Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5384/23.0T8BRG.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Nos termos da legislação aplicável ao regime de titularidade dos recursos hídricos, designadamente, a Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, a qual estabelece que estes compreendem as águas e abrangendo ainda os respectivos leitos e margens, e, compreendem os recursos dominiais pertencentes ao domínio público, e, os recursos patrimoniais pertencentes a entidades públicas ou particulares, a caracterização de “Margem”, e cfr. a respectiva “Noção” legal consignada no artº 11º da citada lei, surge como conceito jurídico a definir, em concreto, face a elementos factuais descritivos de que possa deduzir-se.
II. Compete ao Estado, através da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., na qualidade de autoridade nacional da água, organizar e manter actualizado o registo das águas do domínio público e das margens dominiais e das zonas adjacentes (artº 20.º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro).
III. Dos factos provados resulta que o prédio dos Autores não foi e nem se encontra implantado em zona pública correspondente a “Margem”, e, nem ainda, em zona de “Praia”, e, nem zona “contígua a leitos dominiais”, considerando-se a noção de “Margem”, cfr. definição legal (artº 11º-nº 1 e 2 da Lei nº 54/2005) “a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas”, cuja largura é de 50 metros para águas marítimas, a partir da linha limite do leito, e, “Praia” a orla de terra, geralmente coberta por areia ou pedras, que confina com o mar (cfr. dicionário da Língua Portuguesa, F.Torrinha), e a qual pode ter uma extensão superior à margem legal, estendendo-se até onde o terreno apresentar a natureza de praia ( nº 5 do artº 11º citado), resultando provado que “Desde a edificação do imóvel referido em 1), pelo menos na década de 70, até à construção do Esporão, em 1987, o terreno e a casa dos Autores sempre se localizou para além da faixa de 50 metros de largura, contada da linha que limita o leito das águas do mar, e, até da construção do esporão a casa dos Autores distava da LMPAVE a distância mínima de 100 metros, interpondo-se, entre a zona de rebentamento das águas e o imóvel, um cordão dunar com extensão não inferior a 60 metros, o imóvel referido em 1) não está hoje dentro da linha da ondulação nem na linha do espraio das ondas, e, em frente ao imóvel referido em 1) existe um estradão de areia compactada em terreno fixo, duro, consolidado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

AA, e BB, intentaram a presente ação de reconhecimento do direito de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, contra:

1º Estado Português – Ministério Do Ambiente e Da Ação Climática, representado pelo Ministério Público,
2º Município ..., e
3º Agência Portuguesa Do Ambiente, ARH Norte,
Pedindo sejam os réus condenados a reconhecer que os prédios dos Autores não integram o domínio público hídrico.

Subsidiariamente, caso se entenda que os prédios dos Autores estão abrangidos pela Lei n.º 54/2005,  pedem a condenação dos réus a reconhecer a propriedade privada dos Autores sobre os prédios descritos, nos termos do artigo 15º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, na redação conferida pela Lei n.º 34/2014, de 19 de Junho, condenando os Réus no respetivo reconhecimento.
Para tanto e em síntese, alegam que são proprietários de um prédio urbano, composto por casa com um pavimento, destinada a habitação, com seis divisões, situado no Lugar ..., na União das freguesias ... e ..., concelho ..., concretizando que adquiriram o referido prédio por compra, aquisição essa devidamente registada a seu favor na Conservatória do Registo Predial.
Sem prejuízo, invocam ainda a aquisição originária, por usucapião, do prédio.
Invocam que esta zona, pela natural exposição marítima, foi por diversas vezes sujeita a autos de delimitação, publicados em Diário da República, excluindo-a da zona de jurisdição do domínio público marítimo.
Todavia, têm sido frequentemente confrontados com dúvidas e hesitações, sobretudo institucionais, quanto à efetiva exclusão da propriedade do domínio público e consequente reconhecimento da propriedade privada, assim fundamentando a necessidade de recorrerem a juízo.
Prosseguem sustentando que o prédio em causa não está integrado no domínio público hídrico, não lhe sendo aplicável a Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, alterada pela Lei n.º 78/2013, de 21 de Novembro, e pela Lei n.º 34/2014, de 19 de Junho.
Concretizam que o Lugar ..., onde se encontra edificado o prédio, é uma zona à beira-mar, que se estende pela Costa de ..., sendo uma zona memorialmente conhecida pelo extenso areal que se tinha de percorrer até chegar às águas do mar.
Porém, em 1987 a Direcção-Geral de Portos procedeu à edificação de um esporão em pedra, a norte do Lugar ..., em sentido perpendicular à praia.
Este esporão tem sido a causa direta de uma fortíssima erosão costeira, provocando um incontrolável avanço do mar e, concomitantemente, uma supressão do areal até então existente.
Defendem que de acordo com o artigo 11º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, a margem das águas do mar atendível para efeitos de titularidade pública dos recursos hídricos tem a largura de 50 metros, entendendo-se por margem a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais.
Sustentam, todavia, que a propriedade dos Autores sempre esteve a mais de 50 metros da linha de máxima preia-mar de águas vivas equinociais, razão pela qual não pertence ao domínio público hídrico e só em virtude da construção do esporão é que a realidade física do imóvel sofreu uma alteração significativa, inclusive ao nível da segurança dos moradores.
No entanto, defendem, esta erosão costeira foi impulsionada pelo esporão, por ação humana, não se tratando de um avanço natural e progressivo.
Por outro lado, sustentam que o prédio dos autores não está implantado na praia, mas num patamar superior à praia, em terreno duro, consolidado, onde circulam veículos automóveis.
Sustentam, por isso, que a propriedade dos Autores não faz parte do domínio público hídrico nos termos do n.º 5 do artigo 11º da Lei n.º 54/2005.
Defendem ainda que mesmo que a propriedade dos Autores estivesse em parcelas ou margens públicas, o terreno em que se encontra implantado é objeto de propriedade particular ou comum desde o século XV, pelo que se imporia o reconhecimento desta propriedade privada sobre as parcelas em causa.
Com efeito, sustentam que os prédios no Lugar ... pertenceram desde outrora à Sereníssima Casa de Bragança que, em 1887 foram aforados aos “100 homens bons” da freguesia ....
Defendem, por isso, que desde tempos imemoriais tais terrenos foram propriedade privada.
Devidamente citados, os réus Estado Português e Município ... contestaram.
O Estado Português, representado pelo Ministério Público, excecionou, em primeiro lugar, a ilegitimidade passiva da Agência Portuguesa do Ambiente, defendendo que cabe ao Ministério Público a representação do Estado.
Prosseguiu impugnando a matéria invocada pelos autores.
Mais alega que o prédio que os AA. dizem pertencer-lhes está parcialmente integrado no domínio hídrico por se situar, parcialmente, a menos de 50 metros da linha máxima de preia-mar de águas vivas equinociais.
Quanto ao avanço das águas defende ser aplicável o disposto no artigo 14º da Lei 54/2005 de 15 de Novembro.
Alega ainda que o local onde se situa o imóvel continua a manter a natureza de praia.
Mais alega que, com exceção do auto de delimitação publicado no Diário da República III Série, nº 120, de 24 de Maio de 1984, que estabeleceu o limite do domínio público marítimo na confrontação com prédios da requerente Sociedade EMP01..., Lda., não se encontra publicado em Diário da República qualquer auto de delimitação do domínio público marítimo, para o prédio que os AA. dizem pertencer-lhes, ou processo de delimitação em curso.
Alega ainda que toda a zona de ... sempre foi administrativamente considerada inserida quer na jurisdição da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na jurisdição da Direcção Geral de Portos e atualmente na jurisdição da APA, IP, ainda que tais parcelas de areal pudessem situar-se a mais de 50 m do limite do leito das águas do mar (nesta zona definido pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais, LMPAVE).
Defendendo, por isso, que ainda que as parcelas que foram/forem reconhecidas como privadas nos termos da lei apenas veem alterada a sua natureza jurídica, mas não a sua condição de parcelas de leito ou margem, como expressa o artigo 12º, nº 1, em conjugação com o artigo 21º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, revista e publicada pela Lei 31/2016, de 23 de Agosto (reproduzindo aliás o que já anteriormente dispunha o Decreto-lei nº 468/71 nos seus artigos 5º e 18º, nº 3).
No que concerne à prova documental, sustentam que ainda que o Lugar ... possa ter estado em domínio da Casa de Bragança a partir do século XV, não é possível aferir os limites dessa propriedade, sendo certo que os terrenos inseridos no Préstimo de ... foram objeto de Auto de delimitação (CDR III, n.º 120, 24-05-1984) e o mesmo não engloba esta área, a qual sempre foi administrativamente considerada inserida, quer na jurisdição da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na jurisdição da Direcção Geral de Portos e, atualmente, na jurisdição da APA, IP.
Sustenta, antes, que a “dominialização” das praias foi expressamente assumida em 1864, com a entrada em vigor do Decreto de 31 de Dezembro de 1864, reiterando ainda e finalmente que o domínio público marítimo pertence ao Estado é insuscetível de aquisição por particulares, designadamente por usucapião.
Contestou igualmente o Município ... excecionando, em primeiro lugar, a sua ilegitimidade.
No mais, impugnam a matéria de facto relatada pelos autores.
Os autores responderam defendendo a legitimidade dos réus APA e Município ....
Dispensou-se audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, onde se julgou procedente a exceção de ilegitimidade dos réus Município ... e Agência Portuguesa do Ambiente e, em consequência, foram estes réus absolvidos da instância.
Mais se fixou o “Objeto do Litígio” e os “Temas de Prova”.
Tendo sido fixado o seguinte objecto de Litígio:
"Apurar se os prédios em causa nos autos se situam em terreno que constitua domínio hídrico público e, em caso afirmativo, se os autores demonstraram a propriedade privada sobre tais prédios”.
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento.
Foi proferida sentença final, nos seguintes termos:
Nestes termos, julgo a ação totalmente procedente e, em consequência, declaro que o prédio urbano, composto por casa com um pavimento, destinada a habitação, com seis divisões, situado no Lugar ..., na União das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito com o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., concelho ..., distrito ..., sob o artigo n.º ...00º, não integra o domínio público hídrico, condenando-se o réu Estado Português a reconhecer essa mesma realidade
Custas pelo réu, artigo 527º, nº1 e 2, do CPC.”

