Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1156/23.0T8GMR.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: USUCAPIÃO
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A lei manda fixar o montante da indemnização devida por danos não patrimoniais equitativamente, tendo em atenção a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos – cfr. arts. 496º/4 e 494º, ambos do CC.
II – Na determinação da indemnização há que ter em atenção que a equidade é a justiça do caso concreto, pelo que o julgador deverá ter presente as regras de boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, razão pela qual se deve ter em conta os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência em casos tanto quanto possíveis semelhantes.
III – Dano futuro é o prejuízo do ofendido ainda não sofrido no momento considerado.
IV – Consagra a lei (nº 2, do art. 564º do CC) a indemnização antecipada de danos futuros, exigindo tão só a sua previsibilidade.
V – Apenas são indemnizáveis os danos futuros previsíveis certos e os danos futuros eventuais em que se possa formar o prognostico de o prejuízo vir a acontecer.
VI – A usucapião é um modo de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo (arts. 1287º e 1316º do CC) que depende apenas da verificação de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse. Quando invocada, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288º do CC), adquirindo-se o direito de propriedade no momento do início da mesma posse [art. 1317º, c) do CC].
VII – A usucapião serve, além do mais, para “legalizar” situações de facto “ilegais”, mantidas durante longos períodos de tempo, inclusive até a apropriação ilegítima ou ilícita de uma coisa.
VIII – Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são, em regra, nulos (art. 294º do CC), podendo a nulidade ser, em princípio, invocada a todo o tempo por qualquer interessado e até ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286º do CC); porém, a não fixação de um prazo para a sua arguição não afecta os direitos que hajam sido adquiridos por usucapião.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

AA, viúva, residente na Rua ..., ... ..., intentou a presente acção[1] declarativa de condenação de processo comum contra BB e mulher CC, residentes na Rua ..., ..., pedindo a condenação destes a: “a) Reconhecerem o direito de propriedade plena da autora tendo como objecto a fracção autónima identificada no artigo 1º desta petição inicial; || b) Reconhecerem que se acha constituída uma servidão de vistas a favor do imóvel/fracção autónoma identificada no artigo 1º desta petição inicial, a ser exercida através da janela caracterizada nos artigos 21º a 24º desta petição inicial e sobre o prédio dos réus; || c) Demolirem o muro ou parede que edificaram no lado do seu prédio confrontante com o alçado nascente da fracção autónoma da autora, de modo a ser respeitado entre este muro e a referida janela a distância legal de, pelo menos, metro e meio; || d) A absterem-se de praticar quaisquer actos que importem violação do direito de propriedade da aqui autora e/ou do seu direito de servidão de vistas; || e) Pagarem à aqui autora indemnização não inferior a 1.000,00 euros, acrescida de uma indemnização de 30 euros por cada dia em que não for demolida construção de muro ou parede nos termos acima peticionados; || f) Pagarem as custas do processo e no mais que for de Lei,”.
Para tanto, alegou a A., em síntese, que é dona e legitima possuidora da fração autónoma designada pela letra ..., habitação de ... e 1º andar sito na Rua ..., em ..., e que os RR. são proprietários do prédio urbano, de ... e 1º andar, confrontantes entre si a nascente (prédio A.)/poente (prédio RR.).
Alegou ainda a A., que no alçado poente da sua habitação, ao nível do 1º andar encontra-se uma janela (1,40m x 1,20m), que dista do chão a 2,50 metros, e que há mais de 10, 15, 20 anos que retira de tal janela todas as suas utilidades sem oposição de quem quer que seja, mas que em 2022, os RR. fizeram erguer uma parede no lugar onde existia um logradouro sem cobertura ou telhado, pertencente ao seu prédio, obstruindo, parcialmente, e numa distância inferior a metro e meio a janela supra referida, violando o direito da A. de servidão de vistas, passando a sua habitação, mais precisamente a cozinha, a receber menos luz e arejamento.
Alegou ainda que ao concretizarem os RR. a cobertura sobre o seu logradouro têm possibilidade de devassar a habitação da A., violando o seu direito de propriedade e de servidão de vistas, pelo que em respeito a tais direitos devem os RR. ser condenados a demolirem a aludida construção.
Em consequência da actuação dos RR., a cozinha deixou de ter iluminação e arejamento suficiente, causando tristeza, ansiedade e preocupação, e claustrofobia, encontrando-se a ser devassada na sua privacidade, atento o terraço construído por cima do anterior logradouro, havendo a possibilidade de serem lançados objectos sólidos ou líquidos, com os incómodos inerentes, danos morais que merecem indemnização não inferior a 1.000,00€, acrescidos da quantia de 30,00€ por cada dia que passe até à demolição da construção.
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Contestando, pugnaram os RR. pela improcedência da acção, porquanto em tempos existiu um muro que dividia a propriedade da A. e dos RR. e cuja altura era superior à altura tanto da cobertura colocada em causa nos autos como da alegada janela da A., a qual à data não existia.
Tal janela apenas veio a existir, a pedido da A. aos RR., após a demolição do referido muro por estes, porquanto estando os prédios a uma distância inferior 1,50m, a A. estaria proibida de a abrir, ao que os RR. anuíram, autorizando tal abertura, tendo ficado acordado que os RR. poderiam reerguer o muro ou voltar a construir se assim entendessem, pelo que foi no âmbito deste acordo que a abertura da janela foi autorizada.
Mais alegaram os RR. que não construíram qualquer terraço na sua propriedade, mas sim uma cobertura sem acesso ao mesmo e que nem a luz ou o arejamento através da janela ficam afetados, não carecendo de qualquer causa justificativa o valor peticionado a título de danos morais.
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Atenta a prova pericial requerida pela A. e a necessidade de fixar o valor da causa por meio de arbitramento, por economia de meios, as partes aceitaram a realização da prova pericial aquando do arbitramento, antes dos demais actos, o que foi determinado.
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Procedeu-se à realização de audiência prévia, proferindo-se despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa, se aferiu os pressupostos de validade e regularidade da instância, tendo-se ainda delimitado o objeto do litígio e enunciado os temas da prova.
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância das legais formalidades, admitindo-se, antes de proferidas as alegações orais, a ampliação do pedido formulado pela A. na alínea b), passando a constar além do mais, o seguinte: “(…), mas igualmente uma servidão de “NON AEDIFICANDI”, da área não edificável em porção de terra do prédio dos Réus, diretamente confrontante com o alçado poente do prédio da Autora, tendo como objeto a proibição de se proceder a qualquer tipo de construção distanciando menos de metro e meio em toda a extensão que vai do solo à referida janela.”.
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No final, foi proferida sentença, que decidiu nos seguintes termos:
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, decide-se julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
a) Condenar os Réus a reconhecer o direito de propriedade plena da Autora sobre a fração autónoma designada pela letra ..., habitação no ... e ... andar, lado direito, um logradouro de 25m2, localizado ao lado nascente, inserida no prédio submetido ao regime de propriedade horizontal localizado na rua e Lugar ..., da União das freguesias ... e ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...67/... (...), e inscrito na respectiva matriz urbana sob o artigo ...51º.
b) Condenar os réus a reconhecerem que se acha constituída uma servidão de vistas a favor do prédio da Autora identificado em a) que onera o prédio dos Réus, confrontantes entre si a nascente/poente, a ser exercida pela janela poente do prédio da Autora sobre o prédio dos Réus.
c) Condenar os Réus a demolirem a construção que edificaram no seu prédio, em frente à janela poente do prédio da Autora, na dimensão integral do enfiamento da referida janela e numa extensão de pelo menos 1,5 metros.
d) Condenar os réus a absterem-se de praticar quaisquer atos que importem a violação do direito de propriedade da autora ou da servidão de vistas.
e) Condenar os Réus a pagar à Autora a quantia de 500,00€ (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais.
f) Absolver os Réus do demais peticionado.
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Custas pela Autora e pelos Réus, na proporção do respetivo decaimento que se fixa para a Autora em 30% e para os Réus em 70%.
Registe e notifique.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a A. AA recurso de apelação contra a mesma relativamente à parte em que decaiu, cujas alegações finalizou, com a apresentação das seguintes conclusões:

