Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20963/22.4T8LSB-A.L2-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS
ABUSO DE DIREITO
LEGITIMIDADE DO SÓCIO
NULIDADE DE CLÁUSULA DO PACTO SOCIAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1Enquanto um gerente se mantiver em funções, não tendo sido deliberada a sua destituição, pode e deve convocar as assembleias que se mostrem necessárias e convenientes, nos termos dos arts. 248º nºs 1 e 3 e 375º nº1, ambos do CSC.

2–Considerando-se que o art. 334º do Código Civil mantém, em matéria de deliberações sociais, a sua autonomia e campo de aplicação em relação à al. b) do nº1 do art. 58º do mesmo diploma, em geral, a consequência para a deliberação abusiva à luz do art. 334º do CC, limitada à ultrapassagem dos limites da boa-fé, será a de anulabilidade, nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC e não de nulidade nos termos da al. d) do nº1 do art. 56º do mesmo diploma.

3–À luz do nº1 do art. 59º do CSC, um sócio dispõe de legitimidade substantiva indiscutível para arguir a anulabilidade de deliberações tomadas em assembleia geral na qual não compareceu nem não se fez representar, desde que as não tenha aceite posteriormente.

4A regra do art. 251º do CSC não garante democracia interna nem sequer equilíbrio societário, previne conflitos de interesses, em ordem aos deveres de lealdade dos sócios.

5Os deveres de lealdade dos sócios são, no direito societário, o equivalente da boa-fé, que integra os deveres de não contrariar o interesse social, de cooperação nos órgãos sociais, de cooperação económica e funcional e de não concorrência.

6–Uma cláusula do pacto social que estabelece que a inobservância das regras estatutárias quanto ao direito de preferência torna a cessão ineficaz para a sociedade e para os sócios é nula, por violação do nº5 do art. 229º do CSC.

7–Tal nulidade tem como consequência que a violação da obrigação de preferência apenas gera o investimento dos titulares do direito de preferência nos direitos que lhes respeitem para reclamar o mesmo, e não a anulabilidade de deliberação que não tenha concedido tal direito de preferência.

8–A função da convocatória, exprime-se em dois vetores: garantia de preparação e informação dos sócios; e tutela dos interesses dos ausentes que podem confiar que as deliberações tomadas na assembleia serão dentro daqueles assuntos.

9Não constando da convocatória para assembleia que tinha na ordem de trabalhos a alteração dos estatutos da sociedade, a menção da cláusula a alterar, suprimir ou aditar, mas resultando a identificação da cláusula e da alteração proposta do texto dos estatutos enviado juntamente com a referida convocatória, tal omissão não reveste gravidade suficiente para que se possa reconduzir a anulabilidade, consistindo numa mera irregularidade.

10Em procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, para o preenchimento do requisito da invalidade da deliberação impugnada, exige-se apenas um juízo de mera probabilidade, enquanto que, na apreciação do requisito do receio de produção de um dano apreciável se exige uma probabilidade muito forte do dano, por força da execução da deliberação, mediante a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade.

11Uma deliberação não causa dano apreciável apenas por ser ilegal, havendo que demonstrar em concreto um dano com aquelas caraterísticas.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa



1.Relatório


TGM intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra AB, Lda, pedindo seja decretada a suspensão da deliberação social tomada na assembleia geral da requerida de 02/09/2022.

Alegou, em síntese, ser sócio da requerida, titular de uma quota de € 5.000,00, representando 20% do capital social.

No dia 02/09/2022 realizou-se assembleia geral convocada pelo sócio gerente, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ponto Um – Deliberar sobre a divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do sócio AM para o seu filho AMA.
Ponto Dois – Deliberar sobre a divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do sócio AM para o seu filho MM.
Ponto Três – Deliberar sobre a nova redacção dos Estatutos da sociedade.”
Só o sócio gerente AM esteve presente, não tendo enviado a ata aos demais sócios.
As deliberações que tenham sido tomadas são nulas, nos termos do disposto no art. 56º nº1, al. d) do CSC, dado que o sócio gerente recusou, previamente à convocação desta assembleia, a convocação de duas assembleias gerais pedidas por si enquanto sócio e que visavam a sua destituição como gerente, com justa causa, e a sua exclusão de sócio, agindo em abuso de direito, o que gera a nulidade de todas as deliberações tomadas ou a sua anulabilidade nos termos do art. 58º, nº1, al. b) do CSC.
As deliberações de divisão e transmissão gratuita de 5% da sua quota a favor dos seus filhos são nulas nos termos já referidos e anuláveis por violação do direito de preferência estatutariamente consagrado, não tendo sido dada a possibilidade de exercício do direito de preferência aos demais sócios, nos termos do art. 58º, nº1, al. a) do CSC.
São ainda anuláveis nos termos da al. b) do mesmo preceito porquanto visam enfraquecer a posição dos demais sócios. A deliberação insere-se numa sequência que visa a tomada de controlo da sociedade e assegura que o sócio gerente terá duas pessoas da sua confiança a votar em sentido que lhe seja favorável. Assim, estas deliberações apenas visam beneficiar o sócio gerente, blindando a sua posição societária e servindo apenas os interesses daquele.
As deliberações causam dano apreciável ao requerente porque trazem para a sociedade pessoas estranhas a esta e fazem parte de uma estratégia de controlo da sociedade, sendo que o sócio gerente tem feito uma gestão ruinosa paralisando a atividade da sociedade.
A deliberação tomada quanto ao ponto 3 é nula pelas mesmas razões já apontadas e porque consagra um aumento de capital ilicitamente deliberado em agosto que não pode ser executado por ter sido pedida a respetiva suspensão, tendo assim sido violada regra imperativa – o art. 381º nº3 do CPC.
É ainda anulável nos termos do art. 58º nº1, al. c) do CSC por não ter sido disponibilizada informação sobre as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar, por violação do disposto no art. 377º nº8, aplicável ex vi art. 248º, ambos do CSC.
Causa dano apreciável por não permitir afastar da sociedade a influência do atual sócio gerente mesmo que ele seja excluído. Prejudica os demais sócios por diminuir a sua posição e os seus direitos sociais e prejudica a sociedade dada a gestão ruinosa que tem vindo a ser feita.
Citada a requerida veio esta deduzir oposição, pedindo a improcedência da presente providência por não provada. Defendeu-se por impugnação e relativamente à matéria de direito.
Após notificadas as partes quanto à prolação de decisão sem necessidade de prova, foi proferido, em 10/03/2023, despacho julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, o qual foi revogado por acórdão deste Tribunal da Relação de 13/07/2023, transitado em julgado, no qual se determinou o prosseguimento dos autos de procedimento cautelar em conformidade.

Por despacho de 21/08/2023 foi proferida decisão final que, considerando que os autos reuniam todas as condições para ser imediatamente conhecido o mérito da causa, sem a necessidade de ulterior produção de prova, decidiu o pedido nos seguintes termos:
“Pelo exposto, o Tribunal julga o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais improcedente, por não provado e, consequentemente, decide não suspender a execução das deliberações tomadas em 2 de setembro de 2022 pela Assembleia Geral da Requerida AB, LDA., pessoa coletiva n.º …, com sede na Rua …, … Lisboa.
*
Custas pelo Requerente - artigo 527.º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – que no procedimento decaiu in totum, sendo a taxa de justiça paga pelas partes atendida a final na ação principal, nos termos do artigo 539.º, n.º 2 do citado Código.
Valor da acção: € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) – artigos 304.º, n.º 3, alínea c) e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”

