Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
195/21.0T8PTB.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: EMPREITADA
PAGAMENTO DO IVA
MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) A obrigação de pagamento do imposto (IVA) torna-se exigível, por regra, com a emissão do documento contabilístico correspondente, ou seja, a respetiva fatura e é exigível pela prestadora do serviço, à beneficiária-utilizadora deste (que o vai suportar como contribuinte devedor ao Estado), mas, tão somente, após a emissão obrigatória de fatura;
2) No que se refere aos juros, o princípio geral que vigora é o de que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (nº 1), considerando-se o devedor em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido;
3) Não sendo exigível o cumprimento da obrigação sem a emissão e apresentação-entrega de fatura (ou fatura-recibo) junto do devedor e em nome deste, perante tal omissão, não se pode afirmar que exista mora por parte do devedor, pelo que não há qualquer obrigação de pagamento de juros.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) EMP01..., Unipessoal, Lda., veio intentar ação declarativa com processo comum contra EMP02..., Lda., e AA, onde conclui pedindo que a presente ação seja julgada procedente, por provada, e, em consequência, condenar-se a ré EMP02..., Lda., e o réu AA, solidariamente, no pagamento, à autora, da quantia de capital de €17.211,39, acrescida do valor de juros de mora vencidos de natureza comercial, computados à taxa prevista no nº 5 do artigo 102º do Código Comercial, desde 05-07-2017 até ao presente, no valor de €5.526,51, bem como da quantia de juros de mora vincendos, calculados desde a citação, até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alega a autora que, em 2013, no exercício da sua atividade comercial de construção civil e empreitadas de obras públicas, a pedido do réu, AA, que pretendia fazer obras de restauro e de ampliação num prédio urbano de sua propriedade, entregou-lhe, para o efeito, o orçamento nº 42/2013, no valor total de €23.046,00, ao qual acrescia I.V.A. à taxa de 23%, que o réu aceitou, tendo sido adjudicada à autora a obra de reconstrução e ampliação do mencionado imóvel, que se iniciou no mês de maio de 2013.
Com o avanço da obra, o réu AA foi solicitando à autora a realização de diversos trabalhos não contemplados no orçamento acima referido, no valor de €6.630,00 (sem I.V.A.), que a impetrante executou, tendo aquele efetuado diversos pagamentos, sendo alguns efetuados pela sociedade por si representada e da qual é gerente, a ré EMP02..., no valor de €14.924,98.
Face à atividade desenvolvida pela ré EMP02..., o réu AA aproveitou o facto de a autora ter a seu cargo obras paralelas em curso naquela altura, pelo que, numa delas, procedeu, em abril de 2013, à reparação de um aparelho de ar condicionado na casa de um cliente da (aqui) impetrante, operação que foi apreçada em €2.189,40, valor que foi abatido ao do orçamento da sobredita obra.
Posteriormente, em julho de 2013, a autora, tendo em curso uma empreitada em ..., solicitou à ré EMP02... o fornecimento de aparelhos de ar condicionado, que foram instalados na dita obra, no valor global de €1.729,43 e que os réus optaram por compensar no valor devido pelos trabalhos orçamentados e em execução.
Assim, pelos trabalhos executados, os réus liquidaram, por transferência ou compensação, a quantia global de €19.289,00, o que levou à emissão da fatura nº ...18, datada de 04-06-2017, com esse valor.
A obra ficou concluída em julho de 2013, altura em que o réu denunciou à autora algumas desconformidades construtivas, reclamação que foi acolhida pela impetrante, que as corrigiu, tendo dado a obra por concluída sem que os réus tivessem procedido ao pagamento da totalidade do respetivo preço.
Tendo em conta os trabalhos realizados pela autora, a pedido do réu e não contabilizados no orçamento inicial, foram emitidas, com data de 05-06-2017, as faturas nºs ...20, no valor de €8.154,90 (I.V.A. incluído) e 319, no valor de €9.056,49 (I.V.A. incluído), faturas que os réus não pagaram, sendo, por isso, devidos os juros peticionados.
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Os réus EMP02..., Lda., e AA apresentaram contestação conjunta e foi deduzido pedido reconvencional onde concluem requerendo que:

a) Sejam as exceções de prescrição e ilegitimidade passiva devidamente reconhecidas em toda a sua extensão, declarando-se assim prescrito o pedido formulado pela autora, bem como a Ilegitimidade passiva da ré EMP02... dado que, conforme resulta do alegado pela Autora e documentos ali juntos, a ré EMP02... não é parte nos presentes autos.
b) Seja julgado totalmente improcedente por não provado o pedido formulado pela autora, condenando-a no pagamento da reparação dos prejuízos causados, em sede de pedido reconvencional, a determinar por peritagem a realizar ao local, na presença de todos e que se fixa, provisoriamente na quantia de €17.000,00.
Para tanto negam os réus a solicitação ou realização de quaisquer trabalhos suplementares, cujo valor não é, por isso devido, negando, de igual sorte, o envio de quaisquer faturas e, quanto aos trabalhos solicitados pelo réu AA, foi por este referido que o valor acordado para a totalidade da obra ascendia, apenas, ao montante de €22.046,00, ficando o valor referente ao I.V.A. sujeito ao regime de autoliquidação.
O réu procedeu ao pagamento da quantia de €19.289,00 no decurso da obra e segundo as condições de pagamento estabelecidas.
Mais refere que, quanto aos trabalhos efetivamente solicitados pelo réu e realizados pela autora, os mesmos apresentavam diversos defeitos, que nunca foram corrigidos e que inviabilizaram, inclusivamente, a utilização do espaço.