Primeira: Na douta sentença recorrida reconheceu-se o direito da Autora a servidão de vistas sobre o prédio dos Réus, a ser exercida através de uma janela no alçado poente do seu prédio, mas não veio a ser reconhecida a existência de uma servidão non aedificandi igualmente sobre o prédio dos Réus e a favor do prédio da Autora, consistente na área de terreno dos Réus imediatamente contíguo e adjacente àquele alçado e desde o solo até à referida janela.
Segunda: De toda a prova produzida e constante dos autos, – prova testemunhal, documental e pericial – deve-se concluir que com a edificação da construção efectuada pelos Réus e constante do ponto 10) dos factos assentes ficou comprometida a segurança e inviolabilidade do prédio da Autora, dada a possibilidade de, mais facilmente, ocorrer a intrusão, por terceiros na habitação da Autora, através do uso e acesso permitido pela recente edificação (ampliação) pelos Réus.
Terceira: As provas constantes dos autos, em especial as fotográficas e periciais, e ainda mais especialmente o testemunho de DD, anterior proprietário do prédio dos Réus e autor da construção original deste prédio, impõe que se dê como provado que: i) desde pelo menos ../../1990, a Autora sempre confiou que nenhuma construção seria efectuada no solo do prédio pertencente aos Réus e imediatamente adjacente ao alçado poente do seu prédio, por tal lhe ter sido assegurado pelo anterior proprietário EE; e ii) A construção referida no ponto 10) infra compromete a segurança e inviolabilidade do prédio da Autora dada a maior possibilidade de intrusão por terceiros.
Quarta: A matéria de facto deve, assim, ser alterada, adicionando tais pontos de facto.
Quinta: Do mesmo modo e pelas mesmas razões deve transitar para o elenco dos factos dados como provados o facto e) dos factos não provados, ou seja, o seguinte: Em virtude da construção identificada em 10), a Autora ficou sujeita a maior devassa da sua privacidade.
Sexta: Desta forma alterando-se a matéria de facto dada como provada, deverá ser reconhecida e declarada a existência de uma servidão non aedificandi sobre o prédio dos réus e a favor do prédio da Autora, consistente na área não edificável em porção de terra do prédio dos Réus, directamente confrontante com o alçado poente do prédio da autora, tendo como objecto a proibição de proceder a qualquer tipo de construção distanciando menos de metro e meio e em toda a extensão de vai do solo à respectiva janela.
Sétima: Em consequência desse reconhecimento deve ser ordenada a demolição da construção efectuada pelos Réus em conformidade e não apenas aquela na dimensão integral do enfiamento da janela e numa extensão de pelos menos 1,5 metros.
Oitava: Ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, esta servidão non aedificandi não ofende o principio de numerus clausus dos direitos reais e das restrições ao exercício do direito de propriedade, dado que a lei contempla a figura genérica de servidões prediais, não consubstanciando assim aquela servidão non aedificandi não mais que um encargo sobre o prédio serviente, entre os que cabem na previsão do artigo 1.543º do Código Civil.
Nona: Outrossim, dada a disposição do artigo 1.544º do Código Civil, as utilidades que podem ser conteúdo das servidões não estão sujeitas a numerus clausus pois dessa disposição resulta que as servidões podem ter por objecto quaisquer utilidades, presentes ou futuras, não se excluindo, por isso, a possibilidade de uma servidão predial ter como conteúdo a proibição de construção em determinado prédio – prédio serviente – e a favor de outro prédio – prédio dominante.
Décima: Assim, havia que reconhecer à Autora o direito a uma servidão non aedificandi a favor do seu prédio e a onerar o prédio dos réus, correspondente ao pedido formulado pela Autora em ampliação do seu original e primeiro pedido de reconhecimento da servidão de vistas, com a consequente condenação dos Réus na demolição da parte da sua construção nos termos dessa ampliação do pedido.
Décima primeira: A condenação dos Réus, na sentença recorrida, no pagamento de uma indemnização de € 500,00 a título de danos não patrimoniais, quando a Autora, a este título pedia o valor de € 1.000,00 não abrange suficientemente a compensação devida por tais danos pois o Meritíssimo Juiz a quo não atendeu ao facto de a ofensa e facto ilícito não se ter esgotado num só momento temporal, antes se prolongando no tempo, dia a dia, e se prolongará até à efectiva demolição.
Décima segunda: Assim deve antes ser reconhecido o direito da Autora ao valor por esta peticionado.
Décima terceira: De igual modo deve ser reconhecido à Autora o direito de ser indemnizada pelo valor de € 30,00 por cada dia em que não for demolida a construção na extensão peticionada e reclamada, pois tal será a compensação devida pelo respectivo dano e facto ilícito, dano este que, ao contrário do decido pelo Meritíssimo Juiz a quo não é eventual, antes é seguramente previsível.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença na parte aqui impugnada, formulando-se Acórdão que contemple toda a matéria constantes das conclusões supra formuladas,
no que farão V.Exªs a Sempre Inteira e Costumada JUSTIÇA!
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Também inconformados com essa sentença, apresentaram os RR. BB e mulher CC recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram, com a apresentação das seguintes conclusões:

1. O elenco dos factos dados como provados na sentença de que se recorre, não está completo.
2. Foi requerida e realizada nos autos uma perícia, na qual o Sr. Perito concluiu no seu relatório pericial, (página 5) que a janela poente (a janela em causa nos autos) não se encontra devidamente legalizada em termos de licenciamento camarário.
3. Resulta claro e incontestável deste meio de prova, que a janela em causa nos presentes autos foi aberta contra o licenciamento existente.
4. Impõe este meio de prova que se acrescente ao elenco dos factos dados como provados um novo facto (número 14), nos seguintes termos: “A abertura com a largura de 1,40 metros e a altura de 1,03 metros, constituída por caixilhos de alumínio preenchidos com vidro simples transparente, com parapeito e estore pelo exterior, que deita diretamente sobre o prédio dos Réus, a uma distância inferior a 1,5 metros referida no facto provado número 7 não está licenciada e desrespeita o que está licenciado”.
5. As normas administrativas de licenciamento urbano são imperativas, porque prosseguem fins e interesses públicos relevantes.
6. Os negócios celebrados contra disposição legal imperativa são nulos (artigo 249º do Código Civil), podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo e até ser decretada oficiosamente pelo Tribunal (artigo 286º do C. Civil).
7. A disposição legal que permite a aquisição por usucapião (artigo 1287º do C. Civil) excepciona a existência de “disposição em contrário”.
8. Não podem os atos de posse baseados num facto proibido por normas de licenciamento urbano permitir a aquisição por usucapião na medida em que contrários a uma disposição de caráter imperativo (art. 294º do Código Civil).
9. Não tendo adquirido qualquer servidão de vistas através do instituto da usucapião, não se encontra demonstrado nos autos que a Recorrida tenha adquirido tal servidão por qualquer outro título.
10. Assim sendo, não é aplicável in casu o disposto no artigo 1362º nº 2 do C. Civil.
11. É pressuposto da responsabilidade civil a ilicitude da conduta, ou seja, que ela seja contrária à ordem jurídica, violando uma norma legal.
12. No caso concreto, a ilicitude consiste na suposta violação dum direito de servidão de vistas constituído a favor do prédio da Recorrida, o que não se verifica.
13. Assim sendo, falece um dos requisitos da obrigação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual.
14. Não sendo legalmente possível a aquisição de uma servidão de vistas por via do instituto da usucapião, os aqui Recorrentes não podem ser condenados a reconhecer a existência de tal servidão, a abster-se de praticar actos que a prejudiquem, a demolir ainda que parcialmente parte da sua construção e a pagar uma indemnização a título de danos morais.
15. Ao decidir ter sido constituída uma servidão de vistas por usucapião, o Tribunal de que se recorre desconsiderou a imperatividade das normas administrativas e o disposto no artigo 294º do C. Civil.
16. Não havendo qualquer servidão de vistas constituída, o Tribunal aplicou erradamente o disposto no artigo 1362º do C. Civil.
17. Ao condenar no pagamento duma indemnização a título de danos patrimoniais, o Tribunal violou o disposto no artigo 483.º n.º 1 do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso revogando-se a recorrida sentença e, em consequência, absolver-se os Réus/Recorrentes dos pedidos.

Assim se fazendo a acostumada
J U S T I Ç A !
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Notificados das alegações de recurso apresentadas pela A., vieram os RR. BB e mulher CC apresentar as suas contra-alegações, que finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

