Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4118/19.8T8OER-A.L1-2
Relator: INÊS MOURA
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A fundamentação da sentença deve ser de facto – com indicação dos factos provados e não provados - e de direito – com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, e assenta no direito das partes a saberem as razões da decisão do tribunal, de modo a poderem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação, constituindo uma fonte de legitimação da decisão judicial.
2. A decisão sob recurso é nula por falta de fundamentação de facto, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC, ao não fazer o elenco dos factos que tem como assentes ou tidos como provados, limitando-se singelamente a afirmar a verificação ou não das exceções que aprecia e a indicar de forma conclusiva a norma jurídica correspondente.
3. O art.º 729.º do CPC ao elencar os casos em que pode haver lugar a oposição à execução quando esta se funda em sentença, prevê na sua al. d) que o executado pode opor-se quando tenha existido “Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.” remetendo dessa forma para aqueles fundamentos do recurso de revisão.
4. Não estamos perante um caso em que há uma falta absoluta de intervenção da R. no processo declarativo onde foi proferida a sentença dada à execução, como é exigência do corpo da al. e) do art.º 696.º do CPC, quando a R. aí foi devidamente citada, tomando por isso conhecimento da ação que havia sido intentada contra si e até teve intervenção no processo, ainda que não tenha apresentado contestação.
5. A integração da subalínea iii) da al. e) do art.º 696.º do CPC exige que o R. não tenha podido apresentar contestação por motivo de força maior, conceito que, como a própria expressão indica, impõe que o evento causador de tal omissão não seja imputável à parte por estar fora do seu controle, podendo aplicar-se aqui o conceito de justo impedimento previsto no art.º 140.º do CPC.
6. Não configura um motivo de força maior para a não apresentação de contestação, a falta de conhecimento atempado da decisão da segurança social sobre o patrocínio judiciário requerido, notificada para morada que a R. indicou quando formulou o requerimento e que é a da sua sede, só tendo informado a segurança social que pretendia a notificação numa nova morada cerca de sete meses depois da formulação do pedido de proteção jurídica e quando já havia sido proferida decisão sobre ele.
7. O caso julgado, tal como a litispendência, tem como objetivo evitar que o julgador seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, tal como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, ao que estão subjacentes razões de confiança e segurança dos cidadãos nas decisões judiciais, também no sentido de que uma vez decidida a questão a mesma fica definitivamente resolvida.
8. No que se refere à identidade da causa de pedir, importa avaliar os factos que foram alegados pelas partes e que suportam o pedido formulado na ação que já foi decidida e naquela que é proposta mais tarde, só havendo identidade de causa de pedir, nos termos do art.º 581.º n.º 4 do CPC, se os factos submetidos à apreciação do tribunal em ambas as ações forem essencialmente os mesmos. 
9. Não há identidade de pedido e de causa de pedir entre duas ações, ainda que o litígio se centre no mesmo contrato de compra e venda que foi celebrado entre as partes, quando: no primeiro processo, a A. vem pedir o cumprimento do contrato pela R. no sentido da sua condenação no pagamento do remanescente do preço acordado que não foi pago, tendo-se discutido também os factos alegados pela ali R. relativos aos defeitos dos bens, que não obstante se tenha apurado que existiram ficou também provado que foram substituídos ou reparados; no segundo processo, a A., R. na primeira ação, vem invocar factos novos e posteriores, que se reportam aos bens que foram substituídos e reparados, alegando que estes vieram posteriormente a apresentar os mesmos defeitos, pedindo a condenação da R. no pagamento de uma indemnização correspondente aos danos sofridos.
10. Os factos alegados pela A. na segunda ação não põem em causa, nem pretendem representar de uma forma diferente a situação contratual das partes já apreciada e decidida na primeira ação, antes correspondem a factos novos que surgem mais tarde ainda no desenvolvimento daquela relação contratual, não podendo dizer-se que correspondem ao núcleo essencial de factos que já haviam sido objeto de julgamento, o que revela a diversidade das causas de pedir.
11. Não é cometida qualquer irregularidade pelo tribunal quando envia à R. a notificação da sentença para a morada onde a mesma havia sido citada e corresponde à sua sede, exatamente conforme previsto no art.º 249.º n.º 1 e 5 do CPC, não obstante a carta tenha sido devolvida ao processo com a indicação de “mudou-se”, o que não obsta a que a notificação produza os seus efeitos, como estabelece o n.º 2 do referido artigo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
A Exequente AA – Divulgação de Produtos Financeiros, Ld.ª vem intentar execução contra a Executada BB, Ld.ª, reclamando o pagamento da quantia de € 76.789,92 acrescida de juros de mora, apresentando como título executivo uma sentença condenatória.
 A Executada vem deduzir oposição mediante embargos à execução que contra si corre termos, concluindo pela procedência dos embargos e requerendo a extinção da execução.
Refere, em síntese, que na ação declarativa n.º …/…, intentada pela Exequente contra si, na qual foi proferida a sentença dada à execução, após a sua citação, a R. solicitou a concessão de apoio judiciário, juntando ao processo o comprovativo de o ter requerido e pedindo a suspensão do prazo para contestar. A R. não foi notificada da decisão da segurança social e só mais tarde soube que havia sido proferida sentença naquele processo, não tendo sido dela notificada, o que constitui uma nulidade, nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC, só tomando conhecimento da mesma com a citação para a presente execução. Refere a que a sua falta de intervenção em tal processo se justifica por motivo de força maior, integrando a previsão do art.º 696.º al. e), subalínea iii) e 729.º al. d) do CPC. Mais alega que os factos que a Exequente invocou naquela ação são os mesmos que alegou e foram discutidos na ação declarativa que correu termos com o n.º …/…, que contra ela foi intentada pela aqui Executada, na qual foi condenada, em virtude do reconhecimento do incumprimento do contrato de compra e venda com celebrado, existindo por isso uma situação de caso julgado suscetível de integrar a previsão do art.º 729.º al. f) do CPC. 
Recebidos liminarmente os embargos, veio a Embargada contestar, concluindo pela sua improcedência.
Começa por invocar a intempestividade dos embargos e mais defende que não existe caso julgado por não haver identidade de pedido e de causa de pedir nas duas ações e que a Executada foi citada regularmente na ação que correu termos e não a contestou, defendendo também a regularidade da ação da segurança social na tramitação do pedido de apoio judiciário.
Foi proferido despacho que considerou tempestivos os embargos e solicitados elementos ao proc. …/… e à segurança social, que foram apresentados.
Foi designada data para a realização da audiência prévia, que se realizou a 1 de junho de 2023, constando da ata da diligência o seguinte:
“Após, pelo Mmo. Juiz foi dado início à audiência prévia, onde foi tentada a conciliação entre as partes, o que se mostrou infrutífero, mantendo as mesmas as suas posições controvertidas nos seus articulados.
Seguidamente foi dada a palavra aos ilustres mandatários das partes para os efeitos do art.º 591º, nº 1 al) b do C.P.C., da qual fizeram uso, conforme resulta da gravação.
Assim, pelo Mmo. Juiz foi proferido o seguinte:
--- DESPACHO ____
Abra conclusão nos presentes autos para prolação de despacho saneador.
Notifique.”
Foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da lide e conheceu, desde logo, as questões suscitadas pela Embargante, concluindo no sentido da improcedência dos embargos, nos seguintes termos que se reproduzem:
“A embargante invoca fundamentos de recurso de revisão (CPC 696º/e)), mas o presente Tribunal não é o competente para os apreciar (CPC 697º/1).
Mais alega que devia ter sido notificada da sentença exequenda (CPC 249º/5) – nulidade que invoca.
De acordo com a certidão junta, a sentença foi notificada para a sede da ora embargante (rua …, lote … - Fajozes), e veio devolvida com a indicação ‘mudou-se’; tendo a sentença sido remetida para a sede da embargante (conforme admitido no artigo 6º da p.i.), não se verifica a invocada nulidade.
