Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3294/20.1T8GMR-A.G1
Relator: ROSÁLIA CUNHA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
NORMA IMPERATIVA
FALTA DE INTEGRAÇÃO
SUCESSIVO INCUMPRIMENTO
REPETIÇÃO DO PROCEDIMENTO PERSI
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No contexto da crise económica e financeira que afetou a maioria dos países europeus a partir de 2008, o Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) impondo que as instituições de crédito observem e pautem a sua conduta pelo princípio de concessão responsável de crédito, exigindo-lhes, como se lê no respetivo preâmbulo, “uma atuação prudente, correta e transparente (...) em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores”.
O diploma “visa promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.
II - O PERSI, enquanto mecanismo de proteção dos clientes bancários consumidores que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, impede que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos, impondo-lhes obrigatoriamente o recurso a uma fase pré-judicial, que visa a composição do litígio por acordo entre o credor e o devedor, a qual, por sua vez, se sub-divide em três fases: a fase inicial (art. 14º); a fase de avaliação e proposta (art. 15º); e a fase de negociação (art. 16º).
III - De acordo com o disposto nonº 1 do art. 18º, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
IV - Constituindo a inclusão e a extinção do PERSI condições objetivas de procedibilidade de cuja observância depende a possibilidade da instituição de crédito resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, cabe-lhe o ónus de alegação e demonstração quer da implementação do PERSI, quer da sua extinção (art. 342º, nº 1 e 3 do CC).
V - Na vigência de um contrato pode haver lugar a mais do que um PERSI.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA, na qualidade de executado, ausente e representado pelo Ministério Público, veio deduzir embargos de executado contra EMP01..., S.A. (a qual, na qualidade de cessionária dos créditos exequendos foi habilitada no lugar da primitiva exequente Banco 1..., S.A.) pedindo a sua absolvição da instância executiva.
Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que a embargada não provou, conforme lhe competia, que o embargante foi integrado no PERSI e que este procedimento se extinguiu.
Entre a data de integração no PERSI e a extinção desse procedimento, a instituição de crédito não pode intentar ações judiciais com vista a satisfazer o crédito e não pode ceder a terceiro parte ou a totalidade do mesmo.
Assim sendo, no caso ocorre uma situação de falta de procedibilidade do título executivo.
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A exequente/embargada contestou alegando que o executado/embargante foi integrado no PERSI e este procedimento foi extinto, conforme resulta das comunicações que a instituição de crédito lhe remeteu.
Por outro lado, a cessão de créditos à embargada EMP01..., S.A. ocorreu depois de o PERSI já se encontrar extinto.
Assim, entende que não se verifica a invocada situação de falta de procedibilidade do título executivo e pugna pela improcedência dos embargos
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Foi proferido despacho saneador, foi fixado à causa valor igual ao da execução (€ 117 393,05), identificou-se o objeto do processo e procedeu-se à enunciação dos temas de prova.
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Pelo exposto, decide-se, na verificação da excepção dilatória inominada de falta de integração em PERSI, julgar procedentes os embargos e determinar a extinção da execução.-
Custas pela exequente/embargada – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil – fixando- se a taxa de justiça em 3 (três) Ucs – art. 7º, nº 4, do RCP e Tabela II Anexa ao mesmo diploma.-
Registe e notifique.---“
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A exequente/embargada não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“a) A 17/01/2018, por escritura pública, foram celebrados dois contratos de compra e venda com hipoteca com os nº ...35 e nº ...36 entre AA e o Banco 1..., S.A., pelo qual o segundo emprestou as quantias de € 40.000,00 (quarenta mil euros) e € 80.000,00 (oitenta mil euros).
b) Para o bom e pontual pagamento das quantias mutuadas, foram constituídas duas hipotecas sob o prédio urbano, designado por Lote nº ..., inscrito na matriz urbana sob o ... artigo ...73 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...87, registadas sob as AP. ...68 de 2018/01/18 e AP. ...71 de 2018/01/18.
c) Ambos os contratos e as garantias a si associadas, no caso concreto as hipotecas, foram cedidas à EMP02..., S.A., ora Recorrente, a o que foi registado sob a AP. ...90 de 2023/07/11.
d) Ora, os contratos supra identificados entraram em incumprimento a 02/06/2019, razão pela qual foi proposta a presente ação executiva a 14/07/2020 pelo Exequente primitivo, Banco 1..., S.A..