1. Dispõe o artigo 629º do C. P. Civil que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
2. o primeiro dos requisitos, para a Recorrente, encontra-se cumprido, pois o valor da causa é de 10.000€.
3. o valor económico de cada pedido formulado nos autos é:
- pedido de indemnização: 1.000€.
- pedido de reconhecimento de existência de servidão de vistas: 3.500€.
- pedido de demolição da construção de ampliação existente no prédio dos réus: 5.500€”.
4. Quanto ao pedido de indemnização, o Tribunal condenou os RR. a pagar à Autora a quantia de 500€, pelo que a sucumbência é de 500€.
5. Quanto ao pedido de reconhecimento de servidão de vistas, não existe sucumbência, pois os RR. foram condenados a reconhecer a existência dessa servidão.
6. O Tribunal fixou o decaimento da Recorrente em 30%, que equivale a 1.650€, quanto ao pedido de demolição.
7. A sucumbência total da Recorrente é de 2.150€, pelo que o recurso é legalmente inadmissível, nos termos do artigo 629º nº 1 do C. P. Civil.
8. A Recorrente não indica quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
9. A fim de alterar a matéria de facto dada como provada, a Recorrente limita-se a transcrever as considerações que o Tribunal teceu acerca dos depoimentos das testemunhas.
10. A remissão para a apreciação da prova e um breve resumo do teor dos depoimentos efectuados pelo Tribunal não preenche a obrigação de identificação das passagens das gravações desses depoimentos.
11. A remissão genérica para um concreto meio de prova (as “várias fotografias existentes nos autos”) também não integra o conceito de especificação dos concretos meios probatórios que imporiam uma decisão diferente da tomada.
12. Este ónus é imposto para garantir ao Tribunal uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido.
13. O incumprimento deste ónus leva à rejeição do recurso, nos termos do artigo 640º nº 1 alínea b) do C. P. Civil.
14. Resulta provado que a cobertura da construção em causa não tem acesso direto nem pelo interior nem pelo exterior e, além disso, não tem parapeito.
15. Consequentemente resulta lógico que os Réus não utilizam aquele espaço como terraço ou para seu acesso frequente ou de outras pessoas, pelo que não poderia resultar provado que os réus através da mesma devassam mais facilmente a divisão onde se encontra a janela.
16. A disposição do artigo 1360º do C. Civil traduz uma orientação, que é a de facilitar as relações de vizinhança, não impedindo aqueles actos que não afectam gravemente os interesses do vizinho e que, pelo seu exercício continuado, poderiam conduzir à constituição de servidões.
17. Começam somente os prejuízos a ser atendíveis, se existir um parapeito, porque, neste caso, tal como numa janela, a pessoa pode debruçar-se, ocupando parcialmente o prédio alheio, e arremessar com facilidade objectos para dentro deste.
18. Conclui o relatório pericial dos autos que a cobertura não é acessível e não provoca devassa adicional da habitação da Recorrente.
19. Qualquer pessoa mal intencionada tanto poderia aceder pela referida cobertura ou através de uma escada directamente para a janela, pelo que não pode este circunstancialismo justificar que se proceda à demolição de toda a construção.
20. Atento o princípio do numereus clausus inserto no artigo 1306º do C. Civil, reconhecer uma servidão de “non aedificandi” nos termos peticionados, corresponderia a criar uma restrição ao direito de propriedade dos Réus que a lei não permite.
Nestes termos e nos melhores de Direito não deverá ser concedido provimento ao Recurso interposto, assim se fazendo a acostumada
J U S T I Ç A !
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Também notificada das alegações de recurso apresentadas pelos RR., veio a A. AA apresentar as suas contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso com as devidas consequências legais.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir os recursos interpostos bem como as contra-alegações, providenciando pela sua subida.
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Foram facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos.
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Pretendem os RR. não ser o recurso da A. admissível, por falta de sucumbência: A sucumbência total da Recorrente é de 2.150€, pelo que o recurso é legalmente inadmissível, nos termos do artigo 629º nº 1 do C. P. Civil.
Explicitando esta sua opinião, referem que:
-» o valor da causa é de 10.000€;
o valor económico de cada pedido formulado nos autos é:
- pedido de indemnização: 1.000€.
- pedido de reconhecimento de existência de servidão de vistas: 3.500€.
- pedido de demolição da construção de ampliação existente no prédio dos réus: 5.500€”.
Quanto ao pedido de indemnização, o Tribunal condenou os RR. a pagar à Autora a quantia de 500€, pelo que a sucumbência é de 500€.
Quanto ao pedido de reconhecimento de servidão de vistas, não existe sucumbência, pois os RR. foram condenados a reconhecer a existência dessa servidão.
O Tribunal fixou o decaimento da Recorrente em 30%, que equivale a 1.650€, quanto ao pedido de demolição.
Entendem, aqui, os RR. recorridos, não ser possível conhecer do objecto do recurso interposto por falta de requisitos formais, mais concretamente pela falta de sucumbência.
Com efeito, ressalvadas as situações excepcionais consagradas na lei – v.g., as previstas nos arts. 542º/3 e 629º/2 e 3 do CPC e 27º/6 do RCP[2] –, o recurso ordinário só é admissível nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (art. 629º/1 do CPC).
Assim, em regra, carece a admissibilidade de recurso ordinário da verificação cumulativa dos referidos requisitos, um respeitando ao valor da causa, outro ao valor da sucumbência. Na verdade, tratando-se de decisão do Tribunal de 1ª Instância, ainda que o valor da causa seja superior à respectiva alçada (€ 5.000), o recurso não é admissível, em regra, se o valor da sucumbência não exceder € 2.500.
Ora, não se questionando as premissas indicadas quanto ao valor da causa e ao valor económico de cada pedido supra transcritos, discorda-se da contabilização efectuada, pois não respeita a decisão quanto a custas: Custas pela Autora e pelos Réus, na proporção do respetivo decaimento que se fixa para a Autora em 30% e para os Réus em 70%. É que resulta da decisão que a A. decaiu em 30%, o que atendendo ao valor da causa de € 10.000, representa € 3.000. Sendo, assim, este o valor da sucumbência da A. recorrente.
Como assim, ao invés do defendido pelos recorridos nas suas contra-alegações, inexistindo a falta do apontado requisito formal [cfr. arts. 629º/1 e 641º/2, a) e 5 do CPC], temos ser o recurso da A. próprio e admitido com os efeitos devidos.
Nada obstando ao conhecimento do objecto dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem que:
A A. AA:

I) - se altere o teor da matéria de facto, aditando-se dois novos pontos ao elenco dos factos provados e quanto ao decidido no facto dado como não provado em e), que deveria passar a integrar o elenco dos factos provados (conclusões a );
II) -  se reaprecie a decisão de mérito da acção em conformidade com as alterações pretendidas (conclusões a 10ª);
III) - se reaprecie a decisão de mérito da acção quanto ao valor da indemnização a título de danos não patrimoniais arbitrada (conclusões 11ª e 12ª);
IV) - se reaprecie a decisão de mérito da acção quanto ao pretendido reconhecimento do direito da A. a ser indemnizada pelo valor de € 30/dia até à demolição da construção na extensão peticionada e reclamada (conclusão 13ª).
Os RR. BB e mulher CC:
V) - se altere o teor da matéria de facto, aditando-se um novo ponto ao elenco dos factos provados: o 14) (conclusões 1. a 4.);
VI) - se reaprecie a decisão de mérito da acção quanto ao direito sobre a aquisição da servidão de vistas e consequências (conclusões 5. a 10.).
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3 – OS FACTOS

a) FACTOS PROVADOS
Da prova produzida, resultaram provados, com relevo para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
1) Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...14, o prédio urbano composto de casa de ..., ... andar e logradouro – norte, estrada municipal; sul e nascente FF; Poente, EE, desanexado do prédio ...44 do ..., constituído em propriedade horizontal pela AP. ...5 de 15/02/1193, dividido em duas frações Autónomas (... e ...), sito em Lugar ..., freguesia ... e ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana n.º ...51, mostrando-se aí registada a aquisição por compra, a favor de GG, casado com HH no regime de comunhão de adquiridos e II, casado com AA (Autora) no regime de comunhão de adquiridos, através da AP. ... de 14/08/1990.
2) Mostra-se descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...14..., a fração autónoma designada pela letra ..., composta por habitação no ... e ... andar, lado direito, um logradouro de 25m2 localizado ao lado nascente, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito em Lugar ..., identificado em 1), mostrando-se aí registada a aquisição da quota de ½, por permuta, a favor de II, casado com AA (Autora) no regime de comunhão de adquiridos, através da AP. ...7 de 15/02/1993.
3) Por escritura pública denominada “HABILITAÇÃO”, a Autora declarou ser cabeça de casal da herança aberta por óbito de seu marido II e a este ter sucedido como única herdeira.
4) A Autora há mais de 20 anos, e antes desta os seus antecessores vêm utilizando a fração autónoma designada pela letra ..., habitação no ... e ... andar, lado direito, um logradouro de 25m2, localizado ao lado nascente, inserida no prédio submetido ao regime de propriedade horizontal localizado na rua e Lugar ..., da União das freguesias ... e ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...14.../... (...), e inscrito na respetiva matriz urbana desta União de Freguesias sob o artigo ...51º, identificada em 2), dela fazendo habitação própria e permanente, livremente acedendo ao seu interior, e exterior, através de portas nela existentes, acedendo ao exterior, nela recebendo visitas, pernoitando por todo o ano, tomando refeições e recebendo correio e encomendas, à vista de toda gente e sem oposição de ninguém, com a convicção de estar a exercer um direito próprio e não ofender ou lesar direito alheio.
5) Por escritura pública denominada “COMPRA E VENDA”, elaborado no Cartório Notarial ..., em 22.05.1991, perante notário, EE declarou vender a BB, casado com CC (Réus), casados no regime de comunhão de adquiridos, e estes declararam aceitar, a venda do prédio urbano destinado a habitação, constituído por uma casa de ... e ..., com área coberta de duzentos setenta e seis metros quadrados e descoberta de vinte e quatro metros quadrados, situado no Lugar ..., freguesia ..., do Concelho ..., a confrontar a norte com caminho público, do sul e nascente com FF e mulher e do poente com JJ, à data omisso à matriz.
6) A fração Autónoma identificada em 4) confronta no seu lado poente com o lado nascente do prédio Identificado em 5).
7) Pelo menos desde ../../1990, do lado poente da habitação da Autora, ao nível do ... andar, a cerca de 3,35 metros do solo exterior até à sua base, existe uma abertura com a largura de 1,40 metros e a altura de 1,03 metros, constituída por caixilhos de alumínio preenchidos com vidro simples transparente, com parapeito e estore pelo exterior, que deita diretamente sobre o prédio dos Réus, a uma distância inferior a 1,5 metros.
8) Desde, pelo menos ../../1990 e até dia não concretamente apurado do ano 2022, na área do prédio identificado em 5), diretamente confrontante com a abertura identificada em 7) não existia qualquer construção em frente da mesma, a uma distância inferior a 1,5 metros.
9) Pelo menos desde ../../1990 e até dia não concretamente apurado do ano 2022 (há mais de 20 anos), a Autora utiliza a abertura identificada em 7) utilizando o parapeito da referida abertura para sobre o mesmo se debruçar, colocar a cabeça do lado de fora e desfrutar das vistas que as mesmas permitem, observar a passagem de procissões na Rua ..., falar com vizinhos através da mesma, vendo e invadindo com o olhar, devassando a parte imediatamente confrontante do prédio vizinho identificado em 5), beneficiando da entrada de luz solar direta, arejamento, extração de fumos e cheiros, fazendo-o com conhecimento de todas as pessoas, inclusive dos Réus e sem oposição de ninguém, na convicção de estar a exercer um direito próprio de vistas e de não ofender ou lesar direito alheio.
10) Em data não concretamente apurada do ano 2022, os Réus ergueram no seu prédio uma construção, com 2,52m de largura e 3,2m de profundidade (lado nascente, ou contíguo ao prédio da Autora) em planta, constituída por uma laje de teto apoiada em paredes envolventes.
11) A construção identificada em 10) fica a uma distância de 55cm da abertura identificada em 7) e tapa a referida abertura numa altura de pelo menos 19cm, desde a sua base e em toda a sua largura, impedindo que a Autora, em consequência, possa pelo menos naquela medida, [espaço de visão que a construção identificada em 10) se eleva sobre a base da abertura identificada em 7)], de disfrutar das vistas, ver e invadir com o olhar o prédio vizinho, devassando-o, beneficiar de luz solar, arejamento, extração de fumos e cheiros com a amplitude e extensão com que o fazia até à edificação da referida construção.
12) A cobertura da construção identificada em 10) não tem parapeito ou acesso exterior e para aceder à mesma a partir do interior da habitação tem de se saltar de uma janela ou por cima do varandim do terraço da construção original.
13) Em virtude da edificação da construção identificada em 10), a abertura identificada em 7), fica sujeita à entrada de poeiras e águas pluviais, causando ainda menor arejamento e perda de entrada de luz para a divisão que a mesma serve (cozinha), impedindo ainda a Autora de disfrutar das vistas, ver e invadir com o olhar o prédio vizinho, devassando-o com a amplitude de visão que tinha até à construção desta edificação, o que causa na Autora incómodo, tristeza, ansiedade e preocupação por temer que tal construção se perpetue no futuro.
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b) FACTOS NÃO PROVADOS