Inconformado, apelou o requerente, pedindo a revogação da decisão final recorrida e a sua substituição por douto acórdão que julgue procedente a providência cautelar, formulando as seguintes conclusões:
a.-Do erro da Sentença recorrida onde considera não existir nulidade das três deliberações tomadas em 2 de setembro de 2022, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do CSC, por abuso de direito
A.–AM prevaleceu-se da ilegalidade que cometeu quando omitiu e recusou a convocação de duas Assembleias Gerais, para fazer aprovar, na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022, um conjunto de deliberações sociais que são convenientes aos seus interesses pessoais (e prejudiciais aos interesses da sociedade AB).
B.–Nos termos do artigo 334.º do Código Civil, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
C.–No caso sub judice, é ilegítimo o exercício, pelo sócio AM, do seu direito ao voto após a recusa ilegal da convocação de duas Assembleias Gerais que tinham como objeto a discussão e votação da sua destituição do cargo de gerente e a propositura de ação judicial para a sua exclusão de sócio.
D.–Pelo que as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022 com os votos favoráveis de AM são nulas, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do CSC.
E.–O tribunal a quo concluiu que “a recusa de convocação de assembleias gerais […] não impede o gerente em exercício de funções de convocar todas as assembleias gerais que entenda necessárias ou relevantes para deliberar de outros assuntos do interesse da sociedade”.
F.–Na verdade, o Tribunal a quo não se pronuncia sobre o vício apontado à deliberação, que foi o abuso do direito do gerente; nomeadamente, o abuso do seu direito de convocar (ou não) assembleias gerais.
G.–Um gerente que não convoca uma assembleia geral requerida por sócios que inclui, na ordem de trabalhos, a sua destituição de gerente e a propositura de ação para o excluir de sócio; mas que convoca, em paralelo, uma assembleia geral que visa esmagar as participações sociais dos restantes sócios (com vista a tomar o controlo total da sociedade, assim impedindo definitivamente a votação sobre os deliberações que possam atingir a sua posição na mesma), está a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, e pelo fim social e económico do seu direito.
H.–E, bem assim, excede manifestamente os mesmos limites o gerente que convoca assembleia geral que visa dividir a sua quota e distribuir partes aos seus filhos, com o límpido propósito de espalhar o seu capital social por várias pessoas da sua confiança e sujeitas à sua influência.
I.–Trata-se de um caso límpido e manifesto de abuso de uma prerrogativa do gerente – a discricionariedade de que este dispõe para convocar, ou não, Assembleias Gerais – ao serviço dos objetivos privados de AM.
J.–Sendo que as deliberações tomadas em 2 de setembro de 2022, que visam a entrada na sociedade de pessoas da total confiança do sócio e gerente AM (os seus filhos) são tomadas com base no abuso, cometido pelo sócio e gerente que convocou esta Assembleia Geral, com esta ordem de trabalhos, em detrimento e precedência daquela outra que lhe havia sido requerida.
K.–Assim, dúvidas não podem restar de que as deliberações adotadas em 2 de setembro de 2022 foram aprovadas numa situação de abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil; situação essa que é sancionada, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do CSC, com a nulidade.
L.–Nestes termos, deve a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare indiciariamente demonstrada a nulidade das três deliberações sociais tomadas em 2 de setembro de 2022, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do CSC.
b.-Do erro da Sentença recorrida onde considera não existir anulabilidade das três deliberações tomadas em 2 de setembro de 2022, por terem sido tomadas de forma abusiva, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC
M.–As deliberações tomadas na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022 são anuláveis, na medida em que foram tomadas com o voto abusivo de AM.
N.–O Tribunal a quo cometeu dois erros na apreciação deste vício.
O.–Em primeiro lugar, a Sentença recorrida estatui que “a lei é clara: só o sócio que, tendo participado na reunião de sócios, não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente, pode propor a competente ação anulatória”; e que “a opção de não participar na Assembleia Geral em apreço, por parte do Requerente, tem como consequência legal este estar impedido de peticionar judicialmente a anulação da deliberação ali tomada e, consequentemente, peticionar antecipadamente a sua suspensão”.
P.– Esta interpretação da Lei não é aquela que resulta de uma sua interpretação literal; e vai contra aquela que tem sido a tendência interpretativa dos nossos Tribunais e mais insignes académicos. Nos termos do n.º 1 do artigo 59.º do CSC, “A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente”.
Q.–Resulta claro que a expressão “qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento” abarca o sócio que não expressou qualquer voto em virtude de não estar presente na Assembleia Geral.
R.–Se o legislador quisesse excluir o sócio ausente da Assembleia Geral de arguir a anulabilidade das deliberações ali tomadas, poderia ter feito uso de várias outras formulações, como, por exemplo referindo-se a “qualquer sócio que tenha votado contra” a deliberação em causa.
S.–Mas não: a fórmula legal está redigida de um modo que visa, de forma patente, impedir apenas aqueles que tenham votado a favor de determinada deliberação de invocar a sua eventual anulabilidade.
T.–Pelo que existe um claro erro de direito na Sentença recorrida, onde esta estatui que “a opção de não participar na Assembleia Geral em apreço, por parte do Requerente, tem como consequência legal este estar impedido de peticionar judicialmente a anulação da deliberação ali tomada”.
U.–O Tribunal a quo, depois de estatuir que “improcede, por falta de legitimidade substantiva do Requerente, o pedido de suspensão da execução das deliberações sociais” pelo motivo já refutado supra, acrescenta que “[N]ão foi alegado pelo Requerente qualquer facto concreto que demonstre, tampouco, indicie o exercício abusivo pelo sócio AM dos seus direitos de voto na tomada das deliberações objeto do presente procedimento”.
V.–Na verdade, resulta clara a vantagem especial e ilícita que o sócio maioritário, AM, logrou alcançar: a descentralização das suas participações sociais, e, consequentemente, do controlo da sociedade e dos direitos inerentes à titularidade de quotas, por várias pessoas da sua confiança absoluta: os seus dois filhos.
W.–De onde advém uma clara e visível vantagem para o sócio AM: é que estando, à data das deliberações cuja suspensão se requer, pendente uma ação de convocação judicial de Assembleia Geral que visava, por um lado, a destituição de AM do seu cargo de gerente, e, por outro, a propositura de uma ação judicial de exclusão de AM enquanto sócio, a divisão e cessão da sua quota a favor dos seus dois filhos deixava AM numa posição em que obteria sempre dois votos favoráveis, em qualquer eventual votação que recaísse sobre deliberações em que ele próprio estivesse impedido de votar.
X.–AM procurou dar a si próprio uma enorme vantagem: sabendo que o Tribunal do Comércio de Lisboa não deixaria de proceder à convocação judicial de Assembleia Geral que visaria a sua destituição do cargo de gerente, AM procedeu à cisão da sua quota, e à doação das quotas resultantes aos seus filhos, de modo a conseguir bloquear, através dos votos dos seus filhos as deliberações contra si que ele sabia que viriam a ter lugar.
Y.–Estas deliberações visaram apenas assegurar a posição e o controlo de AM sobre a sociedade, ao permitir a integração na sociedade de dois “sócios” que mais não eram que homens de palha, cuja única função seria a de assegurar a prossecução dos interesses de AM em sede de Assembleia Geral.
Z.–Por isso, errou o Tribunal quando considerou que “não foi alegado pelo Requerente qualquer facto concreto que demonstre, tampouco, indicie o exercício abusivo pelo sócio AM dos seus direitos de voto na tomada das deliberações objeto do presente procedimento”.
AA.–A ser convocada a Assembleia Geral que foi requerida pelo ora Recorrente, seria discutida e deliberada a destituição de AM do seu cargo de gerente, em virtude da atuação lesiva que o mesmo tem vindo a conduzir nesse papel. É contrário ao interesse da AB que um gerente, em flagrante ofensa aos princípios de democracia interna que devem reger qualquer sociedade, recorra a cessões de quotas a favor de testas-de-ferro apenas com o intuito de se perpetuar no cargo de gerente, contra aquela que é a vontade dos restantes sócios, ao mesmo tempo que impede a marcação de uma Assembleia Geral legitimamente solicitada.
BB.–Andou por isso mal o Tribunal a quo ao decidir que “não foi alegado, sequer, qual o concreto interesse da sociedade violado pela atuação do sócio AM manifestada nas deliberações em apreço”.
CC.–Motivo pelo qual são, além de nulas, também anuláveis as deliberações votadas na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022, por abusivas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CSC.
DD.–Nestes termos, deve a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare indiciariamente demonstrada a anulabilidade das três deliberações sociais tomadas em 2 de setembro de 2022, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC.
c.-Do erro da Sentença recorrida onde considera não existir anulabilidade das deliberações ínsitas nos Pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, por violação do n.º 3 do artigo 6.º dos Estatutos da Recorrida
DD2[1]. O Tribunal a quo começa por reiterar que “[a]tenta a ausência do Requerente da Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022”, o ora Recorrente “tem falta de legitimidade substantiva para arguir a anulabilidade das deliberações”. Quanto a este argumento, remete-se para o que já foi dito a conclusões O a T, supra, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC.
EE.–As deliberações ínsitas nos Pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos são anuláveis nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, por violação de disposições do contrato de sociedade, nomeadamente, o n.º 3 do artigo 6.º, que consagra um direito de preferência da sociedade e dos sócios no caso de cessão de quotas a estranhos.
FF.–Nas palavras da referida disposição do pacto social, “na cessão de quotas a estranhos, a sociedade, em primeiro lugar, e os sócios, em segundo lugar, têm direito de preferência na sua aquisição”.
GG.–A redação das deliberações ínsitas nos Pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos não previam que fosse concedida hipótese à Recorrida ou aos seus Sócios para exercerem o seu direito estatutário de preferência.
HH.–A “divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do sócio AM” foi apresentada na Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral como um facto consumado, sem que fosse dada à sociedade e aos restantes sócios a possibilidade de exercerem o seu direito de preferência, oferecendo-se para adquirir as duas quotas de 5% que o sócio e gerente único AM previa transferir a dois estranhos à sociedade.
II.–A Ordem de Trabalhos exclui, em violação das disposições estatutárias (nomeadamente, o n.º 3 do artigo 6.º do Pacto Social), a possibilidade de exercício do direito de preferência dos restantes sócios.
JJ.–O Tribunal a quo refere que “não obstante as deliberações tomadas nesse sentido, certo é que sendo os cessionários descendentes do sócio cedente, não seria legalmente exigível o consentimento da sociedade, cf. n.º 2 do artigo 228.º do Código das Sociedades Comerciais”.
KK.–Mas, independentemente do disposto no Código das Sociedades Comerciais, os Estatutos da Sociedade AB, Lda. estabelecem um direito de preferência para a sociedade, em primeira linha, e para os sócios, em segunda linha, em caso de cessão de quotas.
LL.–É a violação dessa regra estatutária – que não abre qualquer exceção para descendentes – que o ora Recorrente alega como fundamento de anulabilidade das deliberações citadas, e não o n.º 2 do artigo 228.º do CSC. Pelo que não se compreende porque é que o Tribunal a quo cita esse preceito legal.
MM.–O Tribunal a quo afirma que o direito de preferência consagrado no n.º 3 do artigo 6.º dos Estatutos da sociedade AB, Lda. “se atém, apenas, no que concerne [sic] a aquisições onerosas, ou seja, vendas”.
NN.–O Tribunal a quo sustenta esta afirmação do seguinte modo: “tal é o que decorre do preceituado no artigo 414.º do Código Civil quando, de forma preclara [sic], estatui que o pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa”.
OO.–No caso presente, o n.º 3 do artigo 6.º dos Estatutos da AB, Lda., não estabelece “pacto de preferência” nos termos do artigo 414.º do Código Civil, desde logo porque não tem como objeto a venda de nenhuma coisa.
PP.–O n.º 3 do artigo 6.º dos Estatutos da AB, Lda. é uma disposição estatutária – e deve ser interpretada, não por referência aos preceitos legais que regem os pactos de preferência na venda de determinadas coisas, mas sim por referência à sua própria letra, e à lógica própria dos estatutos sociais em que se encontra inserida.
QQ.–O n.º 3 do artigo 6.º do Pacto Social é cristalino: “na cessão de quotas a estranhos, a sociedade, em primeiro lugar, e os sócios, em segundo lugar, têm direito de preferência na sua aquisição”.
RR.–Não se discrimina, efetivamente, se essa cessão é onerosa ou gratuita. E, por isso mesmo, deve considerar-se que a regra abrange ambas as situações.
SS.–Se o conceito de cessão de quotas corresponde a uma “forma de transmissão de quotas inter vivos”, e a “sua característica diferencial reside na voluntariedade do facto transmissivo”; e se esse mesmo conceito “pode ter origem num negócio de caráter gratuito ou oneroso”, então resulta evidente que, quando os sócios consagraram, no Pacto Social da Recorrida, que “na cessão de quotas a estranhos […] os sócios […] têm direito de preferência na sua aquisição”, essa disposição se refere tanto a cessões de quotas gratuitas, como a cessões de quotas onerosas.
TT.–Por este motivo, cremos respeitosamente que errou o Tribunal a quo quando recorreu ao artigo 414.º do Código Civil; quando o direito de preferência estatutário (e não pacto de preferência) é regulado, em particular, pela alínea b) do n.º 2 do artigo 328.º do CSC, que não restringe o seu âmbito a vendas, mas a qualquer alienação, seja ela gratuita ou onerosa.
UU.–Nas palavras de Raquel Lóia Sequeira, “«a cláusula de preferência societária, porque o seu âmbito de funcionamento é subjetivo, não objetivo, leva implícita a consideração da sua potencial aplicação a toda e qualquer transmissão». Ora, sob pena de frustração desta finalidade, aquela cláusula deve ser aplicada a toda e qualquer transmissão, onde se incluem não só as transmissões a título oneroso, como as transmissões a título gratuito e, até, aquelas em que a contrapartida não é um bem fungível. De outro modo o legislador teria acabado «por deixar entrar pela janela o que se quis proibir que entrasse pela porta», abrindo-se assim espaço para o recurso, com sucesso, a negócios simulados”.
VV.–Resulta evidente que foi precisamente esta a ratio iuris que presidiu à inclusão do n.º 3 do artigo 6.º: uma sociedade constituída por três sócios-fundadores estabeleceu, desde o princípio, que qualquer cessão de quotas a estranhos teria de passar pelo crivo do direito de preferência da sociedade, e dos restantes sócios – para que qualquer sócio pudesse vetar a entrada de pessoas estranhas na sociedade, absorvendo a quota que o outro sócio pretendesse alienar.
WW.– Só assim se compreende que, ao ceder gratuitamente 5% da sua quota a cada um dos seus filhos, em completo desrespeito pelo direito de preferência dos restantes sócios, o gerente AM está a subverter por completo a letra e o espírito do n.º 3 do artigo 6.º dos Estatutos da sociedade Recorrida.
XX.–Por esse motivo, as deliberações ínsitas nos Pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022 são anuláveis, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC.
YY.–Nestes termos, deve a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare indiciariamente demonstrada a anulabilidade das deliberações sociais ínsitas nos Pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC.
d.-Do erro da Sentença recorrida onde considera não existir anulabilidade da deliberação ínsita no Ponto Três da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC
ZZ.–O Tribunal a quocomeça por reiterar que “[a]tenta a ausência do Requerente da Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022”, o ora Recorrente “tem falta de legitimidade substantiva para arguir a anulabilidade das deliberações”. Quanto a este argumento, remete-se para o que já foi dito a conclusões O a T, supra.
AAA.–O artigo 248.º do CSC estabelece que “às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas”;
BBB.–E, por sua vez, o artigo 377.º do CSC, que dispõe sobre a “convocação e forma de realização da assembleia”, estatui no seu n.º 8 que “o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação”.
CCC.–Não foram prestadas ou disponibilizadas quaisquer informações, na convocatória da Assembleia Geral, sobre as “cláusulas a modificar, suprimir ou aditar”; nem foi incluída qualquer menção de que “tal texto” ficasse “à disposição” dos sócios na sede social.
DDD.–Só fazendo uma leitura comparativa entre os estatutos propostos na convocatória e os estatutos vigentes é possível destrinçar as alterações propostas pelo gerente AM.
EEE.–Assim, na ausência de adequada informação prévia à Assembleia Geral, a deliberação deve ser considerada anulável, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC.
FFF.–Sobre este ponto, o Tribunal a quo pronunciou-se do seguinte modo:“[R]esulta do alegado pelo Requerente que o mesmo teve acesso à informação cuja falta invoca como fundamento de anulabilidade, na medida em que confessa ter podido destrinçar as alterações propostas aos estatutos mediante uma leitura comparativa dos mesmos […]. Termos em que não pode senão concluir-se também pela improcedência manifesta de tal fundamento de invalidade da deliberação em apreço.”
GGG.–A interpretação do n.º 8 do artigo 377.º do CSC que consta da Sentença do Tribunal a quo não é correta.
HHH.–Na verdade, o texto legal é claro; e, uma vez que impõe uma relevante exigência de forma, deve ser interpretado de forma restrita, sem desvios à letra da lei.
III.–Segundo a letra da Lei, em caso de modificação de cláusula estatutária, a convocatória deve “mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação”.
JJJ.–Uma vez que a convocatória não menciona expressamente quais as cláusulas a modificar – limitando-se a juntar o texto completo dos novos estatutos propostos – nem indica que o seu texto fica à disposição na sede social, é evidente que fica aquém das exigências impostas por Lei para as informações que devem ser fornecidas aos sócios, em caso de alteração dos Estatutos.
KKK.–E, neste caso, a sanção imposta pela Lei é clara: anulabilidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC.
LLL.–Motivos pelos quais se conclui que a deliberação ínsita no Ponto Três da Ordem de Trabalhos é anulável, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, na medida em que não foi precedida do fornecimento aos sócios de elementos mínimos de informação.
MMM.–Nestes termos e por estes fundamentos, deve a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare indiciariamente demonstrada a anulabilidade da deliberação social ínsita no Ponto Três da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral que teve lugar em 2 de setembro de 2022, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC.
e.- Do erro da Sentença recorrida quanto ao preenchimento do requisito relativo à possibilidade de ocorrência de dano apreciável, nos termos do artigo 380.º do CPC
NNN.–O Tribunal a quoconsiderou que se encontrava prejudicada a apreciação do terceiro requisito relativo à concessão de providências cautelares de suspensão de deliberações sociais, ou seja, a ocorrência da possibilidade de a execução da deliberação causar dano apreciável.
OOO.–A apreciação do Tribunal a quo não é correta. Na verdade, não existe qualquer prejudicialidade entre a questão da existência de uma possibilidade de dano apreciável e a questão da apreciação da licitude das deliberações sociais. São dois requisitos independentes entre si.
PPP.–Em boa verdade, e como é evidente, até uma deliberação lícita pode causar danos à sociedade e aos sócios. A apreciação da licitude em nada infirma a apreciação da possibilidade de a execução da deliberação causar dano.
QQQ.–Os factos alegados revelam que a execução das deliberações sociais aprovadas na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022 dão azo, mais que a uma possibilidade, a uma verdadeira certeza de ocorrência de dano apreciável para a Recorrida e os seus sócios.
RRR.–Com efeito, a execução destas deliberações sociais leva, por um lado, à consagração do aumento do capital social aprovado por AM na Assembleia Geral de 12 de agosto de 2022, o que deixa os restantes sócios numa posição insustentável, com a sua proporção no capital social quase totalmente obliterada.
SSS.–As deliberações aprovadas em 2 de setembro de 2022 deixam as participações dos sócios Tomaz Metello e Eugénio Fernandes reduzidas a meras centésimas – o que configura um enorme dano, não só do ponto de vista da posição relativa destes sócios na sociedade, mas também do ponto de vista patrimonial, uma vez que leva a uma redução significativa do valor económico das suas quotas.
TTT.–E, por outro lado, a entrada de dois novos sócios, filhos de AM, para a sociedade, constitui, em si mesma, um enorme dano para a sociedade e para a posição dos sócios TGM e EF na mesma. Ao introduzir os seus filhos nesta sociedade, abusivamente e contra os Estatutos da Recorrida, AM está a solidificar a sua posição na sociedade, dando lugar a testas-de-ferro que poderão votar em Assembleia Geral mesmo em deliberações em que ele próprio se encontre impedido de votar.
UUU.–O que configura, só de si, um dano apreciável, na medida em que destrói a democracia interna e as regras que orientam o bom funcionamento dos órgãos societários; permitindo a AM contornar, abusivamente, as regras impostas pela Lei acerca do impedimento de votos em sede de Assembleia Geral societária (nomeadamente, o artigo 251.º do CSC, que estabelece as situações de impedimento de voto quando o sócio se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade).
VVV.–Nestes termos e por estes fundamentos, deve a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que declare que se encontra verificado o pressuposto da existência de dano apreciável, previsto no artigo 380.º do CPC.
f.- Da reunião dos requisitos previstos no artigo 380.º do CPC para a concessão de providências cautelares
WWW.–De tudo quanto se expôs supra, resulta claro que estão reunidos os três pressupostos para a concessão de providências cautelares de suspensão de deliberações sociais, previstos no artigo 380.º do CPC.
XXX.–Motivo pelo qual deve a Sentença recorrida ser revogada, e substituída por Acórdão que decrete, nos termos do artigo 380.º do CPC, a suspensão das deliberações sociais adotadas em Assembleia Geral da AB, Lda. de 2 de setembro de 2022.”

A requerida apresentou contra-alegações, pedindo seja o recurso considerado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida e apresentando as seguintes conclusões:
A.–O Tribunal ad quo, julgou improcedente a providência cautelar especificada de suspensão de deliberações sociais intentada pelo recorrente que visava a suspensão das deliberações sociais aprovadas em Assembleia Geral Extraordinária, realizada no dia 02 de setembro de 2022, naquela sociedade.
B.–A Lei impõe que o decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais depende da verificação cumulativa de três requisitos: (i)- A qualidade de sócio do Requerente; (ii)- estar em causa uma deliberação societária contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato social e; (iii)- poder resultar da execução imediata dessa deliberação a produção de dano apreciável.
C.–In casu, o Tribunal a quo, considerou, e bem, na nossa opinião, que não se encontram preenchidos os requisitos necessários para a admissibilidade daquele procedimento, concretamente o vicio das deliberações.
D.–Decisão esta que vem aqui recorrida.

E.–No caso sub judice, o Recorrente considera, em síntese, que foram mal decidas as questões relativas à:
a)-À Nulidade nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 56 do CSC, pela não convocação da Assembleia Geral requerida;
b)-Anulabilidade das deliberações porque tomadas alegadamente de forma abusiva, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 58.º do CSC;
c)-Anulabilidade da deliberação sobre os Pontos Um e Dois da Ordem de trabalhos, nos termos da alínea a), do n.º 1 do art.º 58.º do CSC, por alegada violação de disposições estatutárias, nomeadamente a violação do direito de preferência;
d)-Nulidade da deliberação sobre o Ponto Três da Ordem de trabalhos por violação no disposto no n.º 3, do art.º 381.º, do CPC e consequente violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 56 do CSC.
e)-Anulabilidade da deliberação sobre o Ponto Três da Ordem de trabalhos por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 58 do CSC;
f)- Dano apreciável pela execução das deliberações.

F.–No entanto, como ficou aqui demonstrado o Recorrente não tem qualquer razão na sua pretensão, como a sentença, muito bem, já concluíra.
G.–Invoca o Recorrente uma alegada nulidade nos termos da alínea d), do n.º 1, do art.º 56 do CSC.
H.–No entanto, não demonstra como é que, em concreto, a situação por si descrita, preencheria os pressupostos de tal figura.
I.–Isto porque, o Recorrente não identifica sequer qual o interesse da sociedade no qual se reflete o prejuízo.
J.–Na verdade, pelas alegações do Recorrente este parece mesmo confundir abuso de direito com aquilo que são visões e ideias diferentes da sua.
K.–Note-se que, nas deliberações que aqui estão em causas, prevê-se uma cessão parcial de quotas do sócio maioritário AM, de forma gratuita, a dois dos seus descendentes.
L.–Até porque, como já dissemos, e resulta extensamente de todo o processo, este sócio maioritário, detém, sozinho, 78% do capital social.
M.–E, a intenção assumida do Recorrente de querer expurgá-lo da formação da vontade coletiva consubstanciaria, essa sim, uma manipulação das normas societárias.
N.–O Recorrente vem litigando toda e qualquer decisão tomada por este sócio, que necessariamente, por força do capital social detido, tem o poder e direito de decidir sozinho.
O.–Ora, não tendo a pessoa coletiva vontade própria, o procedimento que permite transformar as múltiplas vontades dos sócios em apenas uma vontade é a deliberações tomada em Assembleia Geral.
P.–Pelo que deve esta ser respeitada.
Q.–Conclusão diversa equivaleria à paralisação de toda a vida societária, essa sim portadora de danos apreciáveis para a sociedade
R.–Com efeito, o peso do direito de voto do Sócio AM é a exata contrapartida da diferente contribuição para o fim comum e no risco assumido.
S.–Razão pela qual terá necessariamente de improceder, in totum, esta linha argumentativa do Apelante, por manifesta falta de fundamento e respaldo legal.
T.–O Recorrente vem ainda invocar uma anulabilidade nos termos do artigo 58º, nº 1, alínea b) do CSC, alegando para tal que as deliberações em causa visam satisfazer o propósito do sócio AM de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou de terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios.
U.–O que não se compreende, desde logo porque o que aqui está em causa – a cessão de quotas a título gratuito a descendentes – em bom rigor, não precisa de ser submetido a Assembleia Geral.
V.–Note-se que em rigor, com esta deliberação, o sócio AM está a descentralizar o poder que, incontornavelmente detém atualmente.
W.–Não obstante, tendo sido sujeita a deliberação dos sócios, todas as deliberações tomadas foram efetuadas com a maioria societária e legalmente exigida.
X.–Demonstrando-se, nesse sentido, totalmente legitimas e válidas.
Y.–Vem ainda o Recorrente invocar que não foi cumprido um alegado Direito de Preferência, previsto no Contrato de Sociedade, o que torna a deliberação anulável nos termos da alínea a) do n.º 1, do art.º 58.º - anulabilidade das deliberações atinentes aos Pontos Um e Dois da Ordem de Trabalhos
Z–O Recorrente não tem porém qualquer razão.
AA.–Isto porque, in casu, tratando-se de uma transmissão gratuita a descendentes não há lugar a direito de preferência pela sociedade ou pelos restantes sócios.
BB.–Até porque aí seria inexequível!
CC.–Mais, ao contrário do que aquilo que o recorrente alega esta cessão não provoca ou altera a sua posição societária.
DD.–Nem sequer coloca em causa o equilíbrio de poderes onde o sócio dominante, que figura aqui como cedente, continua a ser maioritário de forma absoluta.
EE.–Ora, e não menos importante, diga-se ainda que, regularmente convocada a Assembleia Geral, o Recorrente não comunicou a eventual vontade de adquirir (não se sabe bem como) as referidas quotas.
FF.–Por último, no que diz respeito à legalidade das deliberações, considera o Recorrente que a deliberação relativa ao ponto três da ordem de trabalhos é anulável por força do disposto na alínea c), do n.º 1, do art.º 58 do CSC, uma vez que, segundo alega, não foram disponibilizadas as necessárias, e legalmente exigidas, informações aos sócios.
GG.–No entanto, estas alegações são falsas!
HH.–Todas as informações e documentação sobre o tema estiveram disponíveis na sede da Requerida.
II.–Não obstante, nenhum dos sócios, incluindo o Recorrente, se deslocou à sede da sociedade para consulta da informação, ou sequer contactou o sócio AM, gerente da Recorrida, no sentido de ter acesso à documentação.
JJ.–Mais uma vez, o Recorrente não tem qualquer razão.
KK.–Note-se que, conforme notou o Tribunal a quo, o recorrente identificou as alterações propostas.
LL.–Até porque a convocatória em causa continha apenas dois pontos, na ordem de trabalhos, antecedentes ao último e terceiro ponto, e ambos visavam precisamente a mesma matéria – a transmissão parcial da quota do sócio AM.
MM.–Pelo que é manifestamente claro e cognoscível quais as clausulas objeto de alteração.
NN.–Até porque, e pelos vistos foi suficiente, foi enviada nesta convocatória a proposta da nova versão dos Estatutos.
OO.–Tenha-se presente que, tal como admite no seu Requerimento, o Recorrente não deu qualquer importância à assembleia em si porque considerou que estava ferida de ilegitimidade, o que serve de confissão.
PP.–Por sua vez, e no que diz respeito ao pressuposto do dano apreciável, a Lei impõe que deliberação a suspender cause à Requerida um dano apreciável.
QQ.–Aquele pressuposto é aferido através de um juízo de certeza, ou pelo menos uma probabilidade muito forte e séria, de que a deliberação poderá causar um dano apreciável.
RR.–In casu, o Requerente limitou-se a invocado expressões genéricas como «causará graves e apreciáveis danos não só para os restantes sócios, como também para a requerida», sem explicar em que sentido os factos, que também não demonstrou seres verídicos, acarretam prejuízos à sociedade.
SS.–A maior parte da argumentação deduzida é vazia de conteúdo, não passando de juízos valorativa, o que é manifestamente insuficiente perante os requisitos da procedência de qualquer providência cautelar, nomeadamente o dano apreciável e o periculum in mora.
TT.–O Recorrente chega ao ponto de invocar danos que nunca seriam imputados a esta deliberação, nomeadamente o aumento do capital social que aqui não se discute.
UU.–Pelo exposto, não tendo o Requerente logrado em carrear quaisquer factos que, provados, fossem suscetíveis de demonstrar que, no caso concreto, a alteração aos estatutos altera o paradigma atualmente existente e como é que, per si, é suscetível de causar dano apreciável à sociedade
VV.–Importa, portanto, concluir pela absoluta validade da deliberação sub judice. Devendo ser proferida decisão que confirme na íntegra a douta e bem prolatada sentença aqui posta em crise.”