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A autora EMP01..., Unipessoal, Lda., apresentou réplica, quanto à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência e quanto ao pedido reconvencional arguiu, além do mais, a exceção da caducidade do direito de exigir judicialmente a reparação dos pretensos defeitos da obra.
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Foi proferido despacho saneador-sentença, no qual se julgou a ré EMP02..., Lda. parte ilegítima que, como tal, foi absolvida da instância.
No que se refere à exceção perentória da prescrição presuntiva do crédito reclamado pela autora, foi a mesma julgada improcedente.
No mais, julgou-se procedente a exceção de caducidade do direito invocado pelo réu, com a consequente absolvição da autora do pedido reconvencional.
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No decurso da audiência de discussão e julgamento, apurou-se que, por sentença datada de 22-11-2023, proferida no processo 7573/23.8T8VNG, do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, foi decretado o regime de acompanhamento de maior em benefício do réu, com a aplicação das medidas de representação geral e administração total de bens, aí se fazendo constar que tais medidas se tornaram necessárias desde o ano de 2017, ou seja, em data muito anterior ao início da presente ação.
Assim, por despacho de 18-01-2024, concluindo-se que o réu não dispunha da necessária capacidade para estar, por si só, em juízo, devendo, para o efeito, estar devidamente representado pela sua mulher, nomeada Acompanhante, determinou-se a citação daquela, BB, para que, no prazo de 10 (dez) dias, ratificasse, querendo, no todo ou em parte, o processado anterior, com a expressa advertência de que, na falta de resposta, o processo seguiria em conformidade com o disposto no artigo 29º, nº 2, do C.P.C.
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Por despacho de 23-03-2024, em face da posição manifestada pela acompanhante de não ratificação do processado anterior, deu-se sem efeito todo o processado desde a citação, - dado que o réu já não dispunha, à data, da necessária capacidade para estar por si só em juízo -, salvaguardando-se, designadamente, os elementos probatórios já carreados para os autos e cujo aproveitamento seria oportunamente apreciado após contraditório, concedendo-se novo prazo para a prática dos atos não ratificados, no caso, para apresentação de contestação.
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O réu apresentou contestação, onde alega que em momento algum foi interpelado para proceder ao pagamento dos montantes inscritos nas faturas, sendo certo que, a soma dos itens discriminados no orçamento apresentado (nº 42/2013) ascende ao montante de €22.046,00, não se compreendendo, assim, a razão de ser da quantia invocada pela autora de €23.046,00.
Acrescenta que as faturas referentes aos trabalhos realizados foram emitidas quatro anos após o termo da obra e em nome de uma sociedade comercial, nenhuma tendo sido emitida em nome do réu, o único cliente da autora, pelo que, não são devidos quaisquer juros, nem a autora demonstrou ter liquidado qualquer montante a título de I.V.A.
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Realizou-se audiência prévia, foi proferido despacho saneador, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
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B) Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença onde foi decidido julgar parcialmente procedente a ação e, em consequência condenar o réu, AA, a pagar à autora, EMP01..., Unipessoal, Lda., a quantia de €9.887,00, acrescida de I.V.A. à taxa legal aplicável, contra apresentação da(s) competente(s) fatura(s), absolvendo o réu do demais peticionado.
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C) Inconformada com tal decisão, veio a autora, EMP01..., Unipessoal, Lda. interpor recurso. que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Nas alegações de recurso da autora, EMP01..., Unipessoal, Lda. são formuladas as seguintes conclusões:

1) O ponto B) dos factos não provados deverá ser trasladado para o rol de factos provados, mas com a seguinte novel redação: Em 2017, em data não concretamente apurada, a testemunha CC, a pedido da recorrente, que a contratou para o efeito, entregou as faturas nºs ...19 e ...20 réu, com o propósito (gorado) de deste obter o respetivo pagamento de tais documentos.
