Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
50/24.1T8PVL-A.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: PRESCRIÇÃO EXTINTIVA
CONHECIMENTO NO SANEADOR
MATÉRIA DE FACTO CONTROVERTIDA RELEVANTE
PREMATURIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Não havendo ainda, na fase da prolação do despacho saneador, elementos factuais assentes para se decidir a exceção de prescrição, dependendo da respetiva prova o enquadramento do litígio no instituto jurídico respetivo, e, consequentemente a determinação do prazo prescricional aplicável, o processo deve seguir para se averiguar tal matéria e decidir em conformidade com a posição adotada.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO (cingido à parte que importa ao caso, e com consulta eletrónica dos autos principais).

AA, NIF ...70 e mulher BB, NIF ...20, intentaram a presente ação contra CC, NIF ...13, DD, NIF ...15, EE, NIF ...56, e mulher FF, NIF ...80, pedindo que os Réus sejam condenados a:
“a) reconhecer que os negócios jurídicos objeto das escrituras públicas efetuadas em 1998.03.26 e 2016.01.15 e supra aludidos na presente p.i. são nulos, por simulação absoluta, uma vez que as partes intervenientes nunca quiseram efetuar qualquer negócio jurídico;
b) por força da declaração de nulidade aludida em a), deve ser ordenada a nulidade das inscrições prediais AP. ...02 a favor de CC e da AP. ...27 de 2016/01/14 a favor do Réu marido EE, sendo repristinada a inscrição predial nº Ap. ...23 a favor dos AA. já que estes sempre foram os únicos donos e legítimos possuidores do supra identificado prédio urbano;”
assim não se entendendo:
“c) devem os RR. ser condenados a reconhecer que os AA. são os únicos donos e legítimos possuidores do prédio identificado no artigo 6º desta p.i., com base na aquisição originária, por o terem adquirido por efeito da usucapião, devendo abster-se da prática de quaisquer atos que contendam com o direito de propriedade dos AA. sobre o aludido prédio.
d) Mais deve, em conformidade, ser ordenado o cancelamento da AP. ...27 de 2016/01/15 efetuada junto da Conservatória do Registo Predial ... identificado no artº 6 da p.i., a favor do Réu EE, agora no estado de casado com FF, NIF ...80, nos termos dos artºs 8º e 13º do Código do Registo Predial, sendo ordenada a respetiva inscrição a favor dos AA..”
Alegaram, no que ao caso importa, que:
“6. Por motivos de ordem pessoal e que não relevam para os presentes autos, por escritura de 26/03/1998, outorgada no Cartório Notarial ..., os AA. declararam que, pelo preço de 10.750.000$00, vendiam ao aqui 1º Réu, CC, solteiro, maior, o prédio urbano composto por casa de ..., com a área coberta de cento e dez metros quadrados e a descoberta de 1790 m2, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... como nº ...86, à data omisso à matriz, mas feita a participação e anteriormente inscrito sob o artº ...86 urbano, conforme tudo melhor resulta do documento que se junta. (Doc. 3)
7. Para pagamento dos dois mútuos contraídos pelos AA. e garantidos por hipoteca sobre o prédio em apreço, o declarante adquirente CC contraiu em seu nome pessoal junto do Banco 1... de Lisboa, S.A. um empréstimo hipotecário do montante de 15.000.000$00, conforme resulta do documento referido. (cfr doc. 2 e 3)
8. Acontece que, apesar do declarado pelos intervenientes nesta escritura pública de 26/03/1998, nem os AA. quiseram vender o seu prédio, nem o R. CC o quis comprar,
9. sendo que, o empréstimo hipotecário de 15.000.000$00 contraído por este último junto do Banco 1... de Lisboa, S.A. e as respetivas condições, tais como, prazo de reembolso e montante da prestação, foram negociados de acordo com as condições económicas dos AA.,
10. já que foram estes quem perante o aludido CC, se comprometeu a suportar os custos com a formalização e a contratação do mútuo hipotecário, bem como todos os encargos futuros daí decorrentes, com a prestação mensal, seguros, juros e todas as outras.
11. A contratação deste mútuo de 15.000.000$00 junto do Banco 1... destinou-se a pagar os dois mútuos anteriores contraídos pelos AA., e, ainda, a suportar os custos relativos à avaliação do imóvel, impostos com a transmissão - IMT e IS, honorários do Notário, registo da aquisição junto da Conservatória de Registo Predial, seguros de vida e multirriscos, e todos os outros.
12. Os AA., não obstante o declarado na escritura de compra e venda em apreço e conforme o acordado com o R. CC, não quiseram vender o seu imóvel e continuaram a residir na sua habitação com o seu agregado familiar, onde pernoitam, fazem as refeições, recebem os amigos, suportam todas as despesas com energia elétrica, água, atuando sobre a mesma como seus únicos donos, conservando-a, fazendo obras e adaptando-a às suas necessidades.”
E na petição aperfeiçoada (mediante despacho que o determinou) alegaram que:
“6. Sucede que, foram os Autores aconselhados a retirar o mencionado imóvel da sua propriedade, passando a titularidade do mesmo a um terceiro, de forma a evitar que este, fosse alvo de penhoras no âmbito de eventuais processos executivos ou de execução fiscal instaurados contra o Autor marido.
7. Com efeito, o Autor marido e GG foram os dois sócios e gerentes da sociedade comercial por quotas denominada EMP01..., Lda, com sede no concelho ..., que se dedicava à atividade de construção civil, mostrando-se a mesma extinta há já vários anos.
8. Por desentendimentos surgidos entre os dois sócios há cerca de 28/30 anos, o Autor marido foi posto à margem do giro da sociedade pelo sócio GG, passando este a controlar sozinho os destinos da empresa, gerindo a mesma como se a mesma fosse exclusivamente sua.
9. Sob a orientação exclusiva do sócio GG, a empresa foi acumulando dividas a fornecedores, à Segurança Social e ao fisco, podendo estas dividas à Segurança Social e ao fisco ser revertidas contra os gerentes da empresa.
10. Acresce que, junto do Banco 2..., dependência da ..., apareceram umas livranças avalizadas com o nome dos Autores, mas com a respetiva assinatura falsificada, sendo que, em abstrato, sempre podiam ser instaurados os competentes processos executivos, com a possibilidade de ser penhorado o seu património pessoal.
