.C.. Pelo que, o recurso foi apresentado tempestivamente, improcedendo desse modo a questão prévia suscitada pelo Recorrido nas suas contra-alegações.
2. Da nulidade da sentença por excesso e omissão de pronúncia.
A Recorrente veio pôr em causa a validade da sentença recorrida, invocando existir omissão de pronúncia e excesso de pronúncia.
*
2.1. Nulidade por excesso de pronúncia ou violação dos limites do pedido.
Sustentou a Recorrente haver excesso de pronúncia, porque o A. pediu o reconhecimento da extinção do contrato por caducidade sem indicar, no pedido formulado na petição inicial, qual a data em que ocorreu a cessação do contrato de arrendamento a que os autos se reportam. Pelo que, quando a sentença fixou a cessação do contrato à data de 30 de novembro de 2021, condenou em quantidade e objeto diverso do pedido, violando o Art. 609.º n.º 1 e, por inerência, o Art. 615.º n.º 1 al. e) do C.P.C..
O Recorrido sustenta não se verificar essa nulidade, porque o tribunal limitou-se a condenar nos precisos termos pedidos pelo A., declarando a cessação do contrato por oposição à renovação na data que constava da carta de oposição à resolução e tendo em atenção os factos provados em 5 e 6, onde expressamente se refere a data de 30 de novembro de 2021, não se podendo considerar verificada a nulidade da sentença quando o tribunal se limita a concretizar o pedido do A. (cfr. Ac. do STJ de 9/11/2017 – Proc. n.º 141/15.0T8VPC.G2).
O Tribunal a quo veio deixar consignado, ao abrigo do Art. 617.º n.º 1 do C.P.C., que essa nulidade não se verificava.
Apreciando.
Efetivamente, nos termos do Art. 615.º n.º 1 al. e) do C.P.C., é nula a sentença quando condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Esta norma articula-se com o disposto no Art. 609.º n.º 1 do C.P.C., nos termos do qual a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.
Esta nulidade colhe o seu fundamento no princípio dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo os quais o tribunal não pode resolver o conflito de interesses sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
No que tange à noção de quantidade superior há que considerar que o limite quantitativo da condenação é o da importância global pedido (cf. Ac. do STJ de 15/6/1989, in AJ 10º/89, pág. 13), não se reportando os limites da condenação às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/5/1992, Aragão Barros, BMJ nº 417, pág. 812, Ac. TRE de 30/9/2004, Oliveira Pires, in CJ 2004 – Tomo IV, pág. 248).
Quanto à explicitação do sentido da norma do Art. 615.º n.º 1 al. e) do C.P.C., mantêm plena atualidade as palavras de Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pág.s 67 a 68), que a propósito escreveu: «O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões. Não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes. (...) Também não pode condenar em objeto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a presta um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo)».
Ainda assim, tem-se entendido que a regra do n.º 1 do Art. 609.º do C.P.C. deve ser interpretada em sentido flexível de modo a permitir ao tribunal corrigir o pedido, mesmo quando se trate de mera qualificação jurídica, sem alteração do teor substantivo, ou quando a causa de pedir, invocada expressamente pelo A., não exclua uma outra abarcada por aquela (cfr. Ac. STJ de 18/11/2004, Relator: Ferreira Girão, Proc. n.º 04B2640, disponível em www.dgsi.pt).
No caso dos autos, o A. pediu que fosse declarada a cessação do contrato de arrendamento por oposição à sua renovação (v.g. pedido constante da al. a) do petitório). É certo que não indicou, na redação que fez desse pedido, a concreta data em que tal cessação teria ocorrido. No entanto, no articulado, explicitou qual a comunicação relevante em que se traduziu a oposição à renovação que determinava a cessação do contrato.
Veja-se que, no artigo 20.º da petição inicial, alegou explicitamente: «Assim, na data de 19/04/2021, o A. comunicou à R. a oposição à renovação do contrato, devendo aquela entregar o locado livre e limpo, no dia 30 de novembro de 2021, consoante carta registada que se junta como doc. N.º 10» (sic – fls. 5 verso).
É em função desse facto que depois conclui que o contrato de arrendamento deve ser declarado cessado (cfr. artigo 27.º da petição inicial) e depois formulou o pedido constante da alínea a) do petitório.