Inconformado, da decisão veio recorrer o Réu Estado Português, representado nos autos pelo Digno Magistrado do Ministério Público.
O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes Conclusões:

I- Na presente acção de processo comum, vem o Réu Estado, representado pelo Ministério Público, impugnar a sentença proferida nos autos que julgou a presente acção totalmente procedente e, em consequência, declarou que o prédio urbano, composto por casa com um pavimento, destinada a habitação, com seis divisões, situado no Lugar ..., na União das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito com o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., concelho ..., distrito ..., não integra o domínio público hídrico, condenando o Réu Estado Português a reconhecer essa realidade.
Em súmula, conclui pelo seguinte:
II- Os autores instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que o Estado Português reconheça que o seu prédio, descrito com o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., concelho ..., distrito ..., sob o art.º ...00 (anterior matriz ...45), com área total de 76m2, dos quais 64m2 são de área coberta e 12m2 de área descoberta/logradouro, o qual confronta a Norte com CC e outros, a nascente, com DD e a Poente com EE e outro, não integra o domínio hídrico e, subsidiariamente, caso se entenda que o seu prédio está abrangido pela Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que reconheça a sua propriedade privada sobre esse prédio, nos termos do art.º 15.º desse diploma.
III- Realizou-se a audiência de julgamento no pretérito dia 12 de Fevereiro de 2025 e, em 20 de Março de 2025, a Mm.ª Juiz a quo proferiu sentença, na qual considerou a presente acção totalmente procedente e declarou que o prédio urbano, composto por casa com um pavimento, destinada a habitação, com seis divisões, situado no Lugar ..., na União das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito com o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., concelho ..., distrito ..., sob o art.º ...00.º, não integra o domínio público hídrico, condenando o estado Português a reconhecer essa mesma realidade.
IV - O Réu, representado pelo Ministério Público discorda de tal decisão por entender ter incorrido o douto Tribunal a quo em erro na apreciação e valoração da prova produzida, nomeadamente, ao considerar como não provados os factos a) e b) dos factos não provados os quais, em seu entender, em face da prova produzida, deveriam ter sido considerados provados.
V - Com efeito, foram identificados diversos processos (cfr. documento junto com a contestação) referentes a utilizações privativas em ..., área considerada dominial (o Regulamento dos Serviços Hidráulicos data de 01-12-1892), sendo que no período de administração da Direcção-Geral de Portos, as utilizações permitidas tiveram por base o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, diploma esse com aplicação a todos os leitos e margens das águas do mar, das águas navegáveis ou flutuáveis e das águas não navegáveis nem flutuáveis, em suma, com aplicação aos terrenos do domínio hídrico, e independentemente da natureza jurídica dessas parcelas do território, ponderadas, quando justificadas, as situações de avanço e/ou recuo das águas.
VI- Dos referidos processos, é possível concluir que toda a frente construída de ... sempre foi administrativamente considerada      como estando inserida, quer na jurisdição da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na jurisdição da Direcção Geral de Portos e, actualmente, na jurisdição daAPA, I.P, ainda que tais parcelas de areal, mais ou menos consolidado, pudessem situar-se a mais de 50 metros do limite do leito das águas do mar, nesta zona definido pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPAVE)
VII- Por outro lado, a existência de pedidos de licenciamento/legalização de obras em parcelas de terreno no espaço geográfico da Praia de ..., nos termos do, então em vigor, art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, ou mesmo de diplomas que o precederam na matéria,        demonstram que o mesmo sempre foi administrativamente considerado do domínio público marítimo do Estado e, nesses casos, objecto de licenciamento, sendo certo que as licenças emitidas referem que o local é domínio público marítimo.
VIII- Sendo que, perante o eventual afastamento da dominialidade pública nos termos da lei (cfr. art.º 8.º do decreto-Lei 468/71, de 5 de Novembro ou, actualmente, cfr. art.º 15 da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro), mesmo assim, tais parcelas de leito e margem - então privadas- não perdem ou alteram essa condição de leito e/ou margem, pelo que sempre estarão sujeitas a servidão administrativa e sob jurisdição da competente “entidade administrativa” e a sua utilização carecerá de correspondente título de utilização dos recursos hídricos (cfr. art.º 12.º n.º 1 e 21.º da Lei n.º 54/2005 , de 15 de Novembro).
IX- Por outro lado, no levantamento efectuado na década de 60, que deu origem às plantas anexas às licenças emitidas pela Direcção Geral de Serviços Hidráulicos, não foi possível identificar o prédio objecto dos autos, não se verificando qualquer construção no local onde actualmente está edificado.
X- O “Auto de Delimitação” publicado no Diário da República de 28 de Maio de 1981, III Série, n.º 122, não diz respeito ao prédio identificado nos pontos 1) e 2) dos factos provados, relativamente ao qual não foi publicado qualquer Auto de delimitação do domínio público marítimo, mas sim, procede à delimitação “(…)com o domínio público marítimo do terreno ocupado por um prédio (casa) que FF diz possuir na praia de ..., sito na freguesia ..., concelho ..., distrito ...(…)”, e ainda mais sustenta que o local onde se localiza o referido prédio é domínio público, pois, se assim não fosse, qual seria, então, a necessidade de se efectuar essa delimitação,
XI-Pelo que não podia concluir-se, como na douta sentença a quo, da factualidade considerada provada nos pontos 41) e 42) dos factos provados que “(…)é manifesto que sendo o auto de delimitação o procedimento através do qual se fixa a linha que define a estrema dos leitos e margens do domínio público hídrico confinantes com terrenos de outra natureza, fixada a referida linha, todos os prédios que estão mais distantes dos leitos e margens do domínio público hídrico do que o delimitado estão igualmente fora do âmbito do domínio público”.
XII- O local onde se encontra implantado o prédio identificado nos autos foi-se alterando com o passar do tempo, através das construções que ali se têm implantado, no entanto, mesmo que não ocupe hoje áreas com natureza de praia estrita continua a apresentar características de solo com natureza de praia, caso não existissem construções, areias e cascalho soltos, não podendo assim concluir-se que o prédio em causa nos autos não está implantado em terreno de praia e que não lhe é aplicável a presunção de dominialidade prevista na Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro.
XIII- Dentro da demarcação do Lugar ... situavam-se alguns terrenos conhecidos por “Baldios da ...”, que se estendiam ao longo da costa, mais propriamente, em ... e ..., os quais foram entregues à Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para arborização, com excepção, precisamente, de uma faixa junto ao mar com cerca de 200 metros de largura, desde as ... aos moinhos do ..., reservada à seca do sargaço, sendo que tais terrenos eram conhecidos por serem zonas de seca de sargaço com “cabanas” para guarda de utensílios do mar, o que ocorre até aos dias de hoje.
XIV - Não resulta inequivocamente dos        documentos juntos aos autos a quem, à semelhança do tratamento que é indicado quanto à referida área com aptidão florestal, foi conferida a administração dessa faixa junto ao mar com cerca de 200 metros de largura, desde as ... aos moinhos do ..., reservada à seca do Sargaço.
XV - No entanto, face à lei relativa ao domínio hídrico já em vigor nessa época, e ao facto dos Serviços Hidráulicos surgirem a administrar essa área da costa desde longínqua data, é de admitir que essa faixa junto ao mar foi, desde logo, incorporada no domínio do Estado- domínio público hídrico- tanto mais que aí se praticava publicamente uma utilização de cariz comum: a seca do sargaço.
XVI - Assim, não foi demonstrado de forma inequívoca pelos documentos juntos aos autos pelos Autores que o prédio a que aludem os pontos 1) e 2) dos factos provados tenha sido objecto de propriedade particular ou com um ou estava na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta da comunidade local, de forma ininterrupta antes de Dezembro de 1864, nem que haja sido objecto de acto de desafectação do domínio hídrico, nem que se encontre fora da área da jurisdição da autoridade marítima.
XVII- Ao decidir em sentido diverso, violou a douta sentença a quo, o disposto nos art.º 3.º, 4.º, 11.º n.ºs 1, 2 5 e 6 e 15.º n.ºs 2, 3 e 5.º d da Lei n.º 54/2005 de 15 de Novembro.
XVIII- A douta sentença a quo determinou que as custas processuais são a suportar pelo Réu, nos termos do artigo 527.º n.º1 e 2 do Cód. Processo Civil, apesar do Ministério Público ter agido no processo em nome próprio, na defesa de direitos e interesses que lhe são confiados por lei, ao abrigo do disposto no art.º 15.º n.º 1 da Lei n.º 54/2005 de 15 de Novembro, não havendo, assim, lugar ao pagamento de taxa de justiça, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 1, al. a), do Regulamento das Custas Judiciais.
XIX - Donde, sempre seria de proceder à reforma da douta sentença, no que às custas diz respeito, ao abrigo do disposto nos supra citados dispositivos legais e do art.º 616.º n.º 3 do Cód. Processo Civil.
Nestes termos, nos demais de direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências,
Deverá ser concedido provimento ao recurso ora interposto, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que determine a improcedência da acção, por não provada, e a absolvição do Réu Estado Português, dos pedidos formulados pelos Autores.
Caso assim não seja entendido pelo Venerando Tribunal, sempre deverá proceder-se à reforma da douta sentença a quo quanto às custas, nos termos dos art.ºs 15.º n.º 1 da Lei n.º 54/2005 de 15 de Novembro, 4º, nº 1, al. a), do Regulamento das Custas Judiciais e 616.º n.º 3 do Cód. Processo Civil.