2) Milita a favor dessa trasladação, em primeira linha, o singelo e descomprometido depoimento da testemunha CC, que em 2017 explorava uma empresa de cobrança de dívidas, e, nesse ano, interpelou o réu para pagamento das faturas ...19 e ...20, no escritório do recorrido, onde o mesmo reconheceu o contexto a que se reportavam;
3) Este testemunho foi corroborado pelo depoimento da testemunha DD, que asseverou ter sido a redita testemunha contratada pela recorrente, para o susodito efeito, tendo ainda acrescentado que se deslocou ao local da obra com o advogado da sociedade recorrente, onde foi recebido pela esposa do réu, que não quis assumir a dívida;
4) Não importa ao caso, como fez o Tribunal a quo, extravasar a faculdade singela daquilo que é uma interpelação, realizada por um simples núncio, pois cogitar sobre a justeza, ou sobre a extensa e profunda contextualização das faturas, não era essencial para dar este facto da interpelação como provado;
5) Em termos de valores pagos no âmbito da obra, o cotejo a operar-se não é o teor do orçamento inicial com o teor das faturas ...19 e ...10; sendo mister, isso sim, comparar o teor da fatura nº ...18, com o teor das faturas nºs ...19 e ...20, para chegar à seguinte comezinha evidência: tal como consolidado no ponto 10 do rol de factos provados, e aludido como facto essencial da causa de pedir, no artigo 29º da petição inicial, o réu pagou €19.289,00 pelos trabalhos que vieram a ser descritos na fatura ...18, no valor de €19.392,18;
6) Como corolário, não restam dúvidas que se encontram por pagar as faturas nºs ...19 e ...20, pois os itens construtivos nestas descritos não são os mesmos que figuram na fatura nº ...18, como está bem de ver, sendo certo que, como concluiu a Perita, os trabalhos constantes de todas as faturas foram realizados, à exceção do único item que não pôde quantificar, por não saber o que era – os ditos trabalhos de finalização no valor de €500,00 euros, cuja prova da sua realização se deveu ao depoimento preciso e esclarecedor da testemunha DD;
7) Uma segunda parte do rol de itens construtivos elencados no orçamento inicial veio a ser repercutido na fatura nº ...19, no valor de €7.280,00 (sem IVA), à qual se chamou impropriamente, rectius, por lapso, de fatura de “trabalhos extra”;
8) A esta quantia de €7.280,00 adita-se o item “em falta da outra fatura” aposto na última linha escrita do campo desta fatura reservado à designação dos trabalhos, expresso na maquia de €83,89, assim resultando na soma de €7.363,89, ou seja, a quantia aposta em tal documento, sem IVA, pelo que, com este imposto, chegamos, então, ao valor final nela aposto, isto é, o de €9.056,49;
9) Não há, pois, de fatura em fatura, itens repetidos;
10) Podem sim tratar-se de “extras” os itens da fatura nº ...20, mas sucede que, e independentemente do que possamos chamá-los, os itens da fatura nº ...19 estão realizados, como concluiu a Perita, mas ainda não pagos, e isso é um facto;
11) Como corolário, se somarmos – sem IVA – os valores acima ilustrados em cada coluna de itens descritos nas páginas 6 e 7 desta peça de alegações – de €15.766,00 + €7.280,00, respetivamente - temos a soma de €23.046,00, precisamente o valor do orçamento inicial aludido no doc. 3 junto à p.i.;
12) Pelo que assim fica desfeito o erro de cálculo do Tribunal a quo, cuja correção aqui se impetra, nos termos do artigo 249º do Código Civil, sendo certo que dizer que a fatura nº ...19 reflete trabalhos extra é um lapsus linguae da petição inicial, cuja retificação aqui outrossim se requer, ao abrigo do mesmo preceito, porque tal fatura só vem espelhar, na realidade, a parte sobrante de itens do orçamento inicial ainda não paga;
13) A testemunha DD teve o cuidado de especificar a factualidade inserta no ponto A dos factos não provados ou seja, os ditos “trabalhos de finalização”, e explicou tratar-se da limpeza da obra (recolher entulhos, “limpar a obra”, varrer, etc.), trabalho feito em dois dias, sendo que recolher entulho implica também transportá-lo para o “vazadouro”, ou seja, para um local onde possa ser depositado como lixo, tendo a testemunha apreçado este específico item em €500,00 euros, o que, à luz das regras da experiência comum, nada choca;
14) Assim sendo, este inciso de prova testemunhal impele o traslado do facto não provado A, para o rol de factos provados;
15) Identificada e explicitada a prova que assim o impõe, relevando-se os lapsos de escrita e de cálculo acima identificados, nos termos do artigo 662º, nº 1, do CPC, resulta evidente que haverá que dar como provado o facto com a seguinte redação: “As faturas aludidas em a) e b) do ponto 9, descrevem os trabalhos do orçamento inicial junto com a petição inicial sob documento nº 3, encontrando-se ambas por pagar”.
16) O princípio da aquisição processual assim o impõe, porque a falta de pagamento do preço de tais faturas, enquanto facto essencial alegado na petição inicial pelo credor, foi um múnus cumprido pela recorrente, na densificação da causa de pedir;
17) Tendo-se apurado que o valor da fatura ...19 é deverá ser peticionado não pela veste de trabalhos a mais, mas a título parcial de trabalhos previstos no orçamento inicial, é questão de somenos importância, e descoberta no decurso da instrução da causa, configurando mera factualidade complementar de factos essenciais do articulado inicial (ou até de factos instrumentais, talvez…), nos termos e para os efeitos previstos no artigo 5.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil;
18) A questão da legítima obtenção de pagamento das faturas com o imposto de IVA já liquidado, como se pôde comprovar pela informação do Serviço de Finanças junta aos autos por ofício, não mereceu ser tratada como assunto tabu pelo Tribunal recorrido, não obstante a emissão das mesmas em nome da sociedade EMP02...;
19) Mal andou aqui o Tribunal, que incorreu em erro de julgamento ao nível do direito aplicável, tendo violado o disposto no artigo 334º do Código Civil, e 762º, nº 2, do mesmo Código, preceitos que deveriam ter sido invocados oficiosamente para se poder concluir que a emissão das faturas, em nome da sociedade EMP02..., não poderia ter constituído facto impeditivo do pagamento das mesmas, pelo réu;
20) O beneficiário da prestação de facto consubstanciada na emissão de fatura não é o réu, mas antes o Estado;
21) Do mesmo modo, o interesse do réu nessa prestação, nenhuma relação apresenta com o fim da prestação que lhe é contratualmente devida pela recorrente, correspondente à realização dos serviços solicitados, nos termos convencionados;
22) A emissão de fatura configura-se como obrigação meramente acessória das obrigações contratualmente assumidas pelas partes, e não é determinante do surgimento da obrigação de pagamento do preço devido pelos serviços prestados pela recorrente;
23) Como corolário, o não cumprimento dessa obrigação tributária de emissão de fatura não aproveita ao réu, não o exonerando do cumprimento da prestação pecuniária aqui reivindicada pela recorrente, e, nessa medida, deve ser condenada na sua satisfação;
24) A condição de exigibilidade e vencimento de toda a dívida a cargo da ré está preenchida, porquanto foram emitidas as competentes faturas;
25) A favor de quem será questão meramente secundária, pelo que a obrigação de emissão da fatura surge como uma obrigação acessória da prestação principal de execução da obra a cargo da recorrente, que foi cumprida, assim como aquela;
26) O réu em nada sai prejudicado, com a emissão das faturas, em nome da sociedade EMP02.... Mais: no caso vertente, o réu apadrinhou a emissão das faturas em nome dessa sociedade, querendo, contudo, que as mesmas tivessem sido emitidas sem IVA, ou seja, com IVA em autoliquidação.