Consequentemente, quando a sentença recorrida, na alínea b) da sua parte dispositiva, declara cessado o contrato de arrendamento com efeitos a 30 de novembro de 2021, limitou-se a concretizar o pedido formulado pelo A., com base nos mesmos pressupostos de facto que aquele havia alegado na petição inicial e que foram dados por provados nos pontos 5 e 6 da matéria de facto relevada nessa sentença. Logo, não há excesso de pronúncia por condenação em quantidade ou objeto diverso do pedido.
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2.2. Nulidade por omissão de pronúncia e do interesse em agir.
A Recorrente veio invocar ainda a existência de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, porquanto o A. não teria alegado que a R. se teria oposto ao pedido de restituição do locado, na sequência da receção da carta datada de 19 de abril de 2021 e da resposta à mesma, sendo que o recurso à via judicial coerciva deveria ser justificada, devendo ser feito recurso ao meio processual estabelecido no Art. 15.º do NRAU, sob pena de não se verificar o pressuposto processual do interesse em agir, que é de conhecimento oficioso e obstaria à apreciação do mérito da causa, sendo a sentença omissa sobre a apreciação desse concreto pressuposto (cfr. Art.s 576.º n.º 1 e 2, 577.º, 578.º e al. e) do n.º 1 do 278.º), o que constituiria uma violação da al. d) do n.º 1 do Art. 615.º do C.P.C..
O Recorrido respondeu que a R. não havia alegado qualquer exceção dilatória na contestação que apresentou, sendo que o meio adequado a obter o reconhecimento da cessação do contrato de arrendamento será o estabelecido no Art. 14.º n.º 1 do NRAU e a eficácia da oposição à renovação foi posta em causa pela R., conforme resulta dos factos provados 7 e 8.
Também aqui o Tribunal a quo consignou que não se verificava a invocada nulidade, sustentando a validade da sentença recorrida.
Apreciando, temos de considerar que, nos termos do Art. 615.º n.º 1 al. d), 1.ª parte, do C.P.C., a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Trata-se de um vício meramente formal, em sentido lato, que pode afetar a validade da sentença.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o Art. 608.º n.º 2 do C.P.C., segundo o qual: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
No entanto, não há omissão de pronúncia quando a matéria, tida por omissa, ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria com ela relacionada, competindo ao tribunal decidir questões e não razões ou argumentos aduzidos pelas partes (cfr. Ac. TRP de 9.6.2011 Proc. n.º 5/11 – Relator: Filipe Caroço, disponível em www.dgsi.pt).
O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devem ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.
Ora, no caso concreto, a sentença recorrida declarou explicitamente que: «O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem, inexistindo outras exceções dilatórias ou outras questões prévias de que cumpra conhecer que obstem ao conhecimento do mérito da causa» (sic – fls. 40 verso infra).
Considerando que a R. não havia suscitado a questão da falta de interesse em agir, a apreciação perfunctória assim feita sobre a inexistência de exceções dilatórias que cumprisse conhecer, afigurava-se bastante para o cumprimento do disposto no Art. 595.º n.º 1 al. a) do C.P.C..
Portanto, a questão não seria de nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas de eventual “erro de julgamento” na apreciação de que não existiriam exceções dilatórias de que se deveria tomar conhecimento oficioso.
Mas, mesmo em termos de “erro de julgamento”, adiantamos já que o mesmo não se verificava no caso concreto.
Não se nega que o interesse em agir é uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, distinta e autónoma da legitimidade processual.
Como ensinava Antunes Varela (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Ed., pág.s 181 a 182): «Uma coisa é, de facto, a titularidade da relação material litigada, base da legitimidade das partes; outra, substancialmente distinta a necessidade de lançar mão da demanda, em que consiste o interesse em agir». O interesse processual – ou “interesse em agir” segundo a doutrina italiana, ou “necessidade de tutela jurídica”, segundo a doutrina alemã – consiste na necessidade de usar o processo, de instaurar ou fazer prosseguir uma ação. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a ação (vide: Antunes Varela in Ob. Loc. Cit., pág.s 179 e 181).
Está hoje perfeitamente assente na jurisprudência e na doutrina que o senhorio que comunica a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento tem à sua disposição dois meios processuais distintos: a ação de despejo, que corre termos em processo declarativo comum (cfr. Art. 14.º n.º 1 do NRAU); e o procedimento especial de despejo, que é um processo especial com uma natureza mais executiva (cfr. Art. 15.º a 15.º-S do NRAU).
Na verdade não existe nenhuma obrigatoriedade para o senhorio de recorrer a um ou outro dos meios processuais previstos na lei, sendo certo que o recurso ao procedimento especial de despejo está sujeito à regra da tipicidade, por força do n.º 2 do Art. 15.º do NRAU.