Foram proferidas contra-alegações pelos Autores, tendo concluído:
 A. As Alegações de Recurso apresentadas pelo Réu, ora Recorrente, têm por objeto a sentença proferida pelo Tribunal a quo, na qual é condenado ao reconhecimento de que o imóvel dos Autores, ora Recorridos, não integra o domínio público hídrico.
B. O Recorrente ensaia, nas suas Alegações, uma oblíqua e até simplista interpretação da fundamentação constante do decisão recorrida; não se conformando com a referida sentença, o Recorrente sustenta, em síntese, que aquela merece ser revista do ponto de vista factual, nos seguintes termos:
i. O Tribunal a quo terá cometido um putativo erro de julgamento na apreciação da matéria de facto nomeadamente, ao considerar como não provados os factos a) e b) dos factos não provados, os quais, no entender do Recorrente, deveriam ter sido considerados provados em face da prova produzida;
ii. O Recorrente entende, que dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, do que foi junto com a contestação, resulta que o Lugar ... sempre e, pelo menos, desde 1 de Dezembro de 1892 foi administrativamente inserido quer na jurisdição da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na Jurisdição da Direcção Geral de Portos e actualmente na jurisdição da APA, pelo que deveriam ter sido aqueles factos, a) e b), considerados como provados, nomeadamente, que a faixa de terreno onde se mostra implantado o prédio referido em 1) e 2) dos factos provados foi incorporada no domínio público do Estado;
iii. Por outro lado, defende o Recorrente que dos factos dados como provados 41) e 42) não é possível concluir, como na douta Sentença, ser “manifesto que sendo o auto de delimitação o procedimento através do qual se fixa a linha que define a estrema dos leitos e margens do domínio público hídrico confinantes com terrenos de outra natureza, fixada a referida linha, todos os prédios que estão mais distantes dos leitos e margens do domínio público hídrico do que o delimitado estão igualmente fora do âmbito do domínio público”;
iv. Ainda que o facto provado 27) não permite concluir que a área não possa integrar o domínio hídrico, pois que o local onde se encontra implantado o prédio identificado nos autos foi-se alterando com o passar do tempo, através das construções que ali se têm implantado, no entanto, continuam a apresentar características de solo com natureza de praia, caso não existissem construções, areias e cascalho soltos, não podendo assim concluir-se que o prédio em causa nos autos não está implantado em terreno de praia, não lhe sendo aplicável a presunção de dominialidade prevista na Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro.
v. Por fim, insurge-se ainda o Recorrente relativamente às ilações do Tribunal a quo a respeito do teor dos documentos que atestam a propriedade privada prévia a 31 de dezembro de 1864, por entender que dos mesmos não se pode concluir que o prédio objeto dos autos era pertença particular.
C. As alegações do Recorrente carecem, no entanto, de qualquer sentido e fundamento.
D. O Tribunal a quo fez uma correta apreciação dos factos e da prova, no que diz respeito ao ora alegado, bem como uma correta aplicação da lei adjetiva, motivo pelo qual a sentença ora posta em crise não deverá merecer censura nos termos apresentados pelo Recorrente.
E. O recurso ora em análise é manifestamente ininteligível no que respeita a alteração da resposta à matéria de facto pretendida pelo Recorrente.
F. Por um lado, o Recorrente pretende alterar o facto não provado a) – o qual refere que “o Lugar ... sempre e pelo menos desde 1 de Dezembro de 1892 foi administrativamente inserida quer na jurisdição da Direção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na jurisdição da Direção Geral de Portos e atualmente na jurisdição da APA” – e o facto não provado b) – que refere que “a faixa de terreno onde se mostra implantado o prédio referido em 1) e 2) foi incorporada no domínio público do Estado”.
G. Mas, se relativamente ao primeiro explana o seu entendimento, quanto ao facto não provado b) os Requeridos não vislumbram nem uma linha.
H. Por outro lado, o Requerente pretende valorar e apreciar os factos provados de uma outra forma, diferente da do Tribunal a quo, ao ponto de concluir diferentemente daquilo que resulta dos factos provados,
I. Mas fá-lo sem, contudo, aditar factos novos aos factos não provados.
J. Daqui resulta uma inatingibilidade das Alegações de Recurso, pois não é possível a matéria dada como provada conviver com os novos factos pretendidos aditar – nem o Recorrente explica como seria possível.
K. Acresce que a Recorrente faz tábua rasa do regime previsto no artigo 640.º do CPC, quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pois não distingue        claramente “ os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”.
L. Critica a motivação da matéria de facto provada, mas não a altera!
M. Por estas razões, e conforme facilmente se demonstrará, a reapreciação da matéria de facto requerida pelo Recorrente deve necessariamente ser julgada improcedente. Vejamos em concreto.
N. Está em causa nos presentes uma ação declarativa cujo fundamento reside numa pretensão dos Autores, ora Recorridos, de reconhecimento de que o prédio de que são proprietários, sito no Lugar ..., não integra o domínio público hídrico.
O. Subsidiariamente, acautelaram os Autores a possibilidade de o Tribunal não entender neste sentido, peticionando a condenação do Recorrente, a reconhecer a propriedade privada dos Recorridos sobre o prédio descrito, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, condenando o Recorrente ao respetivo reconhecimento.
P. Para tanto, sustentaram que apesar de o imóvel estar situado à beira-mar, não está integrado no domínio público hídrico, não lhe sendo aplicável a Lei n.º 54/2005, por estar a mais de 50 metros da LPMAVE.
Q. Mesmo com a construção do esporão, em 1987, a norte do Lugar ..., que foi uma causa direta de uma fortíssima erosão costeira, provocando um incontrolável avanço do mar e uma supressão do areal até então existente, o imóvel dos Recorridos mantém-se fora das margens da água do mar.
R. Toda a prova testemunhal produzida foi absolutamente unânime na descrição do Lugar ..., como sendo composto por um extenso areal, areal este ao qual (de poente para nascente) se seguia uma primeira zona dunar, a duna primária, seguindo depois de uma outra zona dunar mais distante e consolidada, sendo nesta zona em que está implantado o prédio em causa nos autos.
S. Todas as testemunhas reconheceram que a construção do esporão foi a causa direta e imediata da alteração morfológica do areal daquela praia.
T. E os próprios documentos demonstram isso mesmo. As exposições feitas pelos locais no âmbito da Consulta Pública POC-CE (Caminha Espinho) são unívocas em atribuir a construção do esporão como causa da supressão do areal e das dunas.
U. Também as regras da experiência comum o ditam: se os esporões são construídos para proteger as áreas a norte do local onde são implantados e se este foi edificado a norte do Lugar ..., só poderá ser este o responsável pela forte erosão assistida. Não há qualquer evidência de haver pressão erosiva de relevo no concreto lugar de ..., prévio a 1987.
V. Mas, mesmo com a acentuada redução de areal que foi evidente com a construção do esporão, lograram os Recorridos provar que o seu imóvel está a mais de 50metros da LPMAVE.
W. Para esta prova foi crucial o teor do auto de delimitação publicado em Diário da República, a 26 de maio de 1981, conjugado com o teor do levantamento topográfico carreado pelos Recorridos para os autos.
X. O referido auto de delimitação, atesta que a casa que é propriedade de GG, que se situa no Lugar ..., está a uma distância mínima de 65m da LPMAVE e do relatório topográfico junto aos autos decorre que o imóvel em casa nos autos dista do imóvel objeto do auto de delimitação 36,5 metros.
Y. Posto isto, previamente à construção do esporão, o prédio em causa nos autos estava implantado a uma distãncia mínima da LPMAVE de, pelo menos 100 metros (65 metros, conforme resulta do auto de delimitação, a que acresce 36,1 metros de distância à residência identificada no auto de delimitação).
Z. Ademais, o imóvel dos Recorridos não está, nem nunca esteve, ao contrário do defendido pelos Recorrentes para a prova dos factos 1 e 2 dos factos não provados, sob jurisdição da Direção Geral de Portos e da Direção Geral de Serviços Hidráulicos.