27) Tendo sido dito pela testemunha DD que a maioria dos pagamentos da empreitada sub judice foi efetuada pela sociedade EMP02..., para o mesmo foi expectável emitir as faturas ...19 e ...20, outrossim em nome da sociedade EMP02..., à semelhança da incontestada fatura ...18 (cuja emissão a favor da dita sociedade não foi nunca posta em causa, por quem quer que seja), sendo certo que os pagamentos efetuados, no âmbito da empreitada, por aquela sociedade comercial, saem legitimados pelo artigo 767º do Código Civil;
28) Uma vez pagas as faturas, não pode a recorrente emitir um novo dueto de faturas,  com a mesma discriminação de itens, desta feita dirigidas ao réu, pois tal consubstanciaria uma situação reveladora da mais abjeta má-fé, que suscitaria uma veemente reação do demandado, ao nível da responsabilidade civil e criminal, em que incorreria a recorrente;
29) Consequentemente, temos que o Tribunal incorreu aqui num erro de julgamento, pois o facto de o destinatário aposto nas faturas emitidas ser a sociedade EMP02..., não poderá constituir escolho procedimental para ilidir o impreterível dever de pagamento dos preços nelas apostos, a cargo do réu;
30) Esta evidência é sobremaneira aqui constatada, pois, verificou-se uma intrincada teia de relações comerciais triangulares de pagamentos e de prestações de serviços entre recorrente, recorrido e sociedade EMP02..., com benefícios recíprocos (bem espelhada nos documentos juntos aos articulados, em que até a sociedade EMP02... reclamava eliminação de defeitos de obra, em missivas), pelo que constituiria um abuso do direito vir agora negar-se o pagamento das duas últimas faturas, com base numa suposta errónea emissão, quando é já sabido que o Estado não saiu lesado, porque o imposto de IVA foi pago;
31) Em consequência, quanto aos juros, tendo-se provado a interpelação em 2017, embora sem se ter descortinado em que data, pelo menos, e ao abrigo do artigo 566º, nº 3, do Código Civil, a partir do final desse ano deverão ser contados juros de mora, à taxa prevista para os juros comerciais, atento o disposto nos artigos 805º, nº 1, e 806º, nº 1, ambos do mesmo Código, sendo este o direito aplicar-se, omitido que foi pelo Tribunal a quo, atento o facto de não ter – erroneamente – considerado exigível o pagamento das faturas, talqualmente se encontram presentemente emitidas.
Termina entendendo que deve ser dado provimento ao presente recurso, e, a final, revogar-se a sentença recorrida por outra que condene o réu no pagamento, à autora, da quantia de €17.211,39 (dezassete mil, duzentos e onze euros, e trinta e nove cêntimos), acrescida do montante de juros de mora, nos termos do nº 3 do artigo 102º do Código Comercial, computados desde 31/12/2017, até à atualidade, o que perfaz a cifra de €9.809,43 (nove mil, oitocentos e nove euros e quarenta e três cêntimos) de juros vencidos, bem como no valor de juros ainda a vencerem-se, nos mesmos termos.
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O apelado AA apresentou resposta onde conclui que:
I. As faturas juntas pela recorrente não se encontram emitidas em nome do recorrido;
II. As mesmas faturas nunca foram remetidas ao recorrido nem lhe forma dadas a conhecer por outro qualquer meio;
III. Assim, não pode o recorrido ser condenado ao pagamento de juros de mora;
IV. O recorrido não deve suportar o pagamento do IVA reclamado pela recorrente porquanto as faturas em questão foram emitidas a uma entidade distinta.
V. Pelo que, a sentença recorrida tem de ser confirmada na totalidade e sem exceção.
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Foram colhidos os vistos legais.

D) As questões a decidir no recurso são as de saber:
1) Se deverá ser alterada a matéria de facto;
2) Se deverá ser alterada a decisão propriamente jurídica da causa, condenando-se o réu nos termos peticionados.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) I. FACTOS PROVADOS

1. A autora dedica-se à atividade de construção civil e empreitadas de obras públicas.
2. O réu é sócio da EMP02..., Lda., sociedade que tem por objeto o comércio e instalação de ar condicionado e eletricidade, serviços de construção civil e obras públicas e na qual desempenhou as funções de gerente.
3. No ano de 2013, a pedido do réu, que pretendia fazer obras de restauro e de ampliação num prédio urbano, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., a autora entregou àquele um orçamento no valor de €23.046,00, ao qual acrescia I.V.A. à taxa de 23%.
4. O prédio referido em 3, mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...79 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...8, com registo de aquisição a favor do réu, AA, casado com BB e de BB, casada com AA, pela Ap. ...73 de 18-03-2016.
