Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CRISTINA ALMEIDA E SOUSA | ||
| Descritores: | ESPÉCIE E MEDIDA DA PENA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
| Sumário: | I - A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange, exclusivamente, a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais previstos nos arts. 40º e 71º do CP, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas já não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime 1993, §254, p. 197). II - Lendo o excerto da decisão condenatória sob recurso, na parte atinente à escolha e determinação concreta da pena, assim como à opção pela não aplicação do regime de permanência na habitação impondo o cumprimento efectivo da pena não se vislumbra qualquer desvio ou inobservância dos critérios impostos nos arts. 18º da CRP, 40º e 71º do CP. III - Com efeito, a adição alcoólica, a postura do arguido perante os factos objecto do processo e o incumprimento de medidas de substituição à privação efectiva da Liberdade anteriormente impostas, revelam como se frustraram as finalidades que por via da sua aplicação se pretendiam alcançar, a começar pelo efeito dissuasor das penas para fazer interiorizar ao arguido o carácter ilícito e censurável dos seus comportamentos e passer a ter um modo de vida sem praticar crimes. IV - A sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo também no que se refere à opção de impor o cumprimento efectivo da pena, devendo antes ser confirmada. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO Por sentença proferida em 11 de Abril de 2025, no processo comum singular nº 159/25.3GATVD do Juízo Local Criminal de Ponta Delgada - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi decidido: Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo artigo 353°, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão. O arguido interpôs recurso desta sentença, tendo, para o efeito, formulado as seguintes conclusões: 1 – A discordância do recorrente assenta quanto ao modo de execução da pena, ao ter-se decidido não determinar o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, por o Tribunal a quo entender que as finalidades da punição não ficavam salvaguardadas se a pena não fosse cumprida em estabelecimento prisional, essencialmente pela existência de condenações anteriores por semelhantes e diferentes crimes, quer em penas alternativas, quer em penas de prisão efectiva. 2 – Para lá das razões de prevenção geral e especial, há que ter em consideração um outro objectivo visado pela punição: a reintegração do agente na sociedade. 3 – Cumpre perguntar se as finalidades visadas com a punição e execução da pena imposta ficam acauteladas se a pena não for executada em estabelecimento prisional? - pode a pena aplicada ao recorrente, ser cumprida em regime de permanência na habitação? - ou, é necessário (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) para a sociedade e para o arguido que a pena seja cumprida em estabelecimento prisional? 4 – Sendo verdadeiras as razões apontadas pelo Tribunal a quo, é, também, verdade que outros factores há que ponderar e que o Tribunal a quo não considerou, pese embora constar da matéria de facto provada. 5 – Desde logo, o facto de, conforme decorre do ponto 3 da matéria de facto, a condução da viatura em causa ter sido realizada para retirar do lugar onde se encontrava estacionado dentro de um parque destinado a moradores, isto porque, conforme explicado em audiência, a pessoa que iria efectuar a condução ao seu local de trabalho, BB, tinha pouca experiência em manobrar a viatura, estando o arguido convencido de que não estava a cometer qualquer ilícito, por se tratar de um parque privado. 6 – Por outro lado, conforme resulta dos pontos 12, 13 e 14, o arguido, mais do que um criminoso, é um doente alcoólico, “doença” que contraiu por um infortúnio na vida (morte precoce de uma filha), e da qual ainda não conseguiu sair. 7 – Como doente/dependente que é, precisa de ajuda para combater as causas, a não de cárcere em estabelecimento prisional, para combater as consequências, na certeza que o combate ao alcoolismo em consequência de depressão por acontecimento traumático, não é um processo nada fácil. 8 – O arguido, está familiarmente integrado, vivendo em casa própria com a sua mulher, uma filha maior de idade e o namorado desta; é ... de profissão, demonstrando hábitos de trabalho desde tenra idade, tudo factos demonstrativos que está social e familiarmente integrado, não sendo um criminoso por tendência, nem avesso às regras. Precisa de ajuda. Isso sim. 9 – Acresce dizer, sob outro prisma também não descurável, que o crime praticado pelo arguido/recorrente nos presentes autos, ser um crime cuja pena não excede no seu limite 2 (dois) anos de prisão, que não reclama grande período de encarceramento, nem tem associado grande alarme social, nem ressonância ética significativa, na certeza que, no caso concreto, ao desvalor da conduta, não se associou um resultado desvalioso. 