O máximo que se poderá dizer é que, se o senhorio dispõe de “título” para recorrer ao procedimento especial de despejo (v.g. Art. 15.º n.º 2 al. c) do NRAU), que reconhecidamente tem uma vertente de natureza mais executiva, mas opta, em vez disso, pelo recurso a ação declarativa (Art. 14.º n.º 1 do NRAU), poderia vir a ser responsabilizado pelas custas do processo, por aplicação analógica da al. c) do n.º 2 do Art. 535.º do C.P.C.. Simplesmente, a partir do momento em que a R. contesta a ação, pedindo a sua absolvição do pedido – tal como aconteceu no caso dos autos (cfr. fls. 24 a verso) – a consequência só pode ser o afastamento da aplicação ao caso do disposto no Art. 535.º do C.P.C., por prevalências das regras gerais da responsabilidade por custas pelo decaimento (cfr. Art. 527.º do C.P.C.).
Em todo o caso, a questão que agora se coloca nas alegações de recurso é a da “falta de interesse em agir”. Ora, é inequívoco que existe interesse em agir, porque a R. contestou a ação, pondo em causa a eficácia da oposição à renovação do contrato, por defender que não foi respeitado o prazo de antecedência de 240 dias, tal como previsto no Art. 1097.º n.º 1 al. a) do C.C. (cfr. fls. 24 verso). Perante esta contestação, é evidente que justificado ficou o recurso pelo A. à via judicial para obter o reconhecimento do seu direito à desocupação do locado, já que a lei lhe veda o exercício desse direito por ação direta (cfr. Art. 1.º do C.P.C. e Art. 14.º n.º 1 do NRAU).
Em suma, a sentença recorrida não enferma de nenhum dos vícios que lhe são apontados pela Recorrente, sendo evidente que havia interesse em agir, improcedendo por isso todas as conclusões que sustentam o contrário.
3. Da eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento.
Passando agora ao mérito da sentença recorrida, a Recorrente vem apenas pôr em causa a conclusão aí sustentada de que o prazo de antecedência aplicável ao caso, para o senhorio deduzir, de forma eficaz, a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, seria de 120 dias, defendendo que esse prazo deveria antes ser o de 240 dias, porquanto o contrato tinha duração efetiva há mais de 1 ano, sendo assim de aplicar o disposto no Art. 1097.º n.º 1 al. a) do C.C., e não a al. b) dos mesmos número e preceito.
Como é evidente não lhe assiste qualquer razão.
A norma é bem explícita na sua literalidade.
O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
«a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação  for igual ou superior a seis anos;
«b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação  for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos; (…)»
O que releva é o prazo inicial constante do contrato de arrendamento para habitação, ou o prazo da renovação, e não o tempo de vigência efetiva do contrato.
Tanto assim é, que isso se evidencia da diferença de redação das várias alíneas do n.º 1 do Art. 1097.º ou do Art. 1098.º do C.C. (que regulam a oposição à renovação pelo senhorio ou pelo arrendatário, respetivamente, nos casos de contratos com prazo determinado), relativamente à redação das várias alíneas do n.º 1 do Art. 1100.º do C.C. (que regula a denúncia do contrato de arrendamento pelo arrendatário quando o contrato tem duração indeterminada). Neste último caso, precisamente porque o contrato de arrendamento tem duração indeterminada, é que releva a “duração efetiva” do contrato para efeitos da determinação do prazo de antecedência da sua denúncia pelo arrendatário. Nos contratos de arrendamento com prazo determinado é completamente irrelevante a duração efetiva da relação contratual.
Num contrato de arrendamento, como o dos autos, que tinha um prazo de vigência de 1 ano e se renovava automaticamente por igual prazo, não releva que o mesmo se tenha renovado 2, 3, 4 ou 10 vezes. A regra que se lhe aplica é apenas, e só, a da al. b) do n.º 1 do Art. 1097.º do C.C., sendo indiscutível que esses prazos não podem ser afastados por vontade das partes, por força da regra da imperatividade constante do Art. 1080.º do C.C..
Em suma, o senhorio poderia opor-se à renovação automática do arrendamento, comunicando a sua vontade nesse sentido, com a antecedência mínima de 120 dias relativamente ao termo do prazo de duração do contrato ou da sua renovação (cfr. Art. 1097.º n.º 2 do C.C.).
