Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
300/21.6T8AMR.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: EMPREITADA
DEFEITOS
REPARAÇÃO
URGÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/01/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Em caso de não cumprimento integral da prestação a cargo do empreiteiro, como sucede sempre que a obra é entregue, mas não se encontra nas condições convencionadas e/ou apresenta anomalias objetivas ou estados patológicos, independentemente das características convencionadas, a lei confere ao dono da obra vários direitos, tal como previstos nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º do CC.
II - Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação e, se não puderem ser eliminados, pode exigir nova construção, cessando estes direitos se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito, conforme decorre do artigo 1221.º, n.º 2 do CC. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, dispõe o artigo 1222.º do CC, que o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. Esclarece ainda o artigo 1223.º do CC que o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.
III - Parte da doutrina e jurisprudência vem admitindo a possibilidade de o dono da obra recorrer a terceiros nas situações de urgência na realização da obra, ao abrigo do artigo 336.º do CC, afirmando ainda poder o dono da obra recorrer a um terceiro para o cumprimento das obrigações de eliminação dos defeitos ou de realização de obra nova, desde que se verifique o incumprimento definitivo do empreiteiro quanto a tais obrigações, sendo os custos do recurso a esse terceiro mais um dano indemnizável, nos termos gerais.
IV - Não resultando dos factos assentes qualquer situação objetiva de urgência, suscetível de legitimar o dono da obra a subverter a ordem de prioridade ou de precedência de direitos legalmente colocados à sua disposição e executar diretamente a reparação dos defeitos mediante o recurso à contratação de terceiro que não o empreiteiro, nem se verificando uma situação de incumprimento definitivo do empreiteiro quanto a tais obrigações, não podia o dono da obra recorrer a terceiro para efetuar as obras de eliminação dos defeitos detetados, assim impossibilitando a obrigação do empreiteiro reparar os defeitos da obra.
V - Tratando-se de um contrato bilateral, e sendo a impossibilidade do cumprimento da obrigação de reparação dos defeitos da obra imputável ao credor (dono da obra), este mantém-se adstrito à contraprestação (ao pagamento do preço), não obstante a extinção da obrigação a cargo do devedor (empreiteiro).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

L..., Unipessoal, Lda., intentou a presente ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra O..., Lda., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 10.907,94€, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento.
Alegou para tanto, em síntese, que, no âmbito da sua atividade, em meados de junho de 2021 prestou à ré serviços de pinturas e obras no capoto, titulados e melhor descritos na fatura ...6 no valor de 10.907,94€, sendo que esta não procedeu ao pagamento do respetivo preço.
Mais alega que a ré, quando interpelada a fim de efetuar o pagamento da fatura, informou que não iria proceder ao pagamento uma vez que faltavam retoques de pintura e limpeza de parte da obra, tendo posteriormente denunciado defeitos na mesma, os quais, segundo a autora, a existirem, apenas surgiram após a continuação das obras pelas outras empresas que continuaram a trabalhar no local.
A ré contestou, reconhecendo que, no âmbito de contrato de empreitada celebrado entre autora e ré, na forma verbal, foi acordado a autora realizar serviços de colocação de capoto e pintura, no prédio da ré, constituído em regime de propriedade horizontal, sito no lote ..., Edifício ..., .... Alega que foi acordado a obra ser concluída até ao dia 15 de junho de 2021; que seriam feitos autos de execução de obra, assinados por ambas as partes e que com a emissão da respetiva fatura pela autora, a mesma seria paga até ao dia 10 do mês seguinte. Invoca a existência de defeitos na obra, que descreve, tendo interpelado a autora para efetuar as reparações devidas, interpelação que não obteve qualquer resposta por parte da autora, razão pela qual devolveu a fatura peticionada, obrigando a que a ré contratasse terceiro para fazer a reparação dos elencados defeitos, no que despendeu o valor de 14.820,00€. Formulou pedido reconvencional no sentido de a autora/reconvinda ser condenada a pagar à ré/reconvinte o montante de 1.604,24€, resultante da compensação do crédito de que a autora se arroga sobre a ré, no montante com IVA incluído de 3.215,76€.
A autora apresentou resposta ao pedido reconvencional e à matéria de exceção invocada pela ré, tendo impugnado a respetiva factualidade e invocado a caducidade do direito que a ré/reconvinte pretende exercer, defendendo que a denúncia dos defeitos foi feita cerca de 45 dias após o conhecimento dos mesmos.
Foi proferido despacho no âmbito do qual se concluiu no sentido da inadmissibilidade do pedido reconvencional no processo especial previsto no Dec. Lei n.º 269/98, de 01-09, rejeitando-se a reconvenção deduzida pela ré.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente.