e) O Executado AA, representado pelo Ministério Público, veio opor-se à Execução mediante Embargos alegando, em suma, a falta de prova do efectivo envio e receção das comunicações de integração e consequente extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) nos termos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
f) Mais veio alegar que estaria vedado ao Banco 1... S.A., mutuário primitivo, a hipótese de ceder os seus créditos, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 18º do mencionado Diploma.
g) A Sentença objeto de Recurso, de 06/05/2025, veio dar razão ao Ministério Público, considerando que a falta de integração do Executado no PERSI, o que constitui uma exceção dilatória inominada.
h) Consequentemente, entendeu o Tribunal que estaria o Banco 1..., S.A., enquanto instituição de crédito, impedido de ceder os seus créditos à ora Apelante.
i) Com o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal ao decidir como decidiu, pelo que a Sentença deverá ser revogada por uma que entenda o normal cumprimento do PERSI e pela não verificação da exceção dilatória inominada.
j) Por se mostrarem ambos os contratos em incumprimento, a 04/05/2019 veio o Banco cedente Banco 1... S.A., remeter Carta de Integração do Executado BB no PERSI.
k) Da referida Carta constam as informações relativas aos valores em atraso, as condições de integração e de procedibilidade do PERSI, bem como quais as razões da sua extinção, nos termos do art. 17º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro ...
l) Porém, e por ter regularizado as quantias em mora relativamente a ambos os contratos, o Banco procedeu à extinção do referido procedimento, o que lhe foi imediatamente comunicado por Carta datada de 13/06/2019.
m) Ora, desde já se diga que o facto de o Executado, ora Embargante, ter regularizado as dívidas na sequência da Carta que lhe foi remetida com a sua integração no PERSI, apenas demonstra que a mesma surtiu os efeitos pretendidos.
n) Demonstra ainda que o Executado rececionou a Carta de integração no PERSI na morada por ele indicada.
o) O Executado voltou a incumprir ambos os contratos, pelo que foi novamente integrado no PERSI, tendo-lhe tal sido comunicado por carta de 07/08/2019, na expectativa de que algo semelhante viesse ocorrer.
p) Sucede que, desta feita, o Executado não regularizou as quantias em dívida, nem prestou quaisquer esclarecimentos ao Banco.
q) Por esse motivo, o Banco procedeu à extinção do Procedimento, por terem decorrido os 90 (noventa) dias da sua integração e por não se mostrar viabilizado o acordo para a manutenção dos contratos, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 17º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o que lhe foi também comunicado por carta de 06/11/2019.
r) Assim, demonstra-se que, para além de ser do interesse do Banco cedente a intenção de tentar junto do devedor um acordo para a regularização da dívida, apenas considera o procedimento falhado quando efetivamente se mostra inviável a sua manutenção.
s) Tendo o Banco sempre agido de boa fé e de acordo com as obrigações impostas pelo Diploma, quer no que concerne à integração e extinção do PERSI, quer no que concerne às notificações e comunicações devidas ao devedor.
t) Conforme já demonstrado anteriormente, e apesar do facto de não poderem ser juntos os Avisos de Receção das Cartas de integração e consequente extinção do PERSI, por as mesmas se terem extraviado aquando da Cessão de Créditos que operou, outra não poderá ser a conclusão de que o Embargante/Recorrido rececionou as cartas remetidas pelo Banco cedente.
u) Em primeiro lugar, e como também já se demonstrou, o Executado já tivera sido integrado anteriormente no PERSI, tendo vindo a liquidar as quantias em dívida relativamente a ambos os contratos ora peticionados.
v) Se não tivesse rececionado as primeiras Cartas, tal não poderia ter acontecido.
w) Ora, o novo procedimento em que o Executado foi integrado foi-lhe comunicado para a mesma morada e nas mesmíssimas condições em que foi comunicado o primeiro procedimento.
x) Desta forma, não haverá qualquer razão para que o Embargante/Recorrido não rececionasse as cartas relativas a este segundo procedimento.
y) Por esta razão, não se pode equacionar que o Executado tenha recebido as primeiras cartas e não as segundas, pelo que não poderemos aceitar o entendimento do tribunal relativamente a esta questão.
z) Além de todo o exposto até agora, verdade é que o regime do PERSI não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado.
aa) Como é entendimento da larga maioria da jurisprudência, o envio das cartas simples no âmbito do PERSI é suficiente, uma vez que em caso algum é exigível pelo DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro que as mesmas sejam enviadas com aviso de receção.
bb) Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo nº 173/21.9T8ENT-A.E1, relator MANUEL BARGADO (disponível em dgsi.pt):
“I - As comunicações de integração e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail), conforme ressalta da leitura dos artigos 14º, nº 4 e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25/10.
II - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.
- Não está assim obrigada a instituição bancária a utilizar correio registado com aviso de receção para cumprir a referida obrigação legal.” (sublinhado nosso)
cc) Veio ainda o Tribunal da Relação de Évora, agora no âmbito do processo 2915/18.0T8ENT.E1, relator MÁRIO COELHO, dizer o seguinte:
 “De todo o modo, o exequente juntou cópia das cartas simples enviadas aos executados no âmbito do PERSI. Tais cartas, de acordo com a jurisprudência do Supremo, constituem princípio de prova do envio da comunicação (…)” (sublinhado nosso)
dd) Assim, apenas se pode concluir que, para além de não caber ao Exequente a prova do recebimento das cartas por parte do Executado, mas sim a este a prova do seu não recebimento,
ee) facto é que em nenhum momento é o Exequente obrigado ao envio de cartas registadas com aviso de receção, nos termos do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
ff) Deste modo, caberá ao Executado o ónus de provar que não recebeu tais cartas.
gg) No caso concreto, o próprio Executado encontra-se representado pelo Ministério Público, por se encontrar em parte incerta, pelo que nem sequer conseguirá demonstrar se recebeu, ou não, as missivas.
hh) Não se pode a Embargada, ora Apelante, ainda, conformar com o entendimento do mui douto tribunal, no que concerne ao alegado impedimento para a cessão dos créditos peticionados, nos termos do art. 18º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
ii) É um facto que, nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 18º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro está vedada a hipótese às instituições bancárias a cessão do crédito cederem os seus créditos no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento.
jj) Porém, e conforme temos vindo a constatar, e tendo o Executado regularmente integrado no PERSI, o qual se extinguiu a 06/11/2019, a cessão de crédito operou após essa data.
kk) A escritura de cessão de Créditos, na qual foram contemplados os dois contratos peticionados no presente processo executivo, operou a 12/05/2023.
ll) Ora, tanto a ação executiva como a cessão de créditos operaram após a data da integração e extinção do PERSI.
mm) Pelo que, mal andou o tribunal ao decidir pela verificação da exceção dilatória inominada de falta de verificação da integração do Executado no PERSI e, consequentemente, estar vedada a hipótese da cessão do crédito à exequente.
nn) Nestes termos e nos demais de direito, deverá ser douta Sentença ser revogada e substituída por uma que considere a integração do Executado no PERSI, devendo os Embargos apresentados ser declarados totalmente improcedentes, o que se requer.”
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O executado/embargante contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. A recorrente não cumpriu o ónus de impugnação exigido no artº640, nº1 e nº2 do Código de Processo Civil porquanto não indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida nem a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
2. A decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto não poderá ser alterada pelo Tribunal da Relação;
3. Não colhe o argumento de que o Embargante/Recorrido rececionou as cartas remetidas pelo Banco cedente em momento anterior, razão pela qual, tendo o novo procedimento sido comunicado para a mesma morada e nas mesmíssimas condições em que foi comunicado o primeiro procedimento, se deve concluir que também as recebeu.
4. Não foram juntas cópias de avisos de receção assinados pelo embargante nem quaisquer outros documentos escritos (carta, email) por aquele enviados que demonstrem ter tido conhecimento do teor da carta de 7-8-19 de integração em PERSI.
5. Não foi produzida prova testemunhal que atestasse a prática, pelo embargante de qualquer acto demonstrativo de tal conhecimento.
6. Atendendo-se à matéria de facto provada e não provada constante da douta sentença recorrida verifica-se que, ocorreu efetiva violação de normas de caracter imperativo uma vez que o embargante, enquanto cliente bancário, não foi notificado da sua integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento para a regularização das responsabilidades nem da posterior extinção.
7. Nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 18º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro está vedada a hipótese às instituições bancárias de cederem os seus créditos no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento.
8. A verificada falta de integração em PERSI, e sua posterior extinção constitui impedimento legal a que a instituição de crédito embargada intente ações judiciais contra o embargante tendo em vista a satisfação do seu crédito.”
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, a questão relevante a decidir consiste em saber se ocorre, ou não, exceção dilatória inominada de falta de integração do executado/embargante no PERSI.