Alega ainda existir caso julgado anterior (13-IV-15) à sentença exequenda (CPC 729º/f)) no processo …./…, mas, sendo a ora R. então A., desde logo se nota não existir coincidência de partes ou pedidos (CPC 581º).
Motivo por que se julga improcedente a excepção de caso julgado – sendo certo que não foi invocada qualquer “compensação” (tendo a aqui exequente sido então condenada a pagar à embargante a quantia de 39.586,30€, e juros).”
É com esta decisão que a Embargante não se conforma e dela vem interpor recurso pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue os embargos totalmente procedentes e extinga a execução, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. No caso em apreço, apesar de na decisão impugnada se referir expressamente, no quarto parágrafo, que se dispensava a realização da audiência prévia, o certo é que a mesma foi designada por despacho de 25/01/2023 (cfr. despacho judicial dessa data com a referência Citius n.º 142111656) e formalmente realizada no dia 01/06/2023 (cfr. acta de audiência prévia – documento com a referência Citius n.º 144724627).
2. Sucede, porém e ao contrário do que se mostra expressamente previsto no n.º 2 do artigo 591.º, do Código de Processo Civil, o despacho que designou data para a realização da audiência prévia não mencionava o seu objecto e finalidade.
3. Acresce que, conforme se pode facilmente constatar da audição da gravação da diligência em questão, que durou uns singelos 7 minutos e 11 segundos, depois de ter sido tentada pelo Tribunal recorrido a conciliação das partes, algo que não se mostrou possível, «foi concedida a palavra aos Ilustres Mandatários das partes para os efeitos do artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, da qual fizeram uso, conforme resulta da gravação.».
4. No entanto, conforme se extrai do processado e até mesmo da gravação da diligência em questão, as partes em litígio, nomeadamente a Recorrente/Embargante, não foram previamente consultadas/informadas quanto à intenção do Tribunal recorrido decidir de imediato na audiência prévia do mérito da causa, nem tão foi efectuada a enunciação das questões a solucionar e a sua comunicação às partes para que, de alguma forma, pudessem influenciar o juiz na discussão do mérito da causa.
5. Tal é por demais evidente quanto ao primeiro dos fundamentos invocados para a improcedência dos embargos – a circunstância de os fundamentos invocados pela Recorrente/Embargante serem exclusivamente fundamentos de recurso de revisão.
6. Dito de outra forma, nem antes, nem tão pouco no decurso da audiência prévia, foi dado às partes em litígio, nomeadamente à Recorrente/Embargante, o prévio conhecimento da intenção do Tribunal recorrido em decidir de imediato do mérito da causa, bem como não foi dada a possibilidade de fundamente tomarem posição quanto a tal intenção, nomeadamente quanto à solução encontrada pelo Tribunal para o litígio em apreço nos presentes autos.
7. Ainda que se possa admitir que o demais referido na decisão impugnada havia sido já debatido nos articulados – nulidade por falta de notificação da sentença e caso julgado anterior –, o certo é que o primeiro dos fundamentos invocados para o indeferimento dos embargos é algo completamente novo e que nunca foi debatido no processo, nem sequer no decurso da apelidada audiência prévia.
8. Trata-se, pois e pelo menos nessa parte, de uma decisão-surpresa, violadora do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
9. Afigura-se, por conseguinte, que não só o despacho que designou data para realização da audiência prévia violou o disposto no n.º 2 do artigo 591.º, do Código de Processo Civil, como, analisada a acta e a gravação da diligência em questão, facilmente se constata que não existiu uma verdadeira audiência prévia, pelo menos nos termos legalmente previstos e supra explicitados, como ainda a decisão proferida na sua sequência é ilegal, por consubstanciar, pelo menos em parte, uma manifesta decisão-surpresa.
10. Não existindo uma tal audição prévia das partes em litígio pode afirmar-se que estamos perante uma situação de violação pelo Tribunal do dever de consulta, tendo sido omitida pelo Julgador, ao decidir de mérito nos termos que o fez e sem auscultar com vista ao assegurar do contraditório, uma formalidade de cumprimento obrigatório, donde depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica à decisão impugnada, de modo que a reacção da Recorrente/Embargante passa pela interposição do presente recurso, em cujos fundamentos se integra a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do Código de Processo Civil.
11. Por conseguinte, a decisão recorrida é nula, por se ter pronunciado sobre uma questão de que, sem a audição prévia das partes, não podia conhecer.
12. A convocação e realização meramente forma da diligência, com o conteúdo que se extrai da acta e gravação da diligência, e com a impossibilidade, por desconhecimento da Recorrente/Embargante, de se pronunciar quanto a uma questão essencial que esteve na base do indeferimento dos embargos equivale, naturalmente, à circunstância da não realização daquela diligência em circunstância que a lei impunha a sua realização.
13. A preterição da aludida formalidade processual, que se reputa de essencial, gera, para além de nulidade processual, a nulidade da decisão impugnada e implica a anulação do processado, a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao despacho que designou a realização da audiência prévia, de forma a possibilitar a efectiva audição das partes em sede desta diligência.
14. Nos presentes auto foi proferido despacho liminar, em 05/11/2020, a admitir a petição apresentada pela Recorrente/Embargante, tendo posteriormente, por despacho judicial de 28/11/2022, sido apreciada e indeferida a invocada excepção da intempestividade dos embargos.
15. Posteriormente, como primeiro e principal fundamento da decisão impugnada, foram os embargos indeferidos, por ter sido entendido que os fundamentos invocados não constituíam fundamentos para deduzir embargos de executado, mas antes fundamentos de recurso de revisão.
16. Ora, no caso em apreço não só a questão dos fundamentos invocados se mostra essencial à liminar admissão dos embargos, como o Tribunal recorrido apreciou, indeferindo, outra das circunstâncias que poderia interferir na apreciação da petição apresentada pela Recorrente/Embargante: a sua tempestividade.
17. É, pois, legítimo concluir que o Tribunal recorrido, ao admitir liminarmente a petição de embargos, indeferindo expressamente a invocada excepção da intempestividade dos embargos, fez uma análise jurídica dos fundamentos invocados pela Recorrente/Embargante, estando posteriormente vedada a possibilidade de nova avaliação, sem produção de prova, desses fundamentos e do indeferimento dos embargos, com o invocado fundamento de que os fundamentos alegados não constituíam fundamentos para dedução de embargos de executado, mas antes para recurso de revisão.
18. Um dos fundamentos para o indeferimento dos embargos foi a circunstância alegada pelo Tribunal recorrido de os fundamentos invocados pela Recorrente/Embargante constituírem fundamentos de recurso de revisão [artigo 696.º, alínea e)], sendo certo que o Tribunal recorrido não é o competente para os apreciar.
19. A decisão impugnada é manifestamente insuficiente, quer do ponto de vista da sua fundamentação, quer do ponto de vista do conhecimento jurídico, como aliás agora se compreende analisado o processado anterior.
20. Resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
21. Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
22. No caso em apreço, e em relação ao primeiro dos fundamentos invocados para a improcedência dos embargos, afigura-se-nos manifesta a nulidade da decisão impugnada, por falta de fundamentação de facto e de direito.
23. Com efeito, do teor da decisão recorrida não é possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido nessa mesma decisão, nomeadamente não é possível perceber quais os fundamentos invocados pela Recorrente/Embargante que o Tribunal considera fundamentos de recurso de revisão e não de embargos de executado, bem como não é possível perceber o raciocínio que baseou uma tal conclusão.
24. A parte da fundamentação da decisão recorrida agora colocada em causa não passa de uma mera conclusão, vertida numa singela frase e por remissão para um dos inúmeros artigos do Código de Processo Civil.
