Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18900/22.5T8LSB.L1-2
Relator: SUSANA MARIA MESQUITA GONÇALVES
Descritores: DIREITO DE PASSAGEM
CAMINHO PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Recai sobre o Recorrente o ónus de motivar o seu recurso através da indicação das passagens da gravação ou da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugna;
- O animus, enquanto elemento integrador da posse, alegado pelo Recorrente para alicerçar a existência de uma invocada servidão de passagem estabelecida a favor do seu prédio, constitui um facto que, como tal, deverá ser dado como provado ou não provado, e não uma mera qualificação jurídica;
- A questão da dominialidade de determinados acessos gerou controvérsia, apenas serenada com a prolação do Assento do STJ de 19 de Abril de 1989, publicado no DR I-A de 2 de Junho de 1989, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, que fixou a seguinte doutrina: “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público.”;
- Não obstante, o STJ vem defendendo, de forma persistente, uma interpretação restritiva do dito acórdão uniformizador, exigindo, para que um caminho de uso imemorial se possa considerar integrado no domínio público, a sua afetação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objeto a satisfação de interesses coletivos de certo grau e relevância.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa os Juízes Desembargadores abaixo identificados:
*
I. Relatório:
JM, residente na Rua …, n.º …, r/c ….º, Lisboa, veio instaurar o presente procedimento cautelar não especificado contra Aldeota Imobiliária, Ld.ª, com sede na Rua …, n.º …, …, Lisboa, requerendo que se determine a desobstrução do pátio comum e o restabelecimento do livre acesso à passagem em túnel sob o prédio com os n.ºs … e ….
Para tanto alega, em síntese, que:
- é proprietário da fração autónoma “A”, identificada no art.º 3º do requerimento inicial, a qual confina com o prédio identificado no art.º 4º, propriedade da Requerida;
- entre os dois prédios existe um pátio comum, designado por “Páteo do Bispo”, que sempre serviu, além do mais, a fração do Requerente;
- a fração do Requerente sempre apresentou dois acessos para a via pública – um pela Rua … e um pela Rua …, este pela subcave da fração, através do pátio público de livre acesso, de uma passagem pública em túnel e através de um portão que comunica diretamente com a via pública;
- a referida passagem em túnel é de livre acesso e existe há mais de 100 anos, permitindo a circulação de pessoas que pretendem aceder ao pátio ou à casa do Requerente;
- o caminho referido é e sempre foi o utilizado regularmente pelo Requerente para aceder diretamente à zona social da sua habitação;
- a passagem em causa é a única que permite a circulação de pequenos veículos de transporte de materiais e de contentores para depósito de entulho ou lixo e a limpeza e manutenção do jardim do Requerente, entrada e saída de objetos de maior dimensão, de transporte de equipamento de bombeiros em caso de incêndio no prédio em que se localiza a fração do Requerente;
- a passagem em causa é a única que permite a saída do Requerente em caso de incêndio que se propague do rés-do-chão à cave;
- a Requerida comunicou ao Requerente que iria iniciar obras de escavação e contenção no prédio sito nos n.ºs … e … na Rua …, no seguimento do que iria criar um novo pátio e proceder à reconversão do logradouro do conjunto à cota do piso -1 para utilização como estacionamento, obras a que o Requerente se opôs;
- a Requerida foi limitando progressivamente o acesso pela passagem já referida à fração do Requerente, criando sucessivos obstáculos, que o Requerente foi removendo;
- em Março de 2022 a Requerida obstruiu totalmente o acesso à passagem referida, removendo o portão que ali se encontrava e fechando o túnel que ligava o pátio à Rua … com chapas de alumínio com uma pequena porta que se encontra trancada com um cadeado de grande espessura;
- com as obras, o pátio referido tornou-se inacessível por via das quantidades de entulho que ali são depositadas;
- além do mais, e subsidiariamente, o Requerido sempre atuou como se fosse titular do direito de passagem desde o momento que começou a utilizar o caminho que liga a subcave da sua fração à Rua …, quando adquiriu a fração em causa, e começou a utilizar aquele caminho regularmente para aceder à sua habitação;
- o Requerente e seus familiares sempre utilizam aquela passagem sempre que é necessário proceder à manutenção do jardim, sempre que recebem visitas, amigos, restantes familiares e de negócios e sempre que é necessário transportar objetos de maior dimensão para a habitação.
Entende que a Requerida viola o seu direito de propriedade vedando o acesso à sua fração e não permitindo que o Requerente ali aceda por onde bem entender, designadamente por um caminho público.
Subsidiariamente, entende o Requerente que – admitindo-se que o pátio em questão integre o imóvel da Requerida – o mesmo beneficia e é possuidor de uma servidão de passagem que a requerida esbulhou violentamente.
Assenta o receio de lesão grave e dificilmente reparável na diminuição da sua qualidade de vida, porquanto a normal utilização dada ao imóvel sofre alterações significativas quanto à manutenção do imóvel, quer quanto à entrada das visitas na fração; e no que concerne ao direito à vida, porquanto a qualquer momento pode ser necessária a rápida intervenção dos bombeiros para apagar um incêndio.
*
Citada a Requerida, esta deduziu oposição, impugnando a generalidade dos factos alegados no requerimento inicial e questionando a verificação dos requisitos do deferimento da providência.
*
Por despacho de 24.10.2022 foi o Requerente convidado a aperfeiçoar o requerimento inicial, no sentido de concretizar o objeto da servidão de passagem cuja existência, a título subsidiário, equaciona, convite que acatou.
*
Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelas partes.
*
Foi proferida decisão final, cujo segmento decisório aqui se reproduz:
IV - Decisão
Pelo exposto julgo improcedente o presente procedimento cautelar.
Custas pelo requerente.
Valor: €20.000,00 (vinte mil euros), atribuído pelo requerente e não impugnado pela requerida.
Notifique.
*
Inconformada com essa decisão o Requerente dela veio recorrer, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na fixação do valor da causa, devendo este ser alterado para o valor de €30.000,01 que corresponde ao valor determinado de acordo com o critério legal previsto pelo artigo 305.º, n.º 1 do CPC, devendo igualmente ser o valor atribuído ao presente recurso jurisdicional.
2.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos, na interpretação dos factos alegados pelo Recorrente no requerimento inicial e na valoração da prova documental produzida nos autos no que respeita ao alegado caráter comum do pátio referido em 1.4. ao julgar como facto não provado que “2.1. o pátio referido em 1.4. é comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2.”, porquanto da mesma resulta que o pátio referido em 1.4. é público e tem uma uso comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2., não tendo sido alegado nada quanto à sua natureza comum enquanto propriedade comum, que deveria constar da descrição predial da fração do Recorrente.
3.ª Com efeito, a natureza pública do Páteo do Bispo resulta indiciariamente provada pela cartografia histórica de 1878 que integra o Plano Diretor Municipal de Lisboa, emitido pela Câmara Municipal de Lisboa, que consta reproduzida a fls. 44 da paginação eletrónica da 2.ª parte do documento n.º 1 junto pela Recorrida com o articulado superveniente de 19 de janeiro de 2023, que se reporta ao documento n.º 9 junto com o requerimento inicial da providência cautelar de suspensão de eficácia tramitada sob o n.º sob o nº  …/….
4.ª O uso comum do Páteo do Bispo, referido em 1.4. resulta igualmente do documento n.º 5-A junto com o requerimento inicial aperfeiçoado correspondente a Planta do Ordenamento do Plano Diretor Municipal de Lisboa em vigor – rede de mobilidade, em que a área do pátio referido em 1.4. se encontra identificado como rede pedonal, da qual resulta indiciariamente demonstrado o caráter de uso comum do mesmo.
5.ª Por outro lado, o uso comum do pátio resulta de qualquer modo indiciariamente provado da conjugação da prova documental acima mencionada, com certidões juntas em 15 de novembro de 2022 e igualmente dos Documentos n.º 5-B e 5-C juntos com o requerimento inicial aperfeiçoado, dos quais resulta a inscrição em histórico do livro de registo predial referente ao prédio da Recorrida de uma servidão de trânsito para o contiguo Páteo do Bispo, pela porta com o n.º … para a Rua … a favor do prédio do Recorrente, com a prova testemunhal produzida e os factos indiciariamente provados em 1.6., 1.10, 1.11 e 1.12 da sentença, dos quais resulta o uso comum que tem sido feito pelo Recorrente, e seus familiares, no que respeita ao pátio referido em 1.4.
6.ª Assim, encontra-se demonstrado que deverá ser alterada a decisão sobre a matéria de facto quanto a este concreto aspeto, sendo incluindo nos factos indiciariamente provados o seguinte “o pátio referido em 1.4. é público e tem um uso comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2.”.
7.ª A alteração da decisão da matéria de facto supra exposta é inequivocamente relevante para a boa decisão da causa porquanto permite demonstrar indiciariamente a aparência do direito a que o Requerente se arroga, de utilização do mencionado pátio para acesso ao portão existente na subcave da sua fração.
8.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na valoração da prova produzida nos presentes autos bem como na apreciação e interpretação da matéria de facto, ao julgar como não provado o facto enunciado em 2.4. do probatório “A passagem referida em 1.9. é público e de acesso livre”, uma vez que resulta da conjugação da cartografia histórica constante de fls. 44 da segunda parte do documento n.º 1 junto pela Recorrida com o articulado superveniente de 19 de janeiro de 2023, com o documento n.º 5-A referente a rede pedonal da Planta de Ordenamento do PDM de Lisboa, bem como da prova testemunhal produzida nos autos que a passagem referida em 1.9. é de utilização pública e de aceso livre.
9.ª A decisão de não valoração dos mencionados documentos emitidos pela plataforma da Câmara Municipal de Lisboa (documento n.º 5-A do requerimento inicial e fls. 44 do Documento n.º 1 junto com o articulado superveniente da requerida) como meio de prova apto a concluir pela demonstração indiciária do vertido em 2.4. encontra-se em contradição com a decisão da matéria de facto quanto ao 1.9. e aos valores referentes às medidas da passagem em túnel, que resulta indiciariamente demonstrado pelo teor da documentação emitida pela Câmara Municipal de Lisboa.
10.ª Deste modo, deverá ser julgado como facto indiciariamente provado que “A passagem referida em 1.9. é de utilização pública e de acesso livre”.
11.ª Em qualquer caso, independentemente da passagem referida em 1.9. ser de utilização pública, o Recorrente tem direito de passagem pela referida passagem em túnel em resultado da inscrição a favor do titular do direito de propriedade do prédio do Recorrente de uma servidão de trânsito para o contiguo Páteo do Bispo, pela porta com o n.º … para a Rua … do prédio descrito sob o n.º …, a folhas … do verso B-32, que consta do histórico em livro do registo predial referente ao prédio da Recorrida, em conjugação com o que consta do histórico em livro do registo predial referente ao prédio do Recorrente e ainda do documento n.º 1 junto com o requerimento inicial.