10 – Perante todos estes factores, e porque a introdução do arguido/recorrente, em ambiente prisional neste período da sua vida, sendo certo que é ele o sustento principal da família, teria efeitos nefastos, não só para ele, mas também para quem dele depende, quase exclusivamente (a família) não contribuindo para a reintegração social exigido pelo artigo 42.º do C. Penal, antes pelo contrário – “até porque para que ocorra uma efectiva reintegração social é necessário que o arguido a queira, mas também que a sociedade a aceite” – e que o cumprimento de pena regime de permanência na habitação pode corresponder a um período de transição entre uma vida livre e uma vida reclusão de modo a ajudar o arguido, a par de outras medidas, a ganhar consciência da necessidade de manter no futuro uma vida longe do álcool, de modo a consolidar a sua definitiva reintegração social. 11 – Cumpre dizer, por último, que não obstante o Tribunal a quo não ter questionado o arguido/recorrente sobre o consentimento para a aplicação do regime de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, a verdade é que o arguido sempre consentiria na sua aplicação, conforme melhor resulta da interposição do presente recurso pela não aplicação do regime. 12 – Nesta conformidade, o Tribunal a quo ao decidir nos termos em que o fez, violou, entre outros o disposto nos artigos 42.º e 43.º do Código Penal e artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos, julgando procedente o recurso, revogando a douta sentença recorrida e decidindo pela aplicação ao arguido do regime de permanência na habitação, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, farão a habitual justiça!!! Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu: 1) O Ministério Público concorda na íntegra com a decisão proferida pelo tribunal a quo, para cujos fundamentos de facto e de Direito ora se remete e aqui se dão por reproduzidos. 2) Resulta para nós com enorme clareza e segurança, que, após examinar e apreciar toda a situação jurídica referente ao arguido, a Mma. Juiz de Direito valorou a mesma de forma crítica e acertada, ponderando todos os elementos de prova relevantes para formar a sua convicção. 3) Tudo quanto foi alegado pelo arguido no recurso ora interposto foi oportuna e devidamente ponderado pela Mma. Juiz de Direito, a saber, que apenas manobrou a viatura por poucos metros, padece do vício do consumo de bebidas alcoólicas, necessitando de auxílio, está social, familiar e profissionalmente inserido, 4) Com efeito, o comportamento do arguido é resultado de um total alheamento e Indiferença para com as regras de vida em sociedade, e é demonstrativo de ausência de autocrítica, já que ignorou por completo as condenações anteriores, e que se revelaram, afinal, inadequadas a afastá-lo da criminalidade, antes reclamando agora especiais necessidades no plano da prevenção especial. 5) Impõem-se neste momento acrescidas cautelas em sede da ponderação quanto ao modo de execução da pena principal, de forma a evitar perniciosos sentimentos de insegurança, decorrentes da possibilidade de uma pena principal de prisão em modo de execução diferente da prisão efetiva em estabelecimento prisional se traduzir numa incompreensível indulgência, afetando a confiança da comunidade na validade do Direito e na administração da Justiça. 6) Apenas a pena principal de prisão aplicada ao arguido nos precisos termos que constam da Douta Sentença realizará de forma suficiente, justa e adequada uma clara e eficaz sensibilização para a problemática envolvente à sua apontada personalidade e de combate às causas que estão na origem deste tipo de criminalidade. 7) Só assim o arguido desenvolverá uma reflexão crítica do seu comportamento desviante e uma alteração, para o futuro, ao seu padrão comportamental, e se acautelará a satisfação das necessidades, prementes, de prevenção geral positiva ou de integração, e de prevenção especial positiva ou de ressocialização, que se fazem sentir. Termos em que, e no mais que V. Exas. doutamente suprirem, deve manter- se na íntegra. Remetido o processo a este Tribunal da Relação Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não houve resposta. Colhidos os vistos e realizada a conferência, nos termos dos arts. 418º e 419º nº 3 al. c) do mesmo código, cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR: De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação. Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito (Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005). Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061). Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2, todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem: Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão; Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma; Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito. Seguindo esta ordem lógica, face às conclusões do recurso, a única questão a decidir é a de saber se a pena única de seis meses de prisão deve ou não ser cumprida em regime de permanência na habitação. 2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão condenatória sob recurso fixou os factos, nos seguintes termos (transcrição parcial): 1 - Por sentença proferida no processo sumário n° 570/24.8PGPDL, que correu termos no Juízo Local Criminal de Ponta Delgada - Juiz 1, o arguido foi condenado, para além de mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses e 15 dias, tendo inicio do cumprimento da mesma em 26.03.2025. 2 - 0 arguido foi notificado do conteúdo do despacho que indicava o termo da referida pena no dia 05.10.2025. 3 - No dia ........2025, pelas 14h50m, o arguido estava a conduzir o veículo automóvel de matrícula ..-..-ZT, retirando-o do estacionamento perpendicular destinado a moradores existente na lateral da ..., na ..., a fim de que então a condução fosse empreendida por BB. 4 - Ao conduzir o veículo nos termos descritos durante o período em que vigorava a proibição de conduzir o arguido faltou a obediência devid-a a uma ordem que sabia ser legítima, regularmente comunicada e imposta por sentença criminal; 5 - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, com intenção de se recusar a cumprir a obrigação que lhe foi imposta, a fim de se furtar ao cumprimento de pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados a que se encontrava condenado, bem sabendo que não podia conduzir o referido veículo nas circunstâncias descritas e que a sua conduta era proibida e punida por lei. 6 - 0 arguido é casado e vive com a mulher, a filha e o namorado desta, ambos com 19 anos de idade e estudantes. 7 - 0 núcleo familiar reside em habitação própria, situada no centro da cidade de ..., que dispõe de condições de habitabilidade, adquirida com recurso ao crédito, suportando mensalmente o pagamento de uma prestação bancária no valor de 270€. 8 - 0 arguido demonstra hábitos de trabalho desde tenra idade, a sua experiência profissional ao longo da idade adulta é como ..., actividade que exerce há cerca de dezoito anos por conta própria, prestando serviços de ..., de 2a-Feira a Sábado, em casas particulares, situadas nos concelhos de ... e da ..., dispondo de um armazém, localizado no..., onde se encontram os seus instrumentos de trabalho. 9- Dessa actividade, e ainda que o valor seja oscilante, retira o rendimento mensal de cerca de 600€. 10- A mulher do arguido trabalha como …, em regime precário, obtendo ao dia 35€ e trabalhando três dias por semana. 11- A dinâmica familiar é descrita como estável, existindo ligação afectiva entre os familiares, no entanto, o percurso aditivo do arguido tem tido algumas repercussões negativas no agregado, sendo evidente a preocupação da esposa e da filha em resultado do agravamento dos consumos de álcool do arguido, os quais resultaram, nos últimos anos, no seu contacto com o Sistema de Justiça e na emergência de alguns problemas de saúde (desvalorizados pelo próprio). 12- O arguido está casado há cerca de três décadas e, nos primeiros anos de casamento, o casal foi confrontado com o falecimento precoce da primeira filha (na altura com dez meses de idade). 13- Nessa altura, o arguido refugiou-se nos consumos de álcool, nunca tendo aderido a uma intervenção psicoterapêutica que permitisse ajudá-lo a ultrapassar aquela perda, continuando a gerar em si elevado sofrimento. 14- Apesar disso, o arguido manteve os consumos de álcool estáveis, no entanto, nos últimos anos, tem vindo a acentuar tais consumos, associando-os a períodos da sua vida em que é confrontado com dificuldades/problemas, nomeadamente, de ordem financeira, gerando-lhe elevada ansiedade e stress. 15- No inicio do ano passado, por iniciativa da mulher, e numa tentativa de procurar resolver o problema aditivo do marido, recorreram à ..., onde se encontra sujeito à intervenção médica e psicológica desde ........2024, no entanto, até ao momento sem impacto, dada a fraca adesão do arguido à terapêutica prescrita. 