25. Sendo, consequentemente e nessa parte, nula a decisão impugnada.
26. A ora Recorrente/Embargante/Executada, ré na acção declarativa que serve de fundamento à execução embargada, além de não ter deduzido qualquer oposição, não constituiu mandatário, nem interveio de qualquer forma relevante no referido processo antes da prolação da sentença, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 566.º e por não se verificar nenhum dos casos previstos no artigo 568.º, incorreu na situação de revelia absoluta operante, com as consequências previstas nos artigos 566.º e 567.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
27. Sucede, porém, que aquela falta de intervenção da Recorrente/Embargante/Executada no processo declarativo justifica-se por motivo de força maior, a que alude a subalínea iii) da alínea e) do artigo 696.º, do Código de Processo Civil, e, por via disso, a alínea d) do artigo 729.º, do Código de Processo Civil, devendo o mesmo ser entendido como uma qualquer daquelas situações reconduzível a evento não imputável à parte, nem aos seus representantes ou mandatários.
28. No caso em apreço, a não apresentação de contestação no processo declarativo por parte da ora executada deveu-se à falta de notificação e posterior notificação extemporânea da decisão da Segurança Social, que, erradamente (como se viu no subsequente pedido de protecçao jurídica apresentado por força dos presentes autos), indeferiu o pedido de protecção jurídica para benefício de apoio judiciário (dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento da compensação de patrono) no âmbito daquele processo declarativo.
29. Apesar de, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o prazo para apresentação de contestação naquele processo declarativo ter sido interrompido com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, o certo é que tal prazo iniciou-se com fundamento numa suposta notificação à executada da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono e antes da repetição da notificação, efectuada pela Segurança Social atentas as dúvidas existentes quanto à efectivação da alegada primeira notificação.
30. E dizemos suposta, porquanto tal notificação nunca chegou a efectivar-se.
31. Aliás, foi certamente por via disso e no reconhecimento, ainda que tácito, de tal falta de notificação, que os Serviços da Segurança Social procederam à repetição da referida notificação, nos moldes supra explanados.
32. Sucede, porém, que quando a ora Recorrente/Embargante/Executada tomou conhecimento efectivo deste indeferimento, por força da repetição da notificação, já havia sido proferida sentença no referido processo n.º …/….
33. O circunstancialismo agora descrito, justificativo da falta de intervenção da Recorrente/Embargante/Executada no processo de declaração antes da prolação da sentença, deve, naturalmente, ser qualificado de motivo de força maior e susceptível de preencher a subalínea iii) da alínea e) do artigo 696.º, do Código de Processo Civil.
34. Em consequência, e por força do disposto na alínea d) do artigo 729.º, do Código de Processo Civil, tal circunstancialismo é fundamento de oposição à execução, ainda que o título executivo seja uma sentença.
35. No processo n.º …/… – Cascais – Instância Central – 2ª Secção Cível – J5 – Comarca de Lisboa Oeste –, a ora Recorrente/Embargante/Executada pediu, e conseguiu, a condenação da ora Recorrida/Embargada/Exequente no pagamento de determinada quantia, em virtude do incumprimento por parte desta do contrato de compra e venda celebrado entre as partes referente a uns jogos de xadrez.
36. Nessa acção contestou a ora Recorrida/Embargada/Exequente, invocando que os jogos de xadrez vendidos começaram a apresentar defeitos e que, feita a reclamação, a aqui Recorrente/Embargante/Executada começou a recolher os jogos e procedeu a algumas substituições, que não concluiu por supostamente a empresa que os fabricou ter encerrado.
37. Do decurso daquele processo, e atenta a prova produzida, ficou cabalmente demonstrado, conforme se extrai do texto da sentença, que a ora Recorrente/Embargante/Executada substituiu ou reparou todos os jogos de xadrez que padeciam de defeito.
38. No processo n.º …/…, que serve de fundamento à execução embargada, a Recorrida/Embargada/Exequente peticionou a declaração de incumprimento do contrato relativo à venda de vinte e nove jogos de tabuleiro e a condenação na quantia ali referida.
39. Alegou, igualmente, a celebração do contrato de compra e venda dos referidos jogos de xadrez, que os mesmos padeciam de defeitos, que não foram reparados e que, por via disso, perdera o interesse na manutenção do vínculo assumido, mais exigindo a devolução do preço pago.
40. São, pois, as mesmas partes a litigar, ainda que agora em posições inversas, está em causa o mesmo contrato de compra e venda e os mesmos factos já alegados pela Recorrida/Embargada/Exequente naquele outro processo judicial – a existência de defeitos (não verificados).
41. Cremos, pois, que não só é indubitável que se verifica a tríplice identidade de elementos nas lides em causa – sujeitos, causa de pedir e pedido –, como se mostra oponível a excepção da força e autoridade do caso julgado da decisão proferida no processo n.º …/…, cujo objecto foi o referido contrato de compra e venda.
42. No caso vertente, o Tribunal a quo entendeu erradamente, conforme vimos supra, não se verificar a excepção do caso julgado, por inexistir identidade de partes ou pedidos.
43. Sucede que, em ambos os processos são as mesmas partes a litigar, ainda que em posições inversas, está em causa o mesmo contrato de compra e venda e os mesmos factos inicialmente alegados pela Recorrida/Embargada/Exequente – a existência de defeitos (não verificados).
44. O circunstancialismo agora descrito deve, naturalmente, ser qualificado como integrador do conceito de caso julgado (anterior à sentença que se executa) e susceptível de preencher a alínea f) do artigo 729.º, do Código de Processo Civil.
45. Por fim, a Recorrente/Embargante/Executada só no dia 30/12/2019, data em que foi citada para a acção executiva, é que foi efectivamente notificada da sentença proferida no processo declarativo.
46. Apesar da situação de revelia absoluta em que a Recorrente/Embargante/Executada se encontrava no âmbito do processo declarativo, ainda que não por vontade própria, e de se admitir que, por via dessa situação e do disposto no n.º 3 do artigo 249.º, do Código de Processo Civil, não lhe deveriam ser feitas notificações no decurso do processo, o certo é que tinha de ser notificada da sentença, conforme impõe o artigo 249.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
47. Tanto mais que, no processo declarativo era não só conhecida a sede da ali ré, como também, por força dos vários documentos juntos aos autos, a morada onde se encontrava efectivamente a laborar.
48. No caso em apreço, e conforme se extrai do alegado, a Recorrente/Embargante/Executada não foi imediatamente notificada da sentença, como deveria ter sido, por imposição do mencionado artigo 249.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
49. Acresce que, tendo sido inicialmente enviada para a sede da Recorrente/Embargante/Executada a notificação da decisão e devolvida com a indicação «mudou-se», e sendo conhecida no processo a morada onde a Recorrente/Embargante/Executada se encontrava a laborar, deveria a notificação ter sido repetida, agora para essa mesma morada.
50. Por conseguinte, e atento o desenvolvimento do processado, a não notificação da sentença nos moldes explanados significa a omissão de um acto prescrito na supra aludida norma legal, configuradora de uma irregularidade geradora de nulidade, por susceptível de influir na decisão final da causa (cerceado ficou o direito ao recurso, por parte da Recorrente/Embargante/Executada, no processo declarativo) – cfr. artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
51. Em consequência, tal circunstancialismo é fundamento de oposição à execução, ainda que o título executivo seja uma sentença, desde logo por força do disposto no n.º 2 do referido artigo 195.º, que determina a anulação de todos os actos subsequentes ao acto que deva ser anulado.