5. O orçamento mencionado em 3 veio a ser aceite pelo réu, iniciando a autora a execução dos trabalhos no mês de maio de 2013.
6. A autora realizou os seguintes trabalhos e aplicou os seguintes materiais contemplados no orçamento mencionado em 3: a) madeiras e varandas; b) 4 wc’s; c) revestimentos de paredes; c) material de pichelaria; d) acabamentos exteriores; e) pilar pedra ...; f) base em betão para pilar; d) coluna de corrimão e e) mão de obra, no valor de €22.546,00.
7. Para além dos trabalhos contemplados no orçamento referido em 3, a autora realizou, a pedido do réu, outros trabalhos designadamente: a) restauro do portão da entrada; b) restauro do gradeamento da varanda e do passadiço de madeira; c) fornecimento de loiças sanitárias (dois lavatórios e duas sanitas); d) restauro das vigas de cimento da adega e colocação parcial de laje de teto; e) restauro do teto da sala de maiores dimensões, e de uma outra sala; f) envernizamento dos móveis da cozinha; g) colocação e funcionamento da baixada e da pré-instalação elétrica; h) cimentação de placa de chão; i) restauro de todas as janelas da habitação; j) fornecimento e colocação de três portas em madeira; k) poda, desramações e abate de árvores; l) pintura exterior do anexo da habitação; m) fornecimento e colocação de ombreiras, cantos e padieiras em pedra, no valor de, pelo menos, €6.630,00.
8. A autora deu a obra por concluída ainda no decurso do ano de 2013.
9. Na sequência do referido em 6 e 7, foram emitidas pela autora, em nome da sociedade EMP02..., Lda. as seguintes faturas:
a) Fatura nº ...18 de 04-06-2017, relativa a realização de trabalhos contemplados no orçamento mencionado em 3, no valor de €15.166,00, acrescido de I.V.A. no montante de €3.626,18, num total de €19.392,10;
b) fatura nº ...19 de 05-06-2017, relativa ao remanescente dos trabalhos contemplados no orçamento mencionado em 3, no valor de €7.363,89, acrescido de I.V.A. no montante de 1.692,60 EUR, no total de 9.056,49 EUR;
c) Fatura nº ...20 de 05-06-2017, relativa aos serviços referidos em 7, no valor de €6.630,00, acrescido de I.V.A. no montante de €1.524,90, no total de €8.154,90.
10. O réu procedeu ao pagamento de um total de €19.289,00 relativo aos trabalhos realizados pela autora.
11. O réu remeteu à autora o escrito datado de 07-01-2014, que esta recebeu, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: (...) Em seguimento às obras contratadas a V.Exas e em virtude dos serviços não terem sido finalizadas, nem com boa execução de obra conforme já mencionado pelo Sr AA, fica-se aguardar a sua finalização e retificação de forma a finalizarmos o processo da obra. Salienta-se que já liquidamos o valor de €19.289,00 (...).
12. EMP02..., Lda. remeteu à autora o escrito datado de 28-01-2014, que esta recebeu, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: (...) Em seguimento aos pagamentos já efetuados com encontro de contas e de forma a que as contas correntes de ambas as partes fiquem em conformidade, encontra-se em falta faturas-recibos ref. aos respetivos pagamentos (regime de Auto liquidação), apesar de já ter sido solicitado. (...).
13. A autora remeteu ao réu o escrito datado de 30-01-2014, que este recebeu, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte: (...) Em resposta à V/ comunicação datada de 07-01-2014, sou pelo presente a solicitar que V. Exa. se digne agendar uma data para uma reunião, a realizar no local da obra, por forma a dirimir divergências eventualmente existente quanto à execução da empreitada, designadamente contrato inicial de importância de €23.046,00 acrescido dos extras incorporados em cumprimento do estipulado entre as partes. (...).
14. Os valores de I.V.A. refletidos nas faturas mencionadas em 9 foram liquidados pela autora.
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II. FACTOS NÃO PROVADOS

A) Os serviços descritos como trabalhos de finalização, no valor de €500,00, constantes da fatura nº ...19 mencionada em 9, foram realizados pela autora.
B) As faturas mencionadas em 9 foram remetidas ao réu ou chegaram ao conhecimento deste.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O recurso visa a reapreciação da decisão de facto e de direito.
A apelante discorda da decisão quanto aos pontos A) e B) dos factos provados, entendendo que os mesmos deverão considerar-se como provados, tendo o ponto B) a seguinte formulação: Em 2017, em data não concretamente apurada, a testemunha CC, a pedido da recorrente, que a contratou para o efeito, entregou as faturas nºs ...19 e ...20 réu, com o propósito (gorado) de deste obter o respetivo pagamento de tais documentos.
Para tanto, baseia-se o apelante nos depoimentos das testemunhas CC e DD.
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Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2010, disponível na base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt, “a apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “...segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da atividade intelectual e, portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica...”
A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “...a certeza absoluta, (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) ...”, mas tão só, “...de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.”
A certeza a que conduz a prova suficiente é, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 07/06/2005, relativamente à apreciação da prova, “quer seja na 1ª instância, quer seja na Relação, a questão é sempre de valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação.
Vigoram, em ambos os casos, para os julgadores desses tribunais, as mesmas regras e os mesmos princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (...) consagrado no artigo 655º nº 1 do Código de Processo Civil (atual 607º nº 5 NCPC).
Significa isto que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formulação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções refletidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação.”