16- O arguido é um indivíduo com défices de competências ao nível da gestão da frustração, tendendo a agir de forma impulsiva quando confrontado com as contrariedades e a refugiar-se nos consumos de álcool, hábitos aditivos que tem dificuldade em interiorizar como um problema que requer uma intervenção especializada. 17- Aquando da condução referida em 3), o arguido era portador de uma TAS de pelo menos l,15g/l, tendo-lhe sido levantado o competente auto de contraordenação. 18- Já respondeu e foi condenado: a) em 08.02.2021, pela prática, em ........2020, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa, substituída por 75 horas de trabalho, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 3 meses e 15 dias, declaradas extintas em 28.08.2021 e 02.06.2021, respectivamente (PS 453/20. OPGPDL, do Juízo Local Criminal de Ponta Delgada-Juiz l) b) em 29.05.2024, pela prática em ........2024, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 5 meses e 15 dias, declaradas extintas em 07.12.2024 e 19.03.2025', respectivamente, (PS n 11343/24 SPGPDL, do Juízo Local Criminal de Ponta Delgada - Juiz 2). c) em 15,10.2024, pela prática em ........2024, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano, com a imposição de frequentar o programa Taxa Zero, e na péna acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses e 15 dias, transitada em julgado em 14.1 1.2024 (PS nº 570/24 8PGPDL, deste Juízo Local Criminal de Ponta Delgada - Juiz I) d) em 21.02.2025, pela prática em ........2025, de um crime de violação de proibição, na pena de 3 meses de prisão, a cumprir em OPH, transitada em julgado em 24.03.2025 (PS nº 9/25.OPGPDL, deste Juízo Local Criminal de Ponta Delgada - Juiz 1) 19 - Para além das condenações referidas em 18), o arguido encontra-se a ser julgado no âmbito dos autos 22/25.9PGPDL, pela prática no dia ...,....2025, de um crime de violação de proibição, com leitura de sentença designada para dia 1 1.04.2025. Factos Não Provados Resultaram provados os factos constantes da acusação e com interesse para a decisão da causa, com a concretização que que o arguido estava a sair do parque de estacionamento para então seguir pela .... 2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO O art. 43º prevê a possibilidade de cumprimento de pena de prisão não superior a dois anos, em regime de permanência na habitação, englobando, na expressão «pena de prisão não superior a dois anos», diferentes realidades. Assim, tanto pode ser a pena de prisão efectiva originária e concretamente fixada, na decisão condenatória, por tempo não superior a dois anos, como previsto na al. a), como o remanescente da pena única, inicialmente de duração superior, mas da qual apenas falte cumprir dois anos ou menos, em resultado do desconto previsto nos artigos 80° e 81°, nos termos da al. b) e, ainda, a pena de prisão efectiva não superior a dois anos resultante da revogação de pena não privativa da liberdade (incluindo, pois, a pena de prisão suspensa na sua execução) ou de não pagamento da multa previsto no n° 2 do artigo 45°. A redacção actual do art. 43º resulta das alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, que entrou em vigor em 22.11.2017. E assim, o regime de permanência na habitação agora previsto no artigo 43º do Código Penal passou a constituir uma pena de substituição em sentido impróprio e uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão. Para além da duração igual ou inferior a dois anos do tempo de privação da liberdade individual, que o agente tenha a cumprir, em resultado de alguma das circunstâncias das als. a) a c) do nº 1 do art. 43º, são pressupostos da aplicação do regime de permanência na habitação: O consentimento do condenado; A adequação e a suficiência deste regime para assegurar as finalidades da execução da pena de prisão. As finalidades visadas com a execução da pena de prisão são, na previsão do artigo 42º do Código Penal, a defesa da sociedade e a prevenção da prática de crimes, assim como a reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes. Este regime de permanência na habitação parte da constatação dos efeitos nefastos da execução de penas curtas de prisão em meio de reclusão, para o propósito da reintegração social do condenado, seja pelo seu efeito estigmatizante, seja pela sua potencialidade criminógena, de harmonia com a qual, de resto, foram abolidos a prisão por dias livres e o regime de semidetenção. «Com o regime de permanência na habitação evitam-se as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa. Trata-se de regime que tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado, nos casos em que não é possível renunciar à ideia de prevenção geral» (Ac. da Relação do Porto de 07.03.2018, proc. 570/15.9GBVFR-A.P1, in http://www.dgsi.pt). A sua