A Embargada/Exequente veio responder ao recurso pugnando pela sua improcedência e confirmação a sentença proferida
II. Questões a decidir
São as seguintes as questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrentes nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC- salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por falta de fundamentação;
- do motivo de força maior para a não intervenção do Recorrente no processo declarativo;
- do caso julgado anterior à sentença apresentada à execução;
- da nulidade por falta de notificação da sentença
III. Nulidade da sentença
-da nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por falta de fundamentação
Alega a Recorrente, que pretendendo o juiz conhecer do mérito da causa não lhe é possível dispensar a audiência prévia, por forma a assegurar o princípio do contraditório e evitar decisões surpresa, não tendo sido dada aos Mandatários a possibilidade de tomarem posição e de debater a questão, pelo que, nessa parte, a decisão constitui uma decisão surpresa, nos termos previstos no art.º 3.º n.º 3 do CPC, sendo nula por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
Mais alega que o tribunal não fundamentou a primeira das questões invocadas para o indeferimento dos embargos, limitando-se a dizer que constituem fundamento de recurso de revisão – art.º 696.º al. e) do CPC, não sendo por isso o tribunal recorrido competente para os apreciar, nada mais referindo, pelo que é nula por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al b). do CPC.
O art.º 615.º n.º 1 do CPC estabelece que a sentença é nula quando:
“a) não contenha a assinatura do juiz;
b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Começa o Recorrente por invocar o excesso de pronuncia da decisão, nos termos da previsão da al. d) argumentando que se trata de uma decisão surpresa que não foi debatida em sede de audiência prévia.
O princípio do contraditório vem contemplado no art.º 3.º do CPC com a epígrafe “necessidade do pedido e da contradição”, que no seu n.º 3 dispõe: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Cada parte tem de ter a oportunidade de, no processo, expor as suas razões de facto e de direito, antes que o tribunal tome a sua decisão. O processo tem de ser equitativo e ao intervir no mesmo, estão as partes, o tribunal e os diversos intervenientes processuais, obrigados a observar o princípio da cooperação, expressamente previsto no art.º 7.º do CPC.
Sobre esta questão, com referência a situação de ausência de cumprimento do contraditório e no sentido do entendimento que perfilhamos, diz-nos o Acórdão do STJ de 23 de junho de 2016 no proc. 1937/15.8T8BCL.S1 in www.dgsi.pt : “É usual afirmar-se que a verificação de alguma nulidade processual deve ser objecto de arguição, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir. Sendo esta a solução ajustada à generalidade das nulidades processuais, a mesma revela-se, contudo, inadequada quando nos confrontamos com situações em que é o próprio juiz que, ao proferir a decisão (in casu, o despacho saneador), omitiu uma formalidade de cumprimento obrigatório, como ocorre com a falta de convocação da audiência prévia a fim de assegurar o contraditório. Em tais circunstâncias, depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reacção da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC. É esta a posição assumida por Teixeira de Sousa quando, no comentário ao Ac. da Rel. de Évora, de 10-4-14 (www.dgsi.pt), observou que ainda que a falta de audição prévia constitua uma nulidade processual, por violação do princípio do contraditório, essa “nulidade processual é consumida por uma nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do NCPC), dado que sem a prévia audição das partes o tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão” (em blogippc.blogspot.pt, escrito datado de 10-5-14). Tal solução foi reforçada pelo mesmo processualista em comentário ao Ac. da Rel. do Porto, de 2-3-15 (www.dgsi.pt), concluindo que “o proferimento de uma decisão-surpresa é um vício que afecta esta decisão (e não um vício de procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual)”. Com efeito, como aí se refere, até esse momento, “não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir”, e que “o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria” (em blogippc.blogspot.pt, em escrito datado de 23-3-15). Na verdade, em tais circunstâncias a parte é confrontada com uma decisão, sem que lhe tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório e sem que tenha disposto da possibilidade de arguir qualquer nulidade processual por omissão de um acto legalmente devido, sendo a interposição de recurso o mecanismo apropriado para a sua impugnação (no mesmo sentido cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., pág. 25, e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 52).”
Na situação em presença, não pode dizer-se que não foi observado o princípio do contraditório antes da prolação do despacho saneador e relativamente às questões nele apreciadas e decididas, como defende a Recorrente.
Verifica-se que após os articulados das partes e depois do tribunal ter solicitado diversos elementos que teve como relevantes para a apreciação das questões suscitadas pela Embargante, foi designada data para a realização da audiência prévia.
É certo que no despacho que a designa não foram indicadas especificamente as finalidades e o objeto da audiência prévia, como devia ter sido feito, em obediência ao disposto no art.º 591.º n.º 2 do CPC. De qualquer modo, trata-se de uma mera irregularidade, uma vez que a diligência foi realizada sem que qualquer uma das partes tenha suscitado tal questão, sendo uma situação que não se mostra suscetível de influir na decisão da causa.
Constata-se que a audiência prévia foi realizada, em 1 de junho de 2023, constando da ata que foi dada a palavra aos Ilustres Mandatários das partes para efeitos do art.º 591.º n.º 1 al. b) do CPC, da qual fizeram uso.
Esta norma, reportando-se à audiência prévia, prevê que seja facultada às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpre apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.
Não tendo sido suscitada a falsidade da ata, temos de considerar que a mesma atesta aquilo que se passou na diligência, ou seja, que foi realizada a discussão de facto e de direito das exceções dilatórias e do conhecimento do mérito da causa que o tribunal pretendia realizar em sede de despacho saneador.
Ainda que não tenha sido debatida nos articulados a primeira questão que veio a ser decidida, no sentido do tribunal considerar não ser competente para apreciar os fundamentos invocados pelo Embargante por estes serem fundamento de recurso de revisão, a ata da audiência prévia permite dizer que tal exceção terá sido colocada à discussão das partes, sendo que, além do mais, é a própria Recorrente que refere expressamente nas suas alegações: “foram os mandatários informados, ainda que de forma resumida e oralmente, do sentido da decisão que agora se impugna”. Esta afirmação só revela que a decisão não representou nenhuma surpresa para a Recorrente.
Em face do que da ata consta, não pode dizer-se que não foi observado o contraditório relativamente às exceções dilatórias e à apreciação do pedido que o Exm.º Juiz a quo decidiu.
 Em conclusão, a decisão proferida não incidiu sobre questões de que o juiz não podia tomar conhecimento por ainda não ter dado efetivo cumprimento ao princípio do contraditório, não constituindo uma decisão surpresa, pelo que não incorreu em excesso de pronuncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
Invoca ainda a Recorrente a nulidade da decisão por falta de fundamentação, na previsão da al. b) do n.º 1 do art.º 615.º.
Relativamente à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, importa salientar que a elaboração da sentença deve respeitar determinadas exigências formais, que o legislador contempla no art.º 607.º do CPC. O n.º 3 deste artigo impõe ao juiz que na sentença faça a discriminação autónoma dos factos que considera provados e que indique, interprete e aplique as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. Acrescenta o n.º 4 que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas e indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documento ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
As exigências do art.º 607.º n.º 3 do CPC com a imposição da indicação na sentença dos factos provados, bem como das normas jurídicas aplicadas e sua interpretação, incorporam a necessidade de fundamentação das decisões cujo princípio vem previsto não só no art.º 154.º do CPC mas também no art.º 205.º da CRP.
A fundamentação da sentença deve ser de facto – com indicação dos factos provados - e de direito – com a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Só assim é que a mesma se revela percetível ou inteligível para os destinatários e melhor sindicável.
As partes têm o direito de saber as razões da decisão do tribunal, pois só desse modo podem avaliar a bondade da mesma e, se for caso disso, ponderar a sua impugnação. O dever de fundamentação assenta na necessidade das partes serem esclarecidas e constitui uma fonte de legitimação da decisão judicial.
Tem vindo também a ser entendido de forma pacífica, que só a absoluta falta de fundamentação pode determinar a nulidade da decisão, não se bastando tal vício com uma fundamentação menos exaustiva ou deficiente, vd neste sentido, a título de exemplo, o Acórdão do STJ de 10/07/2008, no proc. 08A2179, in. www.dgsi.pt .