11. De forma a evitar que o seu património pessoal pudesse vir a ser afetado com os processos executivos a instaurar por parte da Autoridade Tributária e da Segurança social, em sede de processo de reversão, ou até do Banco 2..., S.A., pela execução das livranças com a assinatura falsificada,
12. por uma questão de cautela, os AA. foram aconselhados a retirar do seu nome pessoal o único bem de que dispunham e que constituía a casa de morada de família abaixo melhor identificada.”
*
EE e HH apresentaram contestação em que, além do mais, impugnam o alegado nos artigos 1, 2, 3, 4, 5 ,6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15 e 34 da petição inicial. Igualmente impugnaram o vertido nos artigos 6 a 14 da petição aperfeiçoada.
*
CC apresentou contestação, em que formulou pedido reconvencional, e, na sua procedência, se condenem os A.A., nomeadamente, a restituir-lhe todas as quantias indevidamente recebidas por aqueles, no montante de € 37.258,56, acrescidas de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal aplicável.”
Para tanto alegou, nomeadamente, que:
“48. É de todo relevante, ter em consideração que antes da celebração desta coligação de negócios, existiu um pré-acordo entre todos os seus intervenientes - AA, 1º Réu e Banco 1... - tendo ficado estabelecido uma condição determinante para o 1º Réu aceitar a celebração da referida coligação de negócios.
49. Condição esta assumida por acordo entre os AA e o 1º Réu e na presente ação alegada de forma expressa e inequívoca no ponto 9 e 10 da PI : “sendo que, o empréstimo hipotecário de 15.000.000$00 contraído por este último junto do Banco 1... de Lisboa, S.A. e as respetivas condições, tais como, prazo de reembolso e montante da prestação, foram negociados de acordo com as condições económicas dos AA.,”
50. “já que foram estes quem perante o aludido CC, se comprometeu a suportar os custos com a formalização e a contratação do mútuo hipotecário, bem como todos os encargos futuros daí decorrentes, com a prestação mensal, seguros, juros e todas as outras.”.
51. Os AA propuseram ao 1º Réu, e o 1º Réu aceitou, a celebração dos contratos, atendendo à relação de proximidade que ambos mantinham – o 1º Réu namorava com a irmã do Autor, DD, 2º Ré, na presente ação e atualmente ex-mulher do 1º Réu – e às graves dificuldades financeiras dos AA.
52. Até porque, desta coligação de negócios foram os AA que obtiveram, dispuseram e usufruíram do montante correspondente ao empréstimo bancário.
53. Nunca o 1ºRéu.”
(…)
“56. Sendo de relevante importância para uma justa decisão referir que a quantia correspondente ao empréstimo concedido pelo Banco 1... de Lisboa, declarado na escritura pública intitulada “Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” nunca, em tempo e forma alguma, integrou o património do 1º Réu, nem nunca este usufruiu desta quantia.
57. Esta quantia integrou de imediato o património dos AA.
58. O 1º Réu nunca recebeu qualquer quantia, preço ou prestação declarada no Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca, celebrado em 1998.
59. Assim como, nunca beneficiou de qualquer quantia resultado desta coligação de negócios, nem tão pouco obteve qualquer benefício pessoal ou enriquecimento patrimonial.”
(…)
“64. Antes pelo contrário, o 1º Réu obteve prejuízos pessoais e patrimoniais, na medida em que os AA assumiram o compromisso com o 1º Réu de amortizaria o empréstimo que o 1ºRéu contraíra junto do Banco 1...,
65. Através da entrega pelos AA ao 1º Réu da quantia, em dinheiro, respeitante à prestação mensal devida a título de empréstimo, e este por sua vez depositava na conta bancária para o efeito.
66. O 1º Réu cumpriu pontualmente com o pagamento de todas as prestações junto do Banco 1....
67. Os AA logo após a celebração dos contratos e tendo satisfeito o seu propósito manifestaram-se sempre “difíceis” cumpridores, sentindo-se o 1º Reu na necessidade de todos os meses procurar os AA e de insistir para que estes cumprissem com o acordado: entregassem ao 1º Réu a quantia devida para este cumprir com o Banco 1....
68. O 1º Réu sempre que se aproximava a data para pagar a prestação mensal ao Banco 1... sentia uma angústia e ansiedade enorme afetando toda a sua família, de tal modo que constantemente apelava aos AA para procurar uma outra “solução” e de forma que o 1º Réu deixasse de estar envolvido.
69. Toda esta situação se agravou quando entre os anos de 2005 e o ano 2012, inclusive, os AA deixaram de entregar, como acordado, as quantias respeitantes ao pagamento do empréstimo ao Banco 1....
70. Durante estes 8 anos, o 1º Réu sempre cumpriu com o Banco 1..., pagando as prestações do empréstimo devidas com o seu dinheiro, prejudicando o seu orçamento familiar e provocando um empobrecimento no seu já diminuto património.
71. Até à presente data, os AA nunca restituíram ao 1º Réu a quantas pagas por este, pontualmente, ao Banco 1... durante o período de tempo entre ano 2005 e o ano 2012, inclusive,
72. perfazendo o montante superior a 37.258,56 Euros (139,72 euros + 248,39 euros = 388,11 euros por mês a titulo de prestação mensal; 4 657,32 euros por cada ano empréstimo), acrescido de juros (Cfr. Extrato bancário sob doc. n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos)”
(…)
“88. In casu, estamos perante duas “coligações de negócios” que se assumem com uma relevância jurídica complexa estabelecendo uma conexão e interdependência no propósito negocial, objeto, intervenientes, forma e validade, em períodos de tempo diferentes.
89. A primeira coligação negocial respeita o “Contrato Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca” celebrada em 1998, onde no Contrato Compra e Venda o AA e BB, AA, se assumem como vendedores e CC, 1º Réu, como comprador; no Contrato de Mútuo com Hipoteca o 1ª Réu como devedor e o Banco 1... de Lisboa, S.A. como mutuante e,
90. Ainda o acordo entre AA e o 1º Réu, onde os AA se comprometeram a efetuar o pagamento da quantia correspondente ao empréstimo, como alega, assume e reconhece na presente ação no ponto 9 e 10 da PI: “sendo que, o empréstimo hipotecário de 15.000.000$00 contraído por este último junto do Banco 1... de Lisboa, S.A. e as respetivas condições, tais como, prazo de reembolso e montante da prestação, foram negociados de acordo com as condições económicas dos AA., já que foram estes quem perante o aludido CC, se comprometeu a suportar os custos com a formalização e a contratação do mútuo hipotecário, bem como todos os encargos futuros daí decorrentes, com a prestação mensal, seguros, juros e todas as outras.”.