a) Em 22.05.1991 entre o prédio identificado 4) e o prédio identificado em 5), na área confrontante com a abertura identificada em 7), existiu um muro, de altura não concretamente apurada, mas sempre de altura equivalente à construção identificada em 10).
b) Em 22.05.1991 aquando do facto vertido em 5), a abertura identificada em 7) encontrava-se tapada com gateiras.
c) Não mais de dois anos depois do facto vertido em 5) o muro identificado em a) foi demolido e as gateiras identificadas em b) foram retiradas.
d) As gateiras identificadas b) foram retiradas por acordo entre a Autora e os Réus em que estes autorizaram a remoção das gateiras, sob possibilidade de reerguerem o muro ou fazerem construção semelhante à identificada em 10).
e) Em virtude da construção identificada em 10) a Autora ficou sujeita a maior devassa da sua privacidade.
f) A autora sente claustrofobia sempre que entra na divisão em que se encontra a abertura identificada em 10), em decorrência da circunstância descrita em e).
g) Em virtude da construção identificada 10) a Autora teme que a sua fração desvalorize patrimonialmente.
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Relativamente aos demais factos vertidos nos articulados, o Tribunal não se pronuncia por se tratar de matéria conclusiva, genérica, de impugnação, repetitiva, irrelevante ou de direito.
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c) MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal relativamente à matéria de facto provada e não provada baseou-se na análise crítica e conjugada, à luz das regras da experiência comum e critérios de normalidade, dos documentos juntos aos autos pelas partes, inspeção judicial ao local, declarações da Autora e declarações das testemunhas inquiridas, designadamente as testemunhas da Autora, KK, LL, MM, EE, e as testemunhas dos Réus, NN e OO, tudo ainda conjugado com o Relatório Pericial junto aos autos.
Assim, em concreto, os factos vertidos nos pontos 1) a 5) da matéria de facto provada, além de resultarem admitidos por acordo, resultaram diretamente demonstrados do teor dos documentos juntos aos autos pela Autora correspondentes à escritura de constituição de propriedade horizontal e permuta de fls. 9-verso e seguintes, às certidões de registo predial de fls. 12-verso e seguintes e habilitação de herdeiros de fls. 16 e seguintes, sendo que o concreto facto inserto em 5) resultou diretamente da escritura de compra e venda do prédio dos réus junta por estes e constante de fls.58 e seguintes.
A matéria de facto assente em 6) e 7) resultou desde logo demonstrada do teor do relatório pericial junto aos autos, sendo certo que resultou transversalmente das declarações de todas as testemunhas ouvidas a existência da abertura em causa no prédio da autora confrontante com o prédio dos Réus, tendo sido possível ao tribunal em inspeção judicial asseverar da confrontação entre os prédios em causa e da concreta abertura existente no prédio da Autora.
Quanto à concreta data assinalada a mesma assim resultou da conjugação dos testemunhos prestados em Audiência (cuja apreciação se fará infra) em conjugação com a certidão de registo predial da aquisição do prédio Autora de fls. 12-verso e seguintes.
A factualidade vertida em 8) a 11) resultou da conjugação dos depoimentos prestados em audiência, concatenados com a inspeção judicial ao local e o relatório pericial junto aos autos.
Assim, de salientar que a data referente ao início da construção no prédio dos Réus situada em 2022 não foi colocada em crise, antes resultando assente por falta de impugnação dos réus relativamente aquela concreta factualidade. Sendo certo, que das declarações e depoimentos prestados ficou ainda o tribunal convicto que se trata de uma construção realizada em 2022.
Por outro lado, as concretas distâncias, medidas e configuração da construção em causa, resultaram do teor do relatório pericial em conjugação com o contacto direto do tribunal com o local, em sede de inspeção judicial, donde foi possível asseverar em que medida a construção em causa se eleva acima da base da abertura identificada em 7) e de que forma tal abertura beneficia da entrada de luz e arejamento, sendo possível ainda constatar que tal abertura tem parapeito sobre o qual é possível uma pessoa de estatura média se apoiar e debruçar, colocar a cabeça de fora, permitindo devassar o prédio vizinho e disfrutar das vistas e falar com transeuntes.
Quanto ao período superior a 20 anos o mesmo assim resultou demonstrado por quanto de toda a prova produzida foi possível assentar que as divergências existentes entre as testemunhas e a que nos referimos infra, se reportam a um concreto período situado seguramente no início dos anos noventa, mais propriamente 1991 (aquando da compra do prédio dos Réus), sendo certo que foi pacífico entre toda a prova produzida que, pelo menos depois daquele período e até à data do início da construção em causa nos autos, mediaram os referidos 20 anos.
Na verdade, podendo afirmar-se com absoluta certeza que tais divergências ocorreram seguramente antes do ano 2000 e a construção em causa se deu, seguramente, após o ano 2020, necessariamente resulta assente o período de 20 anos assinalado.
Por outro lado, resultou igualmente pacífico que a abertura em causa existiu naquele período de 20 anos com conhecimento de todas as pessoas incluindo dos Réus e sem qualquer oposição dos mesmos, sendo que o “animus” resultou necessariamente demonstrado, ante a presunção de que beneficia a Autora, e pela completa ausência de contraprova por parte dos Réus quanto a esta matéria (a este respeito vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.12.2013, processo 517/10.9TVLSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, onde se exara o seguinte: « (…) ao manter-se aberta no prédio dos RR., deitando directamente sobre o prédio da A., a janela com as acima referidas características – mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho - existe o “corpus” da posse no que à servidão de vistas respeita. || (…) Tendo em conta a presunção resultante do nº 2 do art. 1252 do CC, presume-se o «animus» de quem efectuou e manteve aquela obra - o “corpus” implica a presunção do “animus” e, face ao art.350 do CC, quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar (e, logo, de alegar) o facto que a ela conduz.».
A concreta utilização dada pela Autora à abertura em causa (janela) e a forma como a construção feita pelos Réus impede aquele uso, resultou diretamente demonstrada pelas declarações das testemunhas KK, LL, MM e EE que de forma espontânea, objetiva e convergente, e por isso credível, se reportaram aquela concreta factualidade.
Em particular a testemunha KK referiu ser possível ver as procissões e fanfarras da janela em causa o que foi igualmente confirmado pela testemunha LL que confirmou ainda a visibilidade que deixou de existir para a rua, reportando-se ainda à circunstância de ser uma janela que recebe diretamente a luz do sol e serve para arejar.
Concretamente a testemunha MM referiu que além da janela em causa ser possível ver a Rua ... e o largo da igreja acrescentou ainda que a autora com frequência se dirigia à senhora do supermercado em frente através da mesma para pedir mercadorias, utilizando muitas vezes a janela em causa para chamar pessoas e cumprimentar o proprietário do prédio vizinho, o que foi igualmente confirmado pela testemunha EE (à data proprietário do prédio dos Réus), o qual de forma espontânea referiu ser através daquela janela que costumava falar e cumprimentar a Autora.
Assim, ante a concatenação da prova testemunhal assinalada com a prova pericial e inspeção realizada ao local, resultou linearmente demonstrada a factualidade vertida em 8) a 11).
A concreta divergência entre as testemunhas reportou-se a matéria dada como não provada em a) a d), não obstante a concreta prova do vertido em a) a c) não fosse passível de alterar as consequências jurídicas em sede de fundamentação de direito.
Por outro lado, embora a prova do facto vertido em d) pudesse alterar as consequências jurídicas a retirar em sede de fundamentação de direito, sendo passível de ilidir a presunção do “animus” de que beneficia a Autora, a verdade é que este concreto facto assim resultou infirmado pela completa ausência de prova sobre o mesmo.
Não obstante, cumpre apreciar.
Assim, nas declarações prestadas pelas testemunhas dos Réus, NN e OO, respetivamente funcionário e filho dos Réus, os mesmos, reportando-se à data da compra do prédio dos Réus que situaram por volta de 1990/1992, referiram a existência de um muro, no local onde hoje se situa a construção identificada em 10), que dividia o prédio da Autora e o prédio dos Réus que teria altura equivalente a esta construção, mais referindo que nessa data, a abertura identificada em 7) estava tapada por gateiras.
Ora, as declarações prestadas por estas testemunhas, quanto a esta concreta factualidade, contrariaram diretamente as declarações prestadas por todas as anteriores testemunhas; no entanto, o seu depoimento não foi suficiente para abalar a convicção formada pelo tribunal diante da concatenação da restante prova, pelo que se deu como não provada a concreta factualidade vertida em a) a c).