Daí que o art.º 615.º n.º 1 do CPC quando enumera as várias situações suscetíveis de determinar a nulidade da sentença, preveja que a sentença é nula quando: “b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”
A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e que devem constar da sentença, como expressamente previsto no art.º 607.º n.º 3 do CPC é assim cominada com a nulidade da sentença no art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
Na situação em presença, avaliando a decisão recorrida, dá-se razão à Recorrente no que se refere à invocada ausência da sua fundamentação.
A decisão sob recurso não faz o elenco dos factos que tem como assentes ou tidos como provados, limitando-se singelamente e de forma conclusiva a afirmar a verificação ou não das exceções que aprecia, indicando a norma jurídica correspondente.
Nela não são enunciados os factos invocados pela Embargante que o tribunal considerou serem fundamentos de recurso de revisão, nem tão pouco em que se baseia para dizer que o “tribunal não é competente para os apreciar”; relativamente à exceção do caso julgado, afirma-se apenas não existir coincidência de partes e de pedidos, sem se identificar sequer os diferentes processos em confronto, não se enunciando a posição das partes em cada um deles, os pedidos efetuados ou a causa de pedir subjacente aos mesmos.
O tribunal para apreciar e decidir que os fundamentos invocados pelo Embargante são de recurso de revisão, que o tribunal é incompetente ou que a exceção de caso julgado suscitada é improcedente, tem de levar em conta os factos que são alegados no requerimento inicial com interesse para a decisão e nestes, os que resultam provados ou não provados, em face dos elementos probatórios que constam do processo.
É em função dos factos apurados que é tomada a decisão. Ora, os elementos de facto têm de ser enunciados na decisão da questão que se assume como controvertida, pois de outra forma não podem sequer ser devidamente postos em causa pela parte, nem sindicados de forma própria.
A decisão recorrida não cumpre este requisito, na medida em que omite a descriminação ou elenco dos factos que considera provados e não provados que servem de suporte à decisão e é sobre os factos que o juiz determina o direito aplicável.
Não é só o direito ao recurso da parte que fica em causa, também para a sindicância da decisão que compete ao Tribunal da Relação fazer, é necessário ter em conta os factos provados e não provados, pois só estando na posse desses elementos este tribunal poderá apreciar se os mesmos foram corretamente julgados, se teve ou não lugar uma correta subsunção dos factos ao direito, se foi ou não violada alguma norma, se foram atendidos todos os factos relevantes para a decisão, ou se foram omitidos factos que deviam ter sido ponderados.
Conclui-se que não especificando o despacho recorrido os fundamentos de facto em que assentou a decisão, tal constitui uma omissão que determina a sua nulidade, nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
Tendo em conta a regra da substituição ao tribunal recorrido contemplada no art.º 665.º do CPC, o tribunal de recurso deve mesmo assim conhecer do objeto da apelação, ainda que declare nula a decisão, conforme dispõe o n.º 1 deste artigo.
Sobre a intervenção do tribunal de recurso no caso de anulação da decisão, diz-nos Abrantes Geraldes in Recurso no Novo Código de Processo Civil, pág.335, que esta: “(…) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”
No caso, não se torna necessária a remessa do processo para o tribunal de 1ª instância, podendo este tribunal suprir a nulidade de falta de fundamentação da sentença proferida, por constarem do processo todos os documentos necessários ao apuramento dos factos relevantes para a decisão, elencando-se de seguida os factos que se consideram provados, nos termos do art.º 607.º n.º 3 do CPC.
III. Fundamentos de Facto
São os seguintes os factos provados, com interesse para a decisão da causa, que resultam dos documentos que constituem as certidões das peças processuais relativas aos proc. …/… e …/… e aos ofícios da Segurança Social que se encontram juntos aos autos:
1. Correu termos o proc. …/…, na Instância Central Cível de Cascais, 2ª Secção, J5, Comarca de Lisboa Oeste, intentado pela aqui Executada BB, Ld.ª contra a AA, Ld.ª aqui Exequente – certidão da sentença junta com o r.i. 
2. A Executada, A. em tal processo, aí pediu a condenação da Exequente, ali R., a pagar-lhe quantia de € 56.791,00, acrescido de juros de mora até integral e efetivo pagamento – certidão da p.i. junta.
3. Invocou para o efeito o incumprimento por parte desta, por falta de pagamento de parte do preço, do contrato de compra e venda celebrado entre as partes referente a uns jogos de xadrez – certidão da p.i. junta.
4. A Exequente/R., contestou a ação, concluindo pela improcedência do pedido, invocando o incumprimento do contrato pela Executada/A., o que alega que lhe causou avultados danos patrimoniais e não patrimoniais, referindo que os jogos de xadrez vendidos começaram a apresentar defeitos e que, feita a reclamação, a A. aceitou-a e começou a recolher os jogos e ainda procedeu a 32 substituições dos 45 jogos, tendo a R. procedido à suspensão dos pagamentos devido ao número elevado de devoluções e tendo assumido os prejuízos que não vai reclamar – certidão da contestação junta aos autos, que se dá como reproduzida.
5. No decurso do processo, e atenta a prova produzida, resultou provado que A., perante a reclamação da R., recolheu 46 jogos, substituiu 32 e foram reparados outros 14 – certidão da sentença junta com o r.i.
6. Foi proferida sentença datada de 13.04.2015 que decidiu julgar a ação parcialmente procedente, condenando a aí R. a pagar à A. a quantia de € 39.586,30 acrescida de juros de mora à taxa legal dos juros comerciais, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a R. do demais pedido- certidão da sentença junta com o r.i.
7. A aqui Exequente intentou no dia 20.11.2018 na instância Central Cível de Cascais, ação declarativa de condenação contra a Executada/Embargante, indicando a sua sede na Rua …, lote …, ... Fajozes, pedindo que se declare incumprido pela R. o contrato relativo à venda de jogos de tabuleiro, condenando a mesma a pagar-lhe a quantia de € 76.789,92 acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento – certidão da p.i. de tal processo junta aos autos.
8. Tal processo correu termos com o n.º …/… na Instância Central Cível de Cascais, Juiz 4, Comarca de Lisboa Oeste, tendo nele sido proferida a sentença apresentada à execução – título executivo.
9. Invocou a ali A. a celebração de contrato de compra e venda com a R. dos referidos jogos de xadrez, alegando que 32 desses jogos padeciam de defeitos, que não foram devidamente reparados pela A., continuando a apresentar defeitos quando os levantou a 19.06.2017 como estando reparados, e que, por via disso, perdeu o interesse na manutenção do vínculo assumido, mais exigindo a devolução do preço pago e indemnização pelos prejuízos sofridos- certidão da p.i. junta aos autos.
10. A Executada, ali R., recebeu no dia 24.01.2019 a citação para a ação declarativa identificada em 7, por carta registada enviada para a sua sede que consta do registo como Rua …, lote …, ... Fagozes- doc. junto com o r.i.
11. A Executada tem instalações na Av. da Liberdade, 189, 4485-301 Labruge, Vila do Conde – acordo das partes.
12. No dia 26.02.2019 a Executada requereu a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e nomeação e pagamento da compensação de patrono, o que informou no processo em tal data, requerendo a suspensão do prazo para contestar a ação – doc. junto com o r.i. 
13. No requerimento de proteção jurídica que formulou a Requerente indicou a sua morada: Rua …, lote …, … Vila do Conde, Fagozes – doc. junto com o r.i..
14. A Executada apresentou no dia 16/09/2019 requerimento no Centro Distrital do Porto da Segurança Social referindo não ter até à data recebido decisão sobre o pedido de proteção jurídica, mais solicitando que o enviem para a morada: Av. da Liberdade, 189, 4485-301 Labruge, referindo não ter confiança nos serviços de entrega dos CTT da morada anterior – doc. junto com o r.i.