12.ª A alteração da decisão sobre a matéria de facto supra afigura-se relevante para a boa decisão da causa no que respeita à verificação do requisito fumus boni iuris e para o decretamento da providência cautelar requerida, na medida em que permite demonstrar indiciariamente a aparência do direito a que o Requerente se arroga, de utilização da mencionada passagem em túnel referida em 1.9. para aceder à Rua … e que comunica com o Páteo do Bispo.
13.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na valoração da prova documental produzida nos autos e apreciação dos factos ao julgar como não provado o ponto 2.2. do probatório, porquanto tal facto resulta como indiciariamente provado pelo teor dos documentos n.º 6 e n.º 8 juntos pela requerida com a oposição aperfeiçoada de 14 de novembro de 2022, que respeita a reprodução fotográfica do Páteo do Bispo, referido em 1.4., em momento anterior ao início das obras realizadas pela Requerida, bem como a fls. 2 do documento n.º 2 junto pelo Requerente com o requerimento de 18 de novembro de 2011, que se reporta fotografia constante da memória descritiva e justificativa do projeto de arquitetura constante do processo de licenciamento tramitado junto da Câmara Municipal de Lisboa, na qual é visível a existência de um candeeiro de iluminação pública.
14.ª Assim deverá ser julgado como facto indiciariamente provado que “o pátio referido em 1.4. sempre apresentou iluminação pública”, sendo que a alteração da decisão sobre a matéria de facto é relevante para prova do fumus boni iuris, sendo um indício do caráter público do pátio.
15.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar o enunciado sob o ponto 2.5. como facto não provado, porquanto da circunstância de a testemunha LP ter mencionado que vem executando a limpeza do jardim através de um guincho instalado na propriedade, após obstrução da passagem aqui em causa, associado ao depoimento da testemunha DM, resultantes da prova testemunhal gravada, não permite concluir como não provado que “a passagem referida em 1.9. é a única que permite a limpeza e manutenção do jardim do requerente, realizada com alguma regularidade por uma equipa de jardinagem contratada para o efeito”.
16.ª Com efeito, para além do referido guincho ser uma solução de uma última ratio, não permite proceder à retirada dos resíduos de jardinagem, sobretudo os de maior dimensão, com a mesma eficácia com que era retirada antes da obstrução do acesso, tornando tal tarefa mais onerosa em termos de tempo, sendo apenas uma solução provisória em face da obstrução da passagem referida em 1.9.
17.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto ao julgar como não provado o enunciado em 2.6. do probatório da sentença recorrida uma vez que a existência de um elevador na fração do Requerente que liga o rés-do-chão à subcave, com capacidade para duas/três pessoas no máximo, de acordo com o depoimento da testemunha LP, que constitui prova gravada, não permite concluir como facto não provado que “a passagem referida em 1.9. é a única passagem que permite a entrada e saída de objetos de maior dimensão, uma vez que a escadaria que liga as diferentes divisões é bastante estreita e não possui qualquer apoio lateral”, já que, como resulta da experiência comum, o mencionado elevador não permite a entrada e saída de objetos de maior dimensão para a subcave nem tem capacidade para transporte da lenha destinada à lareira que se encontra na subcave. Acresce, que do depoimento das restantes testemunhas resulta que a escadaria que liga as diferentes divisões é bastante estreita, não permitindo, a movimentação de objetos de maior dimensão.
18.ª A alteração da decisão da matéria de facto nos termos supra expostos afigura-se de grande relevância para a prova da verificação do fumus bonni iuris bem como para o fundado receio de lesão grave e irreparável do direito do Recorrente, conforme alegado nos artigos 22.º, 23.º, 91.º, 92.º, do requerimento inicial aperfeiçoado), impondo-se concluir no caso em apreço pelo decretamento da providência cautelar requerida.
19.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na decisão da matéria de facto no que se reporta ao julgamento como facto não provado do enunciado sob o ponto 2.8. já que se trata numa qualificação jurídica, a qual não tem por premissas quaisquer factos não provados, referentes à atuação do Requerente com a convicção e crença que tinha o direito de utilizar o pátio e passagem referidos em 1.4. e 1.9. como caminho de acesso ao portão existente na subcave da fração autónoma de que é dono.
20.ª Sendo que, da prova testemunhal produzida nos autos, designadamente o depoimento das testemunhas DM, VL e JB, resulta como indiciariamente provado o mencionado facto, isto é, que o Requerente atua com a convicção e crença que tinha o direito de utilizar o pátio e passagem referidos em 1.4. e 1.9. como acesso ao portão existente na subcave do seu prédio, o que não é de qualquer modo, impedido pela circunstância de, posteriormente, o Requerente ter constatado que o Páteo do Bispo é público.
21.ª O tribunal a quo incorreu em erro na decisão sobre a matéria de facto ao julgar como facto não provado o enunciado no ponto 2.9. do probatório já que resulta suficientemente alegado nos artigos 121.º, 122.º e 126.º do r.i. que o impedimento de acesso através do pátio referido em 1.4., tornando-se definitivo com a conclusão da obra de requalificação pela Requerida, impede a eventual divisão da fração autónoma, que fica apenas, definitivamente, com um acesso (divisão até então possível, porquanto originariamente se tratavam de frações distintas que foram ligadas, de acordo com a prova testemunhal produzida) para efeitos de alienação ou arrendamento, sendo facto notório, que tal impossibilidade física/legal de divisão determina a desvalorização da fração do Recorrente.
22.ª Deste modo, deverá ser julgado como indiciariamente provado o enunciado em 2.9. “o referido em 1.18. e 1.19, provoca a desvalorização do imóvel por impedir a sua decomposição em dois imoveis com o objetivo de arrendar ou alienar uma das frações”, sendo que a alteração da decisão sobre a matéria de facto exposta é relevante para demonstração do fundado receio de lesão grave e irreparável do direito do Recorrente.
23.ª Da prova documental produzida nos autos resulta que o Páteo do Bispo tem caráter público, a saber da cartografia histórica de 1878 que integra o Plano Diretor Municipal do Município de Lisboa, emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, e que consta de fls. 44 da paginação eletrónica da segunda parte do documento n.º 1 junto pela Recorrida com o seu articulado superveniente de 19 de janeiro de 2022 (que corresponde ao documento n.º 9 junto com o requerimento inicial da providência cautelar de suspensão de eficácia que correu os seus termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º …/…), e que consta dos presentes autos de processo cautelar.
24.ª Sendo que, no que respeita à passagem em túnel entre o Páteo do Bispo e a Rua …, ainda que seja privada tem uma utilização pública já que resulta do documento n.º 5-A junto com o requerimento inicial aperfeiçoado, correspondente a Planta de Ordenamento do Plano Diretor Municipal de Lisboa em vigor - rede de mobilidade, integra a rede pedonal do Município de Lisboa.
25.ª Em qualquer caso, encontra-se demonstrado o direito de acesso do Recorrente pela referida passagem em túnel que liga o Páteo do Bispo e a Rua …, por força da presunção legal decorrente do artigo 7.º do CRPredial da existência de uma servidão de trânsito, ou seja, de passagem, para o contiguo Páteo do Bispo, pela porta com o n.º 63 para a Rua …, a favor do titular do direito de propriedade do prédio do ora Recorrente, a qual resulta da inscrição em … constante no histórico em livro do registo predial referente ao prédio da Recorrida e junto como Documento n.º …-… com o requerimento inicial aperfeiçoado e a fls. 7 da certidão junta pelo Recorrente, com o requerimento de 15 de novembro de 2022, em conjugação com o Documento n.º …-… e a segunda certidão junta pelo Recorrente em 15 de novembro de 2022, referente ao prédio de que é proprietário, os quais se encontram juntos aos autos.
26.ª A presunção legal da existência da referida servidão de passagem determina a inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344.º do Código Civil, preceito que é aplicável a todas as servidões legais strictu sensu, e logo à presunção legal decorrente do artigo 7.º do CRPredial, cabendo à Recorrente alegar e provar factos que impendem que se considere a referida servidão como existente, sendo que no caso em apreço a Recorrida não alegou nem provou quaisquer factos que permitam infirmar a mencionada presunção legal.
27.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos e na interpretação e aplicação do direito, desde logo motivado por uma errada decisão da matéria de facto nos termos supra expostos, ao concluir que, no que respeita à perturbação do exercício do direito de propriedade do Recorrente, decorrente do direito de acesso pelo pátio e passagem em túnel identificados em 1.4 e 1.9 do probatório, não é possível reconhecer um direito de passagem pelo requerente pelo troço identificado nos autos com base no caráter público do mesmo enquanto via de acesso ao imóvel do requerente, com fundamento na circunstância de o ora Recorrente não ter logrado demonstrar o caráter público do mesmo.
28.ª Da prova testemunhal produzida nos autos e atentos os factos indiciariamente provados sob os pontos 1.7., 1.11., 1.12., 1.13., 1.14, 1.15. do probatório, resulta demonstrado que o Recorrente, e os seus familiares, utilizavam o pátio e a passagem em túnel, desde o início, com o animus de ser titular de um direito de utilização da referida passagem e do pátio para aceder ao portão existente na subcave da sua fração, independentemente do direito em causa ou da existência de título que constitui ou reconhece esse direito e independentemente do caráter público do pátio e da existência de uma servidão legal de passagem, que apenas veio a constatar em momento posterior.
29.ª Assim, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que a posição do ora Recorrente em sede de petição inicial inviabiliza o pretendido, porquanto a posição deste é que o caminho é público e tal inviabiliza a consideração de que o mesmo, ao utilizar a passagem em causa, atuava sobre a mesma com o ânimo de um possuidor nos termos de um direito de servidão, que o tribunal entende não ter ficado demonstrado.
30.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação da verificação do fundamento subsidiário, de verificação da posse do Recorrente sobre o troço em causa no âmbito de uma servidão de passagem, já que se limita a julgar improcedente o fundamento subsidiário, da verificação da posse do Recorrente sobre o troço em causa no âmbito de uma servidão de passagem (caso se considerasse que era propriedade da Requerida e não pátio público) com fundamento na invocação do fundamento apresentado a título principal, ignorando a relação de subsidiariedade, e não de dependência ou cumulação, existente entre os mesmos.
31.ª Com efeito, o fundamento subsidiário acima descrito foi formulado a título subsidiário, em relação ao fundamento principal de verificação do fumus boni iuris e, apenas, para o caso de se considerar que o acesso à fração autónoma do Recorrente é realizado através da propriedade da ora Recorrida, não podendo ser apreciado por referência ao alegado quanto ao fundamento principal.
32.ª De qualquer modo, resulta dos factos indiciariamente provados pelo tribunal a quo em 1.6., 1.7., 1.10, 1.11, 1.12, 1.13, 1.14, 1.15, 1.17, que o Recorrente utiliza a passagem de acesso à Rua …, pelo menos desde 1990, pelo que independentemente da existência de título constitutivo, atento o lapso temporal entretanto decorrido que ascende a mais de 20 anos, pelo que é possível a aquisição do direito real por usucapião, nos termos do disposto no artigo 1296.º do CC, o que determina a necessária procedência do fumus boni iuris no que se reporta ao fundamento subsidiário.