O recurso foi admitido por despacho de 20/11/2023 (ref.ª 430481681).

Foram colhidos os vistos.

Cumpre apreciar.
*

2.–Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas, são as seguintes as questões a decidir:
- como questão prévia, a admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso pelo recorrente;
- a verificação da existência dos requisitos de decretamento do presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais: nomeadamente os de i) ilegalidade da deliberação; e ii) dano apreciável resultante da execução da deliberação.
*

3.–Fundamentos de facto

Foram considerados assentes, em 1ª instância, os seguintes factos com relevância para a decisão da providência:

“Expurgadas as conclusões de facto e de Direito, com relevância para a boa decisão da causa, resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:
1.–A Requerida é uma sociedade comercial por quotas que tem como objeto social a indústria de transportes por ar de passageiros, correio e carga por meio de serviços regulares ou por afretamento, assim como as respetivas peças e acessórios, o arrendamento de aeronaves a outras companhias em regime de casco nu ou em qualquer outra modalidade, a prestação de serviços de assistência técnica e planificação económica no ramo aéreo a terceiros incluindo, nomeadamente, companhias aéreas, e quaisquer atividades que, direta ou indiretamente, se relacionem com o transporte aéreo. Conceção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, a exploração de estabelecimentos hoteleiros, a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração imobiliária.
2.–A Requerida tem, desde o dia 29 de outubro de 2021, como seu sócio-gerente AM, casado, cidadão iraniano, titular do NIF … e com domicílio em …, Irão.
3.–Atualmente, o capital social da Requerida é detido pelos seguintes sócios:
- AM (gerente único), titular de uma quota com o valor nominal de € 19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros), representativa de 78% do capital social;
- TGM, titular de uma quota com o valor nominal de € 5.000 (cinco mil euros), representativa de 20% do capital social;
- EF, titular de uma quota com o valor nominal de € 500,00 (quinhentos euros), representativa de 2% do capital social.
4.–Dispõe o artigo 6º dos Estatutos Sociais da Requerida, sob a epígrafe “Transmissão de quotas”:
1.- É livre a cessão, total ou parcial, de quotas entre os sócios.
2.- A transmissão, total ou parcial, de quotas a terceiros depende do consentimento expresso da sociedade, dado em assembleia geral.
3.- Na cessão de quotas a estranhos, a sociedade em primeiro lugar, e os sócios, em segundo lugar, têm direito de preferência na sua aquisição.
4.- A infração ao disposto nos números anteriores torna ineficaz, quer em relação à sociedade, quer em relação aos sócios, a transmissão, total ou parcial, da quota em questão, sem prejuízo do disposto na alínea g) do número um do artigo 7º infra.”.
5.–No dia 9 de dezembro de 2021, o Requerente solicitou à Senhora Dra. RCD, Agente de Execução com cédula profissional com o n.º …, a entrega, em mãos, ao sócio gerente AM, de pedido de convocatória para a realização de Assembleia Geral societária destinada à votação sobre a sua destituição de gerente, visando a efetivação do exercício do seu direito previsto nos artigos 248.º e 375.º do CSC.
6.–Esta entrega foi efetivada com a entrega de tal pedido de convocação em mãos perante, não só a Senhora Agente de Execução, como dos mandatários do Requerente e do sócio AM, bem como de outras pessoas presentes.
7.– Até hoje, nada foi convocado.
8.–No passado dia 16 de março de 2022, o Requerente pediu novamente ao sócio gerente AM que o mesmo convocasse a realização de uma Assembleia Geral a ter lugar no dia 4 de abril de 2022, pelas 09.00 horas, na sede da AB.
9.–A Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral requerida pelo Requerente era constituída por um ponto único: “Deliberar sobre a propositura de ação judicial para exclusão do sócio AM, nos termos do n.º 1 do artigo 242.º do CSC, com fundamento no seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade”.
10.–No dia 28 de março de 2022, o sócio gerente AM enviou uma carta ao Requerente através da qual recusou a realização da Assembleia Geral solicitada.
11.–No dia 18 de julho de 2022, o sócio gerente AM enviou ao Requerente uma convocação para Assembleia Geral, a realizar no dia 12 de agosto de 2022, com a seguinte Ordem de Trabalhos:Ponto Um – Deliberar sobre a eleição do Fiscal Único e suplente, para o triénio 2022-2025, nos termos do art.º 9.º dos Estatutos. Ponto Dois – Deliberar sobre o consentimento de aumento do capital social da sociedade por aumento do valor nominal da quota do sócio AM, mediante conversão de suprimentos no valor global de 1.000.000,00 (um milhão de euros), nos termos dos artigos 87.º do CSC.
Ponto Três – Deliberar sobre a nova redacção dos Estatutos da sociedade.”
12.–No dia 12-08-2022 teve lugar a Assembleia Geral Extraordinária da Requerida, tendo sido aprovados por unanimidade os indicados três pontos da ordem de trabalhos, tendo estado presente o sócio AM e ausentes os sócios TGM e EF.
13.–Não se conformando com tais deliberações, o Requerente apresentou, no dia 22 de agosto de 2022, providência cautelar de suspensão das deliberações que tivessem sido tomadas na Assembleia Geral decorrida nesse dia, intentada originalmente sob o n.º 19871/22.3T8LSB, que corre atualmente os seus termos como Apenso B do Processo n.º 20963/22.4T8LSB.
14.–À data de 02-09-2022, ainda não se tinha concretizado a citação da Requerida no processo n.º 19871/22.3T8LSB destes autos, tendo sido remetida carta registada com aviso de receção a 30-08-2022, que foi entregue a 7 de setembro de 2022.
15.–Não se conformando, igualmente, com a execução de tais deliberações sociais, o EF instaurou no mesmo dia 12-08-2022 procedimento cautelar originalmente sob o nº 19604/22.4 T8LSB, que corre atualmente os seus termos como Apenso D do processo n.º 20963/22.4T8LSB, requerendo a suspensão dessas deliberações sociais.
16.–À data de 02-09-2022, ainda não se tinha concretizado a citação da requerida no aludido processo n.º 19604/22.4 T8LSB, tendo sido remetida carta registada com aviso de receção a 17-08-2022, devolvida a 09-09-2022.
17.–No dia 18 de agosto de 2022, o sócio gerente AM enviou ao Requerente uma convocatória para Assembleia Geral, a realizar no dia 2 de setembro de 2022, com a seguinte Ordem de Trabalhos: “Ponto Um – Deliberar sobre a divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do sócio AM para o seu filho AMA. Ponto Dois – Deliberar sobre a divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do sócio AM para o seu filho MM. Ponto Três – Deliberar sobre a nova redacção dos Estatutos da sociedade.”, cf. documento n.º 9 junto com a petição inicial, cujo teor se reproduz:
“CONVOCATÓRIA
De harmonia com o disposto na Lei e nos Estatutos da sociedade AB, Lda., com sede na Rua … Lisboa e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o n° …, convoca V.Exa. para reunir em Assembleia Geral, em sessão extraordinária no dia 02 do Setembro de 2022, às 10:00 Horas, na sede da sociedade, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ordem do dia
Ponto Um - Deliberar sobre a divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do socio AM para o seu filho AMA.
Ponto Dois - Deliberar sobre a divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do sócio AM para o seu filho MM.
Ponto Três - Deliberar sobre a nova redacção dos Estatutos da sociedade.
Sobre a deliberação da nova versão dos estatutos da sociedade, junta-se em anexo a nova versão dos estatutos da sociedade.
Lisboa, 18 de Agosto de 2022,
18.–No dia 02-09-2022 teve lugar a Assembleia Geral da Requerida, tendo sido aprovados por unanimidade os indicados três pontos da ordem de trabalhos, tendo estado presente o sócio AM e ausentes os sócios TGM e EF, cf. ata junta com a oposição, cujo teor se dá por reproduzido por razões de economia processual, da qual consta designadamente que:
“A Assembleia, tendo sido regularmente convocada, foi presidida, nos termos regimentais e de acordo com a lei, pelo sócio maioritário, no caso presente o mandatário do mesmo devidamente mandatado pela esta Assembleia Geral, o Sr. Dr. PF, representante do sócio maioritário, o Sr. AM, tendo sido convidados a estar presentes o Dr. JA, o Dr. TS e a Professora SR, que assistiram à Assembleia, conforme vontade do referido sócio, em função de não ter sido expressa qualquer oposição às suas presenças na sessão. 
Iniciados os trabalhos foram os pontos constantes da ordem de trabalhos colocados à discussão e à deliberação dos presentes:     
Ponto Um: Pelo acima identificado mandatário do sócio AM e em sua representação foi dito que o sócio AM, nesta deliberação, pede o consentimento da sociedade para dividir e doar (a título gratuito e por pura liberalidade) 5% do valor da sua quota ao seu filho AMA, passando este a ter uma participação de 5% do capital social, no valor nominal de € 50.975,00 (cinquenta mil e novecentos e setenta e cinco euros). Submetida a votação a proposta foi aprovada por unanimidade.     
Ponto Dois: Pelo mandatário do sócio AM foi dito que o sócio AM pede o consentimento da sociedade para dividir e doar (a título gratuito e por pura liberalidade) 5% do valor da sua quota ao seu filho MM, passando este a ter uma participação de 5% do capital social, no valor nominal de € 50.975,00 (cinquenta mil e novecentos e setenta e cinco euros). Submetida a votação a proposta foi aprovada por unanimidade.    
Ponto Três: Pelo mandatário do sócio AM foi proposta a seguinte nova redacção dos estatutos da sociedade:
Estatutos Actualizados da Sociedade
“AB, Lda.”
Artigo 1.°
Denominação social e duração
A sociedade adopta a denominação social de “AB, Lda." e durará por tempo indeterminado a contar desta data.
Artigo 2.°
Sede Social
1.- A sociedade tem a sua sede na Rua … Lisboa, freguesia de Santo …, concelho de Lisboa, distrito de Lisboa.
2.- Por deliberação dos sócios, a sede da sociedade poderá ser transferida para qualquer outro local, dentro do mesmo concelho ou para concelho limítrofe.
3.- Também mediante deliberação dos sócios, a sociedade poderá criar sucursais, agências, delegações ou outras formas de representação social no território nacional ou no estrangeiro.
Artigo 3.°
Objecto Social
A sociedade tem por objecto a indústria de transportes por ar de passageiros, correio e carga por meio de serviços regulares ou por afretamento, assim como as respectivas peças e acessórios, o arrendamento de aeronaves a outras companhias em regime de casco nu ou em qualquer outra modalidade, a prestação de serviços de assistência técnica e planificação económica no ramo aéreo a terceiros incluindo, nomeadamente, companhias aéreas, e quaisquer actividades que, directa ou indirectamente, se relacionem com o transporte aéreo. A sociedade tem, ainda, por objecto a concepção, edificação e exploração de empreendimentos turísticos e imobiliários, a exploração de estabelecimentos hoteleiros, a compra e venda de imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e administração imobiliária.
Artigo 4.°
Participações noutras entidades
A sociedade poderá livremente adquirir e alienar participações de toda a espécie, associar-se ou interessar-se por qualquer forma e com qualquer entidade, noutras sociedades, empresas, agrupamentos complementares ou consórcios, existentes ou a constituir, seja qual for o seu objecto, tipo e lei reguladora, bem como tomar parte e fazer-se representar nos respectivos órgãos sociais e praticar todos os actos necessários para tais fins. 
Artigo 5.°
Capital social, prestações suplementares e suprimentos
1.–O capital social é de € 1.025.000,00 (um milhão e vinte e cinco mil euros) e corresponde à soma das seguintes quotas:
a)-Uma quota no valor nominal de € 917.550,00 (novecentos e dezassete mil e quinhentos e cinquenta euros), pertencente ao sócio AM, correspondente a 89,46% do capital social;
b)-Uma quota no valor nominal de € 50.975,00 (cinquenta mil e novecentos e setenta e cinco euros), pertencente ao sócio AMA, correspondente a 5% do capital social;
c)-Uma quota no valor nominal de € 50.975,00 (cinquenta mil e novecentos e setenta e cinco euros), pertencente ao sócio MM, correspondente a 5% do capital social;
d)-Uma quota no valor nominal de € 5.000,00 (cinco mil euros), pertencente ao sócio TGM, correspondente a 0,48% do capital social;
e)-Uma quota no valor nominal de € 500,00 (quinhentos euros), pertencente ao sócio EF, correspondente a 0,048% do capital social.
2.–Os sócios poderão fazer suprimentos á sociedade nos termos e condições que forem fixados pela assembleia geral.
Artigo 6.°
Transmissão de quotas
1.–É livre a cessão, total ou parcial, de quotas entre sócios.
2.–A transmissão, total ou parcial, de quotas a terceiros depende do consentimento expresso da sociedade, dado em assembleia geral.
3.–Na cessão de quotas a estranhos, a sociedade, em primeiro lugar, e os sócios, em segundo lugar, têm direito de preferência na sua aquisição.
4.–A infracção ao disposto nos números anteriores torna ineficaz, quer em relação à sociedade, quer em relação aos sócios, a transmissão, total ou parcial, da quota em questão, sem prejuízo do disposto na alínea g) do número um do artigo 7.° infra.
Artigo 7.°
Amortização de quotas
1.–A sociedade poderá amortizar qualquer quota nos seguintes casos:
a)-Acordo com o sócio;
b)-Divórcio, separação judicial de pessoas e bens ou só de bens, de qualquer sócio, se a quota não ficar a pertencer totalmente ao seu titular;
c)-Interdição ou inabilitação do respectivo titular;
d)-Falência ou insolvência do titular da quota, judicialmente declarada;
e)-Penhora, arresto ou qualquer outro meio de apreensão judicial da quota;
f)-Oneração da quota sem prévio consentimento da sociedade;
g)-Incumprimento pelo respectivo titular, por qualquer forma, das disposições deste pacto social, designadamente, transmissão da quota com violação do disposto no Artigo 6.°, bem como das deliberações da assembleia geral;
h)-Falecimento de qualquer um dos seus sócios, devendo a respectiva deliberação ser tomada no prazo máximo de cento e vinte dias a contar da data em que a sociedade teve conhecimento do falecimento do sócio.
2.–Nos casos em que lhe é conferido o direito de amortizar qualquer quota, poderá a sociedade, em vez disso, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro.
3.–O titular da quota de cuja amortização se tratar poderá votar relativamente à deliberação sobre amortização.
4.–A contrapartida da amortização da quota, nos casos previstos nas alíneas b), c), f) e g) do número um, será a que para a quota resultar do último balanço aprovado à data da amortização.
5.–A contrapartida da amortização da quota, no caso previsto na alínea h) do número um, será calculada com base num balanço especialmente elaborado para o efeito, reportado à data do referido falecimento.
Artigo 8.°
Gerência
1.–A sociedade é administrada e representada por um ou mais gerentes, eleitos e livremente exonerados por deliberação dos sócios.
2.–Os gerentes prestarão ou não caução e serão ou não remunerados, conforme for deliberado pelos sócios.
3.–Os gerentes exercerão os poderes destinados a assegurar a gestão e a representação da sociedade, com a observância da lei e sem prejuízo das disposições dos presentes estatutos e, ainda, dentro dos limites que forem estabelecidos por deliberação dos sócios.
4.–A gerência poderá constituir mandatários ou procuradores da sociedade para os fins e com os poderes que constarem dos respectivos instrumentos de representação, os quais serão outorgados pelo gerente ou pelos gerentes com poderes para obrigar a sociedade.
5.–Nos seus actos e contratos, a sociedade ficará obrigada:
a)-No caso de gerente único, pela assinatura deste, nos limites dos respectivos poderes;
b)-No caso de gerência plural, pela assinatura conjunta de dois gerentes, igualmente nos limites dos respectivos poderes;
c)-Pela assinatura de um mandatário ou procurador da sociedade com os poderes bastantes, estabelecidos nos termos do número anterior.
6.–Os mandatos dos gerentes serão trianuais, podendo os mesmos ser reconduzidos nas suas funções, por uma ou mais vezes.
Artigo 9.°
Órgão de fiscalização
1.–A fiscalização dos negócios sociais será exercida, nos termos da lei, por um Fiscal Único, que será Revisor Oficial de Contas ou sociedade de revisores oficiais de contas.
2.–A deliberação dos sócios que eleger o Fiscal Único designará ainda um revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas suplente.
3.–Quer o Fiscal Único, quer o suplente, serão designados por períodos de três anos, sendo permitida a reeleição.
4.–A entidade incumbida da fiscalização da sociedade terá os poderes e os deveres consignados na lei.
Artigo 10.°
Assembleias Gerais
1.–Salvo se a lei impuser forma especial, a convocação das assembleias gerais será efectuada por meio de cartas registadas, dirigidas aos sócios para os endereços constantes dos registos sociais e expedidas com a antecedência mínima de quinze dias.
2.–A representação voluntária do sócio poderá ser conferida a qualquer pessoa, indicada em procuração ou em simples carta.
Artigo 11.°
Resultados do exercício
1.–O exercício social coincide com o ano civil.
2.–As contas do exercício encerrar-se-ão com referência a trinta e um de Dezembro de cada ano e serão submetidas pela gerência à apreciação dos sócios, conjuntamente com o relatório de gestão e a proposta sobre aplicação ou tratamento de resultados.
3.–Os lucros líquidos, depois de deduzida a percentagem para o fundo de reserva legal, sempre que a tal houver lugar, terão o destino que lhes for dado em assembleia geral.
4.–Poderão ser feitos aos sócios adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício, nos termos previstos na lei.
Artigo 12.°
Maioria necessária para as deliberações dos sócios
As deliberações dos sócios, designadamente, as deliberações de eleição, remuneração, exoneração ou destituição da gerência, de aprovação das contas, de aplicação ou tratamento de resultados e de distribuição de outros activos sociais aos sócios, de realização de prestações suplementares de capital e suprimentos, de consentimento da sociedade para a transmissão de quotas, de aquisição, oneração e alienação de quotas próprias, de alteração da sede social, de alteração do contrato de sociedade, de aumento ou redução do capital social, de fusão, de cisão, de transformação, de dissolução, da sociedade e de constituição de mandatários da mesma cessação dos respectivos mandatos, devem ser tomadas por maioria de três quartos dos votos correspondentes ao capital social.
Submetida a votação a proposta foi aprovada por unanimidade.   
E nada mais havendo a tratar, o Presidente da Assembleia encerrou a sessão pelas dez horas e quarenta minutos e dela se lavrou a presente ata, que reproduz fielmente o sentido das deliberações ali tomadas e depois de lida e aprovada, vai ser assinada pelo mandatário do sócio.”
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4.–Questão prévia – admissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso
O recorrente veio, com as alegações de recurso, juntar versão digital de uma sentença de convocação judicial de assembleia, datada de 16/02/2023 e cópia de uma ata de assembleia geral datada de 17/03/2023. Não alegou qualquer impossibilidade de junção anterior, referindo fazê-lo ao abrigo dos arts. 651º e 425º do CPC.
A recorrida não se pronunciou quanto à admissibilidade da junção.
Apreciando:
Estabelece o artigo 651.º do CPC, sob a epígrafe “Junção de documento e de pareceres:
«1.- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2.- As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.»