15. Na sequência do referido requerimento foi a Executada informada por ofício da Segurança Social expedido em 07.10.2019 que, por carta registada de 03.04.2019, devolvida com indicação não reclamada, havia sido notificada que o requerimento de proteção jurídico por si formulado «foi objecto de uma Proposta de Decisão (Audiência Prévia) de Indeferimento», que se converteu em definitiva por falta de resposta ao solicitado, o que foi comunicado ao tribunal – doc. junto com o r.i. e ofício enviado pela segurança social a 01. 07.2019 e junto aos autos.
16. Não tendo sido apresentada contestação, foi proferida sentença que considerou incumprido pela R. o contrato relativo à venda de 32 jogos de tabuleiros e condenou a mesma a pagar à A./Exequente a quantia de € 76.789,92 acrescida de juros à taxa legal em desde a citação até efetivo e integral pagamento- certidão da sentença junta aos autos.
17. Foi enviada a notificação da sentença à R. em 10.10.2019 para a sua sede social, onde a mesma havia sido citada, tendo a carta sido devolvida em 18.10.2019 com a indicação de mudou-se– doc. junto aos autos.
Não foram apurados outros factos com interesse para a decisão da causa.
IV. Razões de Direito
- do motivo de força maior para a não intervenção do Recorrente no processo declarativo
Alega a Recorrente que a sua falta de intervenção na ação declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução ficou a dever-se a motivo de força maior, nos termos do art.º 696.º al. e) subalínea iii) e por via disso no art.º 729.º al. d) do CPC. Refere que o que determinou a falta de apresentação de contestação no processo declarativo onde foi proferida a sentença dada à execução, foi a falta de notificação tempestiva da Segurança Social da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário que havia apresentado, o que deve ser encarado como motivo de força maior, que não lhe é imputável, nem aos seus representantes.
A decisão recorrida, relativamente a esta questão colocada pela Embargante, limitou-se a referir: “A embargante invoca fundamentos de recurso de revisão (CPC 696º/e)), mas o presente tribunal não é competente para os apreciar (CPC 697º/1.).”
Com esta decisão, que não pode deixar de considerar-se ter sido proferida com muita ligeireza e precipitação, o Exm.º Juiz a quo não teve em conta: em primeiro lugar, que o Embargante não veio interpor nenhum recurso de revisão da sentença, que coubesse apreciar; em segundo lugar, que aqueles fundamentos do recurso de revisão, são os mesmos que podem servir de base à oposição à execução, conforme prevê o art.º 729.º n.º 1 al. d) do CPC por remissão, que não foram por ele apreciados.
O art.º 729.º do CPC vem elencar os casos em que pode haver lugar a oposição à execução quando esta se funda em sentença, prevendo na sua al. d), na redação que lhe foi dada pela Lei 117/2019 de 13 de setembro, que o executado pode opor-se quando tenha existido “Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.
O art.º 696.º do CPC diz respeito aos fundamentos do recurso de revisão, indicando de forma taxativa os casos em que a sentença transitada em julgado pode ser objeto de revisão e prevendo designadamente, para o que agora nos interessa, na sua al. e) que tal pode ocorrer quando:
“e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;”
Avaliando este preceito legal, diz-nos com toda a clareza o Acórdão do TRP de 29 de setembro de 2021 no proc. 1250/20.9T8VLG-A.P1 in www.dgsi.pt : “Em tese geral, importa referir que o conceito de revelia relevante para efeitos do art. 696.º, n.º 1, do Código de Processo Civil designa a “falta absoluta de intervenção, por si ou por meio de representante, no processo em que foi proferida a sentença a rever” (José Alberto dos Reis, anotação ao art. 771.º em Código de Processo Civil anotado, vol. VI “apud” Acórdão do STJ de 8 de Abril de 2021, processo nº 3678/10.3TBCSC-A.L1.S1, em dgsi.pt, onde se citam ainda outras passagens similares do mesmo autor). Ora, como ficou dito na decisão recorrida e ressalta dos autos, não está em causa que essa intervenção, entendida de forma abrangente, incluindo não estar presente e também não se fazer representar, existiu; não se deve confundir a ausência de uma participação ativa com a impossibilidade dessa participação. Como se compreende, a parte pode não acudir ao processo o que não significa que nele não tenha podido estar presente; são realidades distintas. Essa impossibilidade parece afastada, desde logo, pela circunstância de o ora recorrente ter diligenciado, junto da Segurança Social pela concessão de apoio judiciário, face à interposição da ação em que veio a ser condenado; esta interveniência aparta a verificação da dita revelia absoluta independentemente do efeito que esse pedido tenha tido no destino do processo. (…) Não se ignora que a Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, veio alterar os requisitos para que se intente o recurso de revisão densificando-o. Destarte, a alínea e) do artigo 696º do CPC expressamente indica os casos em que o réu não logrou apresentar a contestação por motivo de força maior (sub-alínea iii). Porém, nada se alterou no preceito quanto à existência de uma “falta absoluta de intervenção do réu” (…).”
Manifestamente, não estamos perante uma situação que possa enquadrar-se no âmbito do ponto iii) da al. e) do art.º 696.º e consequentemente no art.º 729.º al. d) do CPC, não se verificando este fundamento válido de oposição à execução, contrariamente ao invocado pela Embargante.
Senão vejamos
Se atentarmos nos factos apurados, verifica-se, que não estamos perante um caso em que há uma falta absoluta de intervenção da R. no processo declarativo em questão, como é exigência do corpo da al. e) do art.º 696.º do CPC.
Na ação declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução a R. foi devidamente citada, tomando por isso conhecimento da ação que havia sido intentada contra si e até teve intervenção no processo, nele se apresentando a prestar a informação de que havia formulado junto da segurança social requerimento de proteção jurídica. O que aconteceu foi que a R. não apresentou contestação no processo para o qual foi citada, mas não pode dizer-se que nele não teve qualquer intervenção.
De qualquer modo, a integração desta norma impõe que o R. não tenha podido apresentar contestação por motivo de força maior, conceito que exige desde logo, como a própria expressão indica, que o evento causador de tal omissão não seja imputável à parte, por estar fora do seu controle, podendo aplicar-se aqui o conceito de justo impedimento previsto no art.º 140.º do CPC – neste sentido pronuncia-se também o citado Acórdão do TRP.
No caso, a situação relatada pela Embargante não configura um motivo de força maior para não ter apresentado contestação naquele processo. Pelo contrário, não pode deixar de reconhecer-se que, mesmo a considerar-se ter existido uma falta de conhecimento atempado da decisão da segurança social, tal lhe foi inteiramente imputável. Veja-se que quando requereu o benefício de apoio judiciário a morada que a R. indicou foi a da sua sede, para a qual foi inicialmente notificada, só tendo informado a segurança social de uma nova morada com pedido de notificação para a mesma, cerca de sete meses depois da formulação do pedido de proteção jurídica, quando já havia sido proferida decisão sobre ele e enviada notificação para a sua sede. É por isso da sua inteira responsabilidade a circunstância (alegadamente) de não ter recebido a notificação da segurança social sobre o pedido que apresentou e que lhe foi enviado.
Em conclusão, não há uma absoluta falta de intervenção da R. na ação declarativa onde foi proferida a sentença que serve de base à execução e a falta de apresentação de contestação em tal processo não encontra justificação em qualquer motivo de força maior, não se mostrando preenchido o pressuposto da parte final da al. e) do art.º 696.º do CPC e consequentemente do art.º 729.º al. d) do CPC, não podendo servir de fundamento à oposição à execução.
- do caso julgado anterior à sentença apresentada à execução
Invoca o Recorrente a existência de caso julgado anterior à sentença dada à execução, por força da sentença anteriormente proferida no processo que intentou contra a aqui Exequente, onde foi decida a questão do incumprimento do contrato de compra e venda celebrado entre as partes e apreciados os mesmo factos, o que constitui fundamento de oposição à execução, nos termos do art.º 729.º al. f) do CPC, ao que não obsta a circunstância das partes estarem a litigar em posições inversas.