De realçar que não se discute que essa comunicação não tenha observado o disposto no Art. 9.º do NRAU. Pelo que, tendo cumprido o seu propósito, pois chegou ao conhecimento da R., foi essa comunicação comprovadamente eficaz (cfr. facto provado 6).
Resulta dos factos provados que entre a data da receção da comunicação do A. por parte da R. (em 24/4/2021 – cfr. facto provado 6) da sentença recorrida) e a data da pretendida produção dos efeitos da oposição à renovação (30/11/2021 – cfr. facto provado 5) da sentença recorrida e doc. de fls. 16), mediaram 220 dias, tendo assim sido observada a antecedência mínima prevista pelo Art. 1097.º n.º 1 al. b) do C.C., acompanhando-se aqui integralmente o que é exposto a propósito pela sentença recorrida.
Em suma, o contrato não se renovou, tendo cessado, por oposição à renovação, em 30 de novembro de 2021, devendo por isso ser confirmada nesta parte a sentença, improcedendo as conclusões apresentadas em sentido contrário ao exposto.
4. Da indemnização pela mora na entrega do locado.
A sentença também julgou a ação procedente relativamente ao pedido de condenação da R. no pagamento duma indemnização, à razão de €700,00 por mês, desde 1 de dezembro de 2021 até à entrega efetiva do imóvel locado ao A., sem prejuízo dos montantes que comprovadamente a R. tivesse pago a título de renda, conforme decorre da alínea d) da sua parte dispositiva, dando assim guarida parcial ao pedido formulado na alínea c) da petição inicial, onde se peticionava a condenação da R. a indemnizar o A. no valor igual ao dobro das rendas vincendas até efetiva entrega do imóvel, ao abrigo do Art. 1045.º n.º 2 do C.C..
A Recorrente, para além de sustentar que a oposição à renovação do contrato não teria sido eficaz e, portanto, o contrato não teria cessado em 31 de novembro de 2021, veio defender a inaplicabilidade ao caso do disposto no n.º 2 do Art. 1045.º do C.C..
Em primeiro lugar, sustentando que havia erro de julgamento na fixação do prazo inicial, que não respeitou o disposto no Art. 279.º al.s b) e c) do C.C., só podendo considerar-se a mora a partir das 24 horas do dia 1 de dezembro de 2021.
Em segundo lugar, defende que não está obrigada a pagar a indemnização do n.º 2 do Art. 1045.º do C.C., porque não havia mora na entrega, mas uma mera obrigação pura, cujo vencimento estaria dependente de interpelação para cumprimento. Até lá, seria apenas exigível o pagamento duma indemnização igual ao valor da renda, nos termos do Art. 1045.º n.º 1 do C.C..
Em terceiro lugar, havendo divergência jurisprudencial e doutrinal quanto ao prazo de antecedência da oposição à renovação, haveria apenas uma situação de não restituição simples, não culposa, por parte da R., só se justificando a sanção estabelecida no n.º 2 do Art. 1045.º depois de transitada em julgado a sentença que julga definitivamente essa controvérsia.
O Recorrido sustenta que o contrato terminava efetivamente no dia 30 de novembro de 2021, não se aplicando o disposto no Art. 279.º do C.C., sendo que a R. se deveria considerar em mora, por não ter cumprido com a obrigação de entrega depois de cessado o prazo de entrega, negando que aquela esteja a pagar a renda, apesar de continuar a usufruir do locado.
Apreciando, temos de partir da consideração de que o contrato de arrendamento dos autos foi estabelecido pelo prazo de 1 ano, com início em 1 de dezembro de 2013, renovável por períodos de 1 ano (cfr. cláusula segunda), sendo a renda no valor de €350,00 mensais, a pagar no primeiro dia útil de cada mês (cfr. cláusula terceira – Doc. de fls. 11 a 12).
Partindo destes pressupostos de facto, começaremos por dizer que, tal como sustenta o Recorrido, e tal conforme decorre do corpo do Art. 279.º do C.C., este normativo só se aplica ao cômputo do termo em casos de dúvida.
Sucede que, estando em causa um contrato de arrendamento, que implica o estabelecimento de um direito de gozo sobre uma coisa, num contrato de execução continuada de natureza sinalagmática, salta à evidência que não estamos propriamente perante um cômputo de um prazo para efeitos de cumprimento duma obrigação que se esgota numa única prestação pontual.
Por outro lado, num contrato de arrendamento tem de existir correspetividade económica entre a prestação do senhorio de proporcionar o gozo da coisa ao inquilino e a correspondente obrigação deste último de pagar ao primeiro a respetiva renda (cfr. Art.s 1022.º, 1031.º al. b) e 1038.º al. a) do C.C.).