91. Os AA logo após a celebração dos contratos e tendo satisfeito o seu propósito manifestaram-se sempre “difíceis” cumpridores, sentindo-se o 1º Réu na necessidade de todos os meses procurar os AA e de insistir com estes para que cumprissem com o acordado: entregassem ao 1º Réu a quantia devida para este cumprir com o Banco 1....
92. O 1º Réu sempre que se aproximava a data para pagar a prestação mensal ao Banco 1... sentia uma enorme angústia e ansiedade que afetava toda a sua família, razão pela qual apelaram constantemente aos AA para procurar uma outra “solução” e de forma que o 1º Réu deixasse de estar envolvido.
93. Toda esta situação se agravou quando entre o ano de 2005 e o ano 2012, inclusive, os AA deixaram de entregar, como acordado, as quantias respeitantes ao pagamento do empréstimo ao Banco 1....
94. Durante estes 8 anos, o 1º Réu sempre cumpriu com o Banco 1..., pagando as prestações do empréstimo devidas com o seu dinheiro, prejudicando o seu orçamento familiar e provocando um empobrecimento no seu já diminuto património.
95. Até à presente data, os AA nunca restituíram ao 1º Réu a quantias pagas por este, pontualmente, ao Banco 1... durante o período de tempo 2005 a 2012, perfazendo uma quantia total superior a 37.258,56 Euros (139,72 euros+248,39 euros = 388,11 euros a titulo de prestação mensal; 4 657,32 euros por cada ano), acrescida de juros. (Cfr. Extrato bancário sob doc. n.º 1).
96. Estando em causa nos autos a alegada simulação absoluta de todos os negócios celebrados entre os AA e os Réus,
97. E caso proceda o pedido de declaração de Nulidade de todos estes negócios, estamos perante situação de simulação absoluta,
98. Gerando esta, uma nulidade de todos os negócios e a consequente retroatividade da Declaração de Nulidade,
99. E da restituição retroativa, obrigando à restituição das prestações efetuadas como se os negócios não tivessem sido realizados, nos termos previstos pelo nº2 do Artigo 240º e nº1 do Artigo 289º do Código Civil.
100. Sendo que, resultante dos supra negócios, alegadamente simulados, nenhuma quantia foi recebida pelo 1º Réu, só pode resultar que não impende sobre o 1º Réu a obrigação de restituir/entregar.
101. Porém, assiste ao 1º réu o direito à restituição do que foi prestado/entregue em virtude da celebração dos negócios alegadamente simulados.
102. Mais concretamente, assiste ao 1º Réu o direito à restituição de 37.258,56 Euros por parte dos AA, acrescido dos juros.
103. Sempre sem prescindir, no caso de Declaração de Nulidade não proceder,
104. Sempre se alega e invoca, o direito do 1ª Reu à restituição e a obrigação de restituir dos AA ao 1º Réu a quantia de 37.258,56 Euros, acrescido de juros, em virtude do Enriquecimento Sem Causa conforme o disposto no Artigo 473º do CC, nº1 do Artigo 479º do CC e Artigo 480º do CC.
105. Reitera-se que durante estes oito anos, o 1º Réu sempre cumpriu com o Banco 1..., pagando as prestações do empréstimo devidas com o seu dinheiro, prejudicando o seu orçamento familiar e provocando um empobrecimento no seu já diminuto património.
106. E que até à presente data, os AA nunca restituíram ao 1º Réu a quantias pagas por este, pontualmente, ao Banco 1... durante o período de tempo compreendido entre os anos de 2005 e 2012, inclusive, perfazendo uma quantia superior a 37.258,56 Euros, acrescida de juros.
107. E que por uma questão de economia processual, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, as alegações vertidas na Contestação apresentada pelo 1º Réu in casu,
108. Especificadamente as vertidas no ponto 1 ao 8 da Reconvenção.”
*
Os autores (A.A.) apresentaram réplica, em que invocaram, além do mais, a prescrição nestes termos:
“28. Acresce que, sem prescindir, reclama o Reconvinte CC o pagamento da quantia de 37.258,56€ e juros com base no enriquecimento sem causa, nos termos do disposto no artº 473 e 479 do Cód. Civil.
29. Dispõe o artº 482 deste código que “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento.
30. Ora, desde o ano de 2012, data em que o R. situa a falta de pagamento das prestações e até á presente data, decorreram mais de 12 anos, pelo que, ainda que o referido direito se mostrasse na esfera jurídica do CC, o que não se concede, já o mesmo se encontraria extinto por força da prescrição, exceção que se deixa invocada para todos os legais efeitos
31. Por último, o Réu CC vem recamar dos AA. o pagamento de prestações do crédito hipotecário vencidas entre o ano de 2005 e 2012 que nunca lhe terão sido pagas.
32. Reiteram os AA. que nada devem ao R. CC e que sempre pagaram todas as quantias referentes ao empréstimo bancário.
33. Não obstante, sem prescindir, tratando-se de prestações mensais que os AA. tinham de pagar relativamente ao crédito hipotecário, atento o lapso de tempo decorrido de mais de 12 anos desde a data do alegado incumprimento, as mesmas sempre se mostrariam igualmente prescritas, atento o disposto no artº 310 do Cód. Civil, exceção que se deixa invocada para todos os efeitos.”
*
Foi proferido despacho fixando à ação o valor de ação o valor de € 187.879,34.
*
Foi designada data para realização de audiência prévia.
Na mesma foi discutida a matéria relativa à prescrição invocada.
De seguida, foi proferido despacho saneador que, no que ao caso interessa, apreciou aquela exceção de prescrição, e concluiu pela sua improcedência.