A jurisprudência e a doutrina, de forma unânime, consideram que a junção de documentos em fase de recurso é de natureza excecional e ocorre mediante a alegação e demonstração de um de dois tipos de situações:
- a impossibilidade, objetiva ou subjetiva, de junção anterior, reportada ao momento temporal que se situa depois do encerramento da discussão em 1.ª instância, nos termos do art. 425º do CPC;
- quando a junção apenas se mostre necessária em virtude do julgamento proferido[2].
Na sua materialidade, os documentos cuja junção se requer não se analisam em pareceres de jurisconsulto, pelo que o nº2 do preceito não é aplicável.
Não é alegada qualquer circunstância factual que impedisse, objetiva ou subjetivamente, a junção anterior, dado que embora se tratem de documentos posteriores à apresentação do requerimento inicial, são ambos anteriores à prolação da decisão final  recorrida (que foi proferida em 21/08/2023 e antecedida de despacho advertindo da desnecessidade de produção de prova), pelo que a sua junção deveria ter sido requerida nos termos do disposto no art. 423º nº2 do CPC a fim de ter sido tida em conta pelo tribunal a quo, e não apenas em sede de recurso.
O procedimento seguido pelo recorrente, a ser acolhido, colocaria o tribunal ad quem na posição de apreciar, para efeitos de recurso, documentos anteriores à prolação da decisão recorrida que, a serem relevantes, as partes tinham optado[3] por não apresentar à apreciação do tribunal recorrido.
Não foi, por outro lado, a decisão recorrida que tornou necessária a junção de qualquer dos documentos juntos, nada tendo sido alegado nesse sentido e igualmente não resultando, objetivamente, dos documentos juntos.
Nestes termos, por falta de fundamento legal, não se admite a junção dos referidos documentos nesta sede de recurso.
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5.–Fundamentos do recurso

5.1.–Requisitos de procedência da suspensão da deliberação social
A decisão recorrida julgou improcedente o pedido de suspensão da deliberação de consentimento da sociedade à divisão e doação de parte das quotas do sócio maioritário aos seus dois filhos e alteração do pacto social em conformidade, aprovadas na assembleia geral da mesma ocorrida no dia 02/09/2022.
Para tanto considerou que não estavam demonstrados todos os requisitos de procedência do pedido formulado, nomeadamente dado que:
- quanto à nulidade de todas as deliberações nos termos do art. 56º, nº1, al. d) do CSC, a recusa de convocação de assembleias gerais prévias, não impede o gerente em exercício de funções de convocar todas as assembleias que entenda necessárias, apenas dando aos sócios cujo pedido é recusado o direito de pedir a convocação judicial, não gerando invalidade das deliberações tomadas em assembleias posteriores àquela recusa;
- no tocante à anulabilidade de todas as deliberações por abusivas, nos termos da al. b) do nº1 do artigo 58º do CSC, o requerente não tem legitimidade substantiva para pedir a anulação das deliberações tomadas, por não ter estado presente na assembleia, e que, ainda que assim se não entenda, não foi alegado qualquer facto que demonstre ou indicie um exercício abusivo do sócio que votou no sentido que fez vencimento, dos respetivos direitos de voto, qual o benefício para o sócio, qual o prejuízo para a sociedade nem qual o concreto interesse da sociedade violado;
- quanto à anulabilidade das deliberações tomadas sob os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos nos termos da alínea a) do nº1 do art. 58º do CSC, considerando que o direito de preferência, estatutariamente consagrado, apenas se aplica a aquisições onerosas, ou seja a vendas, tendo as presentes transmissões sido gratuitas e, que nos termos da al. b) do mesmo preceito, não se verifica qualquer benefício para o sócio maioritário, que já o é e continuará a ser, não tendo sido demonstrado o carater abusivo;
- no tocante à nulidade da deliberação de alteração dos estatutos tomada sob o ponto 3 da ordem de trabalhos nos termos do nº3 do art. 381º do CPC e 56º nº1, al. d), isto é, por ter sido tomada depois de ter intentado um procedimento cautelar pedindo a suspensão da deliberação do aumento de capital social que esta alteração consagra, não se verificar, por a citação para o referido procedimento ter ocorrido após a realização da assembleia geral;
- quanto à alegada anulabilidade da deliberação tomada sob o ponto 3, nos termos da al. c) do nº1 do art. 58º do CSC por não terem sido prestadas ou disponibilizadas informações sobre as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar, tendo-a por não verificada dado o requerente ter tido acesso ao texto do pacto alterado tendo logrado destrinçar as alterações propostas aos estatutos; quanto à anulabilidade nos termos da al. b) do nº1 do mesmo artigo 58º do CSC, concluiu igualmente pela sua não verificação, por não ter sido demonstrado que a deliberação seja apropriada para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou prejudicar a sociedade ou aqueles sócios;
- quanto ao requisito dano apreciável considerando prejudicada a apreciação do mesmo, dada a improcedência da arguida invalidade das deliberações em causa.
O recorrente nas suas alegações motivou e concluiu:
- quanto à nulidade de todas as deliberações, nos termos da al. d) do nº1 do art. 56º do CSC, que a mesma se verifica porquanto as assembleias que o sócio gerente recusou convocar tinham como ordem de trabalhos a sua destituição do cargo de gerente e a propositura de ação para a sua exclusão de sócio, pelo que a sua recusa lhe permitiu permanecer nas suas funções de gerente e convocar esta assembleia, assim se prevalecendo da ilegalidade que cometeu. O exercício do direito de voto pelo sócio gerente após a recusa de convocação é ilegítimo nos termos do art. 334º do CC, dado que abusou da sua posição de gerente convocando assembleias para fortalecer a sua influência e disseminar a sua quota entre os filhos para se proteger; um gerente que não convoca uma assembleia geral com vista à sua destituição e convoca em paralelo uma assembleia geral que visa esmagar as participações sociais dos restantes sócios excede os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e económico do direito (conclusões A a L);
- quanto à anulabilidade de todas as deliberações, começando por referir que nos termos do art. 59º nº1 do CSC também o sócio ausente, porque não votou a favor da deliberação, pode impugnar as deliberações tomadas em assembleia à qual não compareceu nem se fez representar; para os efeitos da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC, defende, resulta clara a vantagem especial e ilícita que o sócio gerente alcança, a descentralização das suas participações sociais e do controlo da sociedade e dos direitos inerentes à titularidade das quotas por várias pessoas da sua confiança, num momento em que está pendente ação de convocação judicial de assembleia visando a sua destituição como gerente e exclusão de sócio; é manifestamente contrário ao interesse social que um gerente, em flagrante ofensa aos princípios da democracia interna recorra a cessões de quotas com testas de ferro para se perpetuar no cargo de gerente contra a vontade dos restantes sócios enquanto impede a marcação de uma assembleia geral legitimamente solicitada poucas semanas depois da aprovação pelo mesmo de um enorme aumento do capital social (conclusões M a DD);
- quanto à anulabilidade das deliberações de divisão e cessão de quotas tomadas sob os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos, nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC, violam o art. 6º nº3 do contrato de sociedade que consagra um direito de preferência da sociedade e dos sócios na cessão a estranhos, dado que não o previram e foram apresentadas como facto consumado; a regra do pacto não contempla qualquer exceção quanto a descendentes; o pacto da sociedade não discrimina se a cessão é onerosa ou gratuita, pelo que abrange ambas as situações (conclusões DD2 a YY);
- a deliberação tomada sob o ponto 3 da ordem de trabalhos é anulável, nos termos da al. c) do nº1 do art. 58º do CSC, uma vez que o aviso convocatório, sendo um dos assuntos a alteração do contrato, não continha a menção das cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que ficava à disposição dos acionistas na sede social, apenas tendo sido junto o texto completo dos novos estatutos completos; só fazendo uma leitura comparativa entre os estatutos propostos e os estatutos vigentes é possível destrinçar as alterações propostas; trata-se de uma exigência de forma que deve ser interpretada de forma restrita, sem desvios à letra da lei (conclusões ZZ a MMM);
- quanto ao dano apreciável defendendo que sendo a ilegalidade da deliberação e o dano apreciável requisitos independentes, não estava o tribunal impedido de apreciar se causavam dano à sociedade e que os factos revelam claramente que a execução destas deliberações trará dano à sociedade e aos sócios. Leva à consagração do aumento de capital social previamente deliberado e deixa os sócios numa posição insustentável devido à diminuição da sua proporção no capital social e do valor patrimonial das suas quotas. A entrada de dois novos sócios, abusivamente e contra os estatutos da sociedade, enche-a de testas de ferro e destrói a democracia interna, contornando abusivamente o disposto no art. 251º do CSC (conclusões NNN a VVV).
A recorrida, nas suas contra-alegações, alega:
- quanto à nulidade de todas as deliberações nos termos do art. 56º, nº1, al. d) do CSC referindo que a recusa de convocação de assembleia apenas dá lugar ao direito de pedir a respetiva convocação judicial e que tal decisão não tem efeitos retroativos, não tendo qualquer efeito sobre uma deliberação já tomada, sob pena de completa paralisação da sociedade; não faz sentido falar em abuso de direito apenas pelo facto de a sociedade não levar o rumo protendido pelo recorrente mas sim o deliberado por um sócio largamente maioritário, já que as assembleias gerais deliberam por maioria, e não por unanimidade (conclusões G a S);
- relativamente à anulabilidade de todas as deliberações por abusivas, nos termos da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC, referindo que a manipulação das normas sociais quanto ao impedimento de voto não faz sentido, dado que tais deliberações já foram tomadas. O sócio maioritário tem extrema importância na vida da requerida, dado o seu peso no capital social e os milhões que tem injetado na sociedade; não foi alegada qual a vantagem específica obtida pelo sócio que votou estas deliberações, nem o prejuízo concreto causado à sociedade ou aos demais sócios, nem sequer qual o interesse social violado (conclusões T a X);
- quanto à anulabilidade das deliberações de divisão e cessão de quotas, tomadas sob os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos, nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC, não há lugar a qualquer direito de preferência nos termos do nº3 do art. 6º dos Estatutos da Sociedade por se ter tratado de uma transferência com carater gratuito para descendentes e não criando qualquer desequilíbrio de poder na sociedade (conclusões Y a EE);
- entende não verificada a anulabilidade da deliberação tomada sob o ponto 3 da ordem de trabalhos nos termos da al. c) do nº1 do art. 58º do CSC, dado que todas as informações e documentação estavam disponíveis na sede da requerida, nenhum dos demais sócios aí se tendo deslocado ou pedido lhe fossem facultados tais documentos; o recorrente teve perfeita consciência do que se pretendia alterar e impugnou cada um dos pontos (Conclusões FF a OO);
- relativamente ao dano apreciável não tinha o tribunal que o apreciar por não estar preenchido o requisito da ilegalidade das deliberações; o que é invocado são as consequências de outra deliberação, não tendo sido alegados quaisquer outros factos (conclusões PP a UU).
Apreciando:
Estabelece o art. 380º nº1 do Código de Processo Civil que: «Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.»
Os pressupostos imediatos de uma providência de suspensão de deliberações sociais são a sua suscetibilidade de ser suspensa e o facto de ainda não ter sido executada.
Os requisitos de que a lei faz depender o decretamento da providência de suspensão de deliberação social, nos termos do disposto nos arts. 380º e 381º do Código de Processo Civil, são a qualidade de sócio do requerente relativamente à sociedade que tomou a deliberação, a ilegalidade da deliberação (por violação da lei ou dos estatutos), a existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação e ainda que o prejuízo da suspensão seja inferior ao prejuízo da execução, requisitos cumulativos.
No caso concreto e face à delimitação dos temas a recurso, estão em causa a ilegalidade da deliberação e o dano apreciável resultante da execução da mesma.
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a)- Requisitos do decretamento da providência - a qualidade de sócio:
O primeiro requisito respeita à legitimidade substancial das partes, pois só os sócios ou titulares de direitos sociais em que se inclua o de impugnar as deliberações sociais poderão requerer a suspensão das deliberações sociais da sociedade respetiva.
A qualidade de sócio do requerente está devidamente estabelecida e não foi posta em crise, pelo que este requisito, tal como referido na decisão final recorrida, se encontra verificado.
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b)-Requisitos do decretamento da providência - a ilegalidade da(s) deliberação(ões):

1–Nulidade de todas as deliberações tomadas na assembleia geral de 02/09/2022, nos termos do art. 56º, nº1, al. d) do CSC
Estabelece o art. 56º nº1, al. d) do CSC que são nulas as deliberações dos sócios «Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios.»
Foi a seguinte a fundamentação do tribunal a quo neste ponto:
“No caso, alega o Requerente que todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022, com os votos favoráveis de AM, são nulas, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 56.º do Código das Sociedades Comerciais, porquanto, anteriormente, o gerente AM recusou a convocação de duas Assembleias Gerais requeridas pelos sócios, que visavam a sua destituição como gerente e exclusão como sócio, incumprindo a sua obrigação de as convocar nos termos do n.º 3 do artigo 248.º do Código das Sociedades Comerciais
Salvo melhor opinião não se vislumbra o preenchimento de quaisquer das alíneas acima enunciadas, máxime o disposto na citada alínea d).
Com efeito, a recusa de convocação de assembleias gerais, ao abrigo do disposto no artigo 375.º, n.º 5, do Código das Sociedades Comerciais não impede o gerente em exercício de funções de convocar todas as assembleias gerais que entenda necessárias ou relevantes para deliberar de outros assuntos do interesse da sociedade, nem eiva de nulidade, sem mais, as deliberações que aí venham a ser tomadas.
De facto, a recusa de convocatória de assembleias gerais apenas faculta aos sócios-prejudicados a possibilidade de peticionarem em juízo a convocação de assembleia para deliberar assuntos que entendam ser do interesse da sociedade (cf. n.º 6 do artigo 375.º do Código das Sociedades Comerciais).
Destarte, ante o exposto, não podemos deixar de reputar improcedente, por não provada, a nulidade em apreço.”