AA. Isto porque, em matéria de definição das áreas de jurisdição da Direção-Geral de Portos e da Direcção-Geral dos Recursos Naturais na faixa costeira, releva o Decreto-Lei n.º 201/92, e este diploma legal estabelece que a Direção-Geral dos Recursos Naturais e a Direção-Geral de Portos apenas têm jurisdição nas áreas do domínio público marítimo situadas entre as faixas da costa, situadas dentro do limite da largura máxima legal do domínio público marítimo (cf. artigo 1.º, n.º 1 e n.º 3 alínea a) do Decreto-Lei n.º 201/92).
BB. Ora, dado que o imóvel dos Recorridos está fora do limite da largura máxima do domínio público marítimo – os 50 metros a contar da LPMAVE previstos na Lei n.º 54/2005 – este não está, por conseguinte, sob jurisdição portuária.
CC. Mas, mesmo que assim não fosse, todos os diplomas legais que dispuseram, antes da construção do esporão, sobre a largura das margens das águas do mar – a saber: Decreto n.º 8, de 1 dezembro de 1982, DL n.º 468/71, Decreto-Lei n.º 201/92 e a Lei n.º 54/2005 – definiram-na como sendo de 50 metros a contar da LPMAVE.
DD. E os Recorridos provaram que o seu imóvel não estava integrado nessa faixa de terreno.
EE. Ademais, o documento junto pelo Recorrente para tentar demonstrar a sua tese apenas poderá constituir um pedido de legalização de uma construção de uma barraca que está a menos de 50 metros da LPMAVE.
FF. Porque para estar a ser pedida uma licença de construção de um prédio em domínio publico, seria necessário que este estivesse em domínio público.
GG. Deste modo, o Tribunal a quo focou, e bem, a sua apreciação da prova produzida no critério que o legislador definiu como primordial para determinar se um bem está integrado no domínio público hídrico: a distância à LPMAVE, que é o cerne dos presentes autos e que, aliás, o Recorrente, de forma alguma, coloca em causa nas alegações.
HH. Acresce que, ao contrário do que o Recorrente defende, o terreno onde está implantado o imóvel dos Recorridos não tem a natureza de praia – o único facto que poderia abalar a largura da margem das águas do mar determinada na lei – pois que, tendo por referência o conceito de praia, resulta da análise do local que o prédio dos Recorridos está construído em terreno arenoso, mas fixo, duro e consolidado, circundado por vegetação autóctone, características estas que não se coadunam com a referida definição de terreno de praia.
II. Também quanto a esta característica morfológica, as testemunhas depuseram no sentido de que o tipo de construções ali existentes não está sobre areias móveis, até pelo facto de que se deslocam, atualmente, até ao imóvel dos Recorridos, de carro, estacionando no lugar de garagem imediatamente ao lado do imóvel em crise nos presentes autos.
JJ. O facto de o prédio dos Autores não estar em zona de areal é igualmente corroborado pelas fotografias juntas aos autos, nas quais se observa um automóvel estacionado ao lado do imóvel dos Autores, sendo que, como se vê, não existe qualquer sinal de cedência do solo em virtude do peso do carro.
KK. Conclui-se, por isso, que o terreno é duro, compacto e consolidado, e não tem natureza de praia.
LL. Provado que está que o prédio dos Recorridos não se encontra sediado em zona de areal – o que poderia alargar a largura das margens das águas do mar – só poderá ter-se como aplicável, ao caso concreto, a largura das margens prevista no artigo 11.º n.º 2 da Lei n.º 54/2005, ou seja, de 50 metros a contar da LPMAVE, na qual o imóvel dos Recorridos não está inserido.
MM. Entende ainda o Recorrente que dos documentos juntos pelos Autores não resulta inequivocamente que o prédio objeto dos autos era pertença de particular.
NN. Inversamente, considerou, ainda, o douto Tribunal a quo que a prova documental junta aos autos sempre seria suficiente para demonstrar a aquisição da propriedade do prédio identificado nos pontos 1) e 2) dos factos provados, por justo título, prévia a 31 de dezembro de 1864, considerando provada a matéria constante dos pontos 31) a 40) dos factos provados.
OO. O que o Recorrente faz é uma confusão propositada entre a incorporação no domínio publico e o reconhecimento da propriedade privada por referência a um elemento histórico, a demonstração da aquisição da propriedade de um prédio, por justo título, prévia a 31 de dezembro de 1864.
PP. Tratam-se, evidentemente, de duas normas distintas, com requisitos diversos, mas nenhuma aplicável ao caso concreto, uma vez que foi reconhecido pelo Tribunal a quo o facto de o imóvel dos Autores não integrar o domínio público hídrico.
QQ. Para prova da propriedade privada com recurso à História de Portugal, o Tribunal a quo ateve-se exclusivamente no teor dos documentos em causa. Com efeito, dos documentos em causa decorre não só que os terrenos conhecidos como as “dunas de ...” integram a propriedade da Casa de Bragança, como se alude nos documentos juntos aos autos onde se remete expressamente para os lugares de ... e ..., que são os lugares onde, desde tempos ancestrais, os agricultores vão retirar o sargaço para aplicarem no cultivo dos terrenos, mormente nas masseiras.
RR. Tal faixa de terreno pertenceu ininterruptamente à Casa de Bragança até 1887, sendo os terrenos do Lugar ... e de ... propriedade particular da Casa de Bragança.
SS. Posteriormente a 1887, com o aforamento, os terrenos do Lugar ... e de ... foram concedidos aos “100 homens bons” da freguesia, mantendo- se como propriedade privada.
TT. Ora, o aforamento (ou enfiteuse) à luz Código Civil e dos Decreto-Lei n.º 195-A/76 de 15 de março e Decreto-Lei n.º 233/76 de 2 de abril, constitui-se como um justo título de aquisição do direito de propriedade.
UU. Portanto, apesar de tal prova documental ser entendida pela jurisprudência como diabólica, esta foi cabalmente efetuada pelos Autores.
VV. Com efeito, caso o pedido principal formulado pelos Autores improcedesse, sempre se teriam por verificados todos os pressupostos do reconhecimento da propriedade privada sobre o imóvel em causa (nos termos do n.º 2 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005).
WW. Nestes termos, é inequívoco que os Recorridos demonstraram que o seu prédio já se encontrava no domínio privado desde o início do século XV e como tal foi mantido ao longo dos tempos, razão pela qual sempre se impunha o pleno reconhecimento da propriedade privada dos aqui Recorridos, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, atenta a prova de que o terreno foi, por título legítimo, objeto de propriedade privada antes de 31 de dezembro de 1864.
XX. Acresce que, o Recorrente pugna ainda, no recurso que interpôs, pelo alegado facto de que o imóvel dos Recorridos está implantado na margem das águas do mar, numa parcela de tereno de utilidade pública, na qual se “praticava uma utilização de cariz comum – a seca do sargaço”.
YY. A verdade é que, as margens das águas costeiras não estão, per se, indicadas na Constituição da República Portuguesa (“CRP”) como território pertencente ao domínio público e, o legislador ao incluí-las na lei ordinária como terreno dominial não pretendeu atender, no conceito de margem, aos imóveis que estão perto da praia, mas a mais de 50 metros da LPMAVE, situados em solo firme e compacto.
ZZ. Acresce que o imóvel dos Recorridos, por ser propriedade sua para uso sazonal, não é utilizado para fins públicos e, por conseguinte, não lhe está associado qualquer interesse coletivo.
AAA. Não é por existir, na praia da ..., zona de ... uma faixa junto ao mar onde se secava o sargaço - atividade que não é uma “utilização de cariz comum”, porque não produz qualquer utilidade pública, mas sim é vendido às indústrias alimentares, cosméticas e medicamentosas –, na qual o imóvel dos Recorridos não está integrado, que se pode concluir pela integração do prédio em crise nos presentes autos no domínio público.
BBB. Nestes termos, por não se atribuir um fim comum ao solo onde está implantado o imóvel dos Recorridos, sendo apenas por estes e suas famílias utilizado como destino de férias e fins de semana, não poderá igualmente proceder a pretensão do Recorrente.
CCC. Por último, é ainda impugnada a decisão do Tribunal a quo de condenação do Recorrente ao pagamento de custas.
DDD. No entanto, e ao contrário do que o Recorrente alega, nenhum reparo merece a Sentença proferida pelo Tribunal a quo quanto a este segmento decisório.
EEE. Isto porque, desde 2003, o Ministério Publico quando atua nos interesses do Estado, não beneficia da isenção prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento de Custas Processuais (DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro).
FFF. Pelo exposto, bem andou o Tribunal a quo ao condenar o Réu, ora Recorrente, ao pagamento das custas processuais do processo, segmento decisório que deverá ser confirmado por este Tribunal.