concretização traduz-se na obrigação de o condenado permanecer no seu domicilio com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas para a frequência de programas de ressocialização, de formação profissional e de estudos ou para o exercício de atividade profissional do condenado. A concretização desta medida exige: A instalação de meios técnicos de controlo à distância (para fiscalizar a permanência do condenado em casa, sem prejuízo das ausências autorizadas); A definição e implementação de regras de conduta, nos termos previstos no nº 4 do art. 43º. Estes deveres são susceptíveis de fiscalização pelos serviços de reinserção social e destinados a promover a reintegração do condenado na sociedade e devem representar obrigações cujo cumprimento seja razoavelmente de exigir. A eventual modificação, se as circunstâncias se alterarem – art. 44º nº 1 do CP. As autorizações de saída e as regras de conduta podem ser modificadas até ao termo da pena sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tiver tido conhecimento. O tribunal revoga o regime de permanência na habitação se se verificar uma das seguintes situações: a) O condenado infringir grosseira ou repetidamente as regras de conduta, o disposto no plano de reinserção social ou os deveres decorrentes do regime de execução da pena de prisão (al. a); ou praticar crime pelo qual venha a ser condenado e que pela respectiva natureza e/ou modo de execução, revelar que as finalidades que estavam na base do regime de permanência na habitação não puderam, por meio dele, ser alcançadas (al. b) (nestes casos, impõe-se a conclusão de que falhou a prevenção especial positiva, ou seja, aquele específico modo de cumprimento/substituição da pena curta de prisão não surtiu qualquer efeito ressocializador e, por isso, entra em acção a prevenção especial negativa ou de intimidação), ou, ainda, se for sujeito a medida de coacção de prisão preventiva (que torna fisicamente impossível a manutenção do regime de permanência na habitação) A revogação determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida em estabelecimento prisional, mas no que se refere ao tempo de pena que venha a ser cumprido em estabelecimento prisional, não fica afastada a possibilidade de ser concedida a liberdade condicional – art. 44º nºs 3 e 4 do CP. O arguido pretende lhe seja aplicado o regime de permanência na habitação, previste no art. 43.°, CP, com os argumentos de que apenas manobrou a viatura por poucos metros, padece do vício do consumo de bebidas alcoólicas, necessitando de auxílio, está social, familiar e profissionalmente inserido, e porque ao desvalor da conduta não se associou um resultado desvalioso. Neste conspecto, a sentença recorrida discorreu assim: «Da não substituição nem suspensão da pena de prisão: «Considerando os antecedentes criminais do arguido, reveladores de uma personalidade marcada por dificuldades em adaptar-se aos limites e padrões definidos pelas normas jurídicas, e a total insensibilidade na necessidade de alterar o seu comportamento, não se nos afigura que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. «Como os autos demonstram, ao arguido já foram aplicadas penas de multa, pena de prisão suspensa e uma pena de prisão, a cumprir em RPH, e nenhuma delas teve a virtualidade de o fazer alterar o seu comportamento, pelo que não é possível ter qualquer esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda (F. Dias, ob cit., 344). «Pelo contrário, o juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, atendendo-se à sua personalidade e às circunstâncias do facto encontra-se definitivamente arredado. O arguido voltou a delinquir depois de ter sido condenado em Outubro/2024 numa pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução, e em 21.02.2025, com trânsito em julgado em 24.03.2025, de um crime precisamente da mesma natureza daquele que é objecto destes autos, numa pena de 3 meses de prisão a cumprir em RPH. «Ora, escassos 7 dias após ter transitado em julgado esta última sentença, volta a praticar factos precisamente da mesma natureza. E assume tal comportamento quando sabe que está em pleno cumprimento de uma pena de prisão suspensa e prestes a iniciar o cumprimento de uma pena de prisão, a cumprir em RPH. Actua fazendo absoluta tábua rasa das anteriores condenações, como se as mesmas não existissem. «Perante tal comportamento é manifesto que o arguido desperdiçou irremediavelmente a confiança que não soube aproveitar e que ele próprio frustrou. Aliás toda a sua postura em julgamento é indiciadora de uma absoluta falta de interiorização da desconformidade do seu comportamento com o que lhe é exigível; falta de reflexão sobre a necessidade de