Invoca o recorrente que o tribunal recorrido se escudou numa apreciação que não apreciou o vício invocado, de abuso do direito de gerente de convocar assembleias gerais, em período no qual se manteve como gerente por ter recusado a realização de assembleia que visava a sua destituição com justa causa do cargo de gerente. A norma imperativa violada é o disposto no art. 334º do CC e há que analisar se aquela convocação excedeu os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito. Entende que foram violados a boa-fé e o fim social e económico do direito que tinha de convocar assembleias gerais e de o fazer visando a divisão da sua quota e distribuição aos filhos, assim espalhando o seu capital social por pessoas da sua confiança.
Apreciando:
A questão da relação entre o abuso de direito e a norma prevista no art. 334º do CC e a norma prevista na al. b) do nº1 do art. 58º do CSC tem merecido a atenção da doutrina desde antes da entrada em vigor, quer do art. 334º do CC, quer do CSC.
Discute-se se, na alínea b) do nº1 do art. 58º do CSC, o legislador se limitou a consagrar o princípio do abuso de direito plasmado no art. 334º do Código Civil relativamente às deliberações dos sócios.
Menezes Cordeiro propõe que a violação do art. 334º do CC mantém a sua autonomia relativamente ao exercício do voto e não é consumido pelo art. 58º nº1, al. b) do CSC que se queda “pelo exercício danoso do voto com propósitos extra-societários e pelos atos emulativos” desde que reunidos os requisitos objetivos e subjetivos[4].
Na sua atual formulação, escreve este autor, em caso algum o art. 58º nº1, al. b) do CSC poderia a afastar a aplicabilidade do art. 334º, no que se refere à boa-fé, sendo a solução por si proposta “a aplicação do art. 58º/1, b) às situações nele previstas; além disso as deliberações que incorram, nos termos gerais, em abuso de direito, serão anuláveis, por via da alínea a) do mesmo preceito.”[5]
O art. 334º do CC prescreve a ilegitimidade do exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.       
A primeira dificuldade que surpreendemos na construção defendida pelo recorrente é a indicação, como norma imperativa violada, do art. 334º do CC, quando a sua classificação enquanto tal não se afigura linear.
É pressuposto do instituto a existência de um direito (uma situação juridicamente tutelada) a ser exercido pelo seu titular. O respetivo abuso torna esse exercício ilegítimo o que se equipara à ilicitude[6] ou antijuridicidade[7]. “A referência à ilegitimidade da actuação abusiva parece, além do mais, resultar de uma intenção deliberada do legislador de não limitar a avaliação e valoração práticas das consequências jurídicas da actuação abusiva, dando espaço ao seu desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial em face de concretas situações de abuso.”[8]
O legislador, ao caraterizar genericamente o exercício abusivo como ilegítimo parece não ter querido referir as consequências da atuação abusiva de modo expresso, optando “por deixar espaço ao desenvolvimento do seu quadro pela doutrina e jurisprudência.”[9] A este espaço não será alheio o reconhecimento de que a especificidade da situação abusiva se reveste de especificidade em razão da estrutura ou posição na base da atuação.
Porque o pretendido é a neutralização ou a paralisação dos efeitos da atuação abusiva, as consequências variarão em função da situação concreta: nulidade, cessação do exercício, exercício não abusivo, indemnização pelos danos, alongamento de prazo de prescrição ou de caducidade, enfim, não necessariamente sempre a invalidade do ato praticado.
A norma do art. 334º do CC é uma válvula de escape do sistema jurídico, de geometria variável, cujo funcionamento está de tal forma ancorado no caso concreto que a própria lei deixou à casuística a determinação das consequências do seu preenchimento.
Exemplificando com o caso concreto, cremos que, relativamente à convocação da assembleia, caso ela tenha ocorrido em abuso de direito, a solução não seria considerar as deliberações tomadas nessa assembleia nulas por violação direta do art. 334º do CC, mas sim considerar a assembleia não convocada e, logo as deliberações ali tomadas nulas, por aplicação do disposto no art. 56º nº1, al. a) do CSC.
Ou seja, o raciocínio trazido pelo recorrente - violou o art. 334º, norma imperativa, tornando nulas as deliberações tomadas -, é demasiado simplista e não reflete a natureza e função da previsão do art. 334º do CC.
Mas na verdade, embora de forma indireta, está arguido o abuso de direito na convocação desta assembleia, que, a nosso ver, a verificar-se, potencialmente pode gerar nulidade das deliberações tomadas caso se entenda que se deve ter a assembleia como não convocada, neutralizando a atuação abusiva. Isto porque o abuso de direito alegado pelo recorrente, num primeiro ponto, será abuso do direito de convocação da assembleia e não das deliberações tomadas.
Passando a apreciar o abuso do direito de convocação diremos que essa foi, na verdade a análise da decisão recorrida, com o qual, no essencial, concordamos.
Nos termos do disposto no art. 248º nº3 do CSC, a convocação de assembleias gerais de sociedades por quotas compete a qualquer dos gerentes.
Já as deliberações em assembleia geral são tomadas pelos sócios – cfr. art. 250º do CSC.
O que significa que o direito alegadamente exercido em abuso foi o direito do gerente de convocar assembleias gerais sempre que o entenda conveniente – cfr. nº1 do art. 248º e nº1 do art. 375º, ambos do CSC.
Alega o recorrente que, tendo requerido a convocação de assembleia tendo na ordem de trabalhos a destituição do sócio maioritário do cargo de gerente da sociedade em data anterior à da convocação e realização da assembleia cujas deliberações estão a ser apreciadas, e tendo este recusado convocar tal assembleia, tal recusa deu-lhe tempo para, permanecendo no cargo de gerente, convocar esta e a anterior assembleia, deixando implícita a alegação de que, caso a assembleia se tivesse realizado a destituição teria sido decretada.
Mas, e exatamente como se escreveu no Acórdão proferido no apenso B destes autos, por este Tribunal da Relação, em 14/12/2023 (relator Manuel Marques), avaliando as deliberações tomadas em assembleia de 12/08/2022, desta mesma sociedade requerida, a apreciação da questão de se a convocação da assembleia para destituição do sócio gerente que convocou esta poderia ou não ter sido recusada é matéria a ser conhecida no processo especial de convocação judicial de assembleia de sócios entretanto intentado. “De qualquer modo, ainda que tivesse sido realizada a aludida assembleia geral e fosse aprovada a deliberação de destituição de gerente AM, visto que este não podia votar essa deliberação (art. 251º, n.º 1, al. d) do CSC), sempre o mesmo poderia instaurar procedimento cautelar de suspensão de deliberação social.
Por ouro lado, se fosse deliberada a autorização para a propositura da acção judicial para exclusão do sócio AM, ainda assim, a decisão definitiva a proferir nessa acção importaria alguma delonga.
E, no período de pendência quer da referida acção de exclusão de sócio, quer do procedimento cautelar de suspensão de deliberação social ou do eventual recurso da decisão que julgasse a mesma improcedente (este teria efeito suspensivo da decisão de que não ordenasse o procedimento cautelar - art. 647º, n.º 3, al. d) do CPC), AM não estava impedido de requerer ou convocar assembleias gerais para os sócios deliberarem sobre outros assuntos da competência atribuída pela lei à assembleia de sócios (art. 253º, n.º 1, do CSC), nomeadamente sobre os assuntos deliberados na assembleia geral de 12/08/2022.
Assim, inexiste qualquer nexo entre a não convocação pelo gerente AM da assembleia geral solicitada pelo Requerente e a aprovação das deliberações tomadas na assembleia de 12/08/2022, pelo que, ainda que a conduta daquele gerente fosse abusiva ou violasse o disposto no art. 375º, n.º 4, do CSC, tal não inquinava as deliberações aprovadas nesta última assembleia geral da Requerida.”

Transpondo, enquanto o gerente da requerida deteve essa qualidade, seja por não ter sido destituído, seja por, tendo-o sido em assembleia, tal deliberação (duradoura) se encontrar suspensa, podia convocar todas as assembleias que entendesse conveniente, incluindo a de 02/09/2022, pelo que não se pode ter a conduta de convocar esta assembleia como abusiva: é uma das funções dos gerentes e, não esqueçamos, quem delibera são os sócios, nessa exata qualidade (cfr. arts. 248º nºs 1 e 3 e 375º nº1, ambos do CSC).
A atividade de convocação não se mostra contra a boa-fé, não atenta contra os bons costumes e cumpre exatamente o fim económico e social do direito de qualquer gerente de convocar assembleias gerais de sócios quando se mostre necessário ou conveniente.
Assim, embora por uma via diversa, é de manter a decisão recorrida julgando inexistir nulidade das deliberações por abuso de direito na convocatória da assembleia em que foram tomadas.
Mas o recorrente alegou mais: o recorrente alegou abuso de direito em relação aos votos exercidos na assembleia de 02/09/2022, o que nos leva de volta à questão que enunciámos inicialmente: se, em relação às deliberações abusivas, o tipo da al. b) do art. 58º nº1 do CSC exaure toda a matéria de abuso de direito ou há ainda espaço para, apreciando a validade de uma deliberação social, aplicar o art. 334º do CC.
O art. 56º nº1, al. d) do CSC, como já vimos, comina com nulidade as deliberações dos sócios cujo conteúdo seja ofensivo dos bons costumes ou de normas imperativas.
O art. 334º do CC, aplicado ao exercício do direito de voto, queda desde logo sem aplicação quanto ao excesso dos limites impostos pelos bons costumes, quando a deliberação resultante tenha esse resultado[10], por a sua aplicação se fazer diretamente por norma do CSC.
Temos, por outro lado, muita dificuldade em configurar uma hipótese de exercício do direito de voto por um sócio excedendo o fim social ou económico desse direito que não caia na previsão da al. b) do nº1 do art. 58º: como veremos, o voto exercido que vise conseguir, através do exercício do direito de voto vantagens especiais para si ou terceiros e/ou prejuízo para a sociedade e/ou demais sócios.
Fica, assim, como possível campo de aplicação do art. 334º do CC o excesso manifesto dos limites impostos pela boa-fé[11].
Mesmo o Prof. Menezes Cordeiro, defensor da autonomia da aplicabilidade do art. 334º do CC, aponta que em princípio estaremos ante uma anulabilidade, nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC, por violação de lei e não perante uma nulidade nos termos do nº1, al. d) do art. 56º do mesmo diploma.
Também Coutinho de Abreu[12], indagando a sanção das deliberações abusivas à luz do art. 334º do CC refere “Porém, há-de reconhecer-se que a cláusula geral do abuso de direito, plasmada ou não em lei, remete para questões interpretativas e de aplicação diferentes das da lei no seu sentido comum.
Então como se sancionam as deliberações abusivas? A resposta generalizada é a de serem elas anuláveis. E parece que assim deve ser, por norma. Na realidade, os interesses em primeira linha postos em causa pelas deliberações abusivas são interesses dos sócios (minoritários). E dos sócios que o forem na altura da tomada daquelas deliberações – ficando, portanto, na disponibilidade dos mesmos o recurso à ação de anulação, a fim de obstar ao prejuízo que delas lhes adviria.”[13]
Aqui chegados, e uma vez que o recorrente além de arguir a nulidade de todas as deliberações nos termos já conhecidos, também procedeu à invocação de anulabilidade de todas as deliberações nos termos da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC, com os mesmos argumentos, passaremos ao conhecimento desta e, no respetivo percurso identificaremos se será ainda necessário o conhecimento da anulabilidade nos termos da al. a) do mesmo preceito por abuso de direito nos termos do art. 334º do CC, limitado à indagação do excesso dos limites da boa-fé.
Improcedem, assim, as conclusões A a L, sem prejuízo da apreciação de parte do alegado sob a veste de anulabilidade, nos termos sobreditos.
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2–Anulabilidade de todas as deliberações tomadas na assembleia geral de 02/09/2022, por abusivas, nos termos do art. 58º, nº1, al. b) do CSC.
Neste ponto começaremos por conhecer de uma questão assinalada pela decisão recorrida a todas as invocações de anulabilidade e aplicável a todas elas.
O tribunal a quo entendeu carecer o recorrente de legitimidade substantiva para pedir a anulação de qualquer das deliberações tomadas nesta concreta assembleia, na qual não compareceu nem se fez representar, nos seguintes termos:
“Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 59.º do supracitado Código que a anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.
No caso, resulta da matéria de facto dada como provada que o Requerente, que é sócio da Requerida, não participou na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022, máxime não votou contra a deliberação que agora acusa de anulável.
Ora, a lei é clara: só o sócio que, tendo participado na reunião de sócios, não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente, pode propor a competente ação anulatória.
Em suma, a opção de não participar na Assembleia Geral em apreço, por parte do Requerente, tem como consequência legal este estar impedido de peticionar judicialmente a anulação da deliberação ali tomada e, consequentemente, peticionar antecipadamente a sua suspensão.
Donde, improcede, por falta de legitimidade substantiva do Requerente, o pedido de suspensão da execução das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais.”

O recorrente defende que esta interpretação não respeita a letra da lei e a interpretação que dela vêm fazendo os nossos tribunais, bastando que o sócio não tenha votado a favor – seja por não estar presente, seja por estando, votar contra ou não votar, para que a legitimidade esteja assegurada, citando em abono o Ac. TRL de 11/10/2012 (Tomé Ramião – 255/12) e Coutinho de Abreu.
A recorrida não se pronunciou sobre este ponto.
Nos termos do nº 1 do artigo 59º do CSC, «A anulabilidade pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente.»
Literalmente, a regra apenas nega o direito de anulação (rectius de arguir a anulabilidade) ao sócio que tenha votado no sentido que fez vencimento ou, posteriormente, a tenha aprovado, expressa ou tacitamente.
Não se levantando qualquer questão de aprovação posterior, é muito evidente que, quem não compareceu nem se fez representar numa determinada assembleia, não votou no sentido que fez vencimento.
Moitinho de Almeida[14] esclarece-nos que a atual redação do nº1 do art. 59º veio, precisamente, esclarecer que esta faculdade “é também concedida ao sócio, tenha ele assistido ou não à assembleia em que a deliberação teve lugar.”, assim perdendo todo o interesse a controvérsia histórica que se havia travado sob a égide de legislação anterior e na qual já vários autores se haviam pronunciado neste sentido, indicando jurisprudência e doutrina, nomeadamente Vasco da Gama Lobo Xavier em “Anulação de deliberação social e deliberações conexas.”
Também Pinto Furtado[15] se pronuncia no mesmo sentido: “Do seu fundamento, resulta prontamente que não é exigido ao sócio, para poder impugnar a deliberação por unanimidade, que tenha votado contra ela: basta que não a tenha aprovado. Basta, portanto, que não tenha assistido à reunião ou, tendo estado presente, se tenha abstido de votar.” Indicando ser já esse o seu entendimento no domínio do direito pregresso.
Expressamente neste sentido encontramos ainda Armando Manuel Triunfante[16] que refere, a propósito do art. 59º nº1 do CSC que estarão protegidos “não apenas os accionistas dissidentes (aqueles que em assembleia geral votaram contra ou abstiveram-se), mas também os ausentes (os sócios que não estiveram na assembleia, ou que se retiraram antes de se proceder à votação), desde que, obviamente, a sua concordância não seja exprimida posteriormente ou se deduza de comportamentos que adoptem.”.
Concordamos integralmente com os autores citados, concluindo-se que a interpretação defendida pelo tribunal a quo neste particular, como refere o recorrente, não tem qualquer apoio na letra da lei, não se encontrando nenhuma opinião nesse sentido na vigência do CSC, seja na doutrina, seja na jurisprudência, sendo, nesta parte, procedentes os argumentos do recorrente e dispondo o mesmo de legitimidade substantiva indiscutível para arguir a anulabilidade de qualquer das deliberações tomadas na assembleia geral de 02/09/2022, a que não compareceu e na qual não se fez representar.
Passando ao conhecimento da arguida anulabilidade:
Nos termos do disposto no art. 58º, nº1, al. b) do CSC, uma deliberação é anulável quando, sem violar disposições específicas da lei ou do estatuto da sociedade – é “apropriada para satisfazer o propósito de sócio conseguir vantagens especiais para si ou para outrem em prejuízo da sociedade ou de outro sócio, ou o propósito de prejudicar aquela ou este, salvo se se provar que a mesma deliberação teria sido adotada sem os votos abusivos”.
Prevêem-se duas espécies de deliberações abusivas: as apropriadas para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios e as apropriadas para satisfazer o propósito tão só de prejudicar a sociedade ou os sócios (as denominadas deliberações emulativas); “tendo ambas pressupostos subjetivos (na 1.ª espécie, o propósito é o de alcançar vantagens especiais; e, na 2.ª espécie, o propósito é o de causar prejuízos) e objetivos (têm que ser objetivamente apropriadas a satisfazer os referidos propósitos).”[17]
No caso das deliberações sociais e como resulta do citado preceito legal a sanção da anulabilidade aplica-se, segundo Pinto Furtado, não “à deliberação vantajosa para a maioria e desvantajosa para a minoria, a sociedade ou terceiros, mas àquela que a estas características acrescente a feição excessiva, i. e., abusiva”; “se não houver no caso concreto o traço de um excesso nas vantagens especiais aprovadas, não será esta alínea que determinará a anulabilidade da deliberação respectiva, ainda que todo o restante quadro se suponha, por hipótese, preenchido.”[18].
Acrescenta ainda o mesmo autor que “Não será, pois, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à Sociedade ou aos sócios na prossecução de vantagens especiais, mas aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso de direito.”[19].
A redação do preceito legal em análise é algo infeliz já que parece fazer recair o abuso no voto quando, em rigor, o que é abusivo é a deliberação. Com efeito, “o voto exprime-se por um sim ou por um não a uma concreta proposta de deliberação. Enquanto aprova ou reprova a proposta, o sentido que vai exprimindo serve unicamente para estruturar o conteúdo final da deliberação – e só esse poderá, pela regulamentação de interesses que envolve, vir a traduzir-se no excesso manifesto que é o abuso: não há, portanto, votos abusivos; pode é haver deliberações abusivas.”[20].
Paulo Olavo Cunha defende também que as deliberações abusivas são aquelas “pelas quais se vai prosseguir um interesse particular, prejudicando-se o interesse dos sócios sem que isso corresponda ao interesse da sociedade.”[21] enumerando os seguintes requisitos para que a deliberação seja abusiva:
- a deliberação assegure vantagens especiais para o sócio ou para terceiro, em prejuízo da sociedade ou de outro sócio – requisito objetivo;
- a deliberação vise prejudicar a sociedade ou outro sócio – requisito subjetivo;
- a não verificação da cláusula de salvaguarda (requisito negativo).
A primeira nota a fazer é de que o preceito não sanciona com anulabilidade a deliberação que seja simplesmente tomada sem justificação ou coincidência com o interesse social.
A regra invalida as deliberações que visem beneficiar um sócio ou outrem em prejuízo da sociedade ou de outro sócio ou que visem prejudicar a sociedade ou outro sócio e sejam apropriadas para o efeito pretendido.
Assim, o que importa aferir, em primeira linha, é se as deliberações de divisão e cessão de quota foram apropriadas para conferir vantagem especial ao sócio gerente, o benefício alegado, mediante a descentralização das suas participações sociais e introdução na sociedade de pessoas da sua confiança absoluta, assim bloqueando as deliberações seguramente a ser tomadas proximamente de destituição e propositura de ação de exclusão e se prejudicaram a sociedade, o prejuízo alegado, ofensa aos princípios da democracia interna e perpetuação do referido sócio no cargo de gerente contra a vontade dos demais sócios.
O interesse da sociedade intervém para a aferição da relação entre um prejuízo, se existir (no caso de uma deliberação acusada de emulativa, o que não sucede no caso concreto), e esse interesse, e entre um beneficio que cause prejuízo, se existir, permitindo a avaliação da existência de excesso ou desproporção.
Munidos destes conceitos passemos à análise dos argumentos a recurso.
Foram os seguintes os fundamentos do tribunal recorrido no tocante a este ponto:
“No caso, não foi alegado pelo Requerente qualquer facto concreto que demonstre, tampouco, indicie o exercício abusivo pelo sócio AM dos seus direitos de voto na tomada das deliberações objeto do presente procedimento.
De facto, cumpriria que o Requerente tivesse alegado qual a concreta vantagem especial resultante para o sócio maioritário ou terceiros e qual o concreto prejuízo correspetivo decorrente para a sociedade ou os outros sócios, o que manifestamente não foi feito.
Note-se, aliás, que não foi alegado, sequer, qual o concreto interesse da sociedade violado pela atuação do sócio AM manifestada nas deliberações em apreço.
Ante o exposto, entende-se que não se verifica a apontada anulabilidade global das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 2 de setembro de 2022.”