O recurso veio a ser admitido neste Tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras“ ( artº 635º-nº4 e  608º-nº2 do Código de Processo Civil ), atentas as alegações e respectivas conclusões da apelação, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- reapreciação da matéria de facto: - devem ser declarados provados os factos declarados não provados ?
- do mérito da causa: violou a sentença o disposto nos art.º 3.º, 4.º, 11.º n.ºs 1, 2 5 e 6 e 15.º n.ºs 2, 3 e 5.º d da Lei n.º 54/2005 de 15 de Novembro ?
- da decisão de condenação do Réu Estado Português em Custas

FUNDAMENTAÇÃO

I. OS FACTOS (factos declarados provados, e não provados, na sentença recorrida):
1) A propriedade do prédio urbano, composto por casa com um pavimento, destinada a habitação, com seis divisões, situado no Lugar ..., na União das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito com o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., concelho ..., distrito ..., sob o artigo n.º ...00º mostra-se registada a favor dos autores, pela Ap. ... de 22/3/1983, conforme documento junto aos autos a fls. 28, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
2) O prédio descrito em 1) tem uma área total de 76m2, dos quais 64m2 são de área coberta e 12m2 de área descoberta / logradouro, o prédio dos Autores confronta a Norte com HH e outros, a nascente com DD, a poente com EE e outro e a ... da praia, conforme documento junto aos autos a fls. 28, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
3) Há mais de 40 anos que os Autores e os seus familiares utilizam o prédio referido em 1) e 2), …
4) … durante todo o ano,
5) …. com especial regularidade nas épocas balneares, …
6) …. nele pernoitando, fazendo as refeições, recebendo e albergando familiares e amigos,
7) Zelando pela sua conservação e pagando todas as inerentes taxas e contribuições, consumos de água, luz e telefone.
8) O que fazem na convicção de que exercem um direito próprio, …
9) … de forma pública e pacífica,
10) …. contínua e sem interrupção temporal, …
11) …  na forte convicção de que apenas usufruem do que é seu, por direito.
**
12) O Lugar e Praia de ... é uma zona memorialmente conhecida pelo extenso areal até às águas do mar.
13) Até finais do século XX a Praia de ... detinha um areal de cerca de 150 / 200 metros.
14) É memória comum às gentes daquela Praia de ..., nas décadas de 60, 70 e 80, os barcos de pesca serem deixados no areal após a jornada de trabalho para a jornada do dia seguinte, e assim mantidos mesmo em dias de marés vivas.
15) E ainda os lençóis de sargaço estendidos pelos sargaceiros no extenso areal ou amontoados ao longo do mesmo, para a sua seca e arrumo, que assim se mantinham, também em dias de marés vivas.
16) Em 1987, a Direcção-Geral de Portos procedeu à edificação de um Esporão em pedra imediatamente a norte dos ... e de ..., em sentido perpendicular à praia…
17) Por força dessa construção o curso normal das areias para sul foi impedido…
18) …E verificou-se uma erosão costeira naquelas Praias e conexo avanço do mar …
19) … De, pelo menos, 65 metros.
20) …E, concomitantemente, a supressão do areal.
21) O que se verificou logo no seguinte ao da sua construção.
22) Desde a edificação do imóvel referido em 1), pelo menos na década de 70, até à construção do Esporão, em 1987, o terreno e a casa dos Autores sempre se localizou para além da faixa de 50 metros de largura, contada da linha que limita o leito das águas do mar.
23) Nesse período o imóvel sempre permaneceu numa zona segura e longe de qualquer perigo de erosão, estando distante e abrigado da agitação do mar.
24) Até da construção do esporão a casa dos Autores distava da LMPAVE a distância mínima de 100 metros …
25) … interpondo-se, entre a zona de rebentamento das águas e o imóvel, um cordão dunar com extensão não inferior a 60 metros.
26) O imóvel referido em 1) não está hoje dentro da linha da ondulação nem na linha do espraio das ondas…
27) Em frente ao imóvel referido em 1) existe um estradão de areia compactada em terreno fixo, duro, consolidado.
28) O imóvel sito mais poente do prédio referido em 1) tem um logradouro na parte tardoz da casa, destinada a aparcamento / garagem descoberta, …
29) … à qual os seus proprietários sempre acederam de veículo, e onde aparcam as suas viaturas, ao longo de mais de 30/40 anos.
30) Os Autores e demais vizinhança sempre estacionaram e estacionam os seus veículos no estradão existente a Sul, em frente às suas casas.
**
31) A Sereníssima Casa de Bragança teve por fundadores o Rei D. João I e D. Nuno Álvares Pereira.
32) Ambos concorreram para a fundação desta Sereníssima Casa pelos dotes que prestaram aos seus filhos, respetivamente, D. Afonso, 1º Duque de Bragança, e Dona Beatriz Pereira, por ocasião do casamento entre estes
33) Nestes dotes conta-se a doação feita pelo Rei D. João I a seu filho, D. Afonso, intitulado Conde de Barcellos, do “logar de ..., com todas as suas rendas, direitos, tributos, fotos, termos, ribeiros, rios, pesqueiras, e com toda a jurisdicção, mero e misto imperio, desanexando-a para este fim do termo de Guimarães, e anexando-a ao julgado de Faria, por Carta de 14 de Outubro, Era de 1447, ou de Christo 1409”.
34) Existe um documento escrito, datado de 1412, no qual D. Afonso, 1º Duque de Bragança, declarou “Privilegiar os dez homens que moram em ...”, conforme documento junto aos autos a fls. 95 e seguintes, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
35) Existe um documento escrito, datado 18 de Junho de 1496, no qual se declara que “D. Manuel, no qual se declara que “Ao Duque de Bragança, D. Jaime, Carta de Doação do Lugar de ...”, conforme documento junto aos autos a fls. 97 a 100, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
36) Existe um documento escrito, datado de 1533, no qual se declara que “Ao dito Duque D. Teodósio confirmação do Lugar ... com todos os seus direitos”, conforme documento junto aos autos a fls. 101v e 102, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
37) Existe um documento escrito, datado de 1638, no qual se declara que “D. Filipe, Rey de Portugal e do Algarve” faz carta de confirmação a D. João Duque de Bragança do Lugar de ..., conforme documento junto aos autos a fls. 112v. e 113, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
38) Existe um documento escrito, intitulado “Descripção dos terrenos d’areal medidos em 5 de Novembro de 1876, para goso comum dos moradores das freguesias ..., ... e outros” no qual se descreve “N.º 1 Um terreno d’areal no sítio do ... entre ... e ..., junto ao már (Pelo presente, digo). Pelo poente tem 1643 metros, partindo com o batente das marés vivas; pelo norte cortando a direito do mar ao marco geodésico, tem 150 metros; pelo nascente tem 1643 metros, partindo com terra do prazo n.º 4246, de que é emphyteuta II, continuando a partir com terreno apropriado do baldio por JJ, junto ao prazo n.º 4122, seguindo a partir com terra do prazo n.º 4247 de que é emphyteuta KK e com terra agora medida (n.º 3) do baldio, continuando a partir com terra do lavradio de LL, e LL, até ao limite do ..., - partindo d’ahi para o mar em direitura, tendo pelo sul 50 metros, a partir com o dito limite.” Conforme documento junto aos autos a fls. 123v e 124 (certidão de traslado legível a fls. 124 e 125), cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido. 39) Desse documentos consta ainda que “Ficam dentro d’esta medição as cazinhas dos moradores ..., ... e outras, as quaes servem d’abrigo ao tirar dos sargaços – bem como os muinhos de vento de MM Herdeiro – LL – NN e OO – foro arbitrado – 5:340 rs. Anualmente” Conforme documento junto aos autos a fls. 123v a 124 (certidão de traslado legível a fls. 124 a 125), cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
40) Existe um documento escrito, datado de 20 de Outubro de 1887, no qual a Sereníssima Casa de Bragança, através de procurador aí identificado, declarou “Que a mesma Sereníssima Casa é senhoria directa d’um areal situado entre as freguesias de ... e ..., que está compreendido em três itens (...). Que este terreno de areia serve de secar nele os sargaços que tiram do mar os referentes lavradores das freguesias visinhas. Requer a El- Rei o aforamento e remissão do foro desse terreno”... “E lhes transfere o domínio directo, acção e posse que a Sereníssima Casa de Bragança tinha no mencionado areal”, conforme documento junto aos autos a fls. 126 a 132, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
**
41) Foi publicado no Diário da República de 28 de Maio de 1981, III Série, nº 122, pelo Estado-Maior-General das Fornas Armadas um “Auto de Delimitação” no qual se exarou: “Aos 2 dias do mês de Fevereiro de 1979, na sede da Capitania do Porto do Douro, reuniu a comissão nomeada por portaria inserte no Diário do Governo, 2. série, n.° 72, de 25 de Março de 1976, para proceder à delimitação, com o domínio público marítimo, do terreno ocupado por um prédio (casa) que FF diz possuir na praia de ..., sito na freguesia ..., concelho ..., distrito ..., comissão constituída pelo capitão-de-mar-o-guerra PP, representante da Marinha, servindo de presidente, engenheiro QQ, representante da Direcção-Geral de Portos, e o interessado, GG, servindo de vogais.   
A comissão tendo estudado detidamente o assunto, tanto no gabinete, como no campo, resolveu fazer a delimitação com o domínio hídrico marítimo conforme a planta nº 1, …
Verifica-se assim que toda a «casa» está implantada em terreno fora da jurisdição do domínio público marítimo, a uma distância mínima de 65m da L. M. P. A. V.
E nada mais havendo a tratar se encerrou a sessão, da qual, para que conste, se lavrou o presente auto.”, conforme documento junto aos autos a fls. 180 cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
42) O prédio referido em 1) e 2) encontra-se a 36,1 metros de distância, para nascente, do prédio referido e medido em 41).
**
2. Factos não provados:
a) O Lugar ... sempre e pelo menos desde 1 de Dezembro de 1892 foi administrativamente inserida quer na jurisdição da Direção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na jurisdição da Direção Geral de Portos e atualmente na jurisdição da APA.
b) A faixa de terreno onde se mostra implantado o prédio referido em 1) e 2) foi incorporada no domínio público do Estado.

II) O DIREITO APLICÁVEL

A) Reapreciação da matéria de facto

Invoca a recorrente erro de julgamento da matéria de facto no tocante aos pontos de facto declarados não provados, requerendo sejam declarados não provados.