Assim, sendo convencionado entre as partes que a renda deve ser paga todos os meses no primeiro dia útil de cada mês a que a prestação se refere (cfr. cláusula terceiro do contrato junto a fls. 11 a 12), a renda só pode ser exigida se o senhorio estiver obrigado, no mês seguinte, a proporcionar o gozo da coisa ao inquilino. Concomitantemente, se o senhorio tiver comunicado a cessação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 30 de novembro de 2021, deixa de estar obrigado a proporcionar o gozo da coisa ao inquilino e este deixa de estar obrigado a pagar a correspondente renda, sem prejuízo do eventual dever de indemnizar o senhorio pelo atraso na restituição da coisa (cfr. Art. 1045.º do C.C.).
No caso, se o inquilino permanecesse no locado no dia 1 de dezembro, vencer-se-ia a obrigação de pagamento da renda, sem que o senhorio estivesse obrigado a proporcionar-lhe o gozo da coisa nesse mês. Ora, não parece que possa ser esse o efeito pretendido pelas partes, muito menos pela aqui Recorrente.
Sendo este o equilíbrio económico do contrato, é evidente que deve ser afastada a aplicabilidade ao caso do disposto na al. c) do Art. 279.º do C.C..
O prazo de 1 ano, estabelecido no contrato de arrendamento, teve início, no caso, no dia 1 de dezembro de 2013 e termo no dia 30 de novembro de 2014. Sendo que, as renovações automáticas por iguais períodos de tempo, teriam sempre início no dia 1 de dezembro do respetivo ano e termo no dia 30 de novembro do ano seguinte. É esta necessariamente a forma de computar o termo do contrato de arrendamento e não a sugerida pela Recorrente, que teria efeitos que não correspondem ao por si certamente pretendido.
Quanto à questão da mora, o Art. 1045.º tem efetivamente duas disposições legais distintas. No n.º 1 é estabelecido que se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda estipulada. Já no n.º 2 estabelece que, logo que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
Escreviam, a este propósito, Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3.ª Ed., pág. 406) que: «se findo o contrato, não houver mora do locatário quanto à obrigação de restituição da coisa locada (…), o contrato prolonga-se até à entrega da coisa, devendo o locatário continuar a pagar, agora a título de indemnização, a renda ou aluguer convencionado. Indemnização justa, visto que ele continua a usar a coisa em prejuízo do locador - mas indemnização de natureza claramente contratual.”. Havendo mora do locatário, continuam os mesmos Autores: «a sua responsabilidade aumenta, fixando a lei como indemnização o dobro da que resultaria no caso previsto no número anterior».
Pedro Romano Martinez (in “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, 2ª Ed., pág.s 202 a 203) veio precisar que: «O vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá, de imediato, no momento em que termina o contrato. / Extinto o contrato de locação, se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art. 1045º, n.º 1 CC, deve continuar a pagar a renda ou aluguer ajustadas. Por conseguinte, prevê-se que, extinta a relação contratual, se o locatário não restituir a coisa locada, subsiste uma relação contratual de facto que lhe impõe o dever de continuar a pagar a renda ou aluguer ajustado, como se o contrato continuasse em vigor. / Contudo, se o locador interpelar o locatário para este proceder à entrega da coisa, não a restituindo, entra em mora. Assim, o locatário, extinto o contrato de locação, só entra em mora, relativamente à obrigação de restituir a coisa, depois de ter sido interpelado para a entregar. Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente (art. 1045º, n.º 2 CC)».
Menezes Leitão (in “Arrendamento Urbano”, 6.ª Ed., pág. 111), debruçando-se também sobre este tema, escreve: «Da formulação destas disposições legais resulta que a obrigação de restituição não se vence automaticamente no fim do contrato de arrendamento urbano (…), dado que o decurso desses prazos apenas torna exigível essa restituição, cujo vencimento depende, nos termos gerais, de interpelação à outra parte (art. 777.º n.º 1). Consequentemente, é apenas a partir dessa interpelação que o arrendatário entra em mora quanto à restituição (art. 805.º, n.º 1), com as respetivas consequências legais em termos de indemnização (art. 804.º, n.º 1) e inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa (art. 807.º)».
Olinda Garcia (in “Arrendamentos para Comércio”, pág. 59) defende igualmente que o n.º 1 do Art. 1045.º do C.C. não prevê uma sanção para o não cumprimento, dado o arrendatário não estar em mora, mas antes uma compensação pecuniária que afasta a disciplina geral do enriquecimento sem causa, sendo a previsão do n.º 2 do mesmo preceito uma sanção, aplicável em caso de mora, pelo atraso na restituição do locado.