Contextualizando.
Das declarações prestadas pela Autora, de forma serena e objetiva, e por isso credível, a mesma contextualizou que tanto o seu terreno como o dos Réus pertencia inicialmente ao seu pai.
Foi então o pai da Autora que lhe vendeu a si e ao seu marido o terreno que hoje lhe pertence e que por sua vez o terreno que hoje pertence aos Réus foi vendido inicialmente pelo seu pai à Senhora PP, conhecida por “QQ”, a qual posteriormente o vendeu à testemunha EE, que por sua vez o vendeu aos Réus.
Ainda assinalou a Autora que a janela em causa nos autos foi desde logo construída conforme se encontra hoje, no entanto, aquando da compra do terreno por parte da Senhora PP, a mesma se opôs à abertura daquela janela, razão pela qual a Autora colocou umas gateiras em frente da mesma.
Adiantou ainda que as gateiras foram retiradas quando a testemunha EE comprou o terreno à Senhora PP, por autorização direta deste.
Ora, de forma transversal, todas as testemunhas da Autora, de forma espontânea e por isso credível se reportaram à existência da janela em causa nos autos desde período anterior à construção realizada no prédio dos Réus, e embora as testemunhas KK, LL e MM, sejam respetivamente, irmão, sobrinha e filha da Autora, as suas declarações mostraram-se consentâneas tanto com as declarações prestadas pela Autora como pelas declarações que vieram posteriormente a ser prestadas pela testemunha EE.
De salientar que em concreto a testemunha MM, filha da Autora, se reportou de forma espontânea e objetiva e por isso credível, à imposição da referida Senhora PP, reportando-se à oposição da mesma quanto à abertura da janela em causa nos autos, mais assinalando de forma convincente que foi após a compra do terreno por parte do Sr. EE que as gateiras foram retiradas por consentimento deste.
De referir que o depoimento da testemunha EE, se mostrou de suma importância quanto a esta concreta factualidade, já que além de não ter qualquer interesse no desfecho da causa, demonstrando isenção pela objetividade com que depôs, as suas declarações corroboraram tanto as declarações prestadas pela Autora como as declarações das anteriores testemunhas, tendo sido essenciais para abalar a credibilidade quanto às concretas declarações prestadas pelas testemunhas dos Réus.
Assim, esta testemunha contextualizou que antes de ter comprado o terreno que hoje pertence aos réus, arrendou uma garagem que nele existia, utilizando-a para venda de móveis durante cerca de 10 meses, período após o qual propôs a compra de tal terreno à já referida senhora PP, ao que esta anuiu.
De forma espontânea e objetiva esta testemunha referiu que foi o próprio que por ser amigo do então marido da Autora, que disse para colocarem as gateiras abaixo reportando-se às mesmas como parecendo uma “cadeia”.
Asseverou ainda de forma convincente que o projeto por si inicialmente apresentado na câmara municipal foi alterado por forma a deixar livre o espaço do seu terreno diretamente confrontante com a referida janela, recuando a própria construção, já que a não ser assim teria construído à face da Rua ... e não como construiu.
Assim, de forma segura e convincente esta testemunha referiu que a janela em causa desde esse período ficou aberta e que assim continuou quando vendeu aquele prédio aos Réus, afirmando de forma perentória, à semelhança do que já tinha sido afirmado pelas anteriores testemunhas, que nunca existiu qualquer muro divisório entre o prédio da Autora e o prédio que era seu e agora dos Réus.
Ora, da análise do depoimento prestado por esta testemunha em confronto com as declarações prestadas pelas testemunhas dos réus, as declarações prestadas pelo referido EE mostraram-se mais consentâneas com a realidade resultante da prova pericial e da própria inspeção ao local.
Na verdade, foi possível ao tribunal tomar contacto direto com a construção em causa, mandada construir pela própria testemunha EE, sendo possível asseverar que a forma como a construção foi projetada e realizada, o foi de forma a deixar livre e desimpedida a zona diretamente confrontante com a janela.
Além disso, foi possível atestar que no campo de visão frontal da própria janela, a qual se encontra ao nível do ... andar, logo posteriormente à construção em causa nos autos, existe uma construção ao nível do ... (pertencente ao mesmo prédio dos réus) que dista da referida janela a uma distância superior a 1,5metros e sobre a qual apenas foi feito um terraço.
Ora, concatenando as declarações prestadas por esta testemunha com a perceção direta com a construção feita no prédio dos Réus, resultou quanto a nós inequívoco que a construção da habitação foi realizada por forma a deixar livre o campo de visão da janela em causa.
Assim, tendo como assente a intenção da testemunha EE de deixar desimpedido o campo de visão da referida janela, atenta a concatenação da prova que se vem de referir, resultaram inevitavelmente infirmados os factos vertidos em a) a c), por não se mostrarem as declarações das testemunhas dos Réus consonantes com a restante prova produzida, mas antes infirmadas.
Na verdade, não resultaria lógico, atenta as regras da experiência, que apesar de ter recuado a construção da própria habitação por forma a não tapar a janela, ainda assim ali tivesse mantido um muro a tapar a mesma. Por outro lado, face à posição assumida por esta testemunha EE, e da forma assertiva como depôs, ficou igualmente o tribunal convencido que quando o mesmo vendeu o prédio aos Réus já a janela da Autora se encontrava sem as gateiras.
Por outro lado, de sublinhar ainda que as restantes testemunhas da Autora, igualmente de forma firme perentória e concatenada se reportaram à inexistência de qualquer muro ou à existência de gateiras aquando da compra do prédio por parte dos Réus.
Por fim, de assinalar apenas, que não obstante a referência à existência do muro e das gateiras, ambas as testemunhas dos réus referiram que nos meses imediatos (que não terá ido além de dois anos – marco temporal assinalado pela testemunha NN) à compra do prédio por parte dos Réus o muro foi demolido e no lugar do mesmo foram colocadas umas floreiras, tendo as gateiras sido retiradas pela Autora, pelo que destas concretas declarações foi possível ainda retirar o período de 20 anos a que nos reportamos em 9).
Impõe-se ainda referir que nenhuma das testemunhas conseguiu concretizar a existência de qualquer acordo entre a Autora e os Réus, já que nada foi presenciado pelos mesmos, não tendo sido feita qualquer prova da sua existência, pelo que necessariamente se deu como não provado o facto vertido em d).
Apenas a testemunha OO se reportou a uma conversa que terá ouvido em casa no sentido da autora querer abrir uma janela mas não concretizando em que circunstâncias ou o que concretamente poderia ter sido acordado, sendo certo que o mesmo asseverou nunca ter assistido a qualquer conversa entre os Réus e Autora sobre a janela em causa, ou ter ouvido sequer os Réus a manifestarem-se contra a abertura de tal janela, não havendo consequentemente qualquer contraprova por parte dos Réus relativamente ao “animus” vertido em 9).
A factualidade vertida em 12) resultou diretamente do teor do relatório pericial o que foi igualmente confirmado em sede de inspeção judicial ao local.
A factualidade vertida em 13) resultou das declarações prestadas pela testemunha MM em conjugação com as declarações da testemunha LL concatenadas com as regras da experiência comum.
Assim atento as regras da experiência apoiadas nas declarações prestadas pela testemunha MM, e tendo em conta a proximidade existente entre a construção feita pelos Réus e a janela da Autora, resulta quanto a nós evidente que a janela em causa fica sujeita à entrada de pó que sobre aquela construção se arraste em direção à janela e águas pluviais que sobre a mesma caiam, respingando sobre a janela.
Por outro lado, embora a construção se tenha erigido apenas a cerca de 19cm da base da janela da autora e não necessariamente possa afetar de forma largamente percetível a entrada de luz ou arejamento, a verdade é que estando tal construção a tapar parte da referida janela, necessariamente terá de entrar menos arejamento e luz em decorrência disso, ainda que seja apenas na parte correspondente à elevação daquela construção sobre a janela, o que igualmente impede, pelo menos nessa parte, que a Autora disfrute das vistas que tinha antes da construção feita pelos Réus, inclusive para o prédio dos mesmos, conforme foi corroborado pelas testemunhas da Autora.
Por fim, os incómodos, tristeza, ansiedade e preocupação que resultaram evidentes tanto das declarações da Autora como das testemunhas LL e MM, são ainda estados de ânimo expectáveis atentas as regras de experiência, considerando que se trata de uma senhora com alguma idade a ter de lidar com os constrangimentos de ver a ser construída uma obra a tapar a sua janela que desde há muitos anos tem aberta.
A prova do facto vertido em 12) serviu ainda para infirmar o facto vertido em e) e f). Na verdade, tendo resultado que a cobertura da construção em causa não tem acesso direto nem pelo interior nem pelo exterior e, além disso, não tem parapeito, consequentemente resulta lógico que os Réus não utilizam aquele espaço como terraço ou para seu acesso frequente ou de outras pessoas, pelo que não poderia resultar provado que os réus através da mesma devassam mais facilmente a divisão onde se encontra a janela, pelo que logicamente se deu igualmente por infirmado o facto vertido em f).
Quanto à matéria vertida em g) a mesma assim resultou pela completa ausência de prova sobre a mesma.