33.ª Ao invés do entendimento do tribunal a quo constante da sentença recorrida, encontra-se demonstrado (pelo menos perfuntoriamente) que a atuação ilegal da Recorrente, ao vedar o acesso e a obstruir o Páteo do Bispo com entulho, sendo este um pátio de caráter público, e atendendo à existência de uma servidão de trânsito, ou de passagem, para o contíguo Páteo do Bispo, pela porta n.º 63, para a Rua … a favor do prédio do Recorrente, retirou do imóvel a utilidade que normalmente proporcionava ao Recorrente, condicionado assim o seu direito de propriedade, direito esse que é reconhecido pela Recorrida e se encontra demonstrado de acordo com a sentença recorrida, e logo a verificação do fumus boni iuris necessário para o decretamento da providência cautelar requerida.
34.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação dos factos provados e que deverão ser julgados provados bem como na interpretação e aplicação do direito ao concluir que não se mostram carreados para os autos factos que sustentem o perigo de lesão grave e dificilmente reparável, designadamente, por não se verificar um risco sério de criação de facto consumado pela Recorrida, uma vez que não resulta dos factos vertidos em 1.18 e 1.19 nem dos demais factos alegados que a obra de requalificação irá obstruir permanentemente aquela passagem quando tal resulta demonstrado pelos factos alegados no requerimento com junção de documentos supervenientes apresentado pelo Recorrente em 18 de novembro de 2022 bem como pelos documentos n.º 1 e n.º 2 juntos com tal requerimento, correspondentes a memória descritiva e parte do projeto de arquitetura apresentados no âmbito do processo de licenciamento de obras que corre os seus termos na Câmara Municipal de Lisboa.
35.ª Sendo que, dos referidos documentos resulta que com a finalização da obra de requalificação deixará de existir qualquer acesso do prédio do Recorrente à Rua …, que era feito através do Páteo do Bispo.
36.ª O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nos termos supra expostos na impugnação da decisão sobre matéria de facto a propósito do enunciado em 2.9. do probatório e na interpretação e aplicação do direito, quando concluiu que o Recorrente não logrou demonstrar a desvalorização do imóvel porquanto resulta como facto notório e da experiência do julgador que a circunstância de um prédio que tinha dois acessos a via pública passar apenas a ter um acesso determina a sua inevitável desvalorização, designadamente, porque impede que se proceda à divisão das frações para efeitos de alienação ou arrendamento, pois a subcave deixará de ter acesso autónomo para a via pública.
37.ª Por último, no que se reporta ao risco de incêndio, o tribunal incorreu em erro de julgamento ao concluir que o Recorrente nada alegou que permita concluir pela verificação de um risco sério e iminente de tal ocorrência, quando na verdade o que o Recorrente alegou e provou, pela prova testemunhal produzida, foram factos dos quais se permite concluir por um risco sério de lesão do bem jurídico e direito à vida, em caso de ocorrência de um incêndio, nomeadamente ao nível da subcave e do jardim.
38.ª Assim, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento no que respeita à verificação do fundado receio de lesão e irreparável do direito do Recorrente e no que respeita designadamente à criação de uma situação de facto consumado, incorrendo em violação do disposto no artigo 362.º, n.º 1 do CPC, devendo a sentença proferida ser substituída por uma decisão que jugue verificado o mencionado requisito e julgue procedente a providência cautelar requerida.
39.ª No que se reporta à ponderação de interesses a que se impõe proceder, uma vez que resultam demonstrados a probabilidade séria da existência de um direito na titularidade do requerente (o designado fumus boni iuris) e o fundado receio da lesão grave e irreparável do direito resulta inequivocamente que o prejuízo resultante do decretamento da providência não excede o dano que com ela se pretende evitar.
*
A Requerida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
I. É ao juiz que compete fixar o valor da causa, sendo que sobre as partes apenas incumbe a obrigação de indicar esse valor, nos termos do disposto no art.º 306º do CPC; e, consequentemente, nada obsta a que o Tribunal fixe valor da causa diferente do indicado pelas partes, mesmo que não impugnado pela parte contrária.
II. O recorrente não deu cumprimento às regras relativas à impugnação da matéria de facto, nos termos do disposto no art.º 640º do CPC.
III. Na apreciação da (in)observância do(s) ónus previsto(s) no art.º 640º do CPC, há que levar em devida linha de conta que a impugnação da matéria de facto não se destina a repetir o julgamento na sua totalidade, mas antes a corrigir determinados aspetos que o recorrente entenda não terem merecido um tratamento adequado por parte do tribunal a quo.
IV. No caso em apreço, o recorrente alegou que os factos enunciados nos pontos 2.1 (na parte em que funda o pedido de reapreciação com base na prova testemunhal), 2.4 (na parte em que funda o pedido de reapreciação com base na prova testemunhal), 2.5, 2.6 e 2.8 da factualidade julgada como não provada devia ser julgada como provada, sendo que os exatos meios probatórios que impõem essa alteração são: ponto 2.1: a prova testemunhal produzida (vide conclusão 5ª); ponto 2.4: prova testemunhal produzida (vide conclusão 8ª); ponto 2.5: depoimento das testemunhas LP e DM (vide conclusão 15ª); ponto 2.6: depoimento das testemunhas LP e “restantes testemunhas” (vide conclusão 17ª); ponto 2.8: depoimento das testemunhas DM, VL e JB (vide conclusão 20ª).
V. No que respeita à impugnação da matéria de facto julgada como não provado sob os pontos 2.5, 2.6 e 2.8 é evidente que o recorrente não deu cumprimento aos ónus previstos no art.º 640º do CPC, limitando-se a indicar o nome das testemunhas ou indicar genericamente “as restantes testemunhas, não tendo indicado (1) a data em que tinham sido prestados, (2) início e fim de cada depoimento, (3) as passagens (dos excertos dos depoimentos) da gravação em que se funda o seu recurso, e (4) tampouco procedeu à transcrição dos excertos que considera relevantes (nem sequer em parte).
VI. Quanto à impugnação dos pontos 2.5, 2.6 e 2.8 da factualidade julgada como não provada, deve o presente recurso ser liminarmente indeferido, por não cumprimento dos ónus previsto no art.º 640º nº 2 do CPC.
VII. Os factos julgados como não provados enunciados nos pontos 2.1 e 2.4 do probatório não devem ser alterados.
VIII. Para findar com a divergência anteriormente existente na jurisprudência sobre o que se deveria entender por caminhos públicos, pelo assento nº 7/89, publicado na Iª Série do Diário da República de 02/06/1989, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência no sentido que "são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso direto e imediato do público".
E este critério tem vindo a ser, maioritariamente, interpretado de modo restritivo, de forma a considerar-se que a publicidade dos caminhos exige ainda a sua afetação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objetivo a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância.
IX. São dois os requisitos caracterizadores do carácter público do caminho: 1) o uso direto e imediato pelo público; e a imemorialidade daquele uso.
X. Ainda que o Páteo do Bispo não fosse propriedade privada – e é! - a factualidade alegada pelo ora recorrente, bem como a vasta documentação junta aos autos, seria manifestamente insuficiente para considerar como caminho público o Páteo do Bispo e a ligação em túnel até à Rua ….
XI. É que, quer da alegação do ora recorrente, quer da prova produzida em sede de inquirição de testemunhas, resultou claro que o referido Páteo alegadamente era apenas usado pelos proprietários do prédio da contrainteressada e pelo requerente, pelo que falha, desde logo, o requisito do uso direto e imediato pelo público.
XII. Se um determinado e alegado caminho público é utilizado pelo proprietário do prédio que o mesmo integra e um único proprietário de um único prédio confinante a existência de um acesso aberto a pessoas determinadas ou a um círculo determinado de pessoas é insuficiente para se falar de “utilização pública”, sendo mister a sua utilização por uma generalidade de pessoas, não pode senão concluir-se pela impossibilidade considerar o ajuizado caminho como sendo um “caminho público”.
XIII. Para além disso, o recorrente não provou – e tampouco alegou - que o referido Pátio é usado desde tempos imemoriais, mas apenas desde 1970, enquanto arrendatário do prédio, e desde 1990 enquanto proprietário, quando alegadamente começou a utilizar de imediato e regularmente. E toda a prova documental junta aos autos é totalmente inepta à prova da referida factualidade.
XIV. O recorrente recorreu ad nauseam a uma alegada representação cartográfica do séc. XIX para daí retirar a conclusão que a referida parcela era um pátio público desde essa altura. Ora, com o devido respeito, nem a referida representação é minimamente rigorosa ou fidedigna – tendo apenas uma função informativa, quase ilustrativa de ajuda à compreensão da evolução da cidade – nem o facto de alegadamente ter existido no passado um pátio público naquele território permitira sem mais concluir que tal status quo se mantivera ao longo do tempo… E a verdade é que sobre isso, a alegação do recorrente fica-se por 1970 e a prova nem isso…
XV. O pátio que existe no interior da propriedade da ora recorrida e a passagem em túnel para a Rua … não foram destinados pela Planta de Ordenamento do PDML a zona de mobilidade, rede pedonal e as infraestruturas viárias, eixos viários oficiais. Nem tal resulta do documento junto sob o nº 5-A junto com o requerimento inicial aperfeiçoado.
XVI. Nem as Plantas de Ordenamento do PDML destinam o referido espaço a zona de mobilidade, rede pedonal ou eixos viários oficiais, nem o que consta do Doc. nº 5-A junto com o requerimento inicial aperfeiçoado são “Plantas de Ordenamento” do PDML.
XVII. O PDML não destina o imóvel objeto da operação de licenciamento a zona de mobilidade, rede pedonal ou eixos viários oficiais.
XVIII. Tendo sido inscrita no passado uma servidão de trânsito, é forçosa a conclusão de que o prédio onerado era privado, o que afasta a tese do “caminho público”. Acresce que, tendo a referida servidão de trânsito sido constituída a favor de D. MC, dona do prédio nº … - e não a favor do próprio prédio dominante - é forçoso concluir que tal ónus caducou por morte da referida titular, razão por que não foi extratado até à atualidade. Portanto, mesmo que, no passado tivesse existido uma servidão de trânsito, deixou de existir, não tendo o recorrente qualquer direito a ela.
XIX. Se a questão fosse “meramente registral” como a certa altura parece decorrer do alegado pelo recorrente, seria manifestamente desnecessário ao recorrente requerer a tutela cautelar nos tribunais cíveis e administrativos; bastaria requerer ao conservador do registo predial que “corrigisse o lapso” e inscrevesse a dita servidão a favor do recorrente…
XX. O facto julgado como não provado enunciado no ponto 2.2 do probatório não deve ser alterado.
XXI. O facto de alegadamente ter havido iluminação pública no referido Páteo do Bispo nada influiu, pois, na cidade de Lisboa e em particular quando respeita a prédios de grande antiguidade, é comum que exista iluminação pública em espaços de natureza privada. Dadas as características da cidade tal é essencial à qualidade de vida e á fruição dos espaços urbanos em condições de segurança, quer os espaços tenham natureza priva ou pública.