Já Menezes Cordeiro (in “Tratado do Direito Civil”, Vol. XI, pág.s 788 a 789) admite que a não-restituição será lícita quando, por causa não imputável ao locatário, ela não corre no momento em que cesse o contrato, o que pode suceder: «(a) quando o locatário ilida a presunção de culpa pela não-restituição; (b) caso o locador, a título de mera tolerância, admita a manutenção do gozo, na esfera do locatário; (c) quando exista uma situação controvertida (ação de nulidade ou de anulação, ação de resolução ou situação de caducidade), não provocada pelo locatário e enquanto ela não se solucionar, desde que continue a pagar a renda ou aluguer; (d) quando a restituição não possa ter lugar por causa imputável ao locador e, não obstante, o locatário continue no gozo da coisa, sem recorrer à consignação em depósito». Acrescentando, mais à frente que: «fora dos casos apontados e não havendo restituição por culpa do próprio locador (…) a presunção de culpa do locatário implica a da mora, por via do artigo 805.º/2, a). Não é necessário nenhuma interpelação (805.º/2), uma vez que há prazo certo. Apenas quando o termo dependa duma iniciativa do locador (denúncia, resolução ou declaração de anulação) se poderia situar o início da mora no da eficácia da competente declaração. Logo que haja mora, a “indemnização” é elevada ao dobro (1045.º/2)».
Pereira Coelho (in “Arrendamento – Lições ao Curso do 5º ano de ciências jurídicas de 1986/87”, pág. 192) considerava que existem três hipóteses a considerar, conforme a causa da não restituição pontual do locado: (i) tratando-se de causa imputável ao inquilino, este constitui-se em mora, nos termos do art. 804º, nº 2, e fica obrigado a pagar o dobro da renda até ao momento da restituição: é a hipótese do Art. 1045.º nº 2 do C.C.; (ii) tratando-se de causa imputável ao senhorio, há fundamento para a consignação em depósito do prédio, conforme o art. 841º, nº 1: é a hipótese prevista na parte final do n.º 1 do Artº 1045º, caso em que o inquilino nada deve ao senhorio a título de indemnização pelo atraso na restituição do arrendado; (iii) devendo-se a não restituição do imóvel a qualquer outra causa, aplica-se a solução da 1ª parte do nº 1 do art. 1045º: o locatário é obrigado a continuar a pagar a renda acordada, “a título de indemnização”, até ao momento da restituição do prédio.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podemos destacar o acórdão de 20/11/2012 (Proc. n.º 1587/11.8TBCSC.L1.S1 – Relator: Garcia Calejo, disponível em www.dgsi.pt), de cujo sumário resulta o seguinte entendimento: «III - Tendo o negócio prazo fixo e porque à arrendatária incumbia a restituição do locado findo o contrato (art. 1038.º, al. i)), a mora ocorreu no dia 01-01-2010, de harmonia com o disposto no art. 805.º, n.º 2, al. a), do CC. IV - Não seria necessária a interpelação da arrendatária para a entrega da coisa locada, dado que este art. 805.º, n.º 2, al. a), exclui a necessidade de interpelação a que alude o n.º 1 deste artigo (todos os arts. do CC)».
Mas num acórdão de 12 de dezembro de 2023 (Proc. n.º 7895/20.0T8LSB.L1.S1 – Relator: Ricardo Costa, disponível no mesmo sítio) admitiu-se posição diversa, conforme sumário que aqui se reproduz: «I- Surgindo para o locatário a obrigação de restituição do locado por oposição lícita à renovação do contrato de arrendamento, o atraso relativamente ao dever de entrega que configure uma situação de mora por causa que não lhe seja imputável a título de culpa (mora consentida por causa justificativa legítima: «por qualquer causa») faz aplicar o n.º 1 do art. 1045º do CCiv. e a correspondente indemnização por ato lícito; ao invés, a “mora” pressuposta no n.º 2 do art. 1045º implica omissão de entrega voluntária e culposa, conduzindo a uma indemnização por ato ilícito (em conjugação com os arts. 804º, 2, e 805º, 2, a), do CCiv.). II- O adiamento da restituição da coisa locada prevista no n.º 1 do art. 1045º do CCiv. afigura-se como ato lícito em referência a essa mora consentida, numa espécie de prolongamento da relação locatícia por causa sem culpa do locatário (uma vez autorizado, tolerado ou admitido pelo ordenamento jurídico, por ocorrência de litígio judicial relevante ou decisão de tribunal ou pelas partes), que funda o pagamento das rendas vencidas até à restituição em singelo».