Os indicados pontos de facto têm o seguinte teor:
a) O Lugar ... sempre e pelo menos desde 1 de Dezembro de 1892 foi administrativamente inserida quer na jurisdição da Direção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na jurisdição da Direção Geral de Portos e atualmente na jurisdição da APA.
b) A faixa de terreno onde se mostra implantado o prédio referido em 1) e 2) foi incorporada no domínio público do Estado.
Dispõe o artº 662º-nº1 do Código de Processo Civil, que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Ainda, nos termos do artº 640º -nº1 do Código de processo Civil “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Em impugnação da decisão da matéria de facto declarada não provada, alega o apelante MP:
“Foram identificados diversos processos (cfr. documento junto com a contestação) referentes a utilizações privativas em ..., área considerada dominial (o Regulamento dos Serviços Hidráulicos data de 01-12-1892), sendo que no período de administração da Direcção-Geral de Portos, as utilizações permitidas tiveram por base o Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, diploma esse com aplicação a todos os leitos e margens das águas do mar, das águas navegáveis ou flutuáveis e das águas não navegáveis nem flutuáveis, em suma, com aplicação aos terrenos do domínio hídrico, e independentemente da natureza jurídica dessas parcelas do território, ponderadas, quando justificadas, as situações de avanço e/ou recuo das águas.
Dos referidos processos, é possível concluir que toda a frente construída de ... sempre foi administrativamente considerada como estando inserida, quer na jurisdição da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na jurisdição da Direcção Geral de Portos e, actualmente, na jurisdição daAPA, I.P, ainda que tais parcelas de areal, mais ou menos consolidado, pudessem situar-se a mais de 50 metros do limite do leito das águas do mar, nesta zona definido pela linha da máxima preia-mar de águas vivas equinociais (LMPAVE).
Por outro lado, a existência de pedidos de licenciamento/legalização de obras em parcelas de terreno no espaço geográfico da Praia de ..., nos termos do, então em vigor, art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro, ou mesmo de diplomas que o precederam na matéria, demonstram que o mesmo sempre foi administrativamente considerado do domínio público marítimo do Estado e, nesses casos, objecto de licenciamento, sendo certo que as licenças emitidas referem que o local é domínio público marítimo.
Sendo que, perante o eventual afastamento da dominialidade pública nos termos da lei (cfr. art.º 8.º do decreto-Lei 468/71, de 5 de Novembro ou, actualmente, cfr. art.º 15 da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro), mesmo assim, tais parcelas de leito e margem - então privadas- não perdem ou alteram essa condição de leito e/ou margem, pelo que sempre estarão sujeitas a servidão administrativa e sob jurisdição da competente “entidade administrativa” e a sua utilização carecerá de correspondente título de utilização dos recursos hídricos (cfr. art.º 12.º n.º 1 e 21.º da Lei n.º 54/2005 , de 15 de Novembro).
Por outro lado, no levantamento efectuado na década de 60, que deu origem às plantas anexas às licenças emitidas pela Direcção Geral de Serviços Hidráulicos, não foi possível identificar o prédio objecto dos autos, não se verificando qualquer construção no local onde actualmente está edificado”.
A impugnação deduzida revela-se inconclusiva relativamente ao concreto prédio dos autos, não sendo susceptível de contrariar a motivação do julgador e sendo este livre na valoração dos meios de prova produzidos não se revela a verificação de erro de julgamento, nomeadamente, no tocante aos factos declarados não provados.
Reiterando-se os fundamentos da decisão, designadamente: “julga-se não provado que o Lugar ... sempre e pelo menos desde 1 de Dezembro de 1892 foi administrativamente inserida quer na jurisdição da Direção Geral dos Serviços Hidráulicos, quer na jurisdição da Direção Geral de Portos e atualmente na jurisdição da APA por falta de mobilização probatória bastante, considerando-se que os documentos de fls. 150 a 153 não são bastantes para se demonstrar que todo o Lugar ... foi administrativamente inserido na jurisdição da Direção Geral dos Serviços Hidráulicos e das Direções Gerais que lhe sucederam.
Pelo contrário, o auto de delimitação de Diário da República de 28 de Maio de 1981, III Série, nº 122, demostra que o domínio público foi delimitado naquele específico local, pelo que manifestamente aquele lugar está sob jurisdição do Direção Geral dos Serviços Hidráulicos, nem foi incorporado no domínio público do Estado”.
E, mais alegando o recorrente que “não foi demonstrado de forma inequívoca pelos documentos juntos aos autos pelos Autores que o prédio a que aludem os pontos 1) e 2) dos factos provados tenha sido objecto de propriedade particular ou com um ou estava na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta da comunidade local, de forma ininterrupta antes de Dezembro de 1864, nem que haja sido objecto de acto de desafectação do domínio hídrico, nem que se encontre fora da área da jurisdição da autoridade marítima”, considerando o apelante que “Não resulta inequivocamente dos documentos juntos aos autos a quem, à semelhança do tratamento que é indicado quanto à referida área com aptidão florestal, foi conferida a administração dessa faixa junto ao mar com cerca de 200 metros de largura, desde as ... aos moinhos do ..., reservada à seca do Sargaço. E, no entanto, face à lei relativa ao domínio hídrico já em vigor nessa época, e ao facto dos Serviços Hidráulicos surgirem a administrar essa área da costa desde longínqua data, é de admitir que essa faixa junto ao mar foi, desde logo, incorporada no domínio do Estado- domínio público hídrico- tanto mais que aí se praticava publicamente uma utilização de cariz comum: a seca do sargaço”, tal alegação igualmente se revela inconclusiva e insuficiente com vista à pretendida alteração dos factos não provados als. a) e b), supra, e, ainda, não foi impugnada a factualidade declarada assente, dos factos declarados provados, e, nomeadamente, dos factos nº 22 a 27 e 41 e 42 resultando confirmadas as respostas negativas dadas (v. cfr. fundamentação infra).
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterado o elenco factual fixado na sentença recorrida.

B) do mérito da causa

Os autores instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que o Estado Português reconheça que o seu prédio, descrito com o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ..., nos autos identificado, não integra o domínio hídrico e, subsidiariamente, caso se entenda que o seu prédio está abrangido pela Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que reconheça a sua propriedade privada sobre esse prédio, nos termos do art.º 15.º desse diploma.
Contesta o Réu Estado Português alegando que o prédio que os AA. dizem pertencer-lhes está parcialmente integrado no domínio hídrico por se situar, parcialmente, a menos de 50 metros da linha máxima de preia-mar de águas vivas equinociais.
Quanto ao avanço das águas defende ser aplicável o disposto no artigo 14º da Lei 54/2005 de 15 de Novembro.
Alega ainda que o local onde se situa o imóvel continua a manter a natureza de praia. 
Foi proferida sentença final, a julgar a acção totalmente procedente, declarando-se que o prédio urbano, composto por casa com um pavimento, destinada a habitação, com seis divisões, situado no Lugar ..., na União das freguesias ... e ..., concelho ..., descrito com o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... e ..., concelho ..., distrito ..., sob o artigo n.º ...00º, não integra o domínio público hídrico, condenando-se o réu Estado Português a reconhecer essa mesma realidade.
O Réu Estado Português veio interpor recurso de apelação, nos termos e pelos fundamentos supra expostos em conclusão, e, invocando a violação do disposto nos art.º 3.º, 4.º, 11.º n.ºs 1, 2 5 e 6 e 15.º n.ºs 2, 3 e 5.º da Lei n.º 54/2005 de 15 de Novembro.

Dispondo os indicados preceitos legais:
Artigo 2.º - Domínio público hídrico: 1 - O domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas.
2 - O domínio público hídrico pode pertencer ao Estado, às regiões autónomas e aos municípios e freguesias.
Artigo 3.º - Domínio público marítimo - O domínio público marítimo compreende:
a) As águas costeiras e territoriais;
b) As águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas;
c) O leito das águas costeiras e territoriais e das águas interiores sujeitas à influência das marés;
d) Os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo toda a zona económica exclusiva;
e) As margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés.
  Artigo 4.º - Titularidade do domínio público marítimo - O domínio público marítimo pertence ao Estado.

Artigo 11.º - Noção de margem; sua largura
1 - Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
2 - A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias, tem a largura de 50 m.
3 - A margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis, bem como das albufeiras públicas de serviço público, tem a largura de 30 m.
4 - A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10 m.
5 - Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
6 - A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem é contada a partir da crista do alcantil.
7 - Nas regiões autónomas, se a margem atingir uma estrada regional ou municipal existente, a sua largura só se estende até essa via.