Foram elaborados os seguintes temas da prova:
“1) Saber se, apesar do declarado na escritura pública referida no art.º 6.º da Petição Inicial, os Autores nunca quiseram vender o prédio aí identificado e o Réu CC nunca quis comprar esse prédio, nos termos alegados nos artigos 8.º a 12.º da Petição Inicial;
2) Saber se tal divergência entre o declarado na escritura pública referida no art.º 6.º da Petição Inicial e a vontade real dos Autores e do Réu CC resultou de acordo entre todos, com o propósito de enganar terceiros, nos termos alegados nos artigos 6.º a 12.º do articulado de aperfeiçoamento;
(…)
10) Saber se, antes da celebração da escritura pública referida no art.º 6.º da Petição Inicial, os Autores e o Réu CC acordaram que o montante do empréstimo bancário dela constante seria entregue aos Autores e que suportariam o pagamento das respectivas prestações, nos termos alegados nos artigos 48.º a 53.º, 56.º a 59.º, 64.º e 65.º da Contestação do 1.º Réu;
11) Saber se os Autores deixaram de pagar as prestações do referido empréstimo e se foi o Réu CC quem as pagou, nos termos alegados nos artigos 66.º a 72.º da Contestação do 3.º Réu.”
*
Inconformados, os A.A. interpuseram recurso apresentando as suas alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES (que se reproduzem)

“A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador que decidiu parcialmente do mérito da causa, julgando improcedente, a exceção perentória de prescrição.
B. O direito de crédito a que o Recorrido se arroga, tem por base o pagamento de prestações periódicas de um mútuo hipotecário, reembolsado em prestações mensais.
C. O Recorrido reclama o pagamento da quantia de 37.258,56€ e juros com base no enriquecimento sem causa, relativo às prestações do crédito hipotecário que alega ter pago entre o ano de 2005 e 2012.
D. O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 6/2022, estabeleceu que as prestações relativas a amortização de capital mutuado, com juros, prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos do artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e que este prazo se mantém em caso de vencimento antecipado.
E. Não faz sentido que, nas relações entre o banco/mutuante e o Reconvinte/Recorrido CC vigore um regime temporal quanto à prescrição das prestações mensais, ao abrigo do artº 310 do C.C. e entre este e os Recorrentes vigore um regime diferente.
F. O regime da prescrição das prestações, aplicável às relações entre o banco/mutuante e o Recorrido CC não poderá deixar de ser aquele que se aplica às relações entre o Recorrido CC e os Recorrentes/AA., caso contrário, estaríamos a admitir que as prestações vencidas há mais de cinco anos entre o banco/mutuante e o mutuário CC estariam prescritas, e que o prazo de prescrição do pagamento das prestações decorrente do acordo simulatório a que os Recorrentes se obrigaram perante o mutuário Recorrido CC ocorreria num prazo mais dilatado, o que não se pode aceitar.
G. Tendo os AA./Recorrentes assumido a obrigação perante o Recorrido CC de mensalmente lhe entregar o valor da prestação mensal respeitante ao mútuo bancário contraído em seu nome, o que sempre aconteceu, diga-se, sempre a eventual falta de pagamento das prestações estaria sujeita ao mesmo prazo de prescrição de 5 anos, tal como a correspondente prestação do empréstimo bancário.
H. O crédito reclamado pelo recorrido respeita à restituição de prestações periódicas, renováveis mensalmente, verificando-se o cumprimento através de atos sucessivos com determinados intervalos, situação aplicável a qualquer crédito à habitação.
I. As prestações mensais do crédito hipotecário alegadamente em dívida, vencidas entre os anos de 2005 e 2012, há muito tempo que se mostram prescritas pelo decurso do prazo de cinco anos. (artº 310 do Código Civil).
J. Decorre igualmente do acórdão uniformizador do STJ já citado, que ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
K. No caso em mérito, por efeito do acordo quanto à antecipação do respetivo vencimento, com a celebração da escritura pública do imóvel a favor do Réu EE, em 15/01/2016, ocorreu o vencimento antecipado do mútuo, razão pela qual, o valor correspondente às prestações reclamadas pelo Recorrido se mostra prescrito nos termos do artº 310º do Cód. Civil.
L. Não foi, nem tem de ser estipulado um prazo para o reembolso das prestações, elas são devidas pelos Recorrentes ao Recorrido por antecipação relativamente à data do vencimento contratado no mútuo celebrado, pelo que, sendo o Recorrido o titular do contrato de mútuo celebrado e o titular da conta bancária onde as prestações mensais eram debitadas, este teve conhecimento do facto no momento do pagamento de cada uma das prestações.
M. Assim, o pedido de reembolso do montante de 37.258,56€ formulado pelo Reconvinte CC, relativo às prestações do crédito hipotecário vencidas entre 2005 e 2012, (sem fundamento, diga-se, uma vez que os Recorrentes sempre lhe pagaram todas as prestações) sempre se mostraria prescrito (artº 310 do CC) por ter decorrido mais de 12 anos sobre o pagamento da última prestação e a data da dedução da Reconvenção.
N. Quanto à prescrição do direito de regresso invocado, entendeu o douto despacho recorrido que só a partir do trânsito em julgado da decisão que julgue nulos os contratos em causa nos autos, se inicia a contagem do prazo de prescrição de três anos previsto no artº 482 do Código civil, ou seja, que tal prazo ainda não se pode considerar iniciado.
O. Este entendimento vai mesmo para além do prazo de prescrição ordinária de 20 anos, admitindo-se em tese, que, se nunca fosse intentada a ação de simulação para a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda, o pretenso crédito do Reconvinte/Recorridos nunca prescreveria.
P. À margem da invocação da simulação da compra e venda e da consequente declaração judicial da nulidade do contrato, sempre o Recorrido podia reclamar dos Recorrentes as prestações que lhe pudessem ser devidas, por as ter pago ao banco em substituição dos Recorrentes, em cumprimento do contrato de mútuo e que estes últimos lhe não tivessem pago, pelo que, o pedido de restituição das prestações pagas por parte do Recorrido nunca poderá ficar dependente da invocação da simulação e da declaração de nulidade do contrato de compra e venda, sob pena de a mesma se poder eternizar no tempo.
Q. O artº 482 do CC, ao fixar o início do prazo da prescrição de 3 anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, pretendeu acautelar uma situação totalmente diferente e que não tem aplicação ao caso concreto.