No acórdão do STJ de 5/6/2007 (Proc. n.º 07A1186III – Relator: Nuno Cameira), defendeu-se mesmo que a obrigação de indemnização estabelecida no n.º 2 do Art. 1045.º do C.C. para compensar os senhorios pelo atraso na entrega do imóvel só seria de aplicar «depois de transitada a sentença que decretou o despejo».
Discorrendo sobre esta matéria, diremos que resulta do Art. 1038.º al. i) do C.C. que é obrigação do locatário restituir a coisa locada depois de findo o contrato. Por outro lado, o Art. 1081.º n.º 1 do C.C. estabelece que a cessação do contrato «torna imediatamente exigível» a desocupação do locado e a sua entrega. Mas uma coisa é a “exigibilidade”, traduzida no nascimento imediato do poder conferido ao senhorio de obrigar o inquilino a cumprir uma obrigação legal, outra é o “vencimento” ou constituição em “mora” do devedor.
Veja-se que, nos termos do Art. 1056.º do C.C., se o locatário se mantiver no gozo da coisa locada por mais de um ano, sem haver oposição do locador, apesar da caducidade do arrendamento, o contrato considera-se renovado.
Portanto, a obrigação de restituição da coisa locada, findo o prazo estipulado pelas partes e manifestada a oposição à renovação, não tem como consequência necessária a constituição em mora por parte do inquilino, pois pode até vir a acontecer uma renovação legal do contrato de arrendamento, ainda que no pressuposto (não verificado no caso) de não haver oposição do senhorio e a situação se protelar por mais de um ano.
É legítimo, por isso, concluir que, com a cessação do contrato nasce apenas a obrigação de restituição da coisa locada (cfr. Art. 1038.º al. i) do C.C.), a qual pode ser cumprida pelo inquilino a qualquer momento e exigida pelo senhorio assim que o bem entenda (cfr. Art. 777.º n.º 1 do C.C.).
Estamos assim perante uma obrigação pura e não de prazo certo (cfr. Art. 805.º n.º 2 al. a) do C.C.), em que o vencimento da mesma fica dependente da efetiva interpelação para cumprimento, seja por via judicial, seja extrajudicial (cfr. Art. 805.º n.º 1 do C.C.).
Em conclusão, a mora constituir-se-á pela mera comunicação ao devedor da exigência efetiva do cumprimento da obrigação de entrega da coisa.
No caso, a carta de 19 de abril de 2021, pela qual se comunicou a oposição à renovação do contrato com efeitos a partir de 30 de novembro de 2021, ainda não poderia ser tida como o exercício extrajudicial da interpelação para cumprimento da obrigação de entrega da coisa, que então se prefigurava como de mera exigibilidade futura. Até porque a R. respondeu a essa missiva, por carta de 4 de maio de 2021, sustentando, em termos genéricos, que a denúncia deveria ser feita com a antecedência de 240 dias, expressando ainda, de forma indireta, a sua intenção de não entregar o locado em termos que faziam enunciar a necessidade de recurso a uma ação judicial para dirimir o litígio (cfr. doc. de fls. 19 e facto provado 8).
Ou seja, anunciava-se que a obrigação de entrega da coisa estaria dependente de processo judicial onde seria dirimido o litígio relativo à eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento, ao reconhecimento da efetiva cessação da relação locatícia e consequente confirmação definitiva da obrigação de entrega do locado.
Evidentemente que a presente ação judicial, que visava a condenação da R. a restituir o locado, só poderia ser interpretada como uma interpelação (judicial), posterior à alegada cessação do contrato de arrendamento, para o cumprimento da obrigação de entrega dessa coisa. Pelo que, a citação da R. para os termos desta ação poderia ser entendida como o cumprimento do Art. 805.º n.º 1 do C.C., com a consequente constituição da R. em mora.
No entanto, a mora no cumprimento da obrigação de restituição da coisa locada estava justificada pela pendência da ação onde se discutia o mérito dessa pretensão, não sendo de excluir a possibilidade de, segundo as várias soluções admissíveis em direito e por força das eventuais contingências do processo, a ação poder vir a ser julgada improcedente e, consequentemente, não fosse reconhecido o direito do A. à restituição do locado.