XXII. Acresce que dos artigos 66º a 68º da oposição ao requerimento inicial aperfeiçoado não resulta que tenha sido alegado que os registos fotográficos se reportem ao período de 1990, sendo que só uma leitura menos atenta do alegado permitiria tal conclusão. Para além disso, quer dos documentos juntos aos autos, quer dos depoimentos prestados em sede de inquirição de testemunhas, não resulta 1) a data do referido registo fotográfico e 2) que o candeeiro que é visível nos referidos documentos seja de natureza pública.
XXIII. Importa, ainda, referir que da legenda da fotografia constante da memória descritiva junta como “documento de fls. 2 do documento nº 2 junto pelo recorrente em 18/11/2011” resulta que se trata de uma fotografia do edifício, por volta de 1900, de autor desconhecido, e não, ao contrário do que o recorrente enviesadamente pretende fazer crer, do interior do edifício da recorrente, designadamente, do Pátio do Bispo.
XXIV. Os factos julgados como não provados enunciados nos pontos 2.5 e 2.6 do probatório não devem ser alterados.
XXV. O pedido de reapreciação da matéria de facto julgada como não provada no ponto 2.5 e 2.6 não obedeceu aos requisitos plasmados no art.º 640º nº 2 do CPC.
XXVI. A testemunha DM, ao longo de todo o seu depoimento, omitiu deliberadamente a existência de um elevador na sua propriedade tendo, inclusivamente, testemunhado que a única passagem do rés-do-chão à sub-cave da fração seria uma escada apertada e de difícil acesso para uma pessoa de estatura alta…
XXVII. Não fosse o depoimento isento, credível, coerente e espontâneo da testemunha LP – que efetua a limpeza do jardim existente na fração autónoma e, consequentemente, utiliza o elevador - o Tribunal a quo teria acreditado na rábula da testemunha DM – que, refira-se, só do ponto de vista formal é que tem o estatuto de “testemunha”. A verdade é que fração autónoma melhor identificada em 1.1 dos factos julgados como provados é utilizada, única e exclusivamente, por DM e seu agregado familiar, pelo que o mesmo é aqui uma verdadeira parte e, consequentemente, o seu depoimento não pode ser considerado isento e credível.
XXVIII. Concluindo-se que a fração do recorrido dispõe de um elevador cabia ao mesmo fazer prova dos objetos que não conseguia transportar pelo mesmo, o que não fez, pois optou por omitir deliberadamente a sua existência.
XXIX. O facto julgado como não provado enunciado no ponto 2.8 do probatório não deve ser alterado.
XXX. O pedido de reapreciação da matéria de facto julgada como não provada e enunciada no ponto 2.8 não obedeceu aos requisitos plasmados no art.º 640º nº 2 do CPC, conforme supra alegado, pelo que deve ser liminarmente rejeitado.
XXXI. Para a boa decisão da causa, designadamente, sobre se existe, ou não, uma servidão por usucapião é essencial levar à matéria de facto julgada como provada ou não provada factualidade tendente à demonstração do animus possendi.
XXXII. O próprio recorrente alega que resultou da prova testemunhal que resultou provado que tinha o animus consubstanciado na convicção que tinha direito de passagem. Ora, se o recorrente entende que o animus possendi é passível de prova é forçoso concluir que o inverso também o é – i.e. que não agiu com animus possendi!
XXXIII. Como é da mais elementar natureza das coisas, se alguém considera que um bem é público não pode ter animus possendi do mesmo; se alguém considera que tem um direito próprio, privado sobre um determinado bem, essa matéria é passível de alegação e prova.
XXXIV. Neste caso, o que se passa é que alegadamente a tese de “servidão” é subsidiária da tese do “caminho público”. Porém, neste caso a subsidiariedade entre as duas teses é impossível, pois o animus possendi é absolutamente incompatível num e noutro cenário. E, como não é possível conciliar a ausência de animus possendi que se verifica na tese do caminho público com um animus possendi que tem de ser demonstrado para se concluir pela existência de uma servidão adquirida por usucapião é esta última que fica indemonstrada.
XXXV. A matéria constante do ponto 2.8 dos factos julgados como não provados é matéria de facto, sendo matéria de direito será apenas a questão de saber se estão preenchidos os requisitos da servidão de passagem, por usucapião.
XXXVI. O facto julgado como não provado enunciado no ponto 2.9 do probatório não deve ser alterado.
XXXVII. O pedido de reapreciação da matéria de facto julgada como não provada e enunciada no ponto 2.9 não obedeceu aos requisitos plasmados no art.º 640º nº 2 do CPC, pelo que deve ser liminarmente rejeitado.
XXXVIII. Não forram carreados para os autos quaisquer documentos e/ou produzida prova testemunha que permitisse comprovar 1) o valor da fração autónoma com e sem o alegado acesso pelo Pátio do Bispo e 2) a divisibilidade da fração autónoma e características de acesso caso a mesma fosse possível.
XXXIX. E, ao contrário, do pretendido o recorrente não pode, para prova daquela factualidade, lançar mão das regras de experiência comum, uma vez que quer a avaliação de um imóvel, quer a avaliação da divisibilidade do mesmo carecem de conhecimento técnicos. Acresce que o facto de alegadamente a testemunha DM ter referido que a fração autónoma já tinha sido habitada por diferentes agregados nada prova acerca da divisibilidade na atualidade, pois que tal depende das regras atualmente vigente e que são, naturalmente, distintas das existentes no passado.
XL. Como foi alegado, nos termos do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 7/89, pulicado em 20/06/1989, são públicos os caminhos que desde tempos imemoriais estão no uso direto e imediato do público, sendo que este critério é interpretado num sentido restritivo de afetação à utilidade pública. E não preenche o conceito de utilidade pública a utilização de uma soma de utilidades individuais.
XLI. O facto de só o recorrente, com a mera tolerância da recorrida, para além do proprietário e arrendatários do prédio desta, terem utilizado o pátio do Bispo e a passagem em túnel para a Rua …. não preenche o pressuposto do uso direto e imediato pelo público, pelo que, desde logo, não se pode concluir que o Pátio do Bispo é público.
XLII. Reitera-se que – para além de ser incompatível com a alegação de que o Páteo do Bispo é um caminho público ou bem do domínio municipal - não existe qualquer servidão de trânsito que onere o Páteo do Bispo, conforme se alcança da análise do Doc. nº 5-B, pois se onerasse a mesma estaria registada por ser um facto sujeito a registo, nos termos do disposto no art.º 1º, al. a) do Código do Registo Predial, pelo que se não está registada é porque não existe. Em todo o caso, sempre se dirá que a alegação da existência de uma servidão, além de infundada, é contraditória, nos seus próprios termos, com a tese de aquele pátio ser um caminho público ou um bem dominial público.
XLIII. A existir qualquer servidão a mesma teria de estar registada, designadamente, sob o prédio serviente (pertencente à recorrida) e o prédio dominante (pertencente ao recorrente), o que é incompatível com a tese do caminho público e/ ou domínio público, pois, como é consabido, não são constituídas servidões de trânsito sobre bens de natureza pública.
XLIV. Ainda que assim não se entendesse – o que não se concede, mas se pondera por mero dever de patrocínio – sempre se dirá que ao contrário do concluído pelo recorrente, alegada servidão de trânsito não foi constituída a favor do prédio, mas sim da dona inscrita à época; se tivesse sido constituída a favor do prédio teria de constar da referida inscrição “fica inscrito a favor do prédio …”, o que não aconteceu. E, por outro lado, a alegada existência de uma servidão de trânsito prova precisamente que o referido pátio é de natureza privada.
XLV. Os registos de servidão, de usufruto, uso e habitação e de hipoteca para garantia de pensões periódicas caducam decorridos 50 anos, contados a partir da data do registo, nos termos do disposto no art.º 12º nº 4 do Código do Registo Predial.
XLVI. Assim, e porque a alegada inscrição remonta a 1919 é forçoso concluir que, pelo menos e senão antes, caducou oficiosamente em 1969, sendo que o requerente só comprou o prédio melhor identificado em 1.1 em 1990, ou seja, mais de 20 anos sobre a referida caducidade…
XLVII. Os elementos/fatores descritivos da referida descrição predial não beneficiam da presunção derivada do art.º 7º do Código do Registo Predial, cingindo-se a mesma apenas à existência do direito e à sua pertença às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, pelo que o recorrente não beneficia da presunção plasmada naquela norma.
XLVIII. No caso em apreço, o facto de constar da descrição predial da fração autónoma do requerente que a mesma tem acesso para a Rua … nada prova acerca da existência de uma servidão de passagem, pois que os elementos da referida descrição não beneficiam da presunção derivada do art.º 7º do Código do Registo Predial e, consequentemente, não há qualquer violação de qualquer direito do requerente.
XLIX. É, pois, forçoso concluir que o recorrente não fez prova, ainda que indiciária, que a sua fração autónoma goza de uma servidão de passagem para a Rua …, pelo que a requerida não violou o direito de propriedade daquele, plasmado no art.º 1305º do CC; e, consequentemente, nenhuma censura merece a decisão recorrida.
L. Uma vez que o recorrente alegou a existência de uma servidão de passagem por usucapião era imprescindível que tivesse feito – e não fez! - da exata configuração física e funcional, isto é, do modo e local em que ela se constituiu e exerce, modo e local que, naturalmente, se hão-de posicionar dentro dos limites materiais do suposto prédio serviente.
LI. É que o conceito de usucapião repousa na posse, e esta carece de ser caracterizada, além do mais, pela boa-fé ou má-fé, que consiste na ignorância de lesar direito alheio, pela pacificidade e pela publicidade.
LII. O recorrente não alegou – e, consequentemente, não provou, nem podia ser provado - o uso ou a reiterada utilização do acesso pelo recorrente e antepossuidores, como direito seu, como sua posse, tivesse ocorrido, enquanto tal, de boa ou má fé, e com publicidade, ou seja, à vista de todos e, principalmente, que tivesse sido acompanhado da convicção de o recorrente e antepossuidores se comportarem como titulares do direito correspondente (o chamado “animus”, ou elemento psicológico). Boa ou má-fé que é requisito para o prazo da posse usucapível; publicidade cuja falta não permite a relevância da própria posse; elemento subjectivo que distingue e autonomiza o verdadeiro possuidor.
LIII. A não alegação do elemento volitivo da posse - que nada tem que ver com a sua presunção nos termos do art.º 1252, nº 2 do CC - não afasta a mera detenção referida no art.º 1253 do CC. E sem essa invocação, nunca se pode ter por suficientemente excluído que o mencionado uso de uma passagem ou acesso, mesmo que público e duradouro, possa ter ocorrido devido a mera tolerância dos donos do prédio em que foi tendo lugar, nem que os anteproprietários do prédio do recorrente e ele mesmo tenham atuado sem intenção de agir como beneficiários do direito. Tal não foi alegado e, consequentemente, não foi provado.