R. O Recorrido desde o alegado incumprimento por parte dos Recorrentes (que situou temporalmente entre 2005 e 2012) tem conhecimento do direito que lhe assiste e de quem o pode reclamar, correspondendo o seu pretenso ao valor das prestações mensais do crédito hipotecário que pagou em substituição destes, bem como sabe perfeitamente quem é a pessoa ou pessoas responsáveis pelo respetivo pagamento e que seriam os Recorrentes.
S. Em 15/01/2016, por instruções dos Recorrentes, o Recorrido anuiu intervir numa escritura de venda do imóvel e liquidação do crédito hipotecário por si contraído e estranhamente nem se preocupou em salvaguardar ou garantir o pagamento do suposto crédito.
T. O Recorrido CC e esposa, em 15/01/2016, venderam ao R. EE, o prédio identificado no artigo 6º da petição inicial, sendo que, desde esta data que têm conhecimento da liquidação antecipada do mútuo bancário e da consequente venda do prédio, e, do direito de crédito que alegadamente lhe competia e das pessoas responsáveis pelo seu pagamento,
U. O direito de regresso nos casos de enriquecimento ilegítimo, prescreve no prazo de três anos, (artº 482º do C.C), pelo que, sempre o direito invocado pelo Recorrido/Reconvinte se mostra prescrito.
V. Consta provado por documento que o Recorrido CC, em15/01/2016 (a pedido dos AA./Recorrentes) foi interveniente na escritura pública de compra e venda, a favor do R. EE, onde juntamente com a esposa e que senão antes (em 2012 quando se verificou o alegado não pagamento da última prestação por parte dos Recorrentes) pelo menos no momento da celebração da escritura tomou conhecimento de que podia exercer o seu direito de reclamar dos AA./Recorrentes o valor das prestações do mútuo hipotecário que estes alegadamente não lhe tinham pago entre 2005 e 2012, o que nunca fez.
W. Dúvidas não restam que o pedido de reembolso ou restituição formulado pelo Reconvinte em 2025, quanto a prestações por si pagas relativas às prestações do crédito hipotecário antecipadamente liquidado em 15/01/2016 e vencidas entre 2005 e 2012 se mostra prescrito, à luz do artº 482 do CC, devendo o douto despacho recorrido ser revogado reconhecendo-se a prescrição daquele crédito.
X. O douto despacho saneador deve ser revogado pois violou, entre outros, o disposto nos artºs 310 e 482 do Código Civil.”
*
O réu CC (R.). apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES- (que se reproduzem)

“i. A decisão recorrida não deu procedência à exceção da prescrição invocada pelos Autores/Recorrentes, estes não conformados recorrem.
ii. In casu, o Tribunal aquo bem analisou, interpretou, enquadrou e aplicou a Lei, razão pela qual o Réu/Recorrido manifesta a sua concordância com douta Decisão do Tribunal a quo, e defende a sua confirmação.
iii. A Decisão do Tribunal a quo que decidiu como improcedente a excepção peremptória de prescrição invocada pelos Autores/Recorrentes na sua Réplica, deve ser confirmada.
iv. O Réu/Recorrido entende que, com o devido respeito por posição contrária, as alegações dos Autores não têm fundamento jurídico, doutrinal e jurisdicional.
v. In casu, não estamos perante uma situação susceptível de ser reconduzida a qualquer das alíneas do art.º 310.º do Código Civil, em particular, às suas alíneas e) e g).
vi. Os presentes autos integram uma complexidade de relações obrigacionais que assumem configurações e aplicação jurídica distintas.
vii. Em 1998, foi celebrado um “Contrato Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca”: No Contrato compra e venda os AA/Recorrentes como vendedores e Réu/Reconvinte e ora Recorrido, como comprador; no Contrato de Mútuo o Réu/Recorrido como mutuário e o Banco 1... de Lisboa, S.A. (Banco 1...) como mutuante.
viii. Na mesma data em que se celebração do Contrato Compra e Venda (entre AA e Réu) e Contrato de Mútuo com Hipoteca, (entre Réu e Banco 1...), os AA comprometeram-se perante o Réu a reembolsar a este todos os custos que o Reu/Reconvinte ora Recorrido assumisse com a formalização, a contratação do mútuo hipotecário, bem como todos os encargos futuros daí decorrentes, com a prestação mensal, seguros, juros e todas as outras e a esta relação obrigacional de reembolso, sub judice, não pode ser aplicado o disposto no art.º 310.º do Código Civil, em particular, as suas alíneas e) e g).
ix. O disposto no art.º 310.º do Código Civil, em particular, às suas alíneas e) e g) é aplicável ao Contrato de Mútuo bancário celebrado entre Réu /Reconvinte e Recorrido e o Banco 1... de Lisboa, S.A., como instituição bancária mutante.
x. O pagamento do crédito invocado pelo Réu/Reconvinte, ora Recorrido, sobre os Autores/Reconvindos, ora Recorrente, no montante de 37.258,56€ e juros, não corresponde a quaisquer quotas de amortização de capital conjuntamente com juros.
xi. Não estão em causa prestações “periódicas, renováveis, repetidas ou com trato sucessivo” que “se renovam em prestações singulares sucessivas, em regra ao fim de períodos consecutivos (…) verificando-se o cumprimento através de actos sucessivos com determinados intervalos”.
xii. Estas características de “periódicas, renováveis, repetidas ou com trato sucessivo” que “se renovam em prestações singulares sucessivas (…) correspondentes a quaisquer quotas de amortização de capital conjuntamente com juros integram-se no Contrato de Mútuo bancário celebrado entre o Réu /Reconvinte e Recorrido e o Banco 1... de Lisboa, S.A., como instituição bancária mutante, distinto do acordo de reembolso celebrado entre AA/Recorrentes e Réu/Recorrido.
xiii. O contrato de mutuo bancário celebrado entre Réu e o Banco 1... foi assumido e rigorosamente cumprido pelo Réu/Recorrido, em favor dos Autores/Recorrentes.
xiv. O crédito reclamado pelo Reconvinte/recorrido, no montante de 37.258,56€ e juros, não respeita à restituição de prestações periódicas, renováveis mensalmente, verificando-se o cumprimento através de atos sucessivos com determinados intervalos, situação aplicável a qualquer crédito à habitação”.