Inconformada com tal decisão, a autora dela veio interpor recurso de apelação, pugnando no sentido da revogação da sentença com a consequente procedência integral da ação. Termina as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«a) A recorrente não se conformando com a douta sentença proferida, vem interpor recurso que incide sobre a reapreciação da prova gravada e prova documental carreada para os autos;
b) Pretende-se também impugnar a sentença, no que versa sobre a matéria de facto e de direito, assim como, a subsunção dos factos ao direito;
c) A recorrente considera incorretamente apreciadas a prova gravada e prova documental carreadas para os autos, assim como incorretamente aplicado o direito e, consequentemente, e erroneamente decidido o caso ora em apreço, porquanto, os meios probatórios constantes do processo e da gravação dos depoimentos das testemunhas, impunham ao julgador decisão diversa;
d) Serve o presente recurso também para sindicar a admissão pelo tribunal “a quo” de dois documentos desprovidos de força probatória em que o mesmo se baseou para fundamentar os artigos 16,17 e 19 dos factos provados;
e) Sendo um deles o Doc. ... junto com a oposição, constando de uma fatura emitida pela empresa “D... - Factura n.º ...21”, cuja impugnação foi feita por requerimento apresentado nos artigos 44 a 53 submetido em 04/04/2022, sob a referência ...76;
f) No mesmo requerimento artigos 54 a 56, a Recorrente impugnou a junção aos autos do documento designado por RELATÓRIO DE FISCALIZAÇÃO, junto pela Recorrida em 23/11/2021, com ref.º ...93;
g) O documento ... junto anteriormente referido, apenas prova a emissão de uma fatura, ao qual não foi junta qualquer prova do efetivo pagamento, por diversas vezes reclamado pela Recorrida;
h) Entende a Recorrente que o comprovativo de pagamento do montante de € 14.820,00 Euros não foi junto, porque não existiu qualquer pagamento;
i) Pelo que não pode a Recorrida vir dizer, como diz, que despendeu de €14.820,00.
j) Dar nota, também, que os trabalhos que alegadamente a suportariam, jamais se confundem com o valor necessário para efetuar as reparações necessárias pela Recorrente.
k) É pacífico o entendimento, no sentido de que era de todo o interesse da Recorrida, na sua defesa comprovar que, em virtude dos defeitos de obra deixados pela má execução da empreitada realizada pela Recorrente, foi obrigada a despender o referido montante ao contratar outro empreiteiro para a conclusão da obra;
l) Não menos importante, é referir um facto que a nós nos parece no mínimo curioso: a fatura a que corresponde o referido documento ..., foi emitida, com vencimento na data da emissão em 12/11/2021 (3 dias após a Ré ter sido citada para se opor), como se a emissão da fatura fosse premeditada, no sentido de criar convicção em Tribunal que a Recorrida teve outros encargos com a obra em virtude da atuação da Recorrente;
m) Sendo do total interesse da Recorrida demonstrar em juízo o efetivo pagamento da quantia gasta com outro empreiteiro, afigura-nos de especial relevância que a Recorrida, junto com seu articulado, tivesse junto documento bastante para comprovar a despesa que alega;
n) Posteriormente, a Recorrente invocou, por requerimento, a falta de força probatória do documento ..., pugnando pela sua não admissão aos autos;
o) Ao longo do processo, a Recorrida teve vários momentos oportunos para juntar qualquer documento capaz de abalar a tese da recorrente e comprovar nos autos que efetivamente despendeu a quantia acima referida ao contratar outro empreiteiro, para reparar os “defeitos” em causa”, e não outros, no entanto, jamais o fez;
p) Como se não bastasse, em 27/04/2022, sob a referência ...27, a Recorrida juntou o requerimento Probatório, contudo, nada junta no sentido de fazer prova que contratou e despendeu a quantia de € 14.820,00 Euros com outro empreiteiro;
q) Não se aceita e não se percebe como o tribunal “a quo” pode ter motivado a sua decisão num documento desprovido de força probatória aos olhos da experiência comum;
r) Conforme defendido pela Recorrente, durante a fase dos articulados, não se concebe que a empresa que efetuou limpeza e retoques de pintura (D...) possa apresentar um orçamento à ordem dos € 14.820,00 Euros, apenas por uns retoques, quando a Recorrente que efetivamente realizou a obra completa, reclama apenas € 10.800,00 euros por todo o trabalho;
s) Aliás, como consta da transcrição do depoimento da testemunha AA, legal representante da empresa D..., refere que o custo da empreitada foi 75% correspondendo a mão de obra e o forte dos trabalhos foram os trabalhos de limpeza;
t) Conforme melhor defendido no requerimento apresentado pela Recorrente, em sede de fase dos articulados, em que se impugna o documento n.º ... junto pela Ré/Recorrida, alerta-se para o facto da Recorrida se socorrer de tal documento, apenas na expectativa de tentar um encontro de contas com a recorrente, com objetivo de obstar o pedido;
u) Quanto a este documento, pelas regras de experiência comum e conhecimento empírico, nem sequer deveria ser admitido como meio de prova bastante para gerar a convicção do Tribunal, aliás como consta do ponto 21 dos factos provados;
v) Cumpre também alegar que o valor das obras contido no documento ..., destoa da realidade, ou seja, do preço real das matérias-primas necessárias para a conclusão dos serviços necessários, conforme consta do relatório de fiscalização; a recorrente impugna também o relatório de fiscalização pelos motivos abaixo expostos, porém, a disparidade entre o relatório de fiscalização e as “ supostas” obras realizadas pelo empreiteiro da empresa D..., assacam severas controvérsias entre as versões das testemunhas arroladas pela Ré, ora Recorrida, o que no nosso entendimento implicam a não valoração dos depoimentos e documentos como meios de prova passíveis de motivar a decisão.