Um dos princípios que devem presidir ao julgamento é o da livre apreciação da prova, impondo-se ao juiz que decida de acordo com a sua prudente convicção acerca de cada facto,
mas, quando a lei imponha para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada (artigo 655º do Código de Processo Civil – artigo 607º nº 5 NCPC).
Segundo este princípio, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas (Professor Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 384).
E importa que se tenha em consideração que a apreciação da prova terá de ser valorada a partir de uma perspetiva crítica, global e objetiva e não parcial ou truncada e subjetiva.
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Da audição a que se procedeu da prova produzida e, em particular, do depoimento das testemunhas CC e DD, resulta que o ponto B) dos factos não provados terá de ser considerado como provado.
Com efeito, as duas testemunhas referidas demonstraram ter conhecimento direto da matéria em questão e produziram depoimentos credíveis.
A primeira, CC, que atualmente exerce a função de encarregado geral de obras, em 2017, data em que se deslocou ao ... para falar com o réu AA, tinha uma empresa de cobrança de dívidas e por incumbência da testemunha DD, seu amigo e filho do legal representante da autora, contactou o réu, nos escritórios deste, a quem foram entregues as faturas em questão, o qual as recebeu e delas tomou conhecimento, referindo à testemunha CC que tinha que falar com a testemunha DD e, depois, resolvia a situação.
Por sua vez a testemunha DD, que é filho do titular da empresa autora, e na ocasião mencionada (2017) aí trabalhava, e contratou a testemunha anterior, para levar e entregar as faturas referenciadas ao réu, o que fez, não tendo logrado, no entanto proceder à sua cobrança.

Assim sendo, existem elementos probatórios suficientes que justifiquem que o ponto B) dos factos não provados passe a constar dos factos provados, com a seguinte formulação:
16) Em 2017, as faturas nºs ...19 e ...20 foram entregues ao réu, com o propósito (gorado) de, deste, a autora obter o respetivo pagamento.
No que se refere ao ponto A) dos factos não provados, o tribunal a quo considerou que tal se deveu ao relatório pericial que relativamente aos trabalhos realizados pela autora, constatou no local a sua efetiva realização e incorporação dos materiais à exceção do mencionado em A).
Sucede, porém, que, relativamente a tais trabalhos, o relatório pericial  não diz que os mesmos não foram feitos, mas, apenas, que não é possível verificar a que se referem estes trabalhos, o que é diferente.
Porém, se atentarmos no depoimento da testemunha DD, o mesmo comprova a sua realização, de forma credível, motivo pelo qual, o ponto A) deverá passar a figurar nos factos provados sob o nº 15.
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Assim sendo, a matéria de facto apurada passa a ser a seguinte:

A) I. FACTOS PROVADOS
1. A autora dedica-se à atividade de construção civil e empreitadas de obras públicas.
2. O réu é sócio da EMP02..., Lda., sociedade que tem por objeto o comércio e instalação de ar condicionado e eletricidade, serviços de construção civil e obras públicas e na qual desempenhou as funções de gerente.
3. No ano de 2013, a pedido do réu, que pretendia fazer obras de restauro e de ampliação num prédio urbano, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., a autora entregou àquele um orçamento no valor de €23.046,00, ao qual acrescia I.V.A. à taxa de 23%.
4. O prédio referido em 3, mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...79 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...8, com registo de aquisição a favor do réu, AA, casado com BB e de BB, casada com AA, pela Ap. ...73 de 18-03-2016.
5. O orçamento mencionado em 3 veio a ser aceite pelo réu, iniciando a autora a execução dos trabalhos no mês de maio de 2013.
6. A autora realizou os seguintes trabalhos e aplicou os seguintes materiais contemplados no orçamento mencionado em 3: a) madeiras e varandas; b) 4 wc’s; c) revestimentos de paredes; c) material de pichelaria; d) acabamentos exteriores; e) pilar pedra ...; f) base em betão para pilar; d) coluna de corrimão e e) mão de obra, no valor de €23.046,00.
7. Para além dos trabalhos contemplados no orçamento referido em 3, a autora realizou, a pedido do réu, outros trabalhos designadamente: a) restauro do portão da entrada; b) restauro do gradeamento da varanda e do passadiço de madeira; c) fornecimento de loiças sanitárias (dois lavatórios e duas sanitas); d) restauro das vigas de cimento da adega e colocação parcial de laje de teto; e) restauro do teto da sala de maiores dimensões, e de uma outra sala; f) envernizamento dos móveis da cozinha; g) colocação e funcionamento da baixada e da pré-instalação elétrica; h) cimentação de placa de chão; i) restauro de todas as janelas da habitação; j) fornecimento e colocação de três portas em madeira; k) poda, desramações e abate de árvores; l) pintura exterior do anexo da habitação; m) fornecimento e colocação de ombreiras, cantos e padieiras em pedra, no valor de, pelo menos, €6.630,00.
8. A autora deu a obra por concluída ainda no decurso do ano de 2013.
9. Na sequência do referido em 6 e 7, foram emitidas pela autora, em nome da sociedade EMP02..., Lda. as seguintes faturas:
a) Fatura nº ...18 de 04-06-2017, relativa a realização de trabalhos contemplados no orçamento mencionado em 3, no valor de €15.166,00, acrescido de I.V.A. no montante de €3.626,18, num total de €19.392,10;
b) fatura nº ...19 de 05-06-2017, relativa ao remanescente dos trabalhos contemplados no orçamento mencionado em 3, no valor de €7.363,89, acrescido de I.V.A. no montante de 1.692,60 EUR, no total de 9.056,49 EUR;
c) Fatura nº ...20 de 05-06-2017, relativa aos serviços referidos em 7, no valor de €6.630,00, acrescido de I.V.A. no montante de €1.524,90, no total de €8.154,90.