O recorrente refere ter identificado como vantagem o facto de, em assembleia reunida para discutir a sua destituição como gerente e a propositura contra si de uma ação de exclusão de sócio, o sócio maioritário, impedido de votar nos termos do art. 251º do CSC, ficar com dois votos dos seus filhos, assim bloqueando a aprovação de tais deliberações e assegurando a manutenção da posição e controlo do sócio gerente.
Mais alegou ter resultado claro qual o interesse da sociedade violado com estas deliberações, sendo contrário ao interesse da sociedade “que um gerente, em flagrante ofensa aos princípios de democracia interna que devem reger qualquer sociedade, recorra a manigâncias como, neste caso, cessões de quotas a favor de testas-de-ferro, apenas com o intuito de se perpetuar no cargo de gerente, contra aquela que é a vontade dos restantes sócios, e ao mesmo tempo que impede a marcação de uma Assembleia Geral legitimamente solicitada.”
A recorrida alegou que a manipulação das normas sociais quanto ao impedimento de voto não faz sentido, dado que tais deliberações já foram tomadas e que o sócio maioritário tem extrema importância na vida da requerida, dado o seu peso no capital social e os milhões que tem injetado na sociedade, mantendo que não foi alegada qual a vantagem específica obtida pelo sócio que votou estas deliberações, nem o prejuízo concreto causado à sociedade ou aos demais sócios, nem sequer qual o interesse social violado.
Recapitulando, o art. 58º nº1, al. b) do CSC prevê duas categorias de deliberações abusivas: i)- as deliberações adequadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de obter para si ou para terceiros uma vantagem especial, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios: e
ii)- as deliberações adequadas para prejudicar a sociedade ou outros sócios.
Nos autos está em causa a primeira modalidade, razão pela qual é necessário que estejam demonstrados factos dirigidos a todos os elementos identificados.
Concordamos com o requerente que a divisão e cessão de quotas, transformando uma quota em três, tituladas pelo sócio maioritário e por cada um de dois filhos seus, sem alterar a proporção quotista pré-existente com os outros dois sócios originais é, num juízo de experiência comum, adequado a prevenir a aprovação de deliberações contra a vontade do sócio maioritário em matérias nas quais ele se encontre impedido de votar, nos termos do art. 251º do CSC.
Trata-se de um juízo de prognose e não de uma certeza, mas estamos em procedimento cautelar, bastando-nos a prova indiciária e, estando pendente uma ação de convocatória judicial de assembleia tendo por ordem de trabalhos, precisamente, duas matérias previstas no elenco expresso do art. 251º[22], e sendo os cessionários seus filhos, a probabilidade de que venham a votar em sentido que lhe seja favorável é bastante alta.
É assim, um beneficio identificado para o sócio gerente, que reveste a substância necessária para ser considerada uma vantagem que assiste particularmente a um sócio e não a todos[23]. Concretizando, estamos ante uma sociedade de estrutura subjetiva tripartida. Qualquer matéria em que um dos sócios esteja impedido de votar e em que os demais se unam no sentido de voto, tem o resultado praticamente certo, sem prejuízo de posterior invalidação judicial, com exceção do sócio maioritário, porque dividiu a sua quota e cedeu as duas quotas daí resultantes a duas outras pessoas que, com alta probabilidade, votarão em sentido para si entendido como favorável.
A vantagem para o sócio maioritário é óbvia – evita que o funcionamento do 251º do CSC numa futura deliberação em que esteja impedido de votar, garanta a aprovação pelos sócios minoritários de determinadas deliberações -, mas sem violar aquele preceito legal, direta ou indiretamente.
Mas para termos verificada esta causa de anulabilidade necessitamos ainda de ter prejuízo para a sociedade ou para os sócios, medido pelo interesse da sociedade.
O primeiro prejuízo indicado, não o é. A suposta ofensa aos princípios de democracia interna não é um prejuízo causado à sociedade. A democracia, em sociedades comerciais, mede-se pelo número de votos. As deliberações são tomadas por maioria, qualificada em matérias mais sensíveis. A regra do art. 251º do CSC não garante democracia interna nem sequer equilíbrio societário, previne conflitos de interesses, em ordem aos deveres de lealdade dos sócios[24][25].
Mas prosseguindo, será que foram violados os deveres de lealdade, no caso para com os demais sócios, com esta concreta conduta que causou prejuízo à sociedade ou aos demais sócios?
A resposta não é tão clara como o recorrente afirma. O sócio em causa é largamente maioritário e no caso havia que demonstrar que o interesse da sociedade impunha o afastamento da estrutura tripartida da sociedade que permite que a regra do art. 251º do CSC funcione como alternativa à vontade da maioria. Porque sejamos claros, se a estrutura societária resultante destas deliberações, fosse a estrutura da sociedade desde o início, a questão, objetivamente, nem sequer se colocava, funcionando em pleno a regra da maioria entre os sócios não impedidos.
Por outras palavras, a deliberação não é abusiva por evitar a formação de uma determinada maioria em deliberações nas quais um dos sócios está impedido de votar. Será abusiva, e por violação do dever de lealdade e, logo, da boa-fé, se se demonstrar que esta concreta conduta causou um prejuízo à sociedade ou aos demais sócios.
E essa demonstração não está feita.
A alegação de eternização do sócio na posição de gerente[26] não tem qualquer fundamento. Não só porque os demais sócios lançaram mão dos mecanismos de tutela que a lei lhes concede, pedindo a convocação judicial de assembleia, como porque a destituição com justa causa de um gerente pode ser deliberada, mas também pode ser judicialmente pedida a todo o tempo, por qualquer sócio, independentemente da respetiva percentagem quotista, nos termos do disposto no art. 257º nº4 do CSC, disponibilizando a lei a possibilidade de suspensão nos termos do art. 1055º nº2 do CPC.
Assim, embora com mais extensa argumentação, conclui-se que não se pode ter por verificada a anulabilidade de qualquer destas deliberações nos termos da al. b) do nº1 do art. 58º do CSC.
Improcedem, deste modo as conclusões de recurso U a DD.
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3–Anulabilidade de todas as deliberações, nos termos da alínea a) do nº1 do art. 58º do CSC, por abuso de direito nos termos do art. 334º do CC

Aqui chegados, e porque identificámos o benefício alcançado com as deliberações tomadas como possibilidade de evitar a formação de “maioria” pelos sócios minoritários em deliberações nas quais o sócio esteja impedido de votar, nos termos do art. 251º do CSC, temos que nos perguntar se, depois da análise efetuada nos termos da alínea b) do nº1 do art. 58º, sobrou campo de atuação para a apreciação de abuso de direito, limitado à boa-fé, nos termos do art. 334º do CC (e anulabilidade nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC).
Os deveres de lealdade dos sócios são, precisamente, no direito societário, o equivalente da boa-fé[27], pois que “No âmbito da sociedade, os sócios relacionam-se entre si e com a sociedade. Este relacionamento está sujeito ao princípio da boa-fé. Os sócios, cada um dos sócios, devem, no seu relacionamento interno, agir com lealdade.”[28]
Ou e como refere Pedro Albuquerque[29] em direito societário, “Sem autonomia dogmática face à boa-fé, a lealdade torna-se, destarte, um vetor deste instituto ou, se se preferir, numa concreta expressão normativa, de caráter tipológico, de bona fides.”
A aferição da violação do dever de lealdade deve levar em conta, em primeiro lugar, o interesse social, manifestando-se num dever do sócio de não contrariar o interesse social. O que não significa, porém, que um sócio não possa orientar o seu voto pelo seu interesse pessoal. “É natural que assim o faça, mas dentro dos limites do interesse social.”[30]
A doutrina identifica ainda os deveres de cooperação nos órgãos sociais e com os órgãos sociais, o dever de cooperação económica e funcional e o dever de não concorrência como manifestações do dever de lealdade[31].
Na situação descrita na matéria de facto indiciária, balizada pelas alegações de recurso, a única matéria relevante seria a do voto abusivo, caso se tivesse apurado contrário ao interesse social, matéria que já analisámos completamente sob a égide do art. 58º, nº1, al. b) do CSC que, neste ponto, e em concreto, esgotou completamente a temática do abuso de direito, tal como ela foi alegada[32].
Assim, e sem necessidade de outras considerações, concluímos pela total improcedência das alegações A a L das alegações de recurso, agora analisadas sob a veste de anulabilidade nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC.
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4–Anulabilidade das duas deliberações tomadas sob os nºs 1 e 2 da ordem de trabalhos – divisão e transmissão gratuita das quotas divididas aos filhos do sócio, nos termos da alínea a) do 58º nº1 do CSC
Nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC, são anuláveis as deliberações que «violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade;»
Foi invocada a violação do artigo 6º nº3 dos Estatutos da sociedade requerida, que consagra um direito de preferência da sociedade e dos sócios na cessão a estranhos, dado que nas deliberações tomadas sob os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos, não foi previsto o exercício do direito de preferência e as cessões foram apresentadas como factos consumados, como alegado pelo recorrente;
A decisão final recorrida julgou improcedente esta anulabilidade com os seguintes fundamentos:
“No caso, vistas as deliberações constata-se que as mesmas se traduzem no consentimento a uma cisão parcial da quota do sócio maioritário AM e na cessão gratuita dessas partes, respetivamente, aos seus filhos AMA, passando este a ter uma participação de 5% do capital social, no valor nominal de € 50 975,00 e a MM, passando este a ter uma participação de 5% do capital social, no valor nominal de € 50 975,00.
Desde logo, importa referir que, não obstante as deliberações tomadas nesse sentido, certo é que sendo os cessionários descendentes do sócio cedente, não seria legalmente exigível o consentimento da sociedade, cf. n.º 2 do artigo 228.º do Código das Sociedades Comerciais.
Independentemente desse facto, certo é, que o Requerente aponta o vício de anulabilidade às citadas deliberações, considerando que não foi dada preferência nas cessões de quotas à sociedade (em primeiro lugar), nem aos sócios (em segundo lugar).
Ora, visto o n.º 3 do artigo 6.º dos Estatutos da Sociedade constata-se que, de facto, tanto a sociedade como os sócios têm, sucessivamente, direito de preferência na cessão de quotas a estranhos (à sociedade).
Sucede, contudo, que tal direito de preferência se atém, apenas, no que concerne a aquisições onerosas, ou seja, vendas.
Tal é o que decorre do preceituado no artigo 414.º do Código Civil quando, de forma preclara, estatui que o pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa.
No caso, as cessões de quotas foram efetuadas a título gratuito, como mera liberalidade, pelo que nem a sociedade Requerida, nem o sócio Requerente poderiam preferir numa doação!”

O recorrente defende a existência de anulabilidade, nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC, invocando a violação do art. 6º nº3 do contrato de sociedade motivando que a regra estatutária em causa não contempla qualquer exceção quanto a descendentes e o pacto da sociedade não discrimina se a cessão é onerosa ou gratuita, pelo que o direito de preferência abrange ambas as situações.
A recorrida sustenta a posição do tribunal a quo referindo ainda que não é criado qualquer desequilíbrio de poder na sociedade.

É o seguinte o teor do art. 6º dos Estatutos da Sociedade (cfr. ponto 4 da matéria de facto indiciariamente provada):
Artigo 6.°
Transmissão de quotas
1.É livre a cessão, total ou parcial, de quotas entre sócios.
2.A transmissão, total ou parcial, de quotas a terceiros depende do consentimento expresso da sociedade, dado em assembleia geral.
3.Na cessão de quotas a estranhos, a sociedade, em primeiro lugar, e os sócios, em segundo lugar, têm direito de preferência na sua aquisição.
4.A infracção ao disposto nos números anteriores torna ineficaz, quer em relação à sociedade, quer em relação aos sócios, a transmissão, total ou parcial, da quota em questão, sem prejuízo do disposto na alínea g) do número um do artigo 7.° infra.

A regra dos nºs 1 e 2 do pacto é tributária do art. 228º nº 2 do CSC que fixa um regime parcialmente supletivo[33] e prevê necessidade de consentimento para a cessão a estranhos, ou seja, a não sócios.
Não se estatuindo exigência de consentimento para a cessão entre cônjuges e entre ascendentes e descendentes, por força do disposto no nº3 do art. 229º do CPC vale a regra da parte final do nº2 do art. 228º para as cessões entre ascendentes e descendentes – é livre, não dependendo do consentimento da sociedade.
Assim, na parte das deliberações que se analisa em transmissão entre vivos de duas quotas resultantes de divisão, não havia necessidade de sujeitar a consentimento da requerida porque se deu de um pai para cada um dos seus dois filhos, atento o disposto no pacto e nos artigos 221º nº5 e 228º nº2, parte final, do CSC.
Nada impedia, porém, a sujeição da divisão da quota e da transmissão das quotas resultantes a consentimento da sociedade, a opção tomada.
Este artigo do pacto da sociedade requerida segue o modelo habitual, concentrando numa única cláusula a matéria do consentimento e do direito de preferência[34] de forma que apenas parece fazer sentido em relação a estranhos para os quais não seja necessário o consentimento da sociedade, exatamente o caso concreto.
Para estranhos não relacionados (que não cônjuges, ascendentes ou descendentes) a sociedade pode não consentir, esgotando completamente a preferência convencional.
Assim, parece ser exatamente este o campo de aplicação da cláusula.
O argumento em discussão é o da aplicabilidade desta preferência convencional num caso em que a cessão é livre (independentemente de consentimento da sociedade) porque a lei faz prevalecer os interesses familiares do cedente sobre possíveis interesses da sociedade[35], mas gratuita.
O tribunal recorrido interpretou o pacto da requerida restringindo a aplicabilidade do nº3 do art. 6º do mesmo às cessões onerosas, ou seja, às vendas, interpretando a regra como um pacto de preferência e aplicando-lhe o art. 414º do Código Civil.
O recorrente refere que o pacto não discrimina cessões onerosas e gratuitas, citando doutrina no sentido da respetiva aplicabilidade também às cessões gratuitas.
Literalmente, o pacto consagra uma preferência convencional à sociedade, em primeiro lugar, e depois aos sócios, nas cessões de quotas a estranhos, ou seja, a não sócios.
Cessão, em sentido amplo, designa qualquer transmissão de direito ou de uma posição jurídica e, em sentido estrito, a transmissão e direito ou posição jurídica por ato negocial inter vivos e a título singular[36].
A cessão de quota é uma “transmissão da participação social”, “a transmissão voluntária de quotas entre vivos, gratuita ou onerosa.”[37]
A pedra de toque da distinção entre transmissão entre vivos e cessão, ambas reguladas no art. 228º do CSC é, como refere Raul Ventura[38] com a concordância geral da doutrina[39], é o carater voluntário da segunda, abrangendo a transmissão entre vivos também as transmissões às quais falta um ato voluntário do seu titular, como no caso de perda da quota, nos termos do art. 204º do CSC, com a arrematação e adjudicação judiciais.
Tem razão o recorrente quando alega que a cessão de quotas tanto engloba as transmissões por virtude de negócios onerosos ou gratuitos, sendo também nesse aspeto a doutrina unânime[40].
Mas essa é uma questão diversa da suscitada nos autos. Estabelecendo-se um direito de preferência a favor, sucessivamente, da sociedade e dos sócios em caso de cessão a estranhos, deve considerar-se estar sujeita a esta preferência uma doação de quota a não sócios (sendo para o efeito indiferente se é necessário ou não o consentimento da sociedade, importando destrinçar perfeitamente as questões do consentimento e da preferência)?
O tribunal a quo fez apelo ao disposto no art. 414º do CC, no qual se estabelece que «O pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa.», acrescentando a impossibilidade de preferir num negócio gratuito.
O recorrente argumenta com a impossibilidade de aplicação desta norma, que regula os pactos convencionais de preferência, sendo a preferência estatutária mais que um mero pacto convencional e com o facto de o pacto não distinguir as situações de cessão onerosa e gratuita.
Na verdade é também unânime na doutrina a consideração da preferência estatutariamente consagrada nos estatutos de uma sociedade comercial por quotas como algo mais que um pacto de preferência ligado materialmente ao contrato de sociedade, considerando que se tratam de “conteúdo próprio do contrato de sociedade”[41], cláusulas “com verdadeira natureza social”[42], “caráter materialmente estatutário”[43].
Mas tal releva para efeitos diversos, como sendo a forma de revogação de tal cláusula ou a discussão (que aqui não importa travar) sobre a eficácia real de cláusula de preferência inserida nos estatutos de uma sociedade[44]. Na verdade, mesmo para os autores que referem expressamente esta natureza materialmente estatutária das cláusulas de preferência, “Este entendimento não obsta, todavia, ao recurso, a título subsidiário, às normas previstas nos artigos 414.º e ss. CC ex vi artigo 2.º CSC.”[45]
Como refere Raúl Ventura “Se atendermos à definição contida no art. 414º CC e à sua extensão por força do art. 423º CC, as quotas podem ser objecto de pactos de preferência – pactos pelos quais um sócio assume a obrigação de dar preferência a outrem na alienação de determinada quota, quer essa alienação seja a título gratuito ou a título oneroso, quer o exercício do direito de preferência esteja protegido por uma obrigação prévia de o alienante comunicar o facto ou oferecer a quota, quer o não esteja.”
O art. 414º do CC, que apenas refere a venda, tem que ser lido conjuntamente com o art. 423º do CC[46], onde se estabelece que «As disposições dos artigos anteriores relativas à compra e venda são extensivas, na parte aplicável, à obrigação de preferência que tiver por objeto outros contratos com ela compatíveis.»