LIV. Com efeito, se dúvidas restassem, bastaria compulsar toda a argumentação aduzida pelo recorrente nos autos para se perceber que para o mesmo há uma total identificação entre a natureza pública da passagem e o que entende ser o direito a uma servidão de passagem a favor do seu prédio, adquirida por usucapião e onerando o prédio da recorrida.
LV. A tudo isto ainda acresceria que, como requisito da constituição de servidões fundadas em usucapião, nenhum facto alegado (e provado) apontava para existência dos necessários sinais visíveis e permanentes que revelassem o seu exercício.
LVI. Persistindo o recorrente em confundir a pretensa servidão com o caminho público, identificando aquela com estes, sem sequer indicar qualquer hiato ou sequência no tempo que os pudesse separar, é patente a inexorável contradição em que incorre.
LVII. Mas mais: como resulta amplamente provado dos documentos juntos aos autos – por acordo das partes, uma vez que não impugnados – nos presentes autos o recorrente alega que tem uma servidão de passagem sobre a totalidade da área descoberta do Páteo do Bispo e da passagem em túnel para a Rua …; e, de, outro lado, quer na providência cautelar que corre termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o nº …/…, quer na ação administrativa que corre termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o nº …/…, alega que a totalidade da área descoberta do Páteo do Bispo e da passagem em túnel para a Rua … integram o domínio público municipal.
LVIII. Estando confessado nos autos, que o recorrente, após a propositura da presente ação, alterou o seu entendimento e sustenta que Páteo do Bispo e a passagem em túnel para a Rua … são domínio público (vide documentos juntos com o requerimento de 13 de janeiro de 2023) é forçoso que concluir que a posse e usucapião, por e a benefício de particulares, sobre coisas do domínio público, por si e por princípio, não são legalmente possíveis, em virtude do art.º 202º do Código Civil que dispõe que ”consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual”.
LIX. Não há, pois, quaisquer dúvidas que no ordenamento jurídico português que a posse e usucapião por particulares sobre coisas do domínio público é totalmente impossível.
LX. As providências cautelares têm como objetivo essencial a composição provisória de uma situação jurídica por forma a acautelar o efeito útil de futura e eventual decisão de procedência da ação principal, por não ser possível o recurso aos meios ordinários e haver um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o interesse que o requerente visa assegura na ação principal (periculum in mora). O processo cautelar não visa a correção de situações, mas tão somente prevenir lesão que venha a ser grave e dificilmente reparável.
LXI. O recurso a medidas cautelares é excecional e justifica-se apenas quando não é possível regular o litígio pelos meios ordinários e existe um fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
LXII. Isso supõe a ocorrência de algum facto novo e alheio à vontade do interessado que justifique o recurso a uma tutela urgente, de conhecimento sumário e juízo perfunctório…
LXIII. O que está em causa nos presentes autos é uma alegada lesão que ocorreu em março de 2022 (vide ponto 1.18 dos factos julgados como provados), sendo que a presente providência cautelar foi proposta em 29/07/2022, ou seja, a esta data a alegada lesão já se encontrava consumada. Não há absolutamente nada que justifique o recurso à tutela cautelar neste momento…
LXIV. Mas, para além de se ter logrado provar que à data da propositura da providência cautelar a lesão já se encontrava consumada há mais quatro meses, o recorrente não logrou provar quaisquer factos que permitam concluir pelo receio de nova lesão, bem pelo contrário.
LXV. Quanto à ponderação de interesses, o recorrente limitou-se a tecer uma série de considerações – meramente especulativas – não tendo logrado provar quaisquer factos concretos e que permitissem concluir como i) está violado o seu direito de propriedade e acesso ao imóvel e ii) não provou qualquer facto que permitisse concluir que há qualquer violação do seu direito à vida.
LXVI. Na verdade, as “limitações” ou transtornos de que o recorrente se queixa são comuns a qualquer proprietário de uma fração autónoma com logradouro sita em Lisboa: sendo uma fração autónoma, o acesso ao logradouro é feito pelo interior da fração e não pela propriedade do vizinho…
LXVII. Postos cada um dos direitos nos respetivos pratos da balança, é evidente a conclusão de que prevalece o direito recorrida, que tem a propriedade total sobre o imóvel e cujo direito fica completamente suspenso para salvaguarda de uma putativa desvalorização da fração autónoma do recorrente em virtude da limitação do acesso cujo direito de passagem nem sequer está estabelecido.
LXVIII. A sentença recorrida não merece censura.
*
Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
*
II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
A) Questão prévia:
- Se o valor atribuído à presente causa deve ser alterado para 30.000,01€;
B) Mérito do recurso:
- Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos considerados como não provados sob os pontos 2.1., 2.2., 2.4., 2.5., 2.6., 2.8. e 2.9., no sentido de estes passarem a integrar o elenco de factos provados;
- Se a decisão final recorrida deve ser revogada em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, decidindo-se pela procedência do presente procedimento cautelar.
*
A) Questão prévia:
No que à fixação do valor da causa se refere, consta do segmento decisório da decisão final o seguinte:
“Valor: €20.000,00 (vinte mil euros), atribuído pelo requerente e não impugnado pela requerida.
Nenhuma outra referência é feita nessa decisão final (ou em qualquer despacho) ao valor da causa.
Analisados os autos, vemos o Recorrente intentou o presente procedimento cautelar atribuindo-lhe, no requerimento inicial, o valor de 30.000,01€.
A Recorrida, por seu lado, não impugnou esse valor.
Ou seja, o valor da causa “atribuído pelo requerente e não impugnado pela requerida” foi de 30.000,01€ e não de 20.000,00€.
Em sede de recurso veio o Recorrente defender que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na fixação do valor da causa, devendo este ser alterado para o valor de 30.000,01€, correspondente ao valor determinado de acordo com o critério legal previsto pelo artigo 305.º, n.º 1 do CPC.
Entende este Tribunal que não estamos perante um erro de julgamento, conforme refere o Recorrente, mas sim perante um manifesto erro de escrita que pode, e deve, ser retificado nos termos do artigo 614º, n.º 1, do CPC, retificação essa que aqui se determina.
Assim, onde no referido segmento decisório se lê “€20.000,00”, deve passar a ler-se “€30.000,01”.
*
III. Fundamentação de Facto:
Na sentença recorrida foram dados como indiciariamente provados e não provados os seguintes factos, encontrando-se a negrito aqueles que foram objeto de impugnação:
1. Factos indiciariamente provados
Produzida a prova indicada pelas partes, resultam indiciariamente demonstrados os seguintes factos:
1.1. Encontra-se inscrita por ap. 10 de …/07/31, a aquisição, por compra, a favor do requerente, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, Mercês, composto de casa de cave, subcave, rés-do-chão, 3 andares, águas furtadas, e quintal com um portão de serventia para o Páteo do Bispo que comunica com a Rua …, composto pelas fracções A a H, descrito sob o n.º …/… da Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
1.2. A fracção A do prédio referido em 1.1. corresponde ao rés-do-chão esquerdo, para habitação, com quintal, e saída para a via pública pelo portão existente na subcave, que dá acesso à Rua ….
1.3. Encontra-se inscrita por ap. … de …/…, a aquisição, por compra, a favor de Aldeota Imobiliária, Ld.ª, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, …, …, … e …, e Rua …, n.º …, …, …, …, … e …, que se mostra descrito como composto de lojas, rés-do-chão, 2 andares e mansarda, barracão e pátio comum (Páteo do Bispo) – art.º …; rés-do-chão (loja) e sótão – artigo …, rés-do-chão e sótão – artigo …, descrito sob o n.º …/… da Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
1.4. Entre os prédios referidos em 1.1. e 1.3., existe um pátio, designado por Páteo do Bispo,
1.5. O pátio referido em 1.4. apresenta o comprimento de 28,08 metros e a largura de 2,13 metros a sul, 5,63 metros a meio e 10,64 metros a norte.
1.6. O pátio referido em 1.4. tem vindo a ser utilizado pelos prédios em redor, incluindo a fração referida em 1.2.
1.7. A fração referida em 1.2. apresenta desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde o ano de 1990, um acesso à Rua … e um acesso para a Rua ….
1.8. O acesso para a Rua … é realizado pelo rés-do-chão.
1.9. O acesso para a Rua … é realizado pela subcave, através de portão aí existente, o qual comunica com o pátio referido em 1.4., que termina numa passagem em túnel, inclinada, em linha recta, sob o prédio com os n.º … a …, com 1,61 metros de largura e 13,75 metros de comprimento, passagem que terminava num portão que comunicava directamente com a Rua ….
1.10. A passagem em túnel referida em 1.7. existe desde data não concretamente apurada, mas seguramente não posterior a 1990, e permite a circulação de pessoas para o interior do pátio referido em 1.4. e para a fração referida em 1.2.
1.11. Desde 1990 o requerente, por si ou seus familiares, tem utilizado a passagem e pátio referidos em 1. e 1. para aceder à zona da fracção referida em 1.7. em que se situa a sala de estar e jardim.
1.12. Desde o ano de 1990, o requerente começou a utilizar, com regularidade não concretamente apurada, a saída referida em 1.7. e 1.8. para a Rua … e desta para o seu imóvel.
1.13. O portão da subcave era utilizado para passear os dois cães da habitação e para levar os netos do requerente à escola.
1.14. Até à obstrução do caminho referido em 1.9. a empregada doméstica apenas tinha acesso à fracção referida em 1.2. pelo mesmo.
1.15. A passagem referida em 1.9. é a única que permite a circulação de pequenos veículos de transporte de materiais e de contentores para depósito de entulho ou lixo.
1.17. A passagem referida em 1.9. é a única que permite o transporte de equipamentos de bombeiros em caso de incêndio no prédio onde se localiza a fracção referida em 1.2. e que permite a saída do requerente, familiares e terceiros para a via pública pelos seus meios em caso de incêndio que se propague ao rés-do-chão ou à cave.
1.18. Em Março de 2022, a requerida, por força da realização de obras de requalificação do imóvel referido em 1.3., removeu o portão que se encontrava no fim/início da passagem em túnel, fechando o túnel que ligava a Rua … ao pátio referido em 1.4. com chapas de alumínio, deixando uma porta que se encontra trancada com cadeado.
1.19. Por força da execução de obras pela requerida no prédio referido em 1.3. o pátio referido em 1.4. tornou-se inacessível por força do entulho aí depositado pela requerida.
2. Factos não provados
Não resultaram demonstrados os seguintes factos:
2.1. O pátio referido em 1.4. é comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2.
2.2. O pátio referido em 1.4. sempre apresentou iluminação pública que acendia e apagava em simultâneo com a Rua … e da Rua ….