alterar drasticamente o seu comportamento: deixando de conduzir enquanto estiver em execução da pena acessórias; abstendo-se de ingerir bebidas alcoólicas ou pelo menos não conduzir sabendo que ingeriu bebidas alcoólicas. «Em suma, a ineficácia da pena não privativa da liberdade para a realização das finalidades da punição encontra-se devidamente demonstrada nos autos.» A actividade jurisdicional de escolha e determinação concreta da pena não corresponde a uma ciência exacta, sendo certo que além de uma certa margem de prudente arbítrio na fixação concreta da pena, também em matéria de aplicação da pena o recurso mantém a sua natureza de remédio jurídico, não envolvendo um novo julgamento. O tribunal de recurso só alterará a pena aplicada, se as operações de escolha da sua espécie e de determinação da sua medida concreta, levadas a cabo pelo Tribunal de primeira instância revelarem incorrecções no processo de interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais vigentes em matéria de aplicação de reacções criminais. Não decide como se o fizesse ex novo, como se não existisse uma decisão condenatória prévia. E sendo assim, é preciso ter sempre em atenção que o Tribunal recorrido mantém incólume a sua margem de actuação e de livre apreciação, sendo como é uma componente essencial do acto de julgar. A sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso, abrange, pois, exclusivamente, a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais previstos nos arts. 40º e 71º do CP, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas já não abrange «a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato de pena, exceto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada» (Figueiredo Dias, DPP, As Consequências Jurídicas do Crime 1993, §254, p. 197). «A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas, ou mantidas, pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a situação económica do agente, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada, ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares» (Ac. da Relação de Lisboa de 11.12.2019, proc. 4695/15.2T9PRT.L1-9. No mesmo sentido, Acs. da Relação do Porto de 13.10.2021, proc. 5/18.5GAOVR.P1, da Relação de Lisboa de 07.02.2023, proc. 1938/18.4SKLSB.L1-5 e de 17.10.2023, proc. 23/21.6PBCSC.L1-5; da Relação de Évora de 28.03.2023, proc. 182/21.8...; da Relação de Coimbra 06.03.2024, proc. 8/19.2PTVIS.C1 e de 10.04.2024, proc. 227/22.4GBLSA.C1, todos, in http://www.dgsi.pt). «Daqui resulta que o tribunal de recurso intervém na pena, alterando-a, quando detecta incorrecções ou distorções no processo aplicativo desenvolvido em primeira instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena. Não decide como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de primeira instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar» (Ac. do STJ de 19.05.2021, proc. 10/18.1PELRA.S1. No mesmo sentido Acs. do STJ de 3.11.2021, proc. 206/18.6JELSB.L2.S1, de 27.04.2022, proc. 281/20.3PAPTM.S1, de 8.11.2023, processo nº 808/21.3PCOER.L1.S1, de 11.04.2024, processo nº 2/23.9GBTMR.S1, de 12.06.2025, processo nº 601/22.6T9ACB.C1.S1in http://www.dgsi.pt). Lendo o excerto da decisão condenatória sob recurso, na parte atinente à escolha e determinação concreta da pena, assim como à opção pela não aplicação do regime de permanência na habitação impondo o cumprimento efectivo da pena não se vislumbra qualquer desvio ou inobservância dos critérios impostos nos arts. 18º da CRP, 40º e 71º do CP. Com efeito, a adição alcoólica, a postura do arguido perante os factos objecto do processo e o incumprimento de medidas de substituição à privação efectiva da liberdade anteriormente impostas, revelam como se frustraram as finalidades que por via da sua aplicação se pretendiam alcançar, a começar pelo efeito dissuasor das penas para fazer interiorizar ao arguido o carácter ilícito e censurável dos seus comportamentos e passar a ter um modo de vida sem praticar crimes. A sentença recorrida não merece, pois, qualquer reparo também no que se refere à opção de impor o cumprimento efectivo da pena, devendo antes ser confirmada. III – DECISÃO Termos em que decidem, neste Tribunal da Relação de Lisboa: Em negar provimento ao recurso, confirmando, na íntegra, a sentença recorrida. Custas pelo arguido, que se fixam em 3 UCs – art. 513º do CPP. Notifique. * Acórdão elaborado pela primeira signatária em processador de texto que o reviu integralmente (art. 94º nº 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Meritíssimos Juízes Adjuntos. * Tribunal da Relação de Lisboa, de 3 de Dezembro de 2025 Cristina Almeida e Sousa Carlos Alexandre Hermengarda do Valle-Frias |