xv. O pagamento do crédito invocado pelo Réu/Reconvinte, ora Recorrido sobre os Autores/Reconvindos, ora Recorrentes não corresponde a quaisquer quotas de amortização de capital conjuntamente com juros.
xvi. O pagamento do crédito invocado pelo Réu/Reconvinte, ora Recorrido sobre os Autores/Reconvindos, ora Recorrentes, no montante total de 37.258,56€ e juros, corresponde ao reembolso que este reclama dos Autores/Reconvindos, ora Recorrentes, por ter satisfeito o pagamento das prestações contratadas num contrato de mútuo celebrado entre Réu/Recorrido e Banco 1..., apesar de o capital mutuado se ter destinado aos aos AA/Recorrentes.
xvii. Não foi acordado pelas partes um prazo para esse reembolso, por forma a que se possa considerar que o mesmo tem por objeto prestações periódicas, a pagar ao Réu/Reconvinte, ora Recorrido, pelos Autores/Reconvindos, ora recorrentes, através de atos sucessivos com determinados intervalos de tempo.
xviii. A relação obrigacional sub judice é a existente entre ao Réu/Recorrido e AA/Recorrentes e esta não se carateriza por contrato de mútuo mas sim por uma obrigação de restituição/reembolso, não suscetível à invocação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/202.
xix. O AUJ 6/2022 não é aplicável e não pode servir de fundamento à prescrição quinquenal estabelecida no art.º 310.º, al. e), do Código Civil
xx. A prescrição quinquenal estabelecida no art.º 310.º, al. e), do Código Civil, só pode ser oposta ao credor do capital que produziu os juros e pelo devedor do capital.
xxi. In casu, não se verifica a prescrição do artigo 482 do Código Civil
xxii. in casu, enquanto não transitar em julgado decisão que declare inválida ou ineficaz a coligação de contratos não se encontram reunidos os pressupostos para que opere a prescrição prevista no artigo 482.º do Código Civil.
xxiii. Só a partir desse trânsito em julgado se poderá iniciar o prazo de prescrição do direito de restituição.
xxiv. In casu, a contagem do prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 482.º, do Código Civil só se inicia a partir do trânsito em julgado da decisão que julgue nulos os contratos em causa nos autos e que integram a causa de pedir da reconvenção.
xxv. O prazo inicia-se com o conhecimento do próprio direito, deve entender-se por conhecimento de ter direito à restituição, e não tão só com o conhecimento dos seus elementos constitutivos.
xxvi. O prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, não abarca o período em que o Reu/Reconvinte, ora recorrido com boa fé, utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído.
xxvii. In casu, o prazo de prescrição de três anos previsto no art.º 482.º, do Código Civil não se pode considerar iniciado, porque ainda não foi proferida decisão que, com eficácia de caso julgado, tenha declarado a nulidade dos contratos em causa nos autos.
xxviii. Só se for proferida decisão que, com eficácia de caso julgado, tenha declarado a nulidade dos contratos em causa nos autos se poderá concluir pela existência de um eventual enriquecimento sem causa do património dos Autores/Recorridos à custa do património do Réu/Reconvinte, ora recorrido.
xxix. Não ocorreu, no caso concreto, qualquer prescrição do direito de restituição do Recorrido/Reconvinte.
xxx. A invocada da prescrição do direito de restituição do Réu/Recorrido, com fundamentação no disposto do artigo 482º do Código Civil invocada pelos AA/Recorrentes deve improceder, como bem decidiu Tribunal a quo.
xxxi. O douto despacho saneador não violou o disposto nos artºs 310 e 482 do Código Civil, como tal, não deve ser revogado.
xxxii. Deve improceder a invocação da prescrição quinquenal do artigo 310.º do Código Civil, e deve ser mantida a decisão do Tribunal a quo.
xxxiii. In casu, o Tribunal aquo bem analisou, interpretou, enquadrou e aplicou a Lei, e está de harmonia com a doutrina e jurisprudência nesta matéria, razão pela qual o Réu/recorrido manifesta a sua plena concordância, e esta deve confirmada integralmente.”
Conclui, face ao supra exposto, pela manifesta falta de fundamento do recurso, que deve ser julgado improcedente e, em consequência, confirmada integralmente a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
*
O recurso foi admitido como apelação com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
***
II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Impõe-se, por isso, no caso concreto e face às elencadas conclusões e por ordem lógica:
-encontrar o enquadramento jurídico aplicável ao litígio e definir o prazo prescricional aplicável, face aos factos assentes em face da postura das partes nos articulados; e, mediante isso, verificar se o Tribunal a quo estava em condições de decidir nesta fase dos autos essa matéria;
-na afirmativa, verificar se o prazo decorreu;
***
III MATÉRIA A CONSIDERAR.

O Tribunal a quo entendeu que o estado do processo permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação e a decisão da exceção da prescrição invocada pelos A.A..
Par além da factualidade alegada e posição assumida nos articulados, tal como resulta do relatório supra, e do que foi levado aos temas da prova, temos por assente que:
- Por escritura de 26/03/1998, outorgada no Cartório Notarial ..., os A.A. declararam que, pelo preço de 10.700.000$00, vendiam ao Réu, CC, solteiro, maior, o prédio urbano composto por casa de ..., com a área coberta de cento e dez metros quadrados e a descoberta de 1790 m2, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... como nº ...86, à data omisso à matriz, mas feita a participação e anteriormente inscrito sob o artº ...86 urbano, conforme documento 3 junto com a p.i..
- 7. O declarante adquirente CC declarou-se devedor ao Banco 1... de Lisboa, S.A. do montante de 15.000.000$00 por empréstimo que este lhe concede, conforme resulta dos documentos 2 e 3 juntos com a p.i..
- No dia 15/01/2016, por escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, CC e esposa DD declararam que vendiam a EE, solteiro, maior, o prédio supra identificado, pelo preço de € 95.000,00, confessando-se este devedor perante a Banco 3... do valor de € 75.000,00 que esta lhe concede a título de empréstimo, conforme documento 4 junto com a p.i..
-A presente ação foi intentada em 29/01/2024.
- o R. CC foi citado em 06/02/2024 (referência ...29).
***
IV- O MÉRITO DO RECURSO.