Senão vejamos,
w) A Recorrente pela aplicação do material, mão de obra e execução da mesma, emite um orçamento no montante de € 10.907,94 Euros.
x) Se a empresa D..., em aludida hipótese realizou trabalhos de reparação sobre o que já se encontrava executado, com toda certeza, não teve que utilizar a mesma quantidade de material aplicado e mão-de-obra: questiona-se como pode apresentar um orçamento de € 14.820,00 euros, por uns retoques e correções e limpeza?
y) Chama-se a atenção também para a data do documento, fatura emitida pela D... (12/11/2021), a qual legalmente tem de ser emitida até ao 5.º dia útil após a conclusão dos trabalhos para efeitos de iva, artigo 7.º e 36.º n.º1 a al. a) do CIVA, em meados de outubro;
z) A emissão de Faturas, como a da D..., em regime do IVA em autoliquidação, que não representam uma obrigação de liquidação de IVA pela sua parte, e a respetiva entrega do IVA ao Estado no respetivo período, facilita a emissão de faturas do género, quer na sua descrição quer na sua quantificação, e o facto de não existir qualquer comprovativo de pagamento à empresa D..., mesmo depois do Recorrente ter impugnado a junção do documento pela falta de prova de pagamento,
aa) indicia ainda mais a teoria da recorrente, no sentido de que a Recorrida utilizou uma fatura simulada, de má-fé para tentar fazer um encontro de contas e, assim, parar o efeito da ação, tendo em vista a cobrança dos valores em dívida;
bb) E, assim, a Recorrida na expectativa de compensar o valor que se encontra em dívida, juntou a fatura, sem demonstrar o pagamento, por qualquer meio de prova de transação ou transferência de capital a título de pagamento, por isso, vem expressamente impugnado, em sede do presente recurso, as motivações que o Tribunal “ a quo” se baseou, mormente o documento ... junto com a oposição (fatura D...), para fazer constar dos factos provados que a empreitada foi concluída por empresa diversa da Recorrente, tendo despendido a quantia de € 14.820,00 Euros;
cc) Competindo à Recorrida o ónus da prova do efetivo integral pagamento nos termos do artigo 342.º n.º 1 do CC, não tendo logrado fazer, o documento ... não deveria ter sido admitido muito menos valorado;
dd) Quanto ao segundo documento impugnado pela Recorrente, temos o relatório de fiscalização junto pela Ré em 23/11/2021, com referência n.º ...93;
ee) Documento que foi elaborado por trabalhador que presta serviços à Recorrida, e não por entidade isenta;
ff) O relatório não apresenta qualquer rigor técnico, quanto à prova recolhida, nomeadamente em que data foram colhidas as fotografias, neste sentido, vide infra o depoimento da testemunha BB, ao verificar as fotos do relatório, tem a ideia que as mesmas foram tiradas em momento anterior a intervenção de retoques e limpeza por eles realizadas, que decorreu entre os dias 15/06 e 30/06 do ano 2021, o relatório é omisso, quanto ao valor aproximado para as obras necessárias para a conclusão dos retoques e limpeza;
gg) Por este motivo, durante a fase dos articulados, a Recorrente impugnou a junção do referido documento, por ser desprovido de isenção, rigor quanto à data de obtenção das provas, e ainda, mais por não conter termo de responsabilidade da entidade ou técnico subscritor ao qual se espera que transmita fé ao mesmo;
hh) No entanto, a Meritíssima Juíza entendeu em sentido contrário, admitindo o documento e baseando-se nos mesmos para motivar a sua decisão, conforme se extrai dos pontos 16,17 e 18 dos factos provados;
ii) Sendo um ponto assente que a Recorrente impugnou a junção destes dois documentos, e uma vez que os mesmos foram aceites pelo Tribunal “a quo”, sem qualquer pronúncia quanto aos fundamentos para a sua admissão, pretende a Recorrente que este Tribunal da Relação se pronuncie sobre a admissão dos mesmos, sobre o valor probatório e, consequentemente, a sua utilização para fundamentar a decisão;
jj) Posto isto, e sem prejuízo do referido nos artigos anteriores, a aqui Recorrente indicará assim o concreto ponto de facto que considera incorretamente julgado, nos termos e para o efeitos da alínea a) do artigo 640.º do CPC, bem como em concreto o meio probatório constante do processo e registo de gravação nele realizada, a aqui recorrente procederá à indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso;
kk) Entende mesmo, a aqui Recorrente que assim os factos dados como provados nos artigos, 14, 17 a 21, cujo teor consta da motivação deste recurso, supra aqui integralmente reproduzidos, deveriam ter sido dados como NÃO provados como adiante se justificará.