A doutrina civilista engloba, nos contratos compatíveis com a preferência “ainda aqueles acordos que são assimiláveis à compra e venda sob um ponto de vista económico e social ainda que normalmente qualificados pela nossa doutrina e jurisprudência como contratos mistos; de uma forma geral todos os negócios em que é preponderante a entrega de um preço por contrapartida do bem sujeito à preferência, independentemente da concorrência de outras prestações que possam contribuir para descaracterizar o contrato numa perspetiva jurídico-formal.”[47]
O que numa perspetiva puramente civilista faz todo o sentido, a cedência da preferência face a negócios em que inexista a contrapartida de um preço, enfrenta a função da cláusula de preferência inserida num pacto social, que deve ser achada por interpretação do próprio contrato.
Como refere Alexandre Soveral Martins[48] a cláusula de preferência é apta a satisfazer interesses da própria sociedade, dado que a entrada de novos sócios pode ser desaconselhada, tendo em conta  interesse social.
Potencialmente, a inexistência de um preço – porque se trata de uma doação – poderá, se necessário, não constituir impedimento à preferência, desde que o preferente seja obrigado a “pagar” o valor económico da quota ao cedente, sob pena de um verdadeiro confisco.
Ou seja, há neste contexto outro interesse a ponderar quando se verifica que a cláusula está concebida como um limite à entrada de novos sócios, que nos pode obrigar a encontrar um mecanismo que permita introduzir uma contrapartida justa para o cedente que, afinal, veja a quota cedida ficar nas mãos de pessoa diversa daquela a quem quis doar, nunca tendo tido intenção de doar ao preferente.
Mas entrando na análise concreta da presente cláusula, encontramos um problema prévio.
O art. 6º nº3 dos estatutos da sociedade requerida consagra uma preferência convencional a favor da sociedade e dos sócios, sucessivamente, e o nº4 do preceito estabelece como consequência para a infração ao disposto nos números anteriores, incluindo o nº3, a ineficácia da transmissão, quer em relação à sociedade, quer em relação aos sócios, podendo ainda ser fundamento de amortização da quota.
Ou seja, de acordo com o nº4 do art. 6º dos estatutos da sociedade requerida, a preferência condiciona a eficácia da cessão perante a sociedade e os sócios.
Nos termos do nº5 do art. 229º do CSC, «5- O contrato de sociedade não pode subordinar os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade, mas pode condicionar esse consentimento a requisitos específicos, contanto que a cessão não fique dependente:
a)- Da vontade individual de um ou mais sócios ou de pessoa estranha, salvo tratando-se de credor e para cumprimento de cláusula de contrato onde lhe seja assegurada a permanência de certos sócios;
b)- De quaisquer prestações a efectuar pelo cedente ou pelo cessionário em proveito da sociedade ou de sócios;
c)- Da assunção pelo cessionário de obrigações não previstas para a generalidade dos sócios.»

O nº4 do art. 6º do pacto social da requerida viola, flagrantemente, este nº5 do art. 229º, um preceito imperativo.
Raúl Ventura frisava que “se pela cláusula de preferência e eficácia da cessão para com a sociedade, ficar subordinada ao cumprimento da obrigação de preferência pelo sócio cedente, a regra do nº5 do art. 229º é violada e a cláusula é nula;” (…) Se a obrigação de preferência não for cumprida, o titular do direito poderá reclamar a sua preferência, com os efeitos que ela tiver no caso concreto - com ou sem eficácia real – e se o conseguir tomará o lugar do primeiro cessionário. Relativamente à sociedade, o mais que pode haver é duas titularidades sucessivas de quota, mas ambas em termos de serem válidas e eficazes para com ela.”[49]
Também Alexandre Soveral Martins adverte que “se a cláusula de preferência estabelece que a violação da mesma torna a cessão da quota ineficaz em relação à sociedade ou contém formulação semelhante, subordina os efeitos da cessão de quotas à observância do direito de preferência. E por isso, viola claramente o nº5 do art. 229º do CSC. A consequência só pode ser a nulidade de uma tal cláusula:”.[50]
E encontramos, neste exato sentido o Ac. STJ de 30/05/06 (Urbano Dias – 06A1482), onde se sumariou “O nº 2 do art. 228º do CSC é uma norma supletiva e tem de ser interpretado em conjugação com o que está prescrito no nº 3 do art. 229º do mesmo diploma legal.”
Assim sendo, a cláusula que estabelece o direito de preferência é válida, mas a sua inobservância tem como única consequência que, em primeiro lugar a sociedade, e depois os sócios, ficam investidos nos direitos que lhes respeitem para reclamar a preferência[51], não se assacando à respetiva inobservância qualquer outra consequência.
A nulidade da cláusula prevista no nº4 do art. 6º dos estatutos da sociedade requerida, no tocante à cláusula de preferência[52] tem como efeito que a violação do nº3 do mesmo artigo tem apenas aquela consequência que já indicámos, ficando nas mãos dos titulares do direito de preferência exercer o mesmo ou não. Ou seja, e para os efeitos que aqui apreciamos, não é suscetível de gerar anulabilidade da deliberação que não terá respeitado o direito de preferência, que, assim, apenas terá violado o pacto de preferência.
Finalmente, não podemos deixar de notar, que além de se ter consagrado uma cláusula mista, entre consentimento e preferência, com todos os inconvenientes visíveis, este pacto não protegeu esse direito de preferência com uma obrigação prévia de o alienante comunicar o facto ou oferecer a quota pelo que, na verdade, anunciada a cessão, através da convocatória da presente assembleia geral, cabia aos titulares do direito de preferência exercer esse direito, o que não ficou cumprido mediante a impugnação da deliberação de consentimento de cessão.
É, assim, mesmo duvidoso que o direito de preferência estatutário tenha sido violado, dado que o respetivo exercício dependeria sempre da comunicação prévia da cessão – que foi efetuada pela convocatória da assembleia – e da proatividade dos titulares do direito, que se remeteram à passividade.
Neste cenário não podemos ter por verificada a anulabilidade das deliberações tomadas sob os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos da assembleia geral da sociedade requerida ocorrida em 02/09/2022, nos termos da al. a) do nº1 do art. 58º do CSC por violação estatutária, improcedendo as conclusões DD2 a YY produzidas pelo apelante.
*

4–Anulabilidade da deliberação tomada sob o ponto 3 da ordem de trabalhos – alteração do contrato de sociedade – por falta de elementos de informação, nos termos da al. c) do nº1 do art. 58º do CSC

Assinala-se que o recorrente se conformou com parte dos fundamentos da decisão recorrida, não colocando em causa a conclusão ali atingida de não verificação da causa de nulidade quanto à deliberação tomada sob o ponto 3 da ordem de trabalhos, prevista no art. 56º nº1, al. d) do CSC, por violação do disposto no art. 381º nº3 do CPC, pelo que tal matéria está fora do objeto de conhecimento do presente recurso.
Nos termos da al. c) do nº1 do art. 58º do CSC, são anuláveis as deliberações que «não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação;»
Por sua vez o nº4 do mesmo art. 58º prescreve que se consideram, para os efeitos deste artigo, como elementos mínimos de informação: «a) As menções exigidas pelo art. 377º, nº8; b) a colocação de documentos para exame dos sócios no local e durante o tempo prescritos pela lei ou pelo contrato.»
O nº8 do art. 377º do CSC estabelece que «8- O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso.»
Resulta da matéria de facto indiciariamente provada (ponto 17) que a convocatória foi expedida, acompanhada da nova versão dos estatutos da sociedade, tendo o seguinte teor:
“CONVOCATÓRIA
De harmonia com o disposto na Lei e nos Estatutos da sociedade AB, Lda., com sede na Rua … Lisboa e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, sob o n° …, convoca V.Exa. para reunir em Assembleia Geral, em sessão extraordinária no dia 02 do Setembro de 2022, às 10:00 Horas, na sede da sociedade, com a seguinte ordem de trabalhos:
Ordem do dia
Ponto Um - Deliberar sobre a divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do socio AM para o seu filho AMA.
Ponto Dois - Deliberar sobre a divisão e transmissão gratuita de 5% da quota do sócio AM para o seu filho MM.
Ponto Três - Deliberar sobre a nova redacção dos Estatutos da sociedade.
Sobre a deliberação da nova versão dos estatutos da sociedade, junta-se em anexo a nova versão dos estatutos da sociedade.
Lisboa, 18 de Agosto de 2022,”

A nova versão dos estatutos da sociedade continha todos os artigos do mesmo, incluindo o art. 5º, com a seguinte redação:
“Artigo 5.°
Capital social, prestações suplementares e suprimentos
1.–O capital social é de € 1.025.000,00 (um milhão e vinte e cinco mil euros) e corresponde à soma das seguintes quotas:
a)-Uma quota no valor nominal de € 917.550,00 (novecentos e dezassete mil e quinhentos e cinquenta euros), pertencente ao sócio AM, correspondente a 89,46% do capital social;
b)-Uma quota no valor nominal de € 50.975,00 (cinquenta mil e novecentos e setenta e cinco euros), pertencente ao sócio AMA, correspondente a 5% do capital social;
c)-Uma quota no valor nominal de € 50.975,00 (cinquenta mil e novecentos e setenta e cinco euros), pertencente ao sócio MM, correspondente a 5% do capital social;
d)-Uma quota no valor nominal de € 5.000,00 (cinco mil euros), pertencente ao sócio TGM, correspondente a 0,48% do capital social;
e)-Uma quota no valor nominal de € 500,00 (quinhentos euros), pertencente ao sócio EF, correspondente a 0,048% do capital social.
2.–Os sócios poderão fazer suprimentos à sociedade nos termos e condições que forem fixados pela assembleia geral.”

O recorrente entende que não foi dado integral cumprimento ao nº8 do art. 377º do CSC por a convocatória não conter qualquer informação sobre as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar, nem a menção que o texto ficaria à disposição dos sócios na sede social, apenas tendo logrado destrinçar as alterações propostas mediante a leitura comparativa dos estatutos propostos enviados com a convocatória e os estatutos então vigentes.
Analisando a convocatória verificamos que, no ponto 3 não se identifica a cláusula dos estatutos a alterar: nem pela menção do artigo (5º), nem sequer pela menção de que a nova redação seria consequência da aprovação das deliberações tomadas sob os pontos 1 e 2 da ordem de trabalhos.
Igualmente não consta da convocatória a menção de que tais elementos ficariam disponíveis na sede da sociedade, sendo irrelevante que, como alegado pela recorrida, o tenham estado efetivamente.
Mas tendo a própria convocatória sido integrada pela nova versão dos estatutos, neles constava o texto completo da cláusula a modificar, o que era apreensível mediante, precisamente, a comparação entre esta proposta e a versão então vigente.
Ou seja, não foi completamente cumprido o disposto no art. 377º nº8 do CSC: juntou-se o proposto texto da cláusula a alterar (desse texto resultando tratar-se de uma alteração) mas não se mencionou a identificação dessa cláusula na ordem de trabalhos.
Neste ponto o tribunal recorrido considerou que «resulta do alegado pelo Requerente que o mesmo teve acesso à informação cuja falta invoca como fundamento de anulabilidade, na medida em que confessa ter podido destrinçar as alterações propostas aos estatutos mediante uma leitura comparativa dos mesmos (dos existentes e dos propostos na convocatória).
Termos em que não pode senão concluir-se também pela improcedência manifesta de tal fundamento de invalidade da deliberação em apreço.»
A convocatória deve conter os elementos previstos no art. 377º nº5 do CSC, bem como a menção clara do assunto a deliberar, nos termos do nº8 do mesmo diploma. Quanto o assunto é a alteração do contrato de sociedade são feitas ainda as exigências mencionadas – indicação das cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e do texto integral proposto.
No caso foi respeitada a exigência de menção do texto integral proposto, mas não a menção da cláusula a alterar.
À partida, a falta de tais ou de uma ou algumas dessas menções, e não cabendo ao caso nulidade, gera anulabilidade, nos termos do disposto no art. 58º nº1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais.
A assembleia destinava-se, designadamente, à alteração dos Estatutos da sociedade. Logo, o aviso convocatório tinha que conter a indicação da cláusula ou cláusulas a alterar, suprimir ou aditar.
Ficou demonstrado que no aviso convocatório não se faz a referida menção. Significa isto que foi violado o disposto no art. 377º, nº 8, não constando da convocatória uma das menções que a mesma deve obrigatoriamente conter.
O legislador impõe que as menções constem da convocatória não fazendo depender essa obrigatoriedade de qualquer condição. Significa isto que sempre e em qualquer convocatória os referidos requisitos têm de ser mencionados. Logo, omitindo a convocatória um elemento obrigatório, à partida é aplicável o disposto no art. 58º nº1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais.
Para saber se isto torna as deliberações respetivas anuláveis há que analisar o escopo do preceito.
As matérias sobre que vão incidir os trabalhos e deliberações da assembleia são nos termos deste nº8 do art. 377º do CSC, necessariamente, fixados antes da assembleia e publicitados na convocatória, essencialmente para facultar aos intervenientes a adequada preparação daquelas discussões e deliberações.
Daqui segue que as propostas devem respeitar os assuntos definidos na ordem de trabalhos, seguindo um percurso de sucessivas concretizações: de entre a capacidade da pessoa jurídica e a competência do órgão são selecionados os assuntos a deliberar, de entre estes e no seu âmbito as propostas, que vão suportar as deliberações.
A ratio que preside à fixação prévia da ordem de trabalhos e à sua comunicação é-nos exemplarmente indicada por Eduardo de Melo Lucas Coelho[53] como sendo a “elucidação dos sócios sobre as matérias a deliberar; evitar que a boa-fé dos ausentes seja surpreendida com deliberações sobre assuntos não incluídos na ordem do dia.”
A ordem do dia, ou ordem de trabalhos, deve assim, em princípio, compreender o elenco de matérias a tratar, sob pena de anulabilidade – arts. 58º nº1, al. c) e nº4, al. a) e 59º nº2, al. c) do Código das Sociedades Comerciais.
E dizemos, em princípio, uma vez que reconhecidamente existem matérias que poderão ser discutidas e deliberadas sem que o assunto a que se referem constasse da ordem de trabalhos: a destituição e desconfiança a administradores e diretores, nos termos do art. 376º nº1 al. c) do Código das Sociedades Comerciais e, porventura, assuntos de carácter processual como a disciplina dos debates, a direção dos trabalhos e seu prosseguimento (v.g. a suspensão), etc.[54].
Recuperando a função da convocatória, ela exprime-se em dois vetores: garantia de preparação e informação dos sócios; tutela dos interesses dos ausentes que podem confiar que as deliberações tomadas na assembleia serão dentro daqueles assuntos (mas não, obviamente, em geral, o conteúdo concreto das propostas e o sentido de voto).
No caso temos uma convocatória que indicou, como ordem de trabalhos a divisão de duas quotas e a transmissão gratuita das quotas divididas para terceiros, não sócios da sociedade, devidamente identificados.
Junta-lhes um terceiro ponto tendo como assunto “Deliberar sobre a nova redação dos Estatutos da sociedade”.
Sem o envio do texto proposto de nova versão dos estatutos, estaríamos ante uma convocatória que não cumpria a sua função, dado que, ao abrigo do ponto 3, qualquer alteração do contrato de sociedade podia ser deliberada, não dando a qualquer dos sócios convocados hipótese de se inteirar e preparar.
Mas com o envio do texto completo, e sendo um pacto relativamente curto e simples (12 artigos) a leitura deste desde logo indica qual a proposta efetuada, a de alteração do art. 5º em conformidade com a aprovação das deliberações propostas sob os pontos 1 e 2. Nomeadamente, e como o fez o recorrente, mediante a leitura comparativa.
Ou seja, o fim que a lei protege, com a obrigatoriedade da menção prevista no art. 377º nº8 quando o assunto é a alteração dos estatutos, foi atingido com a receção da convocatória e a leitura de todos os seus elementos.
Tal, quanto a nós, faz descer esta inobservância da lei do patamar das ilegalidades que geram anulabilidade para o de uma mera irregularidade.
Passamos, no caso, abaixo do limiar das invalidades – houve uma efectiva irregularidade mas que não merece a sanção da anulabilidade – A violação de lei não traz automaticamente invalidade – como nos ensina Oliveira Ascensão[55].
Como ensina este autor, há um limiar mínimo a partir do qual a violação não é anulável, mas simplesmente irregular - se é violado um preceito complementar que não aparenta ter efeitos relevantes sobre o conteúdo das deliberações tal situação não merece a grave consequência da anulabilidade.
Acrescentamos aos ensinamentos do ilustre Professor que se as razões de ser da tutela legal se não fazem sentir, porque com clareza (assumida, aliás, pelo recorrente) os sócios ficaram plenamente inteirados sobre a alteração dos estatutos proposta, então estamos certamente abaixo do limiar das invalidades.
Ou seja, e concluindo, não constando da convocatória, a menção da cláusula a alterar, suprimir ou aditar, mas resultando a identificação da cláusula e da alteração proposta do texto dos estatutos enviado juntamente com a referida convocatória, tal omissão não reveste gravidade suficiente para que se possa reconduzir a anulabilidade nos termos do disposto no art. 58º nº1, al. c) do Código das Sociedades Comerciais.
Improcedem, assim, as conclusões ZZ a MMM das alegações de recurso.
*

c)-Dano apreciável resultante da execução da deliberação:

O tribunal a quo considerou prejudicado o conhecimento do requisito dano apreciável, dado ter concluído pela improcedência da invalidade das deliberações, sendo todos os requisitos cumulativos, nos termos do disposto nos arts. 380º e 608º nº2 do CPC.
O recorrente aponta erro de julgamento a este segmento da decisão, considerando que os requisitos são independentes e que a apreciação da ilicitude não infirma a possibilidade de a execução da deliberação causar dano.
Como referido pelo requerente, a ilicitude da deliberação e o dano apreciável resultante da sua execução são dois requisitos independentes de suspensão de execução de deliberações sociais, nos termos do nº1 do art. 380º do CPC.
São, porém, também requisitos cumulativos[56], e apenas estando todos verificados (qualidade de sócio, deliberação ilegal e que cause dano apreciável) se pode decretar a requerida suspensão, nos termos do mesmo preceito.
Usando o exemplo dado pelo recorrente nas suas alegações, uma deliberação pode ser lícita e causar dano, mas nesse caso não poderá proceder a suspensão da respetiva execução, afinal o pedido deduzido nestes autos.
O tribunal a quo não estava impedido de apreciar o dano, mas, face à conclusão que havia atingido quanto à ilicitude da deliberação, não tinha necessidade ou qualquer utilidade em o fazer, pelo que a prejudicialidade invocada para seu não conhecimento não merece qualquer censura.
O que, por sua vez, não nos impede de conhecer, ex abundanti, este requisito e os argumentos esgrimidos pelo recorrente.
Este alega que estas deliberações consagram o aumento de capital social previamente deliberado, que causa dano aos sócios por reduzir drasticamente a sua proporção na participação no capital social, bem como o valor patrimonial das suas quotas.
No mais o recorrente alega que ao introduzir os filhos na sociedade, abusivamente e em violação dos estatutos da sociedade, cria na mesma testas de ferro, destruindo a democracia interna e contornando abusivamente o disposto no art. 251º do CSC.
Apreciando:
O dano aqui em causa não é um dano qualquer. Antes de mais o dano é apurado em função do risco que possa advir ao requerente de um prejuízo “decorrente do retardamento de uma decisão favorável ao demandante a proferir na ação principal”[57] e é de considerar não só o dano do sócio requerente como também o da sociedade[58].
Tem de estar em causa um dano apreciável, com uma certa relevância ou volume. “Não é toda e qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação, ou a sua execução, em si mesmo comportem, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora do processo de anulação. Não faria sentido que o legislador desse relevo, para efeitos de concessão da providência à eventualidade de danos diferentes dos originados pelo retardamento da sentença naquela ação proferida”[59].
Quanto a este requisito exige-se um juízo de forte probabilidade de dano iminente, bem como da medida e extensão do mesmo, que permitam julgá-lo considerável, não sendo suficiente a alegação de mera possibilidade de prejuízo cujo volume não possa aquilatar-se.
“Diversamente do que sucede com o requisito da invalidade da deliberação impugnada, o qual, para que se considere preenchido, exige apenas um juízo de mera probabilidade, já na apreciação do requisito do receio de produção de um dano apreciável exige-se “a prova da certeza ou de uma probabilidade muito forte” do dano, por força da execução da deliberação. Para tanto o requerente deve alegar “factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade”.[60]
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre referem[61] bastar, quanto à ilegalidade, a prova sumária correspondente ao fumus boni juris, mas “exigindo-se, quanto ao dano apreciável, em que se traduz o periculum in mora (…), uma prova mais consistente, traduzida na probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar”.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/05/2009 [62], o prejuízo sério para este efeito caracteriza-se como menos que irreparável, considerável e mais que de pequena monta. Também sobre a noção o Ac. TRC de 09/11/2021 (Emídio Francisco Santos - 857/21) onde se decidiu não ser um dano insignificante irrisório, não sendo igualmente grave e dificilmente reparável.
A jurisprudência exclui ainda, sistematicamente, da noção de dano apreciável os danos inerentes à própria deliberação: exemplo – numa deliberação de exclusão a mera perda da possibilidade de participar na vida associativa é inerente à perda da qualidade de sócio, não sendo dano apreciável (Ac. TRG de 13/09/18 – Alcides Rodrigues - 803/18)[63] ou a perda das vantagens inerentes ao cargo de administrador, como a remuneração, são consequências da cessação de funções que é um facto normal na vida de uma sociedade (Ac. TRL de 15/03/18 – Maria de Deus Correia - 19797/17).
Há um primeiro ponto de relevo na apreciação deste caso concreto: os danos alegados de diminuição de proporção no capital social e de perda de valor patrimonial da quota, não são danos resultantes da execução de qualquer das deliberações cuja suspensão ora se requer.
A diminuição da proporção quotista do requerente e a eventual perda de valor (económico/patrimonial) da sua quota, a verificarem-se, resultam da execução da deliberação de aumento do capital social, tomada na assembleia geral de 12 de agosto de 2022, e não de qualquer deliberação tomada na assembleia de 02/09/2022, sendo por referência aqueloutra deliberação que deve ser feita a ponderação concreta de se estas consequências alegadas constituem ou não dano considerável.
O aumento de capital social é, tipicamente, uma deliberação de efeitos duradouros, cuja ilegalidade não pode ser invocada em cada deliberação posterior à sua realização (e todas as deliberações posteriores o refletirão). O aumento de capital deliberado na assembleia geral realizada em 12/08/2022, foi objeto de pedido de suspensão em apenso destes autos e é aí que tal dano, a verificar-se, deve ser apreciado (cfr. pontos 11, 12, 13 e 15 da matéria de facto indiciariamente provada).
O carater abusivo das deliberações tomadas e a violação dos estatutos da sociedade, invocadas como causa de nulidade (já apreciada e recusada) e de anulabilidade (também já apreciada e afastada) são os fundamentos invocados de ilegalidade, não bastando para o requisito dano apreciável que, como já referimos, se apresenta em gradação com um grau de exigência de probabilidade muito mais forte. Por outras palavras, uma deliberação não causa dano apreciável apenas por ser inválida, havendo que demonstrar em concreto um dano com aquelas caraterísticas.
O requisito dano apreciável é mais exigente e exige que, num caso como o presente, se olhe às consequências da invocada ilegalidade. Não é por se prevenir a formação de determinada maioria pelo funcionamento de uma regra de impedimento de voto, sem mais, que tal implica um dano considerável, nem para a sociedade, nem para o sócio.
Porque como já tivemos ocasião de explicitar, a regra do art. 251º do CSC não foi violada, nem direta, nem indiretamente. Respeitando o seu funcionamento, o sócio maioritário criou mais duas quotas não tituladas por si, fazendo cessar a estrutura tripartida da sociedade.
Também já expusemos acima que não houve qualquer afetação da democracia interna da sociedade.
Porque estamos em sede de dano apreciável, haveria neste caso que alegar e provar que as deliberações que serão afetadas por esta nova composição quotista, designadamente as previsíveis, de destituição do cargo de gerente com justa causa e de propositura de ação judicial de exclusão de sócio e cujo desfecho não será o inicialmente previsível, não podiam esperar pela decisão da ação principal, pelo desfecho da ação de convocação judicial de assembleia de sócios ou por um eventual pedido judicial de suspensão e destituição de gerente.
Essa alegação não foi efetuada e, logo, nada se apurou nesse sentido, sendo ainda matéria cujo ónus cabia ao requerente da providência.
Não podemos, deste modo, ter por verificado, sequer, o requisito do dano apreciável.
Improcedem também as conclusões NNN a VVV das alegações do recorrente.
Assim, e ponderados todos os argumentos trazidos a juízo, não foram, efetivamente, apurados factos que permitam concluir pela verificação de todos os requisitos de procedência da providência de suspensão de deliberações sociais, pelo que a decisão recorrida deve ser mantida.
A presente apelação improcede, assim, integralmente.
*

O apelante, porque vencido, suportará integralmente as custas do presente recurso que, in casu se traduzem apenas nas custas de parte devidas, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso e este não envolveu diligências geradoras de despesas – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil[64].
*

5.Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar integralmente improcedente a apelação, decidindo-se manter a decisão final recorrida.
Custas de parte na presente instância recursiva pelo recorrente.
Notifique.
*



Lisboa, 25 de janeiro de 2024



Fátima Reis Silva
Renata Linhares de Castro
Amélia Sofia Rebelo



[1]Lapso de numeração nas conclusões, que se corrige para melhor compreensão.
[2]Cfr. Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 7ª edição, Almedina, 2022, pg. 286 e, entre muitos outros os Acs. STJ de 14/02/2023 (Jorge Dias - 1680/19), de 29/03/2022 (Isaías Pádua -  1104/19) e de 17/10/2019 (Rosa Maria Ribeiro Coelho - 7223/12), disponíveis em www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem referência.
[3]Uma vez que nada resulta quanto a uma eventual impossibilidade de apresentação.
[4]Em Código das Sociedades Comerciais Anotado, Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, 3ª edição, Almedina, 2020, pg. 304 e, mais desenvolvidamente em Manual de Direito das Sociedades, vol. I, Das sociedades em geral, Almedina, 2004, pgs. 664 a 666.
[5]Autor e local citado na nota anterior.
[6]Menezes Cordeiro em Código Civil Comentado, I – Parte Geral, Almedina, CIDP, 2020, pg. 931.
[7]Tatiana Guerra de Almeida em Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pg. 786 e ainda Coutinho de Abreu em Do abuso de Direito, Almedina, 1999, pgs. 68, 76 e 77.
[8]Autora e local citados na nota anterior.
[9]Autora e local citado
[10]Neste recurso não está em causa a ofensa aos bons costumes. Trata-se, aliás, em matéria de deliberações sociais, de regra muito invocada, mas de verificação muito rara, dado que os bons costumes correspondem a regras de conduta sexual e familiar aceites na generalidade, e, por regra, o que um sócio entende ser uma inaceitável conduta no seio de uma sociedade, não choca os sentimentos gerais da comunidade.
[11]Conclusão, aliás, também atingida por Menezes Cordeiro em Manual…, pg. 665.
[12]Do abuso de direito, já citado, pg. 165.
[13]Estas linhas foram escritas antes da vigência do CSC.
[14]Em Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, 3ª edição, Coimbra Editora, 1996, pg. 62.
[15]Em Deliberações dos Sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pg. 438.
[16]Em A Tutela das Minorias nas Sociedades Anónimas – Direitos Individuais, Coimbra Editora, 2004, pg. 169.
[17]Cfr Ac. STJ de 18/04/2023 (Barateiro Martins).
[18]Em Deliberações dos Sócios…, pgs. 388 e 389.
[19]Local citado, pg. 389. Anota-se que este autor encontra no abuso de direito o fundamento para o traço excessivo referido que, cremos, independentemente da aplicabilidade autónoma do art. 334º do CC, se justifica.
[20]Idem, pgs. 403 e 404.
[21]Em Deliberações Sociais, já citado, pg. 238.
[22]Estamos, por desnecessidade, a afastar-nos daqueloutra polémica relativa ao carater taxativo ou exemplificativo das alíneas do art. 251º do CSC.
[23]Menezes Cordeiro, em Manual…, pg. 663.
[24]Para uma caraterização geral dos deveres de lealdade dos sócios ver Paes de Vasconcelos em A Participação Social nas Sociedades Comerciais - 2.ª Edição. Disponível em: Grupo Almedina, Grupo Almedina (Portugal), 2020, pgs. 312 e ss., Pedro de Albuquerque em O Artigo 251º do CSC como proibição genérica de atuação em conflito de interesses, Almedina, 2022, pg. 59 e Ana Perestrelo de Oliveira em Lições e Casos de Direito das Sociedades, AAFDL Editora, 2023, pgs. 239 e ss.
[25]Além dos autores citado na nota anterior, também no sentido da ancoragem do art. 251º do CSC ao dever de lealdade dos sócios, ver também Menezes Cordeiro e David Oliveira Festas em Código das Sociedades Comerciais…, pg. 889.
[26]Não considerando aqui a de sócio, pois a exclusão dependerá de decisão judicial.
[27]Pedro Albuquerque e Paes de Vasconcelos, locais citados.
[28]Paes de Vasconcelos, local citado, pg. 312.
[29]Novamente no local já citado.
[30]Paes de Vasconcelos, local citado, pg. 328.
[31]Pedro de Albuquerque, local citado, pg. 60 e Paes de Vasconcelos, 312 e ss.
[32]Frisando-se que não foi violado, direta ou indiretamente, o disposto no art. 251º do CSC.
[33]Atento o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 229º do CSC cfr. Raul Ventura em Sociedades por Quotas, vol. I, 2ª edição, Coimbra, 1993, pg. 585 e Pedro Albuquerque em Código das Sociedades Comerciais Comentado, Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, 3ª edição, Almedina, 2020, pg. 797.
[34]De forma criticável, em geral, como explica Paulo Olavo Cunha em Direito das Sociedades Comerciais, 3ª edição, Almedina, 2007, p. 389.
[35]Raul Ventura, local citado.
[36]Ana Prata em Dicionário Jurídico, 5ª edição, Almedina, 2020, pg. 261.
[37]Alexandre Soveral Martins em Cessão de quotas – alguns problemas, Almedina, 2007, pg.9.
[38]Em Sociedades por Quotas, vol. I, 2ª dição, Almedina, 1993, pg. 577.
[39]Entre outros, Soveral Martins, local citado, Pedro de Albuquerque em Código das Sociedades Comerciais Comentado, Códigos Comentados da Clássica de Lisboa, 3ª edição, Almedina, 2020, pg. 797, Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, vol. II, Das Sociedades, Almedina, 2002, pg. 358 e Raquel de Lóia Sequeira em Transmissão de quotas e de ações – Algumas questões, Revista de Direito das Sociedades, Ano X (2018), 3, pg. 534, disponível em https://www.revistadedireitodassociedades.pt/artigos/transmissao-de-quotas-e-de-acoes-algumas-questoes#revista.
[40]Doutrina citada na nota anterior.
[41]Raúl Ventura, local citado, pg. 613.
[42]Soveral Martins, local citado, pg. 73.
[43]Raquel de Lóia Sequeira, local citado, pg. 542.
[44]Cfr. por todos Coutinho de Abreu, local citado, pgs. 364 e 365 e Soveral Martins, local citado, pgs. 73 a 76 e o Ac. TRL de 28/11/2023 (Amélia Sofia Rebelo – 17851/20).
[45]Raquel Lóia Sequeira, local citado, pg. 542.
[46]Assim António Agostinho Guedes, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das obrigações em geral, Universidade Católica Editora, 2018, pg. 91.
[47]Autor e local citados na nota anterior, pgs. 104 e 113.
[48]Local citado, pg. 73.
[49]Local citado, pg. 611.
[50]Local citado, pgs. 71 e 72.
[51]Como já se referiu não importa aqui dilucidar a questão da eficácia real deste direito de preferência, divergindo os direitos a exercer e respetivas condições conforme se conclua por essa qualificação ou não, assunto que aqui não somos chamados a resolver.
[52]E apenas a esta, pois o consentimento pode subordinar a eficácia.
[53]Em A Formação das Deliberações Sociais – Assembleia Geral das Sociedades Anónimas, Coimbra Editora, 1994, pgs. 101, 102.
[54]Lucas Coelho, loc. cit. na nota anterior, pg. 43, nota 18.
[55]Em Invalidades das Deliberações Sociais, Problemas de Direito das Sociedades, Almedina, 2002, pgs. 386 e 387.
[56]Neste sentido, e entre outros, os Acs. TRC de 08/11/2011 (Carvalho Martins – 158/10), TRG de 13/09/18  (Alcides Rodrigues - 803/18), TRP de 14/07/2020 (Pedro Damião Cunha – 2253/20) e TRP de 30/05/2023 (Alexandra Pelayo – 8278/22 todos disponíveis em www.dgsi.pt. e, na doutrina Paulo Olavo Cunha em Deliberação Sociais – Formação e Impugnação, Almedina, 2020, pg. 260, Moitinho de Almeida , local citado, pg. 164 e Marco Filipe Carvalho Gonçalves em Providências Cautelares, 3ª edição, Almedina, 2017, pg. 264.
[57]Ac. STJ de 20/05/97 in BMJ 467º-529.
[58]Cfr. Ac. TRL de 12/11/87 in CJ 1987-V-101 e Ac. TRC de 19/12/89 in CJ-1989-V-64.
[59]Vasco da Gama Lobo Xavier, “O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais”, Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXII, pg. 215
[60]Marco Filipe Carvalho Gonçalves em Providências Cautelares, 3ª edição, Almedina 2017, pg. 272 e jurisprudência aí citada (nas notas 922 e 923).
[61]Em Código de Processo Civil Anotado, II vol., 3.ª edição, Almedina, 2017, pgs. 110-111.
[62]Relator Canelas Brás (959/08), disponível em www.dgsi.pt.
[63]Ver também Ac. da TRE de 9/02/2006, CJ Ano XXXI, T. I/2006, pp. 250/251.
[64]Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.