Dispõe o art.º 298º, n.º 1 do Código Civil (C.C.) que estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo de ordem pública o regime de prescrição.
E decorre do art.º 300º do C.C., que são nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar as condições em que a prescrição opera os seus efeitos. A renúncia à prescrição só é admitida depois de ter decorrido o prazo prescricional, nos termos previstos no art.º 302º, do C.C..
Assente, por isso, que a prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo fixado na lei.
O fundamento específico da prescrição, como referiu o Prof. Manuel de Andrade (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 1974, págs. 445-446), “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo”, negligência que “faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”, acrescentando ainda, a “certeza ou a segurança jurídica”; a protecção dos obrigados “especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova”; e ainda “exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles”. Obstando a que o titular do direito possa vir a exercê-lo sem limite de tempo, o instituto visa ainda a segurança do tráfego jurídico.
Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito –art.º 304º, n.º 1, C.C.. Trata-se de um meio de defesa do devedor que só este tem legitimidade para invocar, não sendo do conhecimento oficioso –cfr. art.ºs 301º e 303º, do C.C..
O prazo geral ou ordinário da prescrição é de 20 anos, conforme o art.º 309º do C.C..
Porém a lei estabelece prazos mais curtos, atentas as situações de base, conforme dispõe o art.º 310º do C.C.. Trata-se da consagração das chamadas prescrições de curto prazo, que visam evitar que o credor deixe acumular os seus créditos tornando excessivamente oneroso ao devedor pagar mais tarde –obra citada, pág. 452.
Mas o nosso Código prevê ainda outros prazos em concretos institutos. É o caso do enriquecimento sem causa, estabelecendo o art.º 482º que “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.”
*
Em audiência prévia marcada para o efeito, e após facultar às partes a discussão de facto e de direito – art.º 591º, n.º 1, b), do C.P.C. -, o juiz pode “Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.” –art.º 595º, n.º 1, b) do C.P.C..
Ultrapassada a fase de pré-saneamento – art.º 590º, n.º 2, do C.P.C. -, e se a matéria de facto relevante para apreciar os fundamentos da ação e da defesa já se encontrar provada por efeito legal de acordo das partes (art.º 574º do C.P.C.), dada a força probatória plena de documentos (art.ºs 371º e 376º do C. Civil) ou da confissão (art.º 358º do C.C.); ou caso toda matéria controvertida careça de prova documental e seja a parte notificada para proceder à junção da referida prova para conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos do art.º 590º, n.º 2, c) do C.P.C., sem que a parte o faça; ou caso a matéria de facto controvertida não for relevante para a decisão da causa de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito passíveis de apreciação; nesses casos pode ser proferido saneador sentença –cfr. Ac. de 5/5/2022 desta Relação (processo n.º 2322/20.5T8VCT.G1, publicado em www.dgsi.pt, como os que se citarão sem outra indicação).
Havendo matéria controvertida relevante para apreciar os fundamentos da ação ou da defesa, deve identificar-se o objeto do litígio e enunciar-se os factos controvertidos relevantes que integram o objeto da prova em audiência (art.º 596º do C.P.C.), e, realizada audiência de julgamento, será proferida sentença final, com fundamentação de facto e de direito (art.ºs 607º a 609º do C.P.C.).
Também pode suceder que a matéria que se possa naquela fase dar por assente seja insuficiente para a apreciação e resolução de todos os pedidos, mas seja o bastante para o conhecimento parcial do mérito. Nesse caso, tendo por orientação o princípio da economia processual, deve ser conhecido parte do objeto, e remetida a restante parte para conhecimento em sede de sentença, percorridos os trâmites seguintes.
*
De acordo com o princípio do dispositivo que vigora no nosso Código de Processo Civil, incumbe ao autor/requerente alegar os factos que integram a causa de pedir e aos réus/requeridos aqueles em que se baseiam as exceções (forma de oposição), só podendo o julgador fundar a decisão nos factos alegados pelas partes. Em conformidade, dispõe o artº. 5º, nº. 1, do C.P.C. que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
No Ac. desta Rel. de 5/5/2022 (processo n.º 37/11.4TBBGC-J.G1) diz-se que “(…) os factos a provar são os factos essenciais ou principais da causa, que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as excepções invocadas, que deverão ser alegados pelas partes (cfr. art. 5º/1 do C.P.Civil de 2013), os factos instrumentais e os factos «complementares e concretizadores», desde que resultem da instrução da causa e relativamente aos quais inexiste qualquer vinculação temática [cfr. art. 5º/2a) e b) do C.P.Civil de 2013], tudo sem prejuízo dos casos excepcionais em que o juiz pode oficiosamente introduzir factos principais na causa [cfr. art. 5º/2c) do C.P.Civil de 2013].”
Dizem Lopes do Rego (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., pags. 252 e253), Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (“Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 40) que factos essenciais são os que concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelam imprescindíveis para a procedência da ação, da reconvenção ou da exceção; factos instrumentais são os que se destinam a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa.
Mostra-se assente, por isso, que compete ao R. (aqui A.A./reconvindos) a alegação dos factos essenciais que integram matéria de exceção - caso da prescrição (perentória, conforme art.ºs 304º, n.º 1, do C.C. e 576º, n.º 2, do C.P.C.). Tal como lhe compete a respetiva prova –art.º 342º, n.º 2, do C.C., sem prejuízo do disposto no art.º 413º do mesmo C.P.C..
Em suma, nesta fase, o Tribunal podia considerar a factualidade assente com base em acordo, prova documental, ou confissão expressa ou tácita (cfr. art.ºs 595º, n.º 1, b) e 607º, n.º 5, última parte, C.P.C.).
*
Aqui chegados, há que fazer desde já aplicação ao caso.
Os A.A./reconvindos alegaram a prescrição do direito que o R./reconvinte pretende exercer.
Ora, este é um dos casos em que não há matéria assente que permita a apreciação da exceção.
De facto, a concretização do prazo de prescrição aplicável depende do enquadramento jurídico da matéria alegada e que constitui a causa de pedir da reconvenção. Tudo gira em torno do acordo celebrado entre A.A. e R., a propósito da declaração de venda do prédio e dos termos e objetivo do acordo que a acompanhou, e que suportará o pedido do R./reconvinte. Essa matéria está impugnada e foi levada aos temas da prova, como se pode ver da sequência que fizemos no relatório supra.