[transcrição dos autos].
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Apreciemos as questões suscitadas nas conclusões formuladas pelos apelantes.
E fazendo-o, começamos pelo recurso da A. AA:
I - Da alteração da matéria de facto: quanto ao aditamento de dois novos pontos ao elenco dos factos provados e quanto ao decidido no facto dado como não provado em e), que deveria passar a integrar o elenco dos factos provados

Diverge pontualmente a apelante A. da decisão da matéria de facto, mostrando o seu desacordo relativamente a alguns factos.
Como decorre do disposto no art. 640º do CPC, a parte que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve, sob pena de rejeição do recurso, especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ainda em honra dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, que enformam aquele dever, incumbe também à parte recorrente, igualmente sob pena de imediata rejeição do recurso, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, no caso de os meios probatórios terem sido gravados, como lho impõe a alínea a) do nº 2 daquele art. 640º.
A parte recorrida deverá, ainda que sem qualquer cominação se o não fizer, indicar os concretos meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e indicar, com igual exactidão, as passagens da gravação em que se funda, nos termos referidos na alínea b) do nº 2, do mencionado art. 640º.
Porém no caso em apreço a pretendida impugnação nos moldes em que foi feita, não reúne condições de atendimento.
Vejamos porquê.
Tal como já supra referido, a recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo o aditamento de dois novos pontos ao elenco dos factos provados e que o facto dado como não provado em e) passe a integrar o elenco dos factos provados.
Ora, como resulta do disposto no art. 639º/1 do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, compreendendo-se tal exigência, porquanto são as conclusões que delimitam o objecto do recurso (cfr. ainda arts. 608º/2 e 635º/4 do mesmo Código).
Existe ainda um ónus de especificação de cada um dos pomos da discórdia do recorrente com a decisão recorrida, seja quanto às normas jurídicas e à sua interpretação, seja a respeito dos factos que considera incorrectamente julgados e dos meios de prova que impunham uma decisão diferente, devendo, neste caso, indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (cfr. arts. 639º/2 e 640º/1 e 2 do CPC).
Todavia, como já referido, a ora recorrente não cumpriu cabalmente os ónus de impugnação da matéria de facto nos termos estabelecidos no citado art. 640º do CPC, designadamente a alínea b).
Efectivamente, tendo a recorrente impugnado a matéria de facto e tendo especificado os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados – aditamento de dois novos pontos ao elenco dos factos provados e quanto ao decidido no facto dado como não provado em e), que deveria passar a integrar o elenco dos factos provados –, não indica quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. A fim de alterar a matéria de facto dada como provada, a recorrente limita-se a transcrever as considerações que o Tribunal teceu acerca dos depoimentos das testemunhas.
Ora, como bem referem os recorridos nas suas contra-alegações, a remissão para a apreciação da prova e um breve resumo do teor dos depoimentos efectuados pelo Tribunal não preenche a obrigação de identificação das passagens das gravações desses depoimentos, bem como a remissão genérica para um concreto meio de prova (as “várias fotografias existentes nos autos”) também não integra o conceito de especificação dos concretos meios probatórios que imporiam uma decisão diferente da tomada.
Partindo da sentença recorrida, nada de novo trazendo, a recorrente limita-se a fazer globalmente a sua subjectiva avaliação crítica da prova e interpretação, sem a individualizar, para concluir pela sua versão, a qual lhe permitiria o almejado ganho de causa. Ou seja, fazendo tábua rasa da audiência de discussão e julgamento ocorrida e da decisão proferida, quanto aos factos em questão, limita-se a fazer uma apreciação diferente.
Pretendendo, pois, um novo julgamento quanto aos factos em questão, olvidando o ocorrido. Verificando-se, quanto à fundamentação, que o Tribunal a quo fez uma análise crítica e detalhada de toda a prova produzida nos autos, tendo a Mmª Juiz desenvolvido a fundamentação da sua decisão de modo criterioso e aprofundado, apreciando criticamente a prova produzida, deixando bem claros os motivos do seu julgamento, referindo o que lhe mereceu credibilidade e porquê, esclarecendo por forma a permitir compreender o raciocínio lógico que conduziu à decisão sobre a matéria de facto que nela se mostra explanada, com os fundamentos que aqui acolhemos porque os compreendemos. Resultando, pois, da motivação da decisão de facto, que o Tribunal a quo na sentença analisou criticamente as provas e formou livremente a sua convicção, sem a violação de qualquer imposição legal quanto ao ónus ou necessidade de meio probatório para ser dado determinado facto como provado ou não provado.
O que a recorrente pretende é impor a sua própria versão e ilações, às convicções do Tribunal, o que não é admissível.
Para alterar a matéria de facto dada como provada ou como não provada na sentença, é necessário demonstrar concretos meios de prova que existam no processo ou no registo da gravação, que imponham decisão diversa à constante na sentença e não alegar convicção diferente à convicção do Tribunal.
A apelante, no essencial, dissente da decisão, assentando exclusivamente na sua versão dos factos e interpretação que entende deles resultar, nada de novo trazendo.
Porém a apelante, em abono da alteração dos factos, não pode fazer assentar o recurso numa factualidade que representa a sua visão dos factos, mas que não se apurou após instrução e julgamento da causa.
E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem julga é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ela efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de toda a prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. O que não fez, sendo impossível escrutinar individualmente os factos impugnados.

Como assim e sem necessidade de mais considerações, ao abrigo do disposto no art. 640º/1 do CPC, rejeita-se o recurso na parte atinente à impugnação da matéria de facto por parte da apelante.
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II - Da reapreciação, em conformidade, da decisão de mérito da acção

Excepcionando as duas questões que se analisarão de seguida, estava o recurso sustentado na impugnação da matéria de facto, cuja pretensão não foi acolhida. Logo, nenhuma alteração pode ser introduzida na decisão recorrida, que, assim, se confirma. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.
Não merecendo, pois, a sentença do Tribunal a quo qualquer reparo.
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III - Da reapreciação da decisão de mérito da acção quanto ao valor da indemnização a título de danos não patrimoniais arbitrada

Vejamos, agora, a questão do concreto valor da indemnização a título de danos não patrimoniais arbitrada, que o Tribunal a quo fundamentou de direito nos seguintes termos:
Assim e considerando que reputamos como média gravidade, quer os concretos danos não patrimoniais sofridos pela autora quer o grau de culpabilidade dos Réus, atento que a construção em causa só em cerca de 19cm de altura tapou a janela da Autora, havendo apenas uma lesão parcial do direito, e atendendo ao lapso temporal que durou a referida lesão, e na ausência de alegação e, por conseguinte, demonstração, da concreta situação económica dos Réus e da Autora, afigura-se adequado e proporcionado fixar a indemnização devida à autora pelos danos não patrimoniais que sofreu, no valor de €500,00 (quinhentos euros), improcedendo, no mais, o valor peticionado pela autora a este título.
Entendendo a recorrente que a condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização de € 500,00 a título de danos não patrimoniais, quando a Autora, a este título pedia o valor de € 1.000,00 não abrange suficientemente a compensação devida por tais danos pois o Meritíssimo Juiz a quo não atendeu ao facto de a ofensa e facto ilícito não se ter esgotado num só momento temporal, antes se prolongando no tempo, dia a dia, e se prolongará até à efectiva demolição. Pretendendo a A. que lhe seja reconhecido o direito ao valor peticionado.
Quid iuris?