2.3. Os esgotos do prédio sito na Rua …, n.º …, passam em grande parte sob o Páteo do Bispo, onde existe uma caixa que periodicamente necessita de intervenção.
2.4. A passagem referida em 1.9. é público e de acesso livre.
2.5. A passagem referida em 1.9. é a única que permite a limpeza e manutenção do jardim do requerente, realizada com alguma regularidade por uma equipa de jardinagem contratada para o efeito.
2.6. A passagem referida em 1.9. é a única passagem que permite a entrada e saída de objectos de maior dimensão, uma vez que a escadaria que liga as diferentes divisões é bastante estreita e não possui qualquer apoio lateral.
2.7. A passagem referida em 1.7. e 1.8. foi utilizada quando foi feita a renovação da cozinha, a substituição das portadas em vidro para o jardim, e a implementação de peças em pedra de peso superior a algumas centenas de quilos, como a cimalha e suportes da boca de um fogão da sala, caldeira e outros equipamentos de aquecimento.
2.8. O requerente sempre actuou como se fosse titular de um direito de passagem sobre o pátio e passagem referida em 1.4. e 1.9.
2.9. O referido em 1.18. e 1.19. provoca a desvalorização do imóvel por impedir a sua decomposição em dois imóveis com o objectivo de arrendar ou alienar uma das fracções.
*
IV. Mérito do Recurso:
- Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto quanto aos factos considerados como não provados sob os pontos 2.1., 2.2., 2.4., 2.5., 2.6., 2.8. e 2.9., no sentido de estes passarem a integrar o elenco de factos provados.
Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso.
Preceitua o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. 
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão” (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém atual).
Diz-se também no Acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt, que:
“(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC.
É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC.
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
A interpretação da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 156), podendo ler-se a este propósito que:
O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153).
Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.155).
Assim, quanto a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
A este ónus de impugnação, soma-se um outro não menos importante, que é o ónus de conclusão, previsto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Este ónus de conclusão para além de visar a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso, visa também a definição do seu objeto.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 16.05.2018, processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
“I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art.º 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”
Assim, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objeto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, veja-se ainda o Acórdão do STJ de 18.06.2013, processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1, disponível no mesmo sítio).
Revertendo agora para o caso dos autos, temos por seguro que o Recorrente cumpriu os ónus previstos no acima citado artigo 640º, nº 1, a) e c), do CPC.
Com efeito, resultam das conclusões apresentadas os concretos pontos de facto que o Recorrente considera incorretamente julgados, bem como a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre esses mesmos pontos de facto impugnadas.
Já quanto ao ónus previsto no artigo 640º, n.º 1, b), do CPC, o mesmo apenas em parte foi preenchido. Na verdade, apesar de o Recorrente identificar os meios de prova constantes do processo que de acordo com o seu entendimento determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados - documentos e testemunhas -, no que toca às testemunhas o Recorrente não indica, quanto a cada uma delas, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, muito menos as transcreve, tal como exige o n.º 2 do citado artigo 640º do CPC e, no caso da impugnação dos pontos 2.1., 2.4. e 2.9. dos factos não provados, apenas alude em termos gerais à “prova testemunhal”. 
Ora, recai sobre o Recorrente, face ao regime em vigor, o ónus de motivar o seu recurso através da indicação das passagens da gravação ou da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugna.
O Recorrente, manifestamente, não cumpriu esses ónus.
Ora, tem sido jurisprudência pacífica, e que se perfilha, que no âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito.
Com efeito, a intenção da lei é não permitir impugnações vagas e genéricas da decisão da matéria de facto (sendo aqui mais exigente no princípio da auto-responsabilização das partes). É que, essa maior responsabilização é premiada com um alargamento do prazo processual para a apresentação das alegações quando o recurso se funda também na impugnação da matéria de facto.
A tal acresce que, a leitura das normas que regem esta matéria não permite outro entendimento, como resulta da análise do teor taxativo do artigo 640º e da previsão dos casos que justificam o convite constante do artigo 639º do CPC. 
Considerando o que ficou exposto, temos que, no caso dos autos, não estão reunidos os pressupostos para que se admita a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida com base nos depoimentos das testemunhas inquiridas, a qual, nessa estrita medida, se rejeita.
E, assim sendo, essa reapreciação apenas será efetuada com base na prova documental identificada pelo Recorrente.
Note-se que tal solução tem como consequência a não reapreciação da decisão da matéria de facto contida nos pontos 2.5. e 2.6. do elenco de factos não provados, uma vez que o Recorrente apenas a alicerça nos depoimentos das testemunhas inquiridas.
Analisemos então cada um dos pontos de facto impugnados.
Comecemos pelo ponto 2.1. do elenco de factos não provados, cuja redação é a seguinte: “2.1. O pátio referido em 1.4. é comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2.”
Defende o Recorrente que da prova documental, que identifica, resulta que o pátio referido em 1.4. é público e tem um uso comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2., o que deverá ser dado como provado nesses precisos termos.
Vejamos.
A natureza pública do Páteo do Bispo, alegada pelo Recorrente no requerimento inicial, foi objeto de impugnação pela Recorrida, constituindo matéria controvertida.
Acresce que essa alegação, tendo sido objeto de impugnação, é também conclusiva, o que significa que a qualificação do Páteo do Bispo como sendo público terá que resultar de factos concretos, alegados e provados, que permitam concluir nesse sentido, factos esses que são os relativos ao uso que do mesmo vem sendo feito. Assim, porque apenas devem ser considerados provados ou não provados factos e não conclusões, não poderá a pretensão do Recorrente de ver dado como provado que “O pátio referido em 1.4. é público (…)” ser atendida.
Pretende ainda o Recorrente que se dê como provado que o dito pátio “(…) tem um uso comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2.
Lido o requerimento inicial, vemos que ao longo do mesmo, e desde logo no seu artigo 6º, o Recorrente alude ao Páteo do Bispo como um “pátio comum”. Efetivamente, em ponto algum desse articulado o Recorrente alega que o dito Páteo do Bispo é de “uso comum” ao prédio identificado nos referidos pontos 1.1. e 1.2. do elenco de factos provados, o que apenas faz em sede de recurso.
Acresce que os factos relevantes relativamente ao “uso” que desse pátio vem sendo feito, são os contidos nos pontos 1.9., 1.10., 1.11., 1.12., 1.13., 1.14., 1.15. e 1.17. do elenco de factos provados, os quais não foram impugnados no presente recurso.
Note-se que será em face desses factos que, designadamente, se irá aferir da natureza pública do Páteo do Bispo.
A mera afirmação de que o Páteo do Bispo “(…) tem um uso comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2.” é, por si só, vazia de sentido, pois não descreve esse uso, não nos diz em que consiste o mesmo, motivo pelo qual não poderá proceder, também nessa vertente, a pretensão do Recorrente.
Neste enquadramento, e porque o Recorrente efetivamente se refere ao Páteo do Bispo como um “pátio comum”, o que pode ser entendido como uma alusão à propriedade comum do mesmo, relativamente à qual não foi feita qualquer prova, manter-se-á o ponto 2.1. do elenco de factos não provados.
Impugnou o Recorrente o ponto 2.2. do elenco de factos não provados, cujo teor é o seguinte: “2.2. O pátio referido em 1.4. sempre apresentou iluminação pública que acendia e apagava em simultâneo com a Rua … e da Rua ….”
Defende o Recorrente que tal facto resulta como indiciariamente provado pelo teor dos documentos n.º 6 e n.º 8 juntos pela Requerida com a oposição aperfeiçoada de 14.11.2022 (reprodução fotográfica do Páteo do Bispo em momento anterior ao início das obras realizadas pela Requerida) e pelo documento n.º 2 junto pelo Recorrente com o requerimento de 18.11.2011 (fotografia constante da memória descritiva e justificativa do projeto de arquitetura constante do processo de licenciamento tramitado junto da Câmara Municipal de Lisboa).
Assim entende que deverá ser julgado como facto indiciariamente provado que “o pátio referido em 1.4. sempre apresentou iluminação pública”.
Analisados as fotografias juntas como documentos n.ºs 6 e 9 com o articulado da Requerida em 14.11.2022 (temos por certo que a referência ao documento n.º 8 se deve a lapso do Recorrente pois no mesmo não é visível qualquer candeeiro) constata-se que no Páteo do Bispo existiu, efetivamente, um candeeiro de iluminação pública, pese embora nada se possa concluir quanto à data em que o mesmo foi aí colocado e quanto ao momento em que o mesmo acendia e apagava. Já no que se refere à fotografia que consta do documento n.º 2 junto pelo Recorrente em 18.11.2011, a mesma não se reporta ao interior do Páteo do Bispo, motivo pelo qual não se poderá concluir, com base na mesma, pela existência de Iluminação pública no dito pátio desde 1900.
Atento o exposto, e na procedência parcial da pretensão do Recorrente, deverá eliminar-se o ponto 2.2. do elenco de factos não provados e acrescentar-se ao elenco de factos provados um novo ponto, com a seguinte redação:
O pátio referido em 1.4., a partir de data não concretamente apurada, passou a apresentar um candeeiro de iluminação pública.
Impugnou o Recorrente o ponto 2.4. do elenco de factos não provados, cuja redação é a seguinte:
“2.4. A passagem referida em 1.9. é pública e de acesso livre.”
Entende o Recorrente que da prova documental que identifica resulta indiciariamente provado que “A passagem referida em 1.9. é de utilização pública e de acesso livre”.
Tal ponto da matéria de facto reporta-se à alegação do Recorrente contida nos artigos 14º e 15º do requerimento inicial, onde o mesmo invoca que a dita passagem é “pública” e de “livre acesso”, permitindo “a circulação de pessoas – pretendam, as mesmas, visitar o pátio ou aceder à propriedade do ora Requerente.
A alegação da natureza pública dessa passagem foi objeto de impugnação pela Recorrida, constituindo matéria controvertida.
Acresce que essa alegação é conclusiva, o que significa que a qualificação dessa passagem como sendo pública terá que resultar de factos concretos, alegados e provados, que permitam concluir nesse sentido, factos esses que são os relativos ao uso que da mesma vem sendo feito. Assim, porque apenas devem ser considerados provados ou não provados factos e não conclusões, não poderá considerar-se como provado que a dita passagem é pública. E, pelo mesmo motivo, também não poderá considerar-se tal facto como não provado, o que significa que deve ser eliminada do ponto 2.4. do elenco de factos não provados o termo “pública”.
Esclarecido este ponto, dir-se-á que os factos relevantes relativamente à “utilização” que dessa passagem vem sendo feito, designadamente pelo Recorrente, são os contidos nos pontos 1.9., 1.10., 1.11., 1.12., 1.13., 1.14., 1.15. e 1.17. do elenco de factos provados, os quais não foram impugnados no presente recurso. Será em face desses factos que, designadamente, se irá aferir da natureza pública da dita passagem.