ll) Por outro lado, quanto aos factos não provados, nomeadamente as alíneas b) e c), com a seguinte redação “b) Os defeitos referidos em 15. foram reparados pela autora no período compreendido entre 16.06.2021 a 30.06.2021. c) Os defeitos referidos em 15. Surgem apenas após continuação das obras pelas outras empresas que continuaram a trabalhar no local. “deveriam ser consideradas como provadas, como a seguir se demonstrará., deveriam ser considerados como provados.
mm) Assim, quanto aos pontos 14. e 17. a 21. dos factos provados e, por consequência, as alíneas b) dos factos não provados da sentença, indicamos o concreto ponto de facto que considera incorretamente interpretado, nos termos e para o efeitos da alínea a) do art.º 640.º do NCPC, bem como o concreto meio probatório constante do processo e registo de gravação nele realizada, nos termos da alínea b) do mesmo artigo, bem como em clara salvaguarda do nº. 2, al. a) do artº 640.º do NCPC, e ainda, procederá à indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, que, na opinião da recorrente, leva à alteração destes factos, passando a ser dado como NÃO provados, no que toca aos artigos 14,17,18,19,20 e 21 da decisão, e provados alínea b).
nn) Sobre depoimento dessa testemunha BB, se extrai o seguinte, com interesse para se alterar a factualidade dos pontos 14., 17. e 18. dos factos provados constantes na sentença: a) Estiveram na entre o dia 15 até 30 de junho retocar as pinturas e acabamentos/remates e efetuar limpezas dos pisos; b) Existia muita gente na obra, entendendo-se por funcionários de outras empresas a transitar no local por onde trabalhavam; c) Em 30 de junho concluem a obra, nada mais havendo a fazer; d) Segundo a testemunha, restava apenas algum lixo para retirar, mas apenas no fim da obra seria possível; e) Quando terminam a empreitada encontrava-se no local o dono de obra, referindo-se a testemunha CC, assim como encarregado DD; f) Juntamente com os trabalhadores da Recorrente existiam outros artistas, aplicadores de mosaicos, eletricistas… g) Havia deficiente aplicação da caixilharia e foi comunicado ao dono de obra; h) As fotografias retiradas, constantes do relatório de fiscalização, são tiradas antes do que se passou, ora a testemunha, refere que as fotografias correspondem a uma fase da obra, depois de já terem efetuado a limpeza, mas notoriamente pretendia referir que as fotografias foram tiradas antes da limpeza e remates, até porque conclui dizendo que limpou chapas, sabe que limpou, no entanto, no relatório as chapas mostram-se sujas.