Uma breve nota apenas para esclarecer que, da leitura integral do recurso, abarcando, quer a motivação, quer as conclusões, não resulta que a recorrente tenha deduzido impugnação quanto à matéria de facto visto que a mesma não peticiona que seja alterado qualquer ponto dos factos provados ou não provados ou que seja aditada alguma factualidade. Consequentemente, não se coloca a questão atinente à rejeição do recurso, por incumprimento dos ónus de impugnação previstos no art. 640º do CPC, que o recorrido suscitou nas contra-alegações.

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

Do requerimento executivo:--
a) Foram dados à execução os contratos de mútuo com hipoteca nºs ...35 e ...36, celebrados entre o Banco 1..., SA e o executado, juntos ao requerimento executivo com os nºs 1 e 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;--
b) A exequente adquiriu, por contrato de cessão de créditos celebrado a ../../2023, do Banco 1..., S.A.[1] diversos créditos, bem como todas as garantias dos mesmos, onde se incluem os contratos referidos em a).—
Da contestação:--
c) O Embargante já tinha anteriormente incumprido os contratos de mútuo com hipoteca, tendo levado a que em anteriormente fosse integrado no PERSI, sendo que dessa integração resultou a liquidação dos montantes em mora, levando à extinção do PERSI, tendo o contrato sido retomado.--
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Na 1ª instância foram considerados não provados os seguintes factos, que aqui se transcrevem nos seus exatos termos:

Da contestação aos embargos:---
1) Todas as comunicações foram efetuadas na morada indicada no contrato;--
2) O Embargante foi notificado da sua integração no PERSI para a regularização das responsabilidades que, à data, se encontravam em incumprimento, por carta emitida em ../../2019;-
3) Por falta de regularização das responsabilidades em incumprimento e por já se demonstrar decorrido o prazo legal da integração do PERSI foi, então, o Embargante notificado da extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, por carta emitida em 6/11/2019.--

FUNDAMENTOS DE DIREITO

Verificação da exceção dilatória inominada de falta de integração no PERSI

A sentença recorrida concluiu que se verifica a exceção dilatória inominada de falta de integração no PERSI e, em consequência, julgou procedentes os embargos deduzidos e determinou a extinção da execução.
A embargada discorda deste entendimento, pois considera que o embargante foi integrado no PERSI e esse procedimento extinguiu-se, tendo a cessão de créditos ocorrido em data posterior à extinção do PERSI, razão pela qual entende que não se verifica a referida exceção.

Vejamos a questão, para o que importa traçar, ainda que brevemente, o regime jurídico do PERSI.

No contexto da crise económica e financeira que afetou a maioria dos países europeus a partir de 2008, o Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) impondo que as instituições de crédito observem e pautem a sua conduta pelo princípio de concessão responsável de crédito, exigindo-lhes, como se lê no respetivo preâmbulo, “uma atuação prudente, correta e transparente (...) em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores”.
Nesse diploma “define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.
(...)
Salienta-se, no entanto, que, atentas as assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito, a eficaz implementação das medidas previstas neste diploma depende da criação de uma rede que apoie os consumidores em dificuldades financeiras, nomeadamente através da prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito. Por forma a contribuir para esse objetivo, estabelece-se no presente diploma uma rede de apoio a consumidores no âmbito da prevenção do incumprimento e da regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito, destinada a informar, aconselhar e acompanhar os consumidores que se encontrem em risco de incumprir as obrigações decorrentes de contratos de crédito celebrados com uma instituição de crédito ou que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento dessas obrigações.
(...)
O presente diploma visa, assim, promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.

Na prossecução das descritas finalidades, o art. 12º do DL nº 227/2012 estatui que as instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.

O PERSI, enquanto mecanismo de proteção dos clientes bancários consumidores que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, impede que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos, impondo-lhes obrigatoriamente o recurso a uma fase pré-judicial, que visa a composição do litígio por acordo entre o credor e o devedor, a qual, por sua vez, se sub-divide em três fases: a fase inicial (art. 14º); a fase de avaliação e proposta (art. 15º); e a fase de negociação (art. 16º).
O PERSI extingue-se nas situações elencadas no art. 17º.