Nesta sede, o princípio geral regulador da obrigação de indemnizar é o da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso, consagrado no art. 562º do CC.
Bem assim, o art. 566º dispõe que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível (nº 1), sendo que, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3).
É neste último campo que nos situamos, já que não é possível colocar a A. na situação em que estaria não fosse a actuação dos RR., e também não é possível averiguar o valor exacto dos danos.
A lei manda fixar o montante da indemnização devida por danos não patrimoniais equitativamente, tendo em atenção a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos – cfr. arts. 496º/4 e 494º, ambos do CC.
A indemnização por danos não patrimoniais tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de algum modo, o compensem da lesão sofrida, por serem susceptíveis de proporcionar-lhe um conforto mitigador do sofrimento causado.
Por isso, deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, face ao sofrimento causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, razão pela qual não pode assumir feição meramente simbólica[3].
Por outro lado, na determinação da indemnização há que ter em atenção que a equidade é a justiça do caso concreto, pelo que o julgador deverá ter presente as regras de boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, razão pela qual se deve ter em conta os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência em casos tanto quanto possíveis semelhantes.
Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, características que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer actividade humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.
Por força do disposto no art. 8º/3 do CC, o julgador não deve deixar de atender aos montantes que vêm sendo fixados pelos Tribunais para casos análogos ou mesmo semelhantes, tais como os seguintes:
- no caso do Ac. do TRC de 10-05-2016[4], em que estava em causa um contrato de empreitada e defeitos da obra, perante o quadro factual apurado, tendo sido peticionados danos não patrimoniais no valor de € 2.000, o tribunal a quo fixou-os em € 750;
- no caso do Ac. do TRG de 09-10-2017[5], em que, tendo-se provado que a arguida, no contexto de uma reunião levada a cabo no escritório do advogado do assistente, tendo como finalidade o estabelecimento de um acordo, no âmbito de um processo judicial, em que aquele tinha requerido a insolvência da empresa do pai da arguida, seu tio, por forma a que lhe fossem pagos créditos salariais em atraso, encontrando-se presentes em tal reunião, para além do assistente e da arguida, os mandatários judiciais de ambas as partes em litígio, dirige ao ofendido a expressão "é isso que querias, és um porco", tendo tal expressão sido ainda ouvida pelo funcionário do referido escritório, se considerou adequado fixar em € 500 a indemnização a título de compensação dos danos não patrimoniais causados.
Com relevância para esta questão, in casu, apurou-se que:
10) Em data não concretamente apurada do ano 2022, os Réus ergueram no seu prédio uma construção, com 2,52m de largura e 3,2m de profundidade (lado nascente, ou contíguo ao prédio da Autora) em planta, constituída por uma laje de teto apoiada em paredes envolventes.
11) A construção identificada em 10) fica a uma distância de 55cm da abertura identificada em 7) e tapa a referida abertura numa altura de pelo menos 19cm, desde a sua base e em toda a sua largura, impedindo que a Autora, em consequência, possa pelo menos naquela medida, [espaço de visão que a construção identificada em 10) se eleva sobre a base da abertura identificada em 7)], de disfrutar das vistas, ver e invadir com o olhar o prédio vizinho, devassando-o, beneficiar de luz solar, arejamento, extração de fumos e cheiros com a amplitude e extensão com que o fazia até à edificação da referida construção.
12) A cobertura da construção identificada em 10) não tem parapeito ou acesso exterior e para aceder à mesma a partir do interior da habitação tem de se saltar de uma janela ou por cima do varandim do terraço da construção original.
13) Em virtude da edificação da construção identificada em 10), a abertura identificada em 7), fica sujeita à entrada de poeiras e águas pluviais, causando ainda menor arejamento e perda de entrada de luz para a divisão que a mesma serve (cozinha), impedindo ainda a Autora de disfrutar das vistas, ver e invadir com o olhar o prédio vizinho, devassando-o com a amplitude de visão que tinha até à construção desta edificação, o que causa na Autora incómodo, tristeza, ansiedade e preocupação por temer que tal construção se perpetue no futuro.
 Ora, assente e não tendo sido questionado que estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, concluindo-se que os RR. se constituíram na obrigação de indemnizar a A., está agora em causa determinar o quantum dessa obrigação de indemnizar.
Como assim, em face de tudo o acima exposto e daquele complexo factual, a compensação que o tribunal fixou, recorrendo à equidade, mostra-se adequada às circunstâncias, não merecendo reparo.
Improcede, assim, o recurso nesta parte.
*
IV - Da reapreciação da decisão de mérito da acção quanto ao pretendido reconhecimento do direito da A. a ser indemnizada pelo valor de € 30/dia até à demolição da construção na extensão peticionada e reclamada

Resta do recurso da A., a questão da reapreciação do peticionado direito futuro a ser indemnizada pelo valor de € 30/dia até à demolição da construção na extensão peticionada e reclamada. Indemnização peticionada com base no disposto no art. 564º/2 do CC. Entendendo a recorrente que deve ser reconhecido à Autora o direito de ser indemnizada pelo valor de € 30,00 por cada dia em que não for demolida a construção na extensão peticionada e reclamada, pois tal será a compensação devida pelo respectivo dano e facto ilícito, dano este que, ao contrário do decido pelo Meritíssimo Juiz a quo não é eventual, antes é seguramente previsível.
Na decisão recorrida, tal pretensão improcedeu, por ter sido entendido que atento que a peticionada indemnização da autora de 30,00€ por cada dia em que não seja demolido o muro, assentará na alegada ansiedade e preocupação que a construção se perpetue no tempo mesmo depois da condenação na respetiva demolição, tratando-se de um dano quanto a nós imprevisível (porque nada aponta para sua ocorrência), não merecerá este eventual dano, neste momento, qualquer tutela legal.
Quid iuris?

Como já vimos supra, a indemnização pecuniária deve medir-se por uma diferença: pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido[6].
Consagra a lei, em sede de indemnização em dinheiro, a teoria da diferença, tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º/2. Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real actual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento[7].
Manda, ainda, atender aos danos futuros (nº 2, do art. 564º), desde que previsíveis e o nº 3, do art. 566º, como vimos, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exacto dos danos.
Assim, a lei prevê a indemnização dos danos futuros, exigindo tão só a sua previsibilidade, e não estando determinados, sendo determináveis, a indemnização será remetida para decisão futura.
Deste modo, “Enquanto os danos emergentes consistem numa forma de diminuição do património já existente, consubstanciando prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão, os lucros cessantes consistem numa forma de não aumento do património já existente, isto é, os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto, mas a que não tinha direito à data da lesão.
Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. O dano futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá. No caso contrário, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, não sendo indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer. O dano previsível certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível. Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético, podendo conhecer vários graus. O dano certo pode ser determinável quando pode ser fixado com precisão o seu montante, ou indeterminável, quando aquele valor não é possível de ser verificado antecipadamente à sua verificação[8].
Para efeitos do nº 2 do art. 564º do CC, são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos, como os futuros eventuais em que se possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer[9].
Bem se refere neste Acórdão que “O dano futuro é descrito como sendo o prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado, o que equivale a dizer que no momento já existe um ofendido, mas não um lesado.
Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis. O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá a sua ocorrência. Por seu turno, os danos previsíveis são ainda enquadrados em duas categorias: os certos e os eventuais. Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, como infalível e dano futuro eventual o que no momento em que se formula o respectivo juízo se revela como meramente possível, incerto ou hipotético.
A jurisprudência desde há muito tem entendido que, para efeitos do nº2 do art.564 do CC, são indemnizáveis não só os danos futuros previsíveis certos, como os futuros eventuais cujo grau de incerteza seja de tal modo que possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer (cf., por ex., Ac STJ de 11/4/94, C.J. ano II, tomo III, pág.83, de 24/2/99, BMJ 484, pág.359, de 22/4/2002, www dgsi.pt/jstj)”.
O dano futuro acerca do qual não possa ser formulado esse prognóstico, não sendo mais do que um receio, não é indemnizável antecipadamente[10].
E a condenação genérica está limitada aos casos previstos no art. 556º do CPC, sendo conferida ao autor a faculdade de deduzir o incidente de liquidação, nos termos do art. 358º e ss. do mesmo diploma.
Ocorrendo a condenação genérica, a liquidação tem de ser requerida, obrigatoriamente, na acção declarativa, em incidente posterior à sentença (nº 2, do art. 358º).
O incidente de liquidação visa tornar liquida a condenação genérica, por sentença condenatória, transitada em julgado, por os factos alegados/apurados não permitirem ao tribunal determinar o quantum indemnizatório devido por via desses prejuízos, daí a necessidade do incidente de liquidação. Tem o mesmo como pressuposto que na sentença condenatória, transitada em julgado, se encontrem já, em definitivo, provados os factos relativos ao dano sofrido, faltando a determinação do quantum, isto é, da dimensão do prejuízo realmente sofrido pelo Autor em consequência desse dano. Falta, pois, a determinação do quantum desses prejuízos - cfr nº 1, do art. 359º do CPC, onde se estatui que “a liquidação é deduzida mediante requerimento oferecido em duplicado, no qual o autor especifica os danos derivados do facto ilícito e conclui pedindo quantia certa”.
Em tal incidente, não tem o requerente de alegar e provar quaisquer danos ou prejuízos concretos, e bem assim, todos os pressupostos da obrigação de indemnização, que têm de se encontrar já provados na sentença, transitada em julgado, proferida na acção declarativa, tendo, sim, de alegar e provar a factualidade necessária ao apuramento do montante efectivo da indemnização - o quantum - que lhe é devida por via de ter sofrido os concretos danos/prejuízos cuja existência já se encontram, em definitivo, assentes na acção declarativa[11].
Ocorrendo a condenação genérica, o incidente de liquidação terá lugar, apenas e somente, se na acção declarativa for decidido condenar o réu a pagar ao autor a quantia que se vier a apurar, tendo o referido incidente, em relação à acção declarativa uma dependência funcional, sendo mero ulterior trâmite de tal acção (cfr. nº 2, do art. 358º).
Agora, in casu, nenhum dano futuro, cuja determinação falte, se encontra alegado e verificado.
Efectivamente, entende a recorrente que deve ser reconhecido à A. o direito de ser indemnizada pelo valor de € 30,00 por cada dia em que não for demolida a construção na extensão peticionada e reclamada, pois tal será a compensação devida pelo respectivo dano e facto ilícito. Ora, assentando tal peticionada indemnização - 30,00€ por cada dia em que não seja demolido o muro - na alegada ansiedade e preocupação que a construção se perpetue no tempo mesmo depois da condenação na respectiva demolição, estamos perante um dano imprevisível, pois não passa a sua hipotética ocorrência de mera especulação, não se podendo relegar para liquidação ulterior a demonstração de dano futuro meramente hipotético, pois que de dano existente se não trata. Ou seja, no caso, não está determinado o exacto valor dos danos, mas mais do que isso, nem a própria existência dos invocados danos está já provada, sendo eles incertos, meramente hipotéticos.
Com efeito, não estamos perante um dano futuro previsível certo nem perante um dano futuro eventual cujo grau de incerteza seja de tal modo que se possa prognosticar-se que o prejuízo venha a acontecer (com montante a liquidar posteriormente). Não podendo ser formulado esse prognóstico, não existindo mais do que um receio, sendo que nem processos, a tal tendentes, são referidos, não é indemnizável antecipadamente.
Nenhum reparo, pois, a fazer à decisão recorrida nesta parte.  
Logo, improcede, também nesta parte, o recurso da A.
*     *     *
Passemos, agora, ao recurso dos RR. BB e mulher CC:
V - Da alteração da matéria de facto quanto ao aditamento de um novo ponto ao elenco dos factos provados: o 14)

Pretendem os RR. o aditamento de um novo facto ao elenco dos factos provados: que a janela poente (a janela em causa nos autos) não se encontra devidamente legalizada em termos de licenciamento camarário.
Para tanto, indicam o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso: o relatório pericial junto aos autos, na página 5.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1).
Cumpre, pois, apreciar.