Artigo 14.º - Avanço das águas
1 - Quando haja parcelas privadas contíguas a leitos dominiais, as porções de terreno corroídas lenta e sucessivamente pelas águas consideram-se automaticamente integradas no domínio público, sem que por isso haja lugar a qualquer indemnização.
2 - Se as parcelas privadas contíguas a leitos dominiais forem invadidas pelas águas que nelas permaneçam sem que haja corrosão dos terrenos, os respetivos proprietários conservam o seu direito de propriedade, mas o Estado pode expropriar essas parcelas.
Artigo 15.º - Reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos
1 - Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio.
2 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de março de 1868.
3 - Na falta de documentos suscetíveis de comprovar a propriedade nos termos do número anterior, deve ser provado que, antes das datas ali referidas, os terrenos estavam na posse em nome próprio de particulares ou na fruição conjunta de indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa.
4 - Quando se mostre que os documentos anteriores a 1864 ou a 1868, conforme os casos, se tornaram ilegíveis ou foram destruídos, por incêndio ou facto de efeito equivalente ocorrido na conservatória ou registo competente, presumir-se-ão particulares, sem prejuízo dos direitos de terceiros, os terrenos em relação aos quais se prove que, antes de 1 de dezembro de 1892, eram objeto de propriedade ou posse privadas.
5 - O reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de águas navegáveis ou flutuáveis pode ser obtido sem sujeição ao regime de prova estabelecido nos números anteriores nos casos de terrenos que:
a) Hajam sido objeto de um ato de desafetação do domínio público hídrico, nos termos da lei;
b) Ocupem as margens dos cursos de água previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º, não sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias;
c) Estejam integrados em zona urbana consolidada como tal definida no Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, fora da zona de risco de erosão ou de invasão do mar, e se encontrem ocupados por construção anterior a 1951, documentalmente comprovado.
6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, compete às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira regulamentar, por diploma das respetivas Assembleias Legislativas o processo de reconhecimento de propriedade privada sobre parcelas de leitos e margens públicos, nos respetivos territórios.
 “Nem todos os terrenos inseridos nos limites considerados na legislação como margens integram o domínio público, reconhecendo-se a natureza privada aos imóveis terrenos que tiverem entrado por título legítimo no património dos particulares” – Ac. TRE de 23/3/2017, P.473/13.1TBTVR.E1, título que foi reconhecido na sentença recorrida.
Ao que acresce que, nos termos da legislação aplicável ao regime de titularidade dos recursos hídricos, designadamente, a Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, a qual estabelece que estes compreendem as águas e abrangendo ainda os respectivos leitos e margens, e, compreendem os recursos dominiais, pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, pertencentes a entidades públicas ou particulares (cfr. Artigo 1.º- Âmbito- 1 - Os recursos hídricos a que se aplica esta lei compreendem as águas, abrangendo ainda os respetivos leitos e margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas. 2 - Em função da titularidade, os recursos hídricos compreendem os recursos dominiais, ou pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, pertencentes a entidades públicas ou particulares - a caracterização de “Margem”, e cfr. a respectiva “Noção” legal consignada no artº 11º da citada lei, surge como conceito jurídico a definir, em concreto, face a elementos factuais descritivos de que possa deduzir-se - ( Dispondo o citado Artigo 11.º, da Lei nº 54/2005 – “Noção de margem; sua largura”: 1 - Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas; 2 - A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias, tem a largura de 50 m; 3 - A margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis, bem como das albufeiras públicas de serviço público, tem a largura de 30 m; 4 - A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10 m; 5 - Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza; 6 - A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem é contada a partir da crista do alcantil). ( v. Ac. STJ de 4/6/2020, P. 108/14.5T8PTS.L2.S1, in www.dgsi.pt ).
Dos factos provados resulta que o prédio dos Autores não foi e nem se encontra implantado em zona pública correspondente a “Margem”, e, nem ainda, em zona de “Praia”, e, nem em zona “contígua a leitos dominiais”, considerando-se a noção de “Margem”, cfr. definição legal (artº 11º-nº 1 e 2 da Lei nº 54/2005) “a faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas”, cuja largura é de 50 metros para águas marítimas, a partir da linha limite do leito, e, “Praia” a orla de terra, geralmente coberta por areia ou pedras, que confina com o mar (cfr. dicionário da Língua Portuguesa, F.Torrinha), e a qual pode ter uma extensão superior à margem legal, estendendo-se até onde o terreno apresentar a natureza de praia ( nº 5 do artº 11º citado), resultando provado que “Desde a edificação do imóvel referido em 1), pelo menos na década de 70, até à construção do Esporão, em 1987, o terreno e a casa dos Autores sempre se localizou para além da faixa de 50 metros de largura, contada da linha que limita o leito das águas do mar.
Nesse período o imóvel sempre permaneceu numa zona segura e longe de qualquer perigo de erosão, estando distante e abrigado da agitação do mar.