Considerou o Tribunal a quo como não provado que a dita passagem é de “(…) acesso livre”, referindo-se, como claramente decorre da motivação desse facto, ao acesso pela generalidade das pessoas, pelo público em geral (que é precisamente o que o Recorrente pretende ver dado como provado). Concordamos com essa posição. Efetivamente, entendemos que a própria configuração do Páteo do Bispo, ao qual a dita passagem em túnel dá acesso (e só a ele dá acesso), ladeado por várias frações, não permite concluir que estamos perante uma zona de livre acesso à generalidade das pessoas. E tal convicção não resulta abalada por nenhum dos documentos identificados pelo Recorrente.
Atento o exposto, conclui-se pela improcedência, quanto a tal ponto da matéria de facto, da pretensão do Recorrente e pela retificação da redação do ponto 2.4. do elenco de factos não provados nos seguintes termos:
2.4. A passagem referida em 1.9. é de acesso livre.”  
Impugnou o Recorrente o ponto 2.8. do elenco de factos não provados, cuja redação é a seguinte:
2.8. O requerente sempre actuou como se fosse titular de um direito de passagem sobre o pátio e passagem referida em 1.4. e 1.9.
Defende o Recorrente que tal ponto da matéria de facto considerada como não provada deve ser eliminado, porquanto considera que estamos perante uma qualificação jurídica, a qual não tem por premissas quaisquer factos não provados, referentes à sua atuação com a convicção e crença de que tinha o direito de utilizar o pátio e a passagem referidos em 1.4. e 1.9. como caminho de acesso ao portão existente na subcave da fração autónoma de que é dono.
O ponto 2.8. do elenco de factos não provados reproduz o artigo 83º do requerimento inicial, o qual se reporta ao animus enquanto elemento integrador da posse, alegado pelo Recorrente para alicerçar a existência de uma invocada servidão de passagem estabelecida a favor do seu prédio.
Entendemos que, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, esse animus constitui um facto que, como tal, deverá ser dado como provado ou não provado, e não uma mera qualificação jurídica.
Ora, na motivação desse facto é explicado pelo Tribunal a quo que o mesmo foi dado como não provado porque decorre “da alegação do requerente de que está em causa um caminho público, o que não parece conciliável com a consideração de que se exerce um direito de passagem próprio.” De facto, assim é. O Recorrente alega que o Páteo do Bispo e a passagem em túnel que se lhe segue são públicos e que, por isso, tem o direito de passar por eles, como qualquer pessoa, utilizando-os para aceder ao seu prédio. É essa a convicção com que alega utilizar o dito acesso. Só para o caso de se entender que o local pelo qual se efetua esse acesso é propriedade da Recorrida é que, subsidiariamente, peticiona que se conclua pela existência de um direito de passagem a favor do seu prédio. No entanto, esse pedido subsidiário não encerra em si a virtualidade de alterar aquela que é a convicção com que utiliza o acesso em causa. Não é pelo simples facto de se demonstrar que esse acesso é propriedade de terceiro que se pode concluir que, afinal, o Recorrente o utiliza convicto de que o faz no exercício de um direito próprio de passagem.     
Atento o exposto, improcede a pretensão do Recorrente.
Impugnou o Recorrente o ponto 2.9. do elenco de factos não provados, cujo teor é o seguinte:
“2.9. O referido em 1.18. e 1.19. provoca a desvalorização do imóvel por impedir a sua decomposição em dois imóveis com o objectivo de arrendar ou alienar uma das fracções.
Defende o Recorrente que essa factualidade deve ser dada como provada, na medida em que constitui facto notório que a impossibilidade física/legal de divisão determina a desvalorização da sua fração.
Entendemos que não lhe assiste razão. Desde logo porque, como bem se refere na motivação desse facto, dos autos não resulta que a fração do Recorrente reúne condições legais para ser dividido em duas novas frações e que essa divisão apenas foi impedida pela atuação da Recorrida.
Atento o exposto, improcede também aqui a pretensão do Recorrente.  
*
Aqui chegados, iremos reproduzir o elenco de factos provados e não provados, com as alterações introduzidas, aproveitando-se ainda para retificar alguns lapsos de escrita que detetamos:
1. Factos indiciariamente provados:
Produzida a prova indicada pelas partes, resultam indiciariamente demonstrados os seguintes factos:
1.1. Encontra-se inscrita por ap. … de …/…/…, a aquisição, por compra, a favor do requerente, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, Mercês, composto de casa de cave, subcave, rés-do-chão, 3 andares, águas furtadas, e quintal com um portão de serventia para o Páteo do Bispo que comunica com a Rua …, composto pelas frações A a H, descrito sob o n.º …/… da Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
1.2. A fração A do prédio referido em 1.1. corresponde ao rés-do-chão esquerdo, para habitação, com quintal, e saída para a via pública pelo portão existente na subcave, que dá acesso à Rua ….
1.3. Encontra-se inscrita por ap. … de …/…, a aquisição, por compra, a favor de Aldeota Imobiliária, Ld.ª, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, …, …, … e …, e Rua …, n.º …, …, …, …, … e …, que se mostra descrito como composto de lojas, rés-do-chão, 2 andares e mansarda, barracão e pátio comum (Páteo do Bispo) – art.º 587º; rés-do-chão (loja) e sótão – artigo …, rés-do-chão e sótão – artigo …, descrito sob o n.º …/… da Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
1.4. Entre os prédios referidos em 1.1. e 1.3., existe um pátio, designado por Páteo do Bispo.
1.5. O pátio referido em 1.4., a partir de data não concretamente apurada, passou a apresentar um candeeiro de iluminação pública.
1.6. O pátio referido em 1.4. apresenta o comprimento de 28,08 metros e a largura de 2,13 metros a sul, 5,63 metros a meio e 10,64 metros a norte.
1.7. O pátio referido em 1.4. tem vindo a ser utilizado pelos prédios em redor, incluindo a fração referida em 1.2.
1.8. A fração referida em 1.2. apresenta desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde o ano de 1990, um acesso à Rua … e um acesso para a Rua ….
1.9. O acesso para a Rua … é realizado pelo rés-do-chão.
1.10. O acesso para a Rua … é realizado pela subcave, através de portão aí existente, o qual comunica com o pátio referido em 1.4., que termina numa passagem em túnel, inclinada, em linha reta, sob o prédio com os n.º 53 a 63, com 1,61 metros de largura e 13,75 metros de comprimento, passagem que terminava num portão que comunicava diretamente com a Rua ….
1.11. A passagem em túnel referida em 1.10. existe desde data não concretamente apurada, mas seguramente não posterior a 1990, e permite a circulação de pessoas para o interior do pátio referido em 1.4. e para a fração referida em 1.2.
1.12. Desde 1990 o requerente, por si ou seus familiares, tem utilizado a passagem e pátio referidos em 1.4. e 1.10. para aceder à zona da fração referida em 1.2. em que se situa a sala de estar e jardim.
1.13. Desde o ano de 1990, o requerente começou a utilizar, com regularidade não concretamente apurada, a saída referida em 1.8. e 1.10. para a Rua … e desta para o seu imóvel.
1.14. O portão da subcave era utilizado para passear os dois cães da habitação e para levar os netos do requerente à escola.
1.15. Até à obstrução do caminho referido em 1.10. a empregada doméstica apenas tinha acesso à fração referida em 1.2. pelo mesmo.
1.16. A passagem referida em 1.10. é a única que permite a circulação de pequenos veículos de transporte de materiais e de contentores para depósito de entulho ou lixo.
1.17. A passagem referida em 1.10. é a única que permite o transporte de equipamentos de bombeiros em caso de incêndio no prédio onde se localiza a fração referida em 1.2. e que permite a saída do requerente, familiares e terceiros para a via pública pelos seus meios em caso de incêndio que se propague ao rés-do-chão ou à cave.
1.18. Em Março de 2022, a requerida, por força da realização de obras de requalificação do imóvel referido em 1.3., removeu o portão que se encontrava no fim/início da passagem em túnel, fechando o túnel que ligava a Rua … ao pátio referido em 1.4. com chapas de alumínio, deixando uma porta que se encontra trancada com cadeado.
1.19. Por força da execução de obras pela requerida no prédio referido em 1.3. o pátio referido em 1.4. tornou-se inacessível por força do entulho aí depositado pela requerida.
2. Factos não provados:
Não resultaram demonstrados os seguintes factos:
2.1. O pátio referido em 1.4. é comum ao imóvel referido em 1.1. e 1.2.
2.2. Os esgotos do prédio sito na Rua …, n.º …, passam em grande parte sob o Páteo do Bispo, onde existe uma caixa que periodicamente necessita de intervenção.
2.3. A passagem referida em 1.10. é de acesso livre.
2.4. A passagem referida em 1.10. é a única que permite a limpeza e manutenção do jardim do requerente, realizada com alguma regularidade por uma equipa de jardinagem contratada para o efeito.
2.5. A passagem referida em 1.10. é a única passagem que permite a entrada e saída de objetos de maior dimensão, uma vez que a escadaria que liga as diferentes divisões é bastante estreita e não possui qualquer apoio lateral.
2.6. A passagem referida em 1.10. foi utilizada quando foi feita a renovação da cozinha, a substituição das portadas em vidro para o jardim, e a implementação de peças em pedra de peso superior a algumas centenas de quilos, como a cimalha e suportes da boca de um fogão da sala, caldeira e outros equipamentos de aquecimento.
2.7. O requerente sempre atuou como se fosse titular de um direito de passagem sobre o pátio e passagem referida em 1.4. e 1.10.
2.8. O referido em 1.18. e 1.19. provoca a desvalorização do imóvel por impedir a sua decomposição em dois imóveis com o objetivo de arrendar ou alienar uma das frações.
*
- Se a decisão final recorrida deve ser revogada em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, decidindo-se pela procedência do presente procedimento cautelar.
Defende o Recorrente, em sede de alegações, que o Páteo do Bispo “tem caráter público” e que a passagem em túnel entre o Páteo do Bispo e a Rua …, “ainda que seja privada tem uma utilização pública”.
A questão da dominialidade de determinados acessos gerou controvérsia, apenas serenada com a prolação do Assento do STJ de 19 de Abril de 1989, publicado no DR I-A de 2 de Junho de 1989, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, que fixou a seguinte doutrina: “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público.” Consagrava-se assim, de entre as correntes em confronto, aquela que dispensava a exigência de que, a par do uso e cumulativamente com ele, os ditos caminhos fossem administrados pelo Estado ou outra pessoa de direito público. Ali se discorreu, em suporte da tese que fez vencimento, o seguinte: “(…) entende-se que, quando a dominialidade de certas coisas não está definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente. É suficiente para que uma coisa seja pública o seu uso directo e imediato pelo público, não sendo necessária a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa colectiva de direito público. Assim, um caminho é público desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção. (…) Esta orientação é a que melhor se adapta às realidades da vida, visto ser com frequência impossível encontrar registos ou documentos comprovativos da construção, aquisição ou mesmo administração e conservação dos caminhos, e assim se obstar a apropriação de coisas públicas por particulares, com sobreposição do interesse público por interesses privados. Basta, portanto, para a qualificação de um caminho como caminho público o facto de certa faixa de terreno estar afecta ao trânsito de pessoas sem discriminação.