oo) Conforme se extrai do depoimento supratranscrito, corroborados ainda pelos documentos ... e ... , juntos pela Recorrida com a oposição, concretamente cartas enviadas pela Recorrida em 01e 02 de julho de 2021, onde a Ré/Recorrida solicitou apenas a limpeza da obra e retoques de pintura, acabamentos que a Recorrente jamais recusou concluir (vide Doc. ... da Petição Inicial), informando que procederia em conformidade ao fim das obras que decorriam por outros profissionais, o que foi comunicado à Recorrente por carta datada de 05 de julho de 2021, constando como documento ..., junto com a Petição Inicial;
pp) Conforme referiu a testemunha BB, a obra foi entregue no dia 15 de junho 2021 e, depois, a pedido da Recorrida, deslocaram-se entre os dias 15 e 30 de junho para realizar limpezas o que foi impossível de se concluir na totalidade, pois os trabalhadores das outras empresas encontravam-se no local;
qq) Por outro lado, a testemunha arrolada pela Recorrida, Sr. AA, que “SUPOSTAMENTE” efetuou os trabalhos de retoques e limpeza, confirmou que as limpezas apenas poderiam ser realizadas após a conclusão das obras;
rr) O depoimento da testemunha mencionada no artigo anterior vai ao encontro do teor da carta enviada à Recorrida em 05 de julho de 2021, assim como ao depoimento da testemunha BB, conforme bem explicou aquela testemunha (AA) essas “ eventuais” obras duraram cerca de 02 meses, sendo certo que pela Recorrida foi concedido à Recorrente o prazo de 08 dias para a conclusão das mesmas, conforme documento junto com a petição inicial pela Recorrente como Doc. ..., junto com a Petição inicial;
ss) Ainda no que toca a alteração dos factos provados acima referidos, em concreto os pontos 17.,18. e 21., vejamos o depoimento da testemunha AA (proprietário da empresa que realizou as “ supostas” obras), cuja as ideias a ter conta são: a) Que a limpeza apenas era possível fazer-se após términus das obras executadas por outros artistas, como carpinteiros, eletricistas, estucadores que se encontravam no local; b) Quando a sua equipa procedeu à limpeza e aos retoques de pinturas, não existiam outras equipas de trabalho no local, além do seu pessoal; c) Que as obras de limpeza e retoque perduram por cerca de 02 (dois)meses; d) Em virtude de não possuir o mesmo tom da tinta aplicada pela Recorrente, foi necessário pintar paredes inteiras novamente, pois de outra forma notar-se-ia a diferença na cor; e) Da empreitada que supostamente fizeram o forte foi a limpeza; f) Quando questionada se era possível concluir as limpezas com outras equipas a trabalhar, refere que era muito complicado, acrescenta que a limpeza deve ser feita quando estiver apenas a equipa de limpeza; g) Aqui chama-se a atenção deste superior tribunal que, no relatório e nas missivas enviadas pela Recorrida em 01 e 02 de julho/2021, em momento algum se refere a necessidade de pintar paredes; h) Embora fossem necessários apenas retoques, não era possíveis, porque a cor utlizada inicialmente pela A. não fazia parte do acervo da empresa do D... e, como tal, devido à diferença, teria de pintar tudo novamente. I) Quando se deslocou ao local da empreitada pela primeira vez, para apresentar orçamento, existiam no local várias equipas de trabalho, tais como carpinteiros, picheleiros, eletricista.
tt) Com especial importância para o caso, é o facto das obras “supostamente” realizadas pela empresa D..., em nada se assemelharem aos defeitos indicados pelo Engenheiro fiscal de obra, vertidos no relatório de fiscalização, o que nos leva a crer que nenhuma intervenção foi concluída pela empresa D...,
uu) Outro erro do Tribunal “a quo” na perspetiva da Recorrente prende-se com a credibilidade atribuída à testemunha EE, Engenheiro Civil, o que facilmente demonstra a nossa discordância, após análise da transcrição do depoimento do engenheiro fiscal, concluímos que mal andou o Tribunal quando valorou este depoimento que se apresenta claramente apegados de interesse;
vv) A testemunha não respondia às perguntas do Mandatário da Recorrente, sendo necessário a intervenção da Meritíssima Juíza e, mesmo assim, esquivou-se às perguntas, estando obrigado a responder com verdade, recusou-se de forma indireta a responder as questões que foram colocadas. No seu depoimento ressalta: a) refere que os trabalhadores da autora desde o início das obras desempenharam de forma reprovável “Falta de brio profissional, falta de… enfim… todas as técnicas de trabalho..., b) Porém, verifica-se uma contradição entre o depoimento da testemunha e o seu comportamento, uma vez que a Recorrente prestou os serviços por cerca de 10 meses, sendo que, os serviços foram acompanhados pela testemunha, que emitiu e aprovou todos os relatórios, à exceção