A sentença recorrida julgou improcedente a exceção de caso julgado com a seguinte e muito singela fundamentação:
“Alega ainda existir caso julgado anterior (13-IV-15) à sentença exequenda (CPC 729º/f)) no processo …/… mas, sendo a ora R. então A., desde logo se nota não existir coincidência de partes ou pedidos (CPC 581º).
Motivo por que se julga improcedente a excepção de caso julgado – sendo certo que não foi invocada qualquer “compensação” (tendo a aqui exequente sido então condenada a pagar à embargante a quantia de 39.586,30€, e juros).”.
Diz-nos o art.º 580.º do CPC, sobre os conceitos de litispendência e do caso julgado, que estes pressupõem a repetição de uma causa, verificando-se a exceção do caso julgado quando uma causa se repete depois da primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
O caso julgado, tal como a litispendência, tem como objetivo evitar que o julgador seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, tal como dispõe o n.º 2 do mesmo artigo, ao que estão subjacentes razões de confiança e segurança dos cidadãos nas decisões judiciais, também no sentido de que uma vez decidida a questão a mesma fica definitivamente resolvida.
Como nos dizem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 302: “Para sabermos se há ou não repetição da ação, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação) fixada e desenvolvida no artigo, 498.º, mas também à diretriz substantiva traçada no artigo 497.º onde se afirma que a exceção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
O caso julgado pressupõe a existência de uma decisão judicial anterior transitada em julgado, como decorre do art.º 580.º n.º 1 do CPC.
O art.º 619.º do CPC rege sobre o valor da sentença transitada em julgada prevendo no seu n.º 1 que transitada em julgado a sentença que decida o mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites fixados pelos art.º 580.º e 581.º sem prejuízo do disposto nos art.º 696.º a 702.º que regulam o recurso de revisão .
Sobre os efeitos do caso julgado pronuncia-se com clareza o Acórdão do STJ de 28 de março de 2019 no proc. 6659/08.3TBCSC.L1.S1 in www.dgsi.pt nos seguintes termos: “No respeitante à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes: a) – uma função negativa, reconduzida a exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais. A repetição de causas que se pretende evitar por via da exceção do caso julgado material requer sempre, segundo entendimento unânime, a verificação da tríplice identidade hoje estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos; a identidade de pedido e a identidade de causa de pedir.”.
Salienta o Acórdão do STJ de 11 de julho de 2019 no proc. 13111/17.4T8LSB.L1.S1 in www.dgsi.pt : A excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado distinguem-se, grosso modo, pelo seguinte: enquanto a excepção é invocada para impedir que seja proferida uma nova decisão (art. 580 do CPC), a autoridade do caso julgado é invocada como decisão de um pressuposto de uma nova decisão. Como diz Lebre de Freitas: "pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito", enquanto "a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida" (CPC Anotado. com Isabel Alexandra, vol. Io. pág. 544. e vol. 2o. 2' ed.. p. 354. agora 599 da 3.a edição, Almedina. 2017).”.
A questão que aqui se coloca não se situa no âmbito da autoridade do caso julgado, já que não é questionada a vinculação da Exequente a aceitar o resultado da sentença proferida no processo que correu termos contra ela, mas antes da exceção de caso julgado, nos termos do art.º 580.º e 581.º do CPC, importando saber se a ação declarativa n.º …/… em que foi proferida sentença transitada em julgado, constituía um impedimento ou obstáculo a que a Exequente viesse a intentar a ação declarativa que correu termos com o n.º …/… na qual foi proferida a sentença que é dada à execução, já que a verificar-se tal exceção ficam inviabilizados os efeitos da sentença ali proferida.
O art.º 581.º do CPC a propósito dos requisitos da litispendência e do caso julgado, estabelece no seu n.º 1 que a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Dizem-nos Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ob. cit. pág. 709: “É através desta tríplice identidade – de sujeitos, do pedido e da causa de pedir – que se define a extensão do caso julgado.”
O art.º 581.º do CPC esclarece nos seus n.ºs 2 a 4 em que consiste esta identidade, nos seguintes termos:
“2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”
No que se refere à identidade de sujeitos, o que se exige é que as partes sejam as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica.
Sobre o conceito de parte, diz-nos António Júlio Cunha, in Limites Subjetivos do Caso Julgado e a intervenção de terceiros, pág. 107 e 108: “(…) parte é quem requer ou contra quem é requerida uma determinada pretensão (…). É pois no momento em que se propõe a ação e se atribui o aludido poder que se adquire a qualidade de parte. A qualidade de parte não depende da efetiva intervenção no processo, a falta de oposição não permite concluir pela ausência de parte.”.
De considerar ainda, embora não seja questão que se coloque nesta situação, como nos ensinam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ob cit, pág. 302 nota 3: “Quanto à identidade de sujeitos, ela existirá não só em relação às pessoas que são partes, mas também relativamente àquelas que serão abrangidas pela força de caso julgado da decisão que vier a ser proferida no primeiro processo.”
No que se refere à identidade de pedidos, a mesma verifica-se quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico, requisito que a par da identidade da causa de pedir estabelecem os limites objetivos do caso julgado.
Mais uma vez vale a pena ter em conta o que a este propósito nos dizem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in ob. cit. pág. 712: “(…) é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento que se forma o caso julgado. É a resposta dada na sentença à pretensão do autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado.”.
O acento do legislador na identidade do pedido orientada para a identidade do efeito jurídico pretendido, desvaloriza a questão da diferente quantificação do pedido formulado, não constituindo obstáculo a essa identidade a pretensão do autor de condenação do R. num quantitativo diferente nas duas ações – neste sentido vd. a título de exemplo o Acórdão do TRL de 20 de setembro de 2018 no proc. 13111/17.4T8LSB in www.dgsi,pt
No que se refere à identidade da causa de pedir, importa avaliar os factos que foram alegados pelas partes e que suportam o pedido formulado na ação que já foi decidida e aquela que é proposta mais tarde, ou seja, só haverá identidade de causa de pedir se os factos submetidos à apreciação do tribunal em ambas as ações forem os mesmos, já que, se se estiver perante factos novos, a causa de pedir será diferente. 