Revisitada a respectiva prova produzida, o que fizemos, atentando na prova pericial indicada, a única que se pronuncia sobre este facto ora aludido, verifica-se constar da referência aí feita a tal assunto, na mencionada página 5, inserto no ponto 3. CONSULTA AOS PROCESSOS DE LICENCIAMENTO CAMARÁRIO DOS PRÉDIOS, o seguinte:
Na medida em que os processos de licenciamento dos prédios em causa já não se encontram na Câmara Municipal ..., dada a sua antiguidade, o perito deslocou-se ao Arquivo Municipal ... para consultar os projetos aprovados para ambos os prédios.
O processo de licenciamento correspondente ao prédio da Autora tem o número 5292/84, correspondente ao número de entrada ...70 no Gabinete de Obras Particulares do Município.
No que respeita ao Réu o processo de licenciamento correspondente ao seu prédio original tem o número 2912/88.
O projeto aprovado do edifício da Autora apresenta, na cozinha, um vão com janela orientado a norte e uma gateira orientada a poente, conforme evidenciam as transcrições que se apresentam nas imagens seguintes.
De acordo com informações obtidas neste Arquivo Municipal não houver qualquer aditamento ao projeto subsequente com vista à abertura da gateira e da sua transformação em janela, razão pela qual a janela poente não se encontra devidamente legalizada em termos de licenciamento camarário.
Em face de tal referência, pretendem os RR. que se acrescente ao elenco dos factos dados como provados um novo facto (número 14), nos seguintes termos: “A abertura com a largura de 1,40 metros e a altura de 1,03 metros, constituída por caixilhos de alumínio preenchidos com vidro simples transparente, com parapeito e estore pelo exterior, que deita diretamente sobre o prédio dos Réus, a uma distância inferior a 1,5 metros referida no facto provado número 7 não está licenciada e desrespeita o que está licenciado”.
Entendendo a recorrida não ser a prova pericial adequada a fazer prova do pretendido, competindo aos RR. o ónus probatório de tal facto, cabendo-lhes especialmente, apresentar prova documental relativamente ao não licenciamento da janela em causa, designada e especialmente mediante certidão emitida pelos serviços camarários.
Quid iuris?

Assiste razão à recorrida. Com efeito, a singular menção efectuada no relatório pericial à ausência de licenciamento da janela em questão é insuficiente para se dar tal facto como provado, pois não só não era esse o objecto[12] da perícia, como tal referência resultou de uma informação obtida num Arquivo Municipal, cuja comprovação carecia de outro tipo de prova, que inexiste de todo.
Ademais, verifica-se que tal questão não foi objecto de qualquer discussão nos autos, pois não foi abordada nos articulados, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, tratando-se assim de uma questão nova, constituindo os recursos meios a usar para obter a reapreciação de uma decisão, mas não para obter decisões de questões novas, isto é, de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes perante o tribunal recorrido. As questões novas não podem ser apreciadas, quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos: destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas, por tal apreciação equivaler a suprir um ou mais graus de jurisdição, prejudicando a parte que ficasse vencida.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação quanto a esta alteração da matéria de facto.
*
VI - Da reapreciação da decisão de mérito da acção quanto ao direito sobre a aquisição da servidão de vistas e consequências

Nesta parte, o recurso está sustentado na impugnação da matéria de facto, pressupondo a ausência de licenciamento da janela em questão, cuja pretensão não foi acolhida.
Como assim, nenhuma alteração pode ser introduzida na decisão recorrida, que, assim, se confirma. Aderindo-se, pois, à apreciação jurídica da causa nos seus precisos termos, que aqui se dão por reproduzidos a fim de evitar repetições, uma vez que se mostra adequada e correcta face à factualidade apurada e aos normativos aplicáveis.
Não merecendo, assim, a sentença do Tribunal a quo qualquer reparo, pois assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Acresce que, em qualquer caso, mesmo que se tivesse reconhecido a ausência de licenciamento da janela em questão, não subscrevíamos o entendimento dos recorrentes de que não podem os atos de posse baseados num facto proibido por normas de licenciamento urbano permitir a aquisição por usucapião na medida em que contrários a uma disposição de caráter imperativo (art. 294º do Código Civil). Não tendo adquirido qualquer servidão de vistas através do instituto da usucapião, não se encontra demonstrado nos autos que a Recorrida tenha adquirido tal servidão por qualquer outro título. Assim sendo, não é aplicável in casu o disposto no artigo 1362º nº 2 do C. Civil.
É que a usucapião é um modo de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo (arts. 1287º e 1316º do CC) que depende apenas da verificação de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse. Quando invocada, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288º do CC), adquirindo-se o direito de propriedade no momento do início da mesma posse [art. 1317º, c) do CC]. A usucapião serve, além do mais, para “legalizar” situações de facto “ilegais”, mantidas durante longos períodos de tempo, inclusive até a apropriação ilegítima ou ilícita de uma coisa. Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são, em regra, nulos (art. 294.º do CC), podendo a nulidade ser, em princípio, invocada a todo o tempo por qualquer interessado e até ser declarada oficiosamente pelo tribunal (art. 286.º do CC); porém, a não fixação de um prazo para a sua arguição não afecta os direitos que hajam sido adquiridos por usucapião.[13]
Logo, improcede, igualmente, o recurso dos RR. nesta parte.
*     *     *
Como assim, não assistindo qualquer razão aos recorrentes, improcedem totalmente os recursos, com custas a pagar pelos respectivos (art. 527º do CPC).
*
5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)
*
6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgarem as presentes apelações improcedentes, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas dos recursos pelos respectivos recorrentes.
Notifique.
*
Guimarães, 13-11-2025
(José Cravo)
(Ana Cristina Duarte)
(Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ... - JL Cível - Juiz ...
[2] Seguimos aqui o entendimento do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-06-2012, proferido no Proc. nº 161/08.0TBOFR-F.C1 e acessível em www.dgsi.pt, que se sintetiza da seguinte forma:
Sendo possível situar abstractamente a condenação no âmbito da previsão de qualquer norma legal, só haverá recurso nos termos gerais, ou seja, exceptuados os casos de litigância de má fé, em que é sempre admissível o recurso, se, cumulativamente, o valor da causa ultrapassar a alçada do tribunal de que se recorre e a sucumbência for de valor superior a metade da dita alçada.
encontrando a condenação, ainda em termos abstractos, arrimo em qualquer disposição legal que a preconize, o recurso é sempre admissível, independentemente do valor da causa e da sucumbência.”.
[3] Neste sentido, entre outros, vd. Acs. do STJ de 13-01-2009, in Proc. nº 08A3747, e de 29-10-2008, in Proc. nº 08P3373, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
[4] Proferido no Proc. nº 330/13.1TBSCD.C1 e publicado em www.dgsi.pt.
[5] Proferido no Proc. nº 118/14.2T9VNF.G1 e publicado em www.dgsi.pt.
[6] Vd. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., Almedina, pág 936.
[7] Idem, págs. 936 e 937.
[8] Vd. Ac. do STJ de 25-11-2009, prolatado no Proc. nº 397/03.0GEBNV.S1 e acessível in www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Ac. do TRC de 18-02-2020, prolatado no Proc. nº 2133/16.2T8CTB.C1 e acessível in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. do STJ. de 23-11-2011, prolatado no Proc. 397-B/1998.L1.S1 e acessível in www.dgsi.pt, onde se escreve “Em sede de liquidação prévia a execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela privação da utilização (dano real e concreto) o requerente não tem de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter a indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano. O que o requerente deverá demonstrar era o montante do efetivo e concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real,…”.
[11] Cfr. Ac. do  STJ de 23-11-2011, prolatado no Proc. nº 397-B/1998.L1.S1 e acessível in www.dgsi.pt, onde se escreve “Em sede de liquidação prévia a execução de sentença, estando em causa a determinação do prejuízo realmente sofrido causado pela privação da utilização (dano real e concreto) o requerente não tem de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter a indemnização, pois que o direito a esta já estava reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano. O que o requerente deverá demonstrar era o montante do efetivo e concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real,…”.
[12] Cfr. Ac. do  TRP de 23-05-2024, prolatado no Proc. nº 916/21.0T8PVZ.P1 e acessível in www.dgsi.pt, onde se escreve “O objeto da prova pericial é a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (art.º 388 do Código Civil) isto, sem prejuízo da convicção do juiz sobre os factos se formar livremente, com base nos elementos de prova, globalmente, considerados, sem vinculação estrita às conclusões dos exames periciais, se houver elementos de prova que contrariem a factualidade sobre que assentaram tais exames (artigo 607º nº 5 do Código de Processo Civil).”.
[13] Cfr. Ac. do STJ de 06-04-2017, prolatado no Proc. nº 1578/11.9TBVNG.P1.S1 e acessível in www.dgsi.pt.