Não obstante, o STJ vem defendendo, de forma persistente, uma interpretação restritiva do dito acórdão uniformizador, exigindo, para que um caminho de uso imemorial se possa considerar integrado no domínio público, a sua afetação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objeto a satisfação de interesses coletivos de certo grau e relevância. E “nem outra coisa se compreenderia: é que o uso público relevante para o efeito é precisamente o que pressupõe uma finalidade comum desse uso. Isto é, se cada pessoa, isoladamente considerada, utiliza o caminho ou terreno apenas com vista a um fim exclusivamente pessoal ou egoístico, distinto dos demais utilizadores do mesmo caminho ou terreno, para satisfação apenas do seu próprio interesse sem atenção aos interesses dos demais, não é a soma de todas as utilizações e finalidades pessoais que faz surgir o interesse público necessário para integrar aquele uso público relevante. Por muitas que sejam as pessoas que utilizem um determinado caminho ou terreno, só se poderá sustentar a relevância desse uso por todos para conduzir à classificação de caminho ou terreno público se o fim visado pela utilização for comum à generalidade dos respectivos utilizadores, por o destino dessa utilização ser a satisfação da utilidade pública e não de uma soma de utilidades individuais” – Acórdão do STJ de 13.01.2004, proc. n.º 3433/03, citado no Acórdão do mesmo STJ de 14.10.2004, proc. 04B2576, acessível em www.dgsi.pt.
A relevância do interesse coletivo do terreno deve ser apreciada casuisticamente no cotejo com as circunstâncias e o “modus vivendi” da localidade onde ele se situa. Assim, há que ter em conta, em primeira linha, por um lado, o número normal de utilizadores, que tem de ser uma generalidade de pessoas (v.g. uma percentagem elevada dos membros de uma povoação) e, por outro lado, a importância que o fim visado tem para estes à luz dos seus costumes coletivos e das suas tradições, e não de opiniões externas. Distinguindo-se tal utilização daqueloutra que se consubstancia como uma mera soma de utilidades individuais e que não tem força bastante para fazer emergir tal natureza pública - cfr. o Acórdão do STJ de 13.03.2008, processo n.º 08A542, em www.dgsi.pt., entendimento reiterado no aresto do mesmo STJ de 18.09.2014, processo n.º 44/1999.E2.S1, acessível no mesmo site.
Revertendo agora à concreta situação dos autos, vemos que a factualidade considerada como provada é de todo insuficiente para que se possa concluir pela verificação dos enunciados requisitos em relação ao Páteo do Bispo e à passagem em túnel que lhe dá acesso (sendo que relativamente a esta última o Recorrente, em sede de recurso, vem afirmar que a mesma é privada – pese embora sem identificar o respetivo proprietário – mas de utilização pública).
Efetivamente, apenas resultou provada a seguinte factualidade: 
- Encontra-se inscrita por ap. 10 de 1990/07/31, a aquisição, por compra, a favor do Recorrente, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, Mercês, composto de casa de cave, subcave, rés-do-chão, 3 andares, águas furtadas, e quintal com um portão de serventia para o Páteo do Bispo que comunica com a Rua …, composto pelas frações A a H, descrito sob o n.º …/… da Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
- A fração A desse prédio corresponde ao rés-do-chão esquerdo, para habitação, com quintal e saída para a via pública pelo portão existente na subcave, que dá acesso à Rua ….
- Encontra-se inscrita por ap. … de …/…, a aquisição, por compra, a favor de Aldeota Imobiliária, Ld.ª, do prédio urbano sito na Rua …, n.º …, …, …, … e …, e Rua …, n.º …, …, …, …, … e …, que se mostra descrito como composto de lojas, rés-do-chão, 2 andares e mansarda, barracão e pátio comum (Páteo do Bispo) – art.º …; rés-do-chão (loja) e sótão – artigo …, rés-do-chão e sótão – artigo …, descrito sob o n.º …/… da Conservatória do Registo Predial de Lisboa.
- Entre os prédios do Recorrente e da Recorrida existe um pátio, designado por Páteo do Bispo, o qual apresenta o comprimento de 28,08 metros e a largura de 2,13 metros a sul, 5,63 metros a meio e 10,64 metros a norte.
- Esse pátio, a partir de data não concretamente apurada, passou a apresentar um candeeiro de iluminação pública.
- O Páteo do Bispo tem vindo a ser utilizado pelos prédios em redor, incluindo a fração A do prédio do Recorrente.
- A fração A apresenta, desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde o ano de 1990, um acesso à Rua … e um acesso para a Rua ….
- O acesso para a Rua … é realizado pelo rés-do-chão.
- O acesso para a Rua … é realizado pela subcave, através de portão aí existente, o qual comunica com o Páteo do Bispo, que termina numa passagem em túnel, inclinada, em linha reta, sob o prédio com os n.º … a … (propriedade da Recorrida), com 1,61 metros de largura e 13,75 metros de comprimento, passagem que terminava num portão que comunicava diretamente com a Rua ….
- Essa passagem em túnel existe desde data não concretamente apurada, mas seguramente não posterior a 1990, e permite a circulação de pessoas para o interior do Páteo do Bispo e para a fração A do Recorrente.
- Desde 1990 o Recorrente, por si ou seus familiares, tem utilizado a dita passagem em túnel e o Páteo do Bispo para aceder à zona da fração A em que se situa a sala de estar e jardim.
- Desde o ano de 1990, o requerente começou a utilizar, com regularidade não concretamente apurada, o referido acesso para a Rua … e desta para o seu imóvel.
- O portão da subcave era utilizado para passear os dois cães da habitação e para levar os netos do requerente à escola.
- Até à obstrução desse caminho a empregada doméstica apenas tinha acesso à fração A pelo mesmo.
A factualidade acabada de expor, como da mesma resulta, não permite a conclusão de que o Páteo do Bispo e a passagem em túnel que se lhe segue estão, desde tempos imemoriais, no uso direto e imediato do público, nem que a dita passagem em túnel é de utilização pública.   
Assim sendo, com fundamento na natureza pública desse caminho, não é possível reconhecer ao Recorrente qualquer direito de passagem pelo mesmo.
Vejamos então se essa factualidade nos permite concluir pela existência de uma servidão de passagem a favor do prédio do Recorrente, como igualmente é defendido pelo mesmo.
Como nota prévia, importa referir que da análise da certidão predial relativa ao prédio descrito na CRP de Lisboa sob o n.º …/… da freguesia de Mercês, hoje propriedade da Recorrida, não resulta a existência de inscrição atualmente em vigor relativa a servidão de trânsito constituída a favor do prédio do Recorrente. Por esse motivo, não haverá que equacionar aqui a aplicabilidade da presunção estabelecida no artigo 7º do Código de Registo Predial, defendida pelo Recorrente.
Prosseguindo.
O artigo 1543º do Código Civil (doravante apenas CC) define servidão predial como “o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.
As servidões prediais desde que aparentes (artigos 1293º, a) e 1548 nº 1 do CC, à contrário) podem, nos termos do artigo 1547º, nº 1, do CC, ser constituídas por usucapião. Constituindo a servidão sempre um encargo de carácter excecional sobre o prédio serviente, para que possa adquirir-se por usucapião torna-se efetivamente imprescindível a existência de sinais aparentes e permanentes reveladores do seu exercício.
Determina o artigo 1287º do CC que “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião.
A aquisição por usucapião pressupõe assim a posse em determinadas condições e o decurso de certo lapso de tempo.
A posse vem definida no artigo 1251º do CC, sendo integrada por dois elementos: o “corpus”, elemento material, que consiste no domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efetivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício; e, o “animus”, elemento psicológico, que consiste na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio de facto. Ver neste sentido: Henrique Mesquita, in “Direitos Reais”, p. 66 e ss.
A primeira condição para haver usucapião é assim a existência de posse, a qual deve revestir duas características, deve ser pública e pacífica, isto é, tem de ser exercida de modo a poder ser conhecida pelos interessados e deve ser adquirida sem violência (cfr. art.ºs 1297º, 1261º e 1262º do CC). A segunda condição necessária ao funcionamento do instituto é a de que determinado direito seja constituível por usucapião. A terceira condição é o decurso do prazo, determinado lapso de tempo, variável consoante a natureza da coisa de cuja aquisição se trate e consoante as características da posse que lhe esteja na base (cfr. art.ºs 1294 a 1297 do CC).
Ora, temos por seguro que na presente situação e no que à posse se refere, é possível afirmar que o Recorrente logrou demonstrar o seu elemento material, ou seja, o “corpus”.    
Efetivamente, ficou provado o seguinte:
 - A fração A, propriedade do autor, apresenta, desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde o ano de 1990, um acesso à Rua … e um acesso para a Rua ….
- O acesso para a Rua … é realizado pela subcave, através de portão aí existente, o qual comunica com o Páteo do Bispo, que termina numa passagem em túnel, inclinada, em linha reta, sob o prédio com os n.ºs … a … (propriedade da Recorrida), passagem que terminava num portão que comunicava diretamente com a Rua ….
- Desde 1990 o Recorrente, por si ou seus familiares, tem utilizado a dita passagem em túnel e o Páteo do Bispo para aceder à zona da fração A em que se situa a sala de estar e jardim.
- Desde o ano de 1990, o requerente começou a utilizar, com regularidade não concretamente apurada, o referido acesso para a Rua … e desta para o seu imóvel.
- O portão da subcave era utilizado para passear os dois cães da habitação e para levar os netos do requerente à escola.
- Até à obstrução desse caminho a empregada doméstica apenas tinha acesso à fração A pelo mesmo.
No entanto, é também certo que o Recorrente já não logrou demonstrar o elemento psicológico da posse, o “animus”, ou seja, que atuou da forma acima descrita com a convicção de ser titular de um direito próprio de passagem.
 E tal é suficiente para que se conclua pela improcedência da pretensão do Recorrente de ver reconhecido a favor do seu prédio um direito de servidão de passagem sobre o Páteo do Bispo e a passagem em túnel que se lhe segue.
Em face de tudo quanto ficou exposto, conclui-se que o Recorrente não logrou provar, como lhe competia, a probabilidade séria da existência de um direito na sua titularidade que deva ser acautelado através da presente providência cautelar, pelo que a mesma terá, necessariamente, de improceder, tornando inútil o conhecimento das demais questões por si suscitadas, as quais ficam assim prejudicadas.
Neste enquadramento, e sem necessidade de ulteriores considerações, resta-nos concluir pela improcedência do presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe.
Notifique.
*
Lisboa, 25/01/2024,
Susana Mesquita Gonçalves
Carlos Gabriel de Castelo Branco
José Manuel Monteiro Correia