10. O réu procedeu ao pagamento de um total de €19.289,00 relativo aos trabalhos realizados pela autora.
11. O réu remeteu à autora o escrito datado de 07-01-2014, que esta recebeu, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: (...) Em seguimento às obras contratadas a V.Exas e em virtude dos serviços não terem sido finalizadas, nem com boa execução de obra conforme já mencionado pelo Sr AA, fica-se aguardar a sua finalização e retificação de forma a finalizarmos o processo da obra. Salienta-se que já liquidamos o valor de €19.289,00 (...).
12. EMP02..., Lda. remeteu à autora o escrito datado de 28-01-2014, que esta recebeu, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e onde pode ler-se, designadamente, o seguinte: (...) Em seguimento aos pagamentos já efetuados com encontro de contas e de forma a que as contas correntes de ambas as partes fiquem em conformidade, encontra-se em falta faturas-recibos ref. aos respetivos pagamentos (regime de Auto liquidação), apesar de já ter sido solicitado. (...).
13. A autora remeteu ao réu o escrito datado de 30-01-2014, que este recebeu, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte: (...) Em resposta à V/ comunicação datada de 07-01-2014, sou pelo presente a solicitar que V. Exa. se digne agendar uma data para uma reunião, a realizar no local da obra, por forma a dirimir divergências eventualmente existente quanto à execução da empreitada, designadamente contrato inicial de importância de €23.046,00 acrescido dos extras incorporados em cumprimento do estipulado entre as partes. (...).
14. Os valores de I.V.A. refletidos nas faturas mencionadas em 9 foram liquidados pela autora.
15) Os serviços descritos como trabalhos de finalização, no valor de €500,00, constantes da fatura nº ...19 mencionada em 9, foram realizados pela autora.
16) Em 2017, as faturas nºs ...19 e ...20 foram entregues ao réu, com o propósito (gorado) de, deste, a autora obter o respetivo pagamento.
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II. FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem.
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Nos presentes autos está em causa um contrato de empreitada que, como se refere no Acórdão do STJ de 03/06/2007, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos, disponível na base de dados do Ministério da Justiça (www.dgsi.pt), “é um contrato bilateral ou sinalagmático de que resultam prestações recíprocas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra: a obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço – artigo 1207º do Cód. Civil.
O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que reduzam ou excluam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário previsto no contrato – art. 1208º.
O preço deve ser pago, não havendo cláusula em contrário, no ato da aceitação da obra - art. 1211º nº 2.”
No caso que nos ocupa, a apelante formulou o pedido de pagamento da quantia de 17.211,39, de capital, acrescida de juros.
O orçamento apresentado pela autora, pelos serviços aí referenciados, aceite pelo réu, ascendia a €23.046,00, acrescido de IVA, à taxa legal (23%).
Resultou provado que a autora  realizou os seguintes trabalhos e aplicou os seguintes materiais contemplados no orçamento mencionado em 3: a) madeiras e varandas; b) 4 wc’s; c) revestimentos de paredes; c) material de pichelaria; d) acabamentos exteriores; e) pilar pedra ...; f) base em betão para pilar; d) coluna de corrimão e e) mão de obra, no valor de €22.546,00.
Sucede, porém, que o valor em causa enferma de erro, uma vez que a soma das diversas parcelas constante do orçamento, ascende a €23.046,00, como resulta de simples cálculo aritmético e consta expressamente do referido orçamento, que a apelante suscitou nas alegações e que o tribunal a quo, inadvertidamente, não apreciou, lapso que se mostra reparado na formulação final da matéria de facto.
Importa notar que, este valor corresponde ao montante orçamentado e consta das faturas nºs ...18 e ...19, abrangendo a fatura nº ...20 o valor dos trabalhos extra orçamento, a seguir referidos.
Com efeito, para além dos trabalhos contemplados no orçamento referido em 3, a autora realizou, a pedido do réu, outros trabalhos designadamente: a) restauro do portão da entrada; b) restauro do gradeamento da varanda e do passadiço de madeira; c) fornecimento de loiças sanitárias (dois lavatórios e duas sanitas); d) restauro das vigas de cimento da adega e colocação parcial de laje de teto; e) restauro do teto da sala de maiores dimensões, e de uma outra sala; f) envernizamento dos móveis da cozinha; g) colocação e funcionamento da baixada e da pré-instalação elétrica; h) cimentação de placa de chão; i) restauro de todas as janelas da habitação; j) fornecimento e colocação de três portas em madeira; k) poda, desramações e abate de árvores; l) pintura exterior do anexo da habitação; m) fornecimento e colocação de ombreiras, cantos e padieiras em pedra, no valor de €6.630,00 (fatura nº ...20), a que acresce IVA (23%), num total de €8.154,90.
Como resulta dos pontos 6 e 7 dos factos provados, a apelante executou obras no montante de €29.676,00, tendo o réu procedido ao pagamento da quantia de €19.289,00
Importa dizer que as faturas ...18 e ...19 referem-se ao orçamento apresentado, que ascende ao montante de €22.529,89, ligeiramente inferior ao montante orçamentado (€23.046,00).
Àquele valor de €22.529,89, acresce o montante relativo à fatura nº ...20, no valor de €6.630,00, o que perfaz um total de €29.159,89, pelo que tendo o réu procedido ao pagamento da quantia de 19.289,00, remanesce uma dívida no montante de €9.870,89.