Até da construção do esporão a casa dos Autores distava da LMPAVE a distância mínima de 100 metros,
interpondo-se, entre a zona de rebentamento das águas e o imóvel, um cordão dunar com extensão não inferior a 60 metros.
O imóvel referido em 1) não está hoje dentro da linha da ondulação nem na linha do espraio das ondas…
Em frente ao imóvel referido em 1) existe um estradão de areia compactada em terreno fixo, duro, consolidado.
E, mais se provando que:
O Lugar e Praia de ... é uma zona memorialmente conhecida pelo extenso areal até às águas do mar.
Até finais do século XX a Praia de ... detinha um areal de cerca de 150 / 200 metros.
É memória comum às gentes daquela Praia de ..., nas décadas de 60, 70 e 80, os barcos de pesca serem deixados no areal após a jornada de trabalho para a jornada do dia seguinte, e assim mantidos mesmo em dias de marés vivas.
E ainda os lençóis de sargaço estendidos pelos sargaceiros no extenso areal ou amontoados ao longo do mesmo, para a sua seca e arrumo, que assim se mantinham, também em dias de marés vivas.
Em 1987, a Direcção-Geral de Portos procedeu à edificação de um Esporão em pedra imediatamente a norte dos ... e de ..., em sentido perpendicular à praia
Por força dessa construção o curso normal das areias para sul foi impedido
E verificou-se uma erosão costeira naquelas Praias e conexo avanço do mar
De, pelo menos, 65 metros.
E, concomitantemente, a supressão do areal.
O que se verificou logo no seguinte ao da sua construção.
“O Domínio Hídrico Público, que envolve a parte líquida e os elementos conexos, como as margens, leitos e terrenos adjacentes, pressupõe duas condições necessárias e suficientes, que se traduzem no facto de as águas serem públicas, assim como os terrenos envolventes, para que se possa considerar que estes tenham natureza dominial. 2 –Se isso não se verificar, poderemos estar perante terrenos do domínio privado, banhados por águas públicas – artigo 5º n.º 2 do DL. 468/78 de 5/11” – Ac. TRG de 10/5/2007, P.517/07.1.
E, ainda, nos termos do Artigo 20.º - Classificação e registo – da citada Lei nº 54/2005 - 1 - Compete ao Estado, através da Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., na qualidade de autoridade nacional da água, organizar e manter atualizado o registo das águas do domínio público, procedendo às classificações necessárias para o efeito, nomeadamente da navegabilidade e flutuabilidade dos cursos de água, lagos e lagoas, as quais devem ser publicadas no Diário da República. 2 - Em complemento do registo referido no número anterior deve a autoridade nacional da água organizar e manter atualizado o registo das margens dominiais e das zonas adjacentes”, não constando dos autos título de dominialidade da margem.
E, resultando dos factos provados que 41) Foi publicado no Diário da República de 28 de Maio de 1981, III Série, nº 122, pelo Estado-Maior-General das Fornas Armadas um “Auto de Delimitação” no qual se exarou: “Aos 2 dias do mês de Fevereiro de 1979, na sede da Capitania do Porto do Douro, reuniu a comissão nomeada por portaria inserte no Diário do Governo, 2. série, n.° 72, de 25 de Março de 1976, para proceder à delimitação, com o domínio público marítimo, do terreno ocupado por um prédio (casa) que FF diz possuir na praia de ..., sito na freguesia ..., concelho ..., distrito ..., comissão constituída pelo capitão-de-mar-o-guerra PP, representante da Marinha, servindo de presidente, engenheiro QQ, representante da Direcção-Geral de Portos, e o interessado, GG, servindo de vogais.   
A comissão tendo estudado detidamente o assunto, tanto no gabinete, como no campo, resolveu fazer a delimitação com o domínio hídrico marítimo conforme a planta nº 1, …
Verifica-se assim que toda a «casa» está implantada em terreno fora da jurisdição do domínio público marítimo, a uma distância mínima de 65m da L. M. P. A. V.
E nada mais havendo a tratar se encerrou a sessão, da qual, para que conste, se lavrou o presente auto.”, conforme documento junto aos autos a fls. 180 cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
42) O prédio referido em 1) e 2) encontra-se a 36,1 metros de distância, para nascente, do prédio referido e medido em 41).
Ao que acresce, e como se refere na sentença recorrida: “como se afirma no acórdão do Tribunal Constitucional nº 326/2015, “Segundo a doutrina, a atribuição de caráter dominial às praias – (…) - implicou, tão-somente, a incorporação no domínio público dos terrenos marginais que já pertenciam ao domínio privado do Estado. Por outras palavras, «a lei não teve manifestamente em vista reduzir de um golpe à propriedade pública todos os terrenos das praias, incluindo os que estivessem na propriedade privada dos particulares» [cf. Afonso Rodrigues Queiró, "As praias e o domínio público (Alguns problemas controvertidos)", Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3258, 3259 e 3260, 1964, p. 337]”, acórdão proferido o processo nº 718/205 e consultado em www.tribunalconstitcional.pt.”.
Nos termos expostos, se concluindo pela improcedência apelação.
III) - da decisão de condenação do Réu Estado Português em custas
Nos termos do disposto no artº 15.º- nº1, da lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio.
Consequentemente, e nos termos conjugados do artº 4º-nº1-al.a) do RCJ, está o MP isento de custas, nesta parte se revogando a sentença recorrida.
IV) Concluindo-se, nos termos expostos, pela parcial procedência do recurso de apelação.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão de condenação em Custas do MP, e, em tudo o mais se mantendo o decidido.
Sem custas, em 1ª e 2ª instância, por delas estar isento o MP.
Guimarães, 13 de Novembro de 2025

( Luísa D. Ramos )
( Alexandra Rolim Mendes )
( Carla Maria da Silva Sousa Oliveira )