Nestas condições, a “não-entrega” imediata do locado por parte da inquilina, que pretendia exercer de forma legítima os seus direitos em tribunal, pode ser tida como lícita e a mora como justificada, afastando-se assim a aplicabilidade do n.º 2 do Art. 1045.º do C.C..
Até ao trânsito em julgado da sentença que julgue definitivamente o litígio entre as partes, reconhecendo a obrigação de restituição da coisa e condenando a devedora ao seu cumprimento, deve julgar-se como justificada a mora, ficando a R. apenas obrigada ao pagamento do valor da renda convencionada, nos termos do Art. 1045.º n.º 1 do C.C..
A partir do trânsito em julgado dessa decisão, fixada que fica definitivamente a existência dessa obrigação em consequência da cessação do contrato de arrendamento, a mora deixa de estar justificada e a R. fica obrigada ao pagamento da indemnização prevista no Art. 1045.º n.º 2 do C.C., correspondente ao dobro da renda convencionada.
São razões de segurança jurídica e de equilíbrio na tutela dos direitos de ambas as partes que justificam a justiça desta solução.
Em face do que fica exposto, procedem as conclusões apresentadas pela Recorrente em conformidade, devendo a sentença ser revogada nessa parte, alterando-se a parte dispositiva da alínea d) e, necessariamente, eliminando-se a alínea e), que perde o seu sentido prático, pois não é devida a indemnização peticionada, nos termos do Art. 1045.º n.º 2 do C.C., nos termos que aí haviam sido decididos.
A R. deverá apenas ser condenada ao pagamento do valor mensal duma indemnização correspondente ao valor das rendas, em singelo, de €350,00, desde 1 de dezembro de 2021 até ao trânsito em julgado da decisão que condenou a R. a entregar a fração descrita em b). Só a partir de então é que poderá ser obrigada a pagar uma indemnização igual ao dobro da renda, num total de €700,00 por mês, tal como prevista no Art. 1045.º n.º 2 do C.C., contada do trânsito em julgado dessa decisão e até à efetiva entrega do locado ao A.. Em ambos os casos, sem prejuízo dos montantes que comprovadamente a R. haja pago ao A., a título de rendas, desde 1 de dezembro de 2021.
Quanto à responsabilidade por custas, julgamos que o decaimento fixado na sentença recorrida continua a justificar-se apesar das alterações produzidas na parte dispositiva da sentença. Quanto às custas do recurso também deverão ser repartidas entre a Apelante e o Apelado, na proporção de 2/3 para a primeira e 1/3 para o segundo (cfr. Art. 527.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), sem prejuízo da isenção de pagamento decorrente do benefício de apoio judiciário concedido à primeira (cfr. de fls. 16)
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V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a presente apelação parcialmente procedente, por provada, revogando a sentença recorrida apenas quanto aos segmentos constantes das alíneas d) e e) da sua parte dispositiva, que são substituídos pela condenação da R. a pagar ao A. uma indemnização igual ao valor mensal das rendas convencionadas, em singelo, no montante de €350,00 por mês, desde 1 de dezembro de 2021 até ao trânsito em julgado das decisões constantes das alíneas b) e c), sendo essa indemnização elevada ao dobro, no valor total de €700,00 por mês, nos termos do Art. 1045.º n.º 2 do C.C., pela mora na restituição do locado, contada do trânsito em julgado dessas mesmas decisões e até à entrega efetiva do locado ao A., sem prejuízo dos montantes que comprovadamente a R. haja pago ao A., desde 1 de dezembro de 2021. No mais, mantém-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
- Custas do recurso pela Apelante e pelo Apelado, na proporção do respetivo decaimento (Art. 527º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), que se fixa em 2/3, do valor tributário do recurso, para a Apelante, e 1/3 para o apelado, sem prejuízo, quanto à primeira, do benefício de apoio judiciário que lhe foi deferido (cfr. fls. 16).
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Lisboa, 6 de fevereiro de 2024
Carlos Oliveira
Alexandra de Castro Rocha – com declaração de voto anexa
Edgar Taborda Lopes

Declaração de voto
“Votei a decisão, por concordar com a mesma, apesar de considerar que a mora na restituição do imóvel não dependia de interpelação, dado tratar-se de uma obrigação com prazo certo, mas, atentas as circunstâncias do caso, assinaladas no acórdão, pode ser afastada a existência de culpa e, portanto, podem ser afastadas as consequências da mora (art. 804º nº2, a contrario, do CPC)”.
Alexandra de Castro Rocha