Ao valor da dívida acresce, efetivamente, o valor do IVA (23%), no entanto, não pode deixar de se concordar com a posição sustentada na douta sentença recorrida quando refere que “a obrigação de pagamento do imposto torna-se exigível, por regra, com a emissão do documento contabilístico correspondente, ou seja, a respetiva fatura (cf. artigo 8.º, n.º 1, do C.I.V.A.) e é exigível pela prestadora do serviço, no caso a autora, à beneficiária-utilizadora deste (que o vai suportar como contribuinte devedor ao Estado, no caso o réu), mas, tão somente, após a emissão obrigatória de fatura (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-02-2024, processo nº 571/20.5T8LAG.E1.S1, in www.dgsi.pt). Com efeito, como se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-06-2023, processo nº 5364/20.7T8MTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, a emissão e apresentação duma fatura, respeitante a um serviço prestado, não constitui apenas uma obrigação legal imposta pelos arts. 29.º/1/b) e 36.º/1 do CIVA mas funciona igualmente como condição de cuja verificação/preenchimento depende a exigibilidade do pagamento em causa. Assim sendo, o IVA como imposto cobrado por uns, mas suportado economicamente por outros é devido e torna-se exigível no momento da realização do serviço se bem que a obrigação do pagamento deste imposto só nasce com a emissão do documento contabilístico competente. E a emissão deste documento (vulgo a fatura) é obrigatória tornando-se condição legal da exigibilidade do IVA pela prestadora do serviço à utilizadora do serviço (que é quem deve efetivamente suportá-lo, que é a contribuinte de facto). Esta é a razão para que não seja apenas o IVA que não possa ser exigido sem prévia emissão e apresentação de fatura, é também a dívida em discussão (no caso a que resulta dos trabalhos de lavagem da pedra da fachada do edifício e bem assim os trabalhos realizados no telhado na obra do C...) que não pode ser exigida (uma vez que, sendo o IVA exigível no momento de realização do serviço, a remuneração deste serviço não pode ser exigida sem ser exigido o respetivo IVA). Então, funcionando a emissão da fatura como uma condição legal (cfr. art. 270.º do C. Civil), que enquanto não preenchida determina que não se possa considerar vencida e exigível a obrigação litigada, havendo, deve aplicar-se o disposto no art. 610 nº1 e nº2 al. a) do CPC condenando-se o réu a satisfazer a prestação ainda que a obrigação se vença em momento posterior à decisão (...).
Ora, no caso, a autora liquidou I.V.A. (facto 14), correspondente a 23% do total faturado. Porém, fê-lo, apenas, em 2017 (volvidos quase 4 anos após a data da obrigação legal de emissão e quando já havia recebido vários pagamentos), sem emissão de fatura ou recibo, conforme resulta do teor da missiva parcialmente reproduzida em 11) tendo como sujeito passivo da obrigação a sociedade EMP02... que, como se viu, não é devedora, nem beneficiária do serviço prestado e, como tal, não está vinculada ao pagamento do tributo em causa. Assim, muito embora ao montante em dívida deva acrescer o valor legal a título de I.V.A., devido pelo real contraente/beneficiário da prestação - o réu - tal imposto só será exigível ao demandado aquando da emissão da(s) competente(s) fatura(s) e nos termos do sobredito artigo 610.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do C.P.C. Assim, o réu deverá ser condenado a pagar à autora a quantia de 9.870,89 EUR, acrescida de I.V.A. à taxa legal aplicável (23%), mas apenas contra a apresentação da competente fatura, em nome do devedor, o réu.

No que se refere aos juros peticionados, como se refere no artigo 804º Código Civil, o princípio geral que vigora é o de que a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (nº 1), considerando-se o devedor em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (nº 2). 
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 22/02/2024, no processo 571/20.5T8LAG.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “a emissão e apresentação-entrega de fatura (ou fatura-recibo sem pagamento) junto do devedor da remuneração correspondente a contrato de prestação de serviços, sem prejuízo de ser uma obrigação legal imposta em sede do imposto IVA (arts. 1º, 1, a), 2º, 1, a), 4º, 1, 7º, 1, b), 8º, 1 e 2, 29º, 1, b), e 36º, 1 e 5, do CIVA), uma vez convencionada pelas partes (quanto ao momento da execução contratual), configura um ónus necessário (traduzido em “interpelação”) para o credor, com o significado de se assumir como uma condição de exigibilidade da (constituída e eficaz) obrigação negocial de pagamento do serviço, assim suscetível de vencimento, nos termos da vinculação a que respeitam os arts. 762º, 1, 763º, 1, 777º, 1 e 2, e 817º do CCiv.”
Assim sendo, como se viu, não sendo exigível o cumprimento da obrigação sem a emissão e apresentação-entrega de fatura (ou fatura-recibo sem pagamento) junto do devedor da remuneração correspondente, em nome deste, não se pode afirmar que, perante tal omissão, exista mora por parte do devedor (artigo 804º nº 2 NCPC), pelo que não há qualquer obrigação de pagamento de juros (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo nº 162/12, disponível em www.dgsi.pt).
Face a todo o exposto, resulta que a apelação terá de ser julgada improcedente e, em consequência, confirmada a douta sentença recorrida.
Face ao decaimento total da apelação, as custas terão de ser suportadas pela apelante (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão e sumariando:
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III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 02/10/2025

Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador Paulo Reis
2º Adjunto: Desembargador Afonso Cabral de Andrade