do último, c) As regras da experiência comum levam-nos a crer que se os trabalhados executados fossem em desconformidade com as boas regras de construção não aprovaria os relatórios, d) Posteriormente, no seu depoimento alega que as obras foram bem executadas e apenas na parte final se verificou a desconformidade. e) Na nossa opinião, o seu depoimento é claramente tendencioso e controverso, pelo que, não merecia qualquer valoração pelo Tribunal “a quo”. f) Nota-se que do minuto 21:07 ao 22:44 da transcrição acima, a testemunha refere que apenas a parte final dos trabalhos, mas até então os trabalhos tinham sido executados segundo as boas normas da arte. O que não se alcança qualquer veracidade ao depoimento e revela novamente um comportamento contraditório da testemunha, porque se por um lado os “supostos” defeitos se verificaram apenas na parte final, por que motivo no relatório de fiscalização que foi feito, junto com a oposição, a testemunha enumera defeitos em todos os pisos do edifício, assim como relata no seu depoimento que sempre verificou desconformidade com a obra vide minutos 00:11:30 até 00:12:09. g) Este breve enquadramento serve para refutar o testemunho do Engenheiro da obra, na medida em que refere que aprovou os trabalhos, pois o resultado apenas se verifica no fim, tal não corresponde à verdade, porque os trabalhos foram finalizados pela Recorrente em cada piso e apenas quando terminados prosseguiam para o piso seguinte, pelo que, após a conclusão dos serviços num determinado piso não mais regressavam, a não ser que fosse necessário retoques de acabamento ou limpeza. H) Por isso, apenas se pode aceitar que a testemunha quando aprova os relatórios apenas o faz porque efetivamente confirmou que a execução estava em conformidade. Porém, em juízo tentou criar convicção no Tribunal que as obras estavam mal executadas, mas lá ia aprovando os autos e relatórios, com a esperança que, na fase final, os defeitos fossem reparados. O que não pode corresponder à verdade, o que também se verifica pelas decisões que tomou em aceitar as obras durante a empreitada; i)  Coloca-se aqui em causa o depoimento da testemunha, quando afirma que os trabalhos se encontravam mal executados em todo o edifício, sendo que, aprovou os relatórios em conformidade, em consequência deixou a obra prosseguir sem qualquer objeção, por sua vez, a Recorrida liquidou sem reservas o valor correspondente a 90% do total da empreitada, em tranches, conforme a aprovação dos autos;
ww) E quanto ao depoimento dessa testemunha, a recorrente entende que não é suficiente para alterar qualquer quesito provado ou não provado, no entanto, não deveria ser valorado por falta de clarividência suficiente e, como consequência, não sendo considerados os factos provados constante do ponto 18. e 21. da sentença;
xx) Sobre o depoimento da testemunha DD, podemos referir o seguinte, a) No final das obras, os funcionários da Recorrente Sr. BB e Sr. FF, regressaram ao local permaneceram por cerca de 02 semanas, a realizar alguns retoques de pintura e limpeza da obra; b) Os defeitos se verificavam por todo edifício, desde o início da empreitada; c) Logo de seguida, após a segunda intervenção que se realizou entre os dias 15 e 20 de junho de 2021, deslocou-se à obra uma Engenheira, em representação da Recorrente, confirmando que, após a conclusão das obras pelas outras equipas, regressariam ao local para proceder a limpeza e acabamentos necessários; d) Efetivamente, a Recorrente destacou 2 homens ao local, por vezes até 3 homens, onde decorriam as obras, que lá estiverem por duas semanas; e) Após a conclusão dos trabalhos pela equipa que lá se encontrava, ouviu diretamente da Engenheira que, após a conclusão das obras, mandaria lá pessoal para terminar as limpezas; f) O legal representante da Recorrente, Sr. GG, pediu à testemunha para fiscalizar diretamente os trabalhos, para assegurar que os trabalhadores da Recorrente executariam o trabalho em conformidade; g) A testemunha assim o fez, mas durante duas semanas os trabalhadores da Recorrente nada fizeram;
yy) Conjugando todos esses factos, a testemunha não merece qualquer credibilidade pela forma contraditória que enuncia os factos, vejamos, o encarregado com 50 anos de experiencia, com necessidade urgente de conclusão da obra, sendo que o legal representante da lado brilhante pede para ele fiscalizar diretamente os trabalhos, e mesmo assim, durante duas semanas, viu os trabalhadores “ supostamente” a passear sem concluir os trabalhos e nada faz? Não cremos nessa versão, como também não se aceita que o tribunal possa valorar tal depoimento;