Pela sua clareza, vale a pena ter em conta o que nos diz sobre esta questão o Acórdão do STJ de 14 de dezembro de 2016, no proc. 219/14.7TVPRT-C.P1.S1 in www.dgsi.pt : “(…) a essencial identidade e individualidade da causa de pedir não é afectada por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções. Na verdade, nem todos os factos constitutivos, substantivamente relevantes para o preenchimento da (ou das) fattispecie normativas plausivelmente aplicáveis à composição do litígio relevam do mesmo modo para a definição da identidade e individualidade da causa de pedir – podendo, consequentemente, verificar-se alguma mutação -alteração ou ampliação - destes factos constitutivos, continuando, porém, a causa petendi a dever ser normativamente entendida como a mesma e única. O problema coloca-se com nitidez quando ambas as acções propostas assentam numa causa de pedir complexa, cujos aspectos estruturantes e fundamentais se mantêm intocados, procurando, porém, a parte vencida repetir a apreciação jurisdicional do litígio através da adição ou mutação de factos que – sendo embora substantivamente relevantes para o preenchimento das fattispecie normativas plausivelmente aplicáveis - implicam, de um ponto de vista funcional (ou seja: face aos valores, bens jurídicos ou interesses subjacentes às figuras ou institutos jurídicos em função das quais é normativamente recortada ou delimitada a concreta factualidade constitutiva que integra a causa petendi invocada), uma modificação de elementos factuais meramente secundários, circunstanciais ou acessórios, implicando esta sua peculiar natureza e menor relevância substancial a conclusão de que, com tal alegação, não ocorre invocação na nova acção de uma nova e diversa causa petendi. Importa, na verdade, para este efeito, distinguir entre o núcleo essencial da causa de pedir – que identifica e individualiza esta, implicando, em princípio, a sua falta o vício da falta ou ininteligibilidade da causa de pedir – e a adição ou modificação de circunstâncias factuais que – não sendo embora meramente instrumentais, por dotadas de relevo exclusivamente probatório – têm, de um ponto de vista normativo, uma função material secundária, não afectando, por isso, a existência, integridade e a essencial identificação e individualização da concreta causa de pedir invocada em cada uma das acções. Supomos que a actual distinção, operada pelo actual art. 5º do CPC, entre os factos essenciais – definidores e concretizadores de um núcleo essencial e individualizador da causa de pedir - e os factos complementares e concretizadores daqueles (susceptíveis de aquisição processual até um momento tardio, eventualmente no decurso da própria fase de julgamento, nos termos do nº 3 desse preceito legal) poderá lançar, também nesta sede, alguma luz, fornecendo um critério operativo básico para as necessidades práticas de aplicação da figura da excepção de caso julgado: é que a simples inovação no âmbito da nova acção, intentada após definitivo julgamento da primeira, que se traduzir na alegação de factos que se devam qualificar como complementares ou concretizadores, mantendo-se intocado o referido núcleo essencial da causa de pedir, sujeita plenamente o demandante ao típico efeito da invocação da excepção de caso julgado, inibindo o tribunal de reapreciar a matéria litigiosa já julgada; ou seja, não é possível ao autor suprir o deficiente cumprimento do ónus de alegação que sobre ele recaia quanto a toda a factualidade constitutiva do seu direito (e que não conseguiu cumprir, apesar da actual e ampla flexibilização consentida pelo CPC) através de uma ampliação factual operada apenas em nova acção que continuasse a estar estruturada num núcleo fáctico essencial que permaneça imutável.”.
À luz do que se expôs, no confronto das duas ações declarativas em presença, podemos dizer, contrariamente ao que afirmou a sentença recorrida, que há identidade de sujeitos, nos termos previstos no art.º 581.º n.º 2 do CPC, uma vez que são as mesmas sociedades que se apresentam a litigar em ambos os processos, ainda que numa posição processual diferente.
Já não podemos, no entanto, dizer que há identidade de pedido e de causa de pedir, que nos permita concluir por uma repetição de ações e consequente verificação da exceção de caso julgado, de acordo com o disposto no art.º 581.º n.º 1, 3 e 4 do CPC
Se é verdade que em ambas as ações o litígio se centra no contrato de compra e venda de jogos de xadrez que foi celebrado entre as partes, verifica-se que: no primeiro processo, a A. vem pedir o cumprimento do contrato pela R. no sentido da sua condenação no pagamento do remanescente do preço acordado que não foi pago, tendo-se discutido também os factos alegados pela ali R. relativos aos defeitos dos bens, que não obstante se tenha apurado que existiram ficou também provado que foram substituídos ou reparados; no segundo processo, a A., R. na primeira ação, vem invocar factos novos e posteriores, que se reportam aos jogos que foram substituídos e reparados, alegando que estes vieram posteriormente a apresentar os mesmos defeitos, pedindo a condenação da R. no pagamento de uma indemnização correspondente aos danos sofridos.
Na segunda ação a A. não vem pretender uma indemnização pelos factos que estiveram em apreciação na primeira ação, antes vem suportar o seu pedido em factos posteriores à sentença ali proferida, alicerçado na circunstância dos jogos que foram objeto do contrato de compra e venda que foram substituídos e reparados pela R. virem mais tarde a revelar os defeitos que os inviabilizam.
Não é submetida de novo ao tribunal a apreciação dos mesmos factos já julgados na primeira ação, mas antes factos novos, que partem da realidade que ali foi reconhecida – a reparação e substituição de jogos, que vieram mais tarde a apresentar defeitos, tendo a ação um novo objeto, não existindo por isso uma repetição da anterior ação.
O pedido e a causa de pedir não são os mesmos nas duas ações, que não visam a discussão dos mesmos factos, incidindo a segunda em factos posteriores à sentença proferida na primeira ação, dando como assente e partindo do que ali foi decidido e não a “revogando”. A nova ação não vem contrariar o que ficou decidido anteriormente, nem tão pouco a sentença proferida na segunda ação se apresenta como contraditória com a primeira.
Os factos alegados pela A. na segunda ação não põem em causa, nem pretendem representar de uma forma diferente a situação contratual das partes já apreciada e decidida na primeira ação, antes correspondem a factos novos que surgem mais tarde ainda no desenvolvimento daquela relação contratual, não podendo dizer-se que correspondem ao núcleo essencial de factos que já haviam sido objeto de julgamento, o que revela a diversidade das causas de pedir.
Resta concluir pela improcedência da exceção de caso julgado, por não se verificarem os requisitos da identidade de pedido e de causa de pedir previstos no art.º 581.º n.º 3 e 4 do CPC.
- da nulidade por falta de notificação da sentença
Alega ainda a Recorrente que só quando notificada para a execução tomou conhecimento da sentença que a havia condenado no processo declarativo, não tendo sido notificada da sentença aí proferida, tendo sido violado o art.º 249.º n.º 5 do CPC, o que constitui uma nulidade, nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC por influir no direito ao recurso e na decisão da causa.
A sentença recorrida sobre esta questão decidiu nos seguintes termos: “Mais alega que devia ter sido notificada da sentença exequenda (CPC 249º/5) – nulidade que invoca. De acordo com a certidão junta, a sentença foi notificada para a sede da ora embargante (rua …, lote … - Fajozes), e veio devolvida com a indicação ‘mudou-se’; tendo a sentença sido remetida para a sede da embargante (conforme admitido no artigo 6º da p.i.), não se verifica a invocada nulidade.”  
O art.º 249.º do CPC rege sobre as notificações às partes que não constituam mandatário no processo, nos seguintes termos:
“1 - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
2 - A notificação efetuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.
3 - Excetua-se o réu que se haja constituído em situação de revelia absoluta, que apenas passa a ser notificado após ter praticado qualquer ato de intervenção no processo, sem prejuízo do disposto no n.º 5.
4 - Na hipótese prevista na primeira parte do número anterior, as decisões têm-se por notificadas no dia seguinte àquele em que os autos tiverem dado entrada na secretaria ou em que ocorrer o facto determinante da notificação oficiosa.
5 - As decisões finais são sempre notificadas desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo.
6 - Sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 4, a notificação considera-se ainda efetuada, em qualquer circunstância, quando o notificando proceda à consulta eletrónica do processo, nos termos previstos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.”
Os factos provados revelam que na ação declarativa na qual foi proferida a sentença dada à execução, a Embargante, ali R., foi citada na morada da sua sede e teve intervenção no processo apenas para informar que havia pedido o patrocínio judiciário, nada requerendo a respeito de posteriores notificações deverem ser feitas para outra morada, designadamente para outro local onde tivesse instalações.
Foi enviada à R. a notificação da sentença, para a morada onde a mesma havia sido citada, exatamente conforme previsto no art.º 249.º n.º 1 e 5 do CPC.
É certo que a carta foi devolvida ao processo com a indicação de “mudou-se”, contudo, tal não obsta a que a notificação produza os seus efeitos, como estabelece o n.º 2 do art.º 249.º do CPC.
Não houve por isso qualquer irregularidade por parte do tribunal quando da notificação da sentença no processo declarativo em questão, não existindo a invocada nulidade.
Pelos fundamentos que ficaram expostos, mantêm-se a decisão recorrida.

V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pela Embargada, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela Embargada por ter ficado vencida- art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
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Lisboa, 25 de janeiro de 2024
Inês Moura
Carlos Castelo Branco
Vaz Gomes