A definição do instituto e do prazo aplicável não decorrem necessariamente do enquadramento jurídico que as partes apliquem à matéria alegada; compete ao Tribunal, após o apuramento dos factos relevantes, fazer o seu enquadramento jurídico no que não está vinculado às posições das mesmas partes (cfr. art.º 5º, n.º 3. C.P.C.). A quem interessa a apreciação e verificação da prescrição basta invocá-la; o juiz não fica incumbido de a apreciar apenas do ponto de vista de quem a suscita, pode e deve fazer o correto enquadramento.
Na decisão sob recurso o Tribunal teve como referência a alusão dos A.A. ao art.º 310º (alínea e) e ao art.º 482º, quando na verdade não fez previamente (porque ainda não o pode fazer por falta de apuramento dos factos controvertidos) o seu próprio enquadramento jurídico do caso. Aliás, o que defende o R./reconvinte é a existência de uma nulidade do(s) negócio(s) por virtude da sua simulação, e que essa é extensível ao acordo que respeita ao pagamento das prestações bancárias, situação em que alicerça o pedido de restituição das quantias despendidas; e só caso não proceda essa tese, é que alude ao instituto (subsidiário) do enriquecimento sem causa (art.ºs 473º e 474º do C.C.). Não podemos esquecer a posição processual dos réus EE e HH, que impugnaram a factualidade alegada, abarcando a que respeita ao negócio entre A.A. e R. CC, ainda que estes possam estar parcialmente de acordo relativamente à factualidade articulada (e que incide sobre a simulação da compra e venda ocorrida entre ambos) –cfr. art.º 358º, n.º 3, do C.C..

A propósito da nulidade dos negócios e prescrição, veja-se o que se sumariou no Ac. da Rel. do Porto de 10/9/2024 (processo n.º 11528/20.6T8PRT.P1):

“I – Não pode proceder, nem teria qualquer efeito, a invocação da prescrição dos direitos e deveres emergentes de um negócio jurídico nulo, pois a prescrição pressupõe, logicamente, a validade dos direitos a ela sujeitos e, por conseguinte, do negócio de que emergem.
II – Mas nada obsta à invocação da prescrição dos direitos e deveres que a lei faz decorrer da própria nulidade, que não se confundem com os direitos e deveres contratuais considerados nulos, a não ser que estejam em causa direitos indisponíveis ou legalmente isentos de prescrição.
III – O artigo 286.º do CC não a consagra a imprescritibilidade da nulidade e dos direitos dela decorrentes; o que resulta dessa norma é, tão somente, que arguição da nulidade não está sujeito a um prazo de caducidade, em oposição ao que resulta do artigo 287.º do mesmo código para a arguição da anulabilidade.
IV – Não estipulando a lei um prazo especial para a prescrição daqueles direitos legais, os mesmos estão sujeitos ao prazo ordinário de 20 anos previsto no artigo 309.º do CC. (…)”.

Em suma, saber qual o prazo de prescrição aplicável depende de se apurarem os termos e a sorte dos acordos que foram celebrados entre A.A. e R..
A validade do acordo de pagamento das prestações, ou a sua nulidade com a consequente restituição (art.º 289º do C.C.), acarretam a aplicação de diferentes regimes e diferentes prazos de prescrição. A primeira hipótese pode levar à ponderação/cogitação sobre a aplicabilidade ou não ao caso do prazo previsto no art.º 310º, e), do C.C., afastando ou não o prazo ordinário; é, a nosso ver, precoce concluir pela sua não aplicação, por um lado sem que estejam estabelecidos os contornos do acordo celebrado entre A.A. e R., e, por outro lado, havendo mais do que uma solução plausível de direito para o caso; a segunda hipótese remete para o enquadramento do caso no prazo previsto no art.º 309º do C.C..
Veja-se ainda o Ac. do STJ de 16/11/2023 (proc. n.º 567/20.7T8VFR.P1.S1), analisado no Acórdão da Relação do Porto citado.
O instituto do enriquecimento sem causa e respetivo prazo de prescrição, só teria oportunidade se nenhuma daquelas hipóteses se equacionasse. A propósito da articulação deste instituto com a falta de prova de uma causa de nulidade do contrato, permitimo-nos o Ac. da presente relatora de 9/11/2023 (processo n.º 70/22.0T8TMC.G1).
Ora, isto é quanto basta para considerarmos precipitada a decisão em crise. A consideração da prescrição não pode ser feita num juízo abstrato. Tem de ser feita perante o concreto enquadramento jurídico do caso, apurados todos os seus contornos.
De facto, a matéria necessária à decisão sobre a prescrição está impugnada. E se assim é, há que prosseguir com os autos para produção de prova sobre a mesma, e só então apreciar a exceção.
O que significa que não há que discutir, pois ficam prejudicadas, as questões que se enunciaram: definir o prazo prescricional aplicável e verificar se o mesmo decorreu.
E nada mais se afigurando ser de apreciar face à delimitação do objeto do recurso, resta concluir pela sua procedência, embora por fundamento diverso do propugnado pelos recorrentes.  
Afigura-se-nos oportuno referir que não se deu cumprimento prévio ao princípio do contraditório, anunciando o sentido da nossa posição, uma vez que nos situamos no tema/matéria da apreciação da exceção de prescrição, inserida no contexto factual dos autos, pelo que a presente decisão não sai fora do âmbito do recurso e não configura, a nosso ver, decisão surpresa.
Ficando o recorrido vencido, deve arcar com as custas do recurso –art.º 527º, n.ºs 1 e 2, C.P.C..
***
V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, conceder provimento à apelação e revogar a decisão recorrida que julgou não verificada a exceção de prescrição, relegando o seu conhecimento para a fase posterior à produção de prova; mais se considera prejudicado o conhecimento das demais questões enunciadas pelos recorrentes.
Custas a cargo do recorrido (artº. 527º, nºs. 1 e 2, C.P.C.).
*
Guimarães, 9 de outubro de 2025.
*
Os Juízes Desembargadores
Relatora: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1ª Adjunta: Maria Gorete Morais
2º Adjunto: Gonçalo Oliveira Magalhães

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)