zz) Pelo depoimento da testemunha, a recorrente entende que não se mostra dotado de imparcialidade, clarividência, mostrando-se também contraditório ao depoimento do engenheiro fiscal de obra, no que toca aos defeitos existentes, motivo pelo qual não se pode aceitar que o referido depoimento serviu para motivar o entendimento do tribunal, quantos aos factos provados nos pontos 10. 12., 16., 17., 19., 20., e 21. da decisão;
aaa) E assim entende a recorrente que os mesmos deveriam constar dos factos não provados;
bbb) E mesmo que os Venerandos Desembargadores não colham do mesmo entendimento, atribuindo a testemunha total credibilidade, é certo que o depoimento, pelo menos, comprova que a recorrente após a entrega da obra em 15 de junho, destacou trabalhadores por duas semanas para procederem ao acabamento e limpezas, e ao fim dos trabalhos de limpeza, deslocou-se à obra uma engenheira, em representação da recorrente, onde afirmou perante a testemunha que, ao fim da empreitada pelas outras empresas, a Lado brilhante regressaria ao local para conclusão da limpezas;
ccc) De particular importância é que essa testemunha era o encarregado da obra, esteve no local desde o início da empreitada realizada pela Recorrente, presenciou por várias vezes os “supostos defeitos”, denunciou ao empreiteiro, assim como ao dono de obra, defeitos que se verificaram não apenas no final da obra. Aqui chegados, é patente que efetivamente se os defeitos existissem, a Recorrida nas cartas e e-mails dirigidos à empresa lado brilhante com data de 01 e 02 de julho/2021, documentos ... e ... juntos pela Recorrida com a oposição, comunicaria a existência dos mesmos;
ddd) A testemunha DD, assim como, a testemunha EE, nos seus depoimentos referem que, em junho do ano 2021, a Recorrente abandonou a obra, a esta altura todas as testemunhas da recorrida tinham conhecimento dos defeitos, tendo-os reportado ao dono de obra;
eee) Assim, quando a Recorrida envia as cartas em 01 e 02 de julho, segundo as suas testemunhas já tinha pleno conhecimento do abandono de obra e dos defeitos existentes, assim não se concebe que os mesmos não sejam descritos nas cartas e e-mails enviadas à recorrente;
Por outro lado,
fff) A recorrida, enquanto dono de obra, tendo contratado diversos serviços, como pedreiros, eletricistas, estucadores, carpinteiros e etc…, não levou aos autos sequer uma testemunha imparcial, levando apenas funcionários, como é evidente qualquer depoimento de um trabalhador será favorável à sua entidade patronal, pelo que, insiste a Recorrente na falta de credibilidade dos depoimentos;
ggg) E, assim, conclui a Recorrente que a prova produzida não permitia ao Tribunal motivar a sua convicção do modo que o fez, nomeadamente concluindo como provados os pontos 14,17 a 21 da sentença;
hhh) Para reforçar o nosso entendimento vejamos o depoimento do dono de obra, Sr. CC. Em que se retém esses pontos: a) A empreitada toda englobava 5 autos, a Recorrida aprovou e efetuou o pagamento referente aos 4 (quatro) autos anteriores, sem qualquer objeção, no entanto, refere que os defeitos de obras se verificaram desde o início da empreitada, e que alertavam a lado brilhante; b) Sempre se dirá, que não se aceita que se efetivamente as obras não era bem executadas, porque se as obras não estavam bem executadas desde o início, porque motivo haveriam de aceitar os últimos 4 autos;
iii) Os defeitos de obra sempre existiram, logo em 15 de junho de 2021 data em que a obra foi entregue, também tinham conhecimento da existência dos supostos defeitos, no entanto, os mesmos foram denunciados apenas em 27 de julho de 2021;
jjj) Assim entende a recorrente que para alterar o ponto 14. “ Aquando da recepção da factura, quinze dias após a data concertada para conclusão da obra, faltavam concluir retoques de pintura e ficou por realizar a maioria da limpeza.” e 17. “Nesta data, a conclusão da obra da autora estava atrasada. “ ambos dos factos provados, são relevantes o depoimento da testemunha BB, concretamente, minutos (00:05:02) até (00:05:36), (00:11:12) ao (00:12:05), Testemunha - DD minutos [00:25:25] até [00:27:47], Testemunha - CC [00:11:43] ao minuto [00:12:59]. Testemunha - AA [00:03:31] até [00:04:41] A esses depoimentos acresce o documento ..., junto com a Petição Inicial (carta envida a Recorrida em 02 de julho de 2021);
kkk) O ponto 14. deveria conter a seguinte redação “ Aquando da receção da factura, quinze dias após a data concertada para conclusão da obra, faltavam concluir retoques de pintura e ficou por realizar a maioria da limpeza que apenas eram possíveis de se efetuar após o termino das obras pelos outros empreiteiros que se encontravam no local”;