O art. 18º estabelece um conjunto de garantias do cliente bancário, nomeadamente, estabelecendo no seu nº 1 que, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.

Verificando-se os pressupostos do PERSI, é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a acção judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (ut artigo 18º, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012), sendo que a omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, excepção dilatória atípica ou inominada, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção. É que tem de considerar-se a integração automática do cliente-devedor em mora no PERSI, procedimento que só se extingue em situações tipificadas na lei (ut artigo 17.º, n.º 1 e 2, do DL 272/2012), sendo que a extinção só produz efeitos, de molde a permitir ao Banco propor acção executiva, se for comunicada ao cliente nos termos legalmente exigidos (artigo 17.º, n.º 3, do citado diploma).
Ou seja, tendo lugar a falta de pagamento das prestações devidas pelo devedor, a integração do devedor em mora no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) é obrigatória (art. 12° e 14°, n° 1) e a execução apenas pode ser instaurada após a extinção daquele procedimento (art. 18º, n° 1, al. b), como tem sido assinalado pela jurisprudência, de modo que se nos afigura pacífico.
E sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva, como igualmente vem sendo decidido, de modo pacífico, pela jurisprudência” (Acórdão do STJ de 2.2.2023, P 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1 in www.dgsi.pt, com bold e sublinhados nossos).

Constituindo a inclusão e a extinção do PERSI condições objetivas de procedibilidade de cuja observância depende a possibilidade da instituição de crédito resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito, cabe-lhe o ónus de alegação e demonstração quer da implementação do PERSI, quer da sua extinção (art. 342º, nº 1 e 3 do CC).

Por outro lado, na vigência de um contrato pode haver lugar a mais do que um PERSI. Com efeito, o “procedimento PERSI deve ser repetido sempre que ocorra futuro e sucessivo incumprimento: quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação. A diversidade de situações justifica o desencadear de diferentes procedimentos” (Acórdão do STJ, de 2.2.2023, P 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1 in www.dgsi.pt,).

No caso dos autos, não é objeto de controvérsia entre as partes que era obrigatória a inclusão do executado/embargante no PERSI. O dissenso reside apenas em saber se essa inclusão e posterior extinção do procedimento tiveram, ou não, lugar.

Ora, da matéria de facto provada resulta que o embargante já tinha anteriormente incumprido os contratos de mútuo com hipoteca, tendo levado a que fosse integrado no PERSI, sendo que dessa integração resultou a liquidação dos montantes em mora, levando à extinção do PERSI, tendo o contrato sido retomado (facto c).
Posteriormente, foram dados à execução os contratos de mútuo com hipoteca nºs ...35 e ...36, juntos ao requerimento executivo com os nºs 1 e 2 (facto a).
Não está demonstrado que, relativamente a este segundo incumprimento, ocorrido depois de o contrato ter sido retomado, tenha sido cumprida a obrigação de inclusão do executado/embargante no PERSI e que tenha ocorrido a extinção deste procedimento, pois, por um lado, tal factualidade não consta dos factos provados e, por outro, foi dada como não provada nos factos 2) e 3).
Portanto, à luz da factualidade provada, conclui-se que não se encontra demonstrado que teve lugar a inclusão do executado/embargante no PERSI e, que este procedimento foi julgado extinto, ónus de alegação e demonstração que impendia sobre a entidade bancária.
Face a tal, de acordo com o regime legal decorrente do DL nº 227/2012, falta uma condição objetiva de procedibilidade, não podendo a instituição bancária nem instaurar ação executiva para cobrar o seu crédito, nem ceder o seu crédito a terceiro (art. 18º, nº 1, als. a), b) e c)), o que constitui exceção dilatória inominada atípica que determina a absolvição do executado/embargante da instância executiva, tal como foi acertadamente decidido na sentença recorrida, a qual não merece qualquer reparo.

Assim, improcede o recurso.
*
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Notifique.
*
Guimarães, 9 de outubro de 2025

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) José Alberto Martins Moreira Dias
(2º/ª Adjunto/a) Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade


[1] Corrigiu-se no texto dois manifestos lapsos de escrita visto que, como resulta da leitura do contrato de cessão de créditos junto ao processo de execução em 1.8.2023, o contrato não foi celebrado em 2 de maio com o Banco 2..., S.A., mas sim em 12 de maio com o Banco 1..., S.A.