lll) E ainda, ponto 17. Devendo ser alterado para “ Nesta data, a conclusão da obra da autora não estava atrasada”. Neste sentido o próprio ponto 12. dos factos provados tem-se como assente que a A. Se propôs proceder a limpeza e se eventualmente se verificasse no local desconformidades com o acabamento poderia reparar assim que as outras equipas de trabalho não mas estivessem no local;
mmm) Por outro lado, a testemunha AA que “supostamente” realizou obras de limpeza e retoques de pintura, apenas o fez em setembro ou outubro de 2021, isto é, após a conclusão das obras pelas demais equipas que se encontravam no local, o que facilmente demonstra que a conclusão das limpezas e retoques que a Recorrida reclama não se mostravam possíveis de se concretizar naquelas condições;
nnn) E pelos mesmos motivos a alínea b) dos factos não provados, deveria ser alterado para provado;
ooo) Entende a recorrente que em análise dos documentos carreados para o processo, associado aos testemunhos transcritos, não permitia, por se mostrarem insuficientes para tribunal criar convicção ao ponto de atribuir como provado os pontos 14. e 17. da sentença;
ppp) Para alterar os factos constantes do ponto 18. a recorrente entende que conforme se demonstra a testemunha EE, que suportou as motivações do Tribunal “a quo” não merece qualquer credibilidade, nem tampouco o relatório por si elaborado;
qqq) Ao qual acresce, o depoimento da testemunha - BB - (00:02:47) até (00:03:33), testemunha AA, que refere que grande parte do trabalho foi limpeza, pintou paredes inteiras porque não tinha a mesma tonalidade de tinta utilizada pela recorrente logo para não se notar a diferença entre os tons foi necessário pintar paredes inteiras;
rrr) A opinião que o facto 18. Deveria ser dado como não provado assenta ainda nos depoimentos da testemunha DD: ao [00:11:18] ao [00:12:18] e [00:25:25] até [00:27:47], E documentos ... e ... junto pela recorrida com a oposição;
sss) Deste modo, o ponto 18. Deveria apresentar a seguinte redação “ Após a data de 30.06.2021, não foi possível apurar se a obra apresentava os seguintes defeitos e patologias;
ttt) Quanto ao ponto 19. dos factos provados, a recorrente entende que deveria ser alterado, para não provados em virtude do alegados nos artigos 156 a 158, 169, 184, do presente recurso, porque efetivamente à Recorrente respondeu a carta de 27 de julho, informando que no fim das empreitadas das outras empresas se deslocar-se-ia ao local para limpar e concluir eventuais retoques;
uuu) Toda essa informação foi prestada a Recorrida por escrito em carta enviada em 05 de julho de 2021 e e-mail do mandatário em 03/08/2021, e ainda, presencialmente pela Engenheira HH, com especial relevância para a boa decisão cumpre-nos também referir que a recorrente, entrega a obra em 15 junho, depois regressa para efetuar remates entre o dia 15 e 30 de junho, e ainda envia cartas, onde comunica que, ao fim da obras, por outros empreiteiros regressará ao local.
vvv) Por esta razão, é simples afirmar que a Recorrida não tinha qualquer motivo para crer que a Recorrente não regressaria para comutar os “supostos” e “eventuais” defeitos e limpeza da obra;
www) Mas sempre pautados pela boa-fé, a recorrente informou em 03/08/2021, através de e-mail enviado ao mandatário da Recorrida, que da última vez realizou a limpeza que foi possível concluir, pois haviam na obra outros empreiteiros, a transitar pela obra, pelo que, dessa vez quando todas as empreitadas estivessem finalizadas, deslocavam-se ao local para compor tudo mais que fosse necessário;
xxx) É de notar que a recorrente apenas dispunha do contacto do mandatário da recorrida, após este encetar comunicações com o mandatário da recorrente, pois até então, as comunicações eram feitas diretamente para a Recorrente, uma vez que se desconhecia a existência do causídico, por este motivo a resposta a missiva enviada pela recorrida em 27 de julho foi alvo de resposta direta pelo mandatário;
yyy) No entanto, após essa comunicação, jamais foram chamados pela Recorrida para regressarem à obra;
zzz) Quanto ao ponto 20, deveria ser alterado por tudo até aqui exposto, ou seja, a recorrente não enviou ninguém porque não foi convocada pela Recorrida que, por sua vez, “supostamente” contratou outro empreiteiro;
aaaa) E, assim, como por esta ordem de ideias em que se baseia o presente recurso, deveria ser  dado como não provado, constando da seguinte redação “não resulta provado que, a ré contratou terceiro para reparação dos aludidos defeitos, tendo despendido para tal a quantia de € 14.820,00”;
bbbb) Em súmula, no que respeita ao julgamento da matéria de facto, o tribunal recorrido incorreu num erro de julgamento na forma como valorou os factos que deu como provados e como não provados elencados supra, os quais devem ser alterados por este Tribunal Superior (cfr. artigo 640.º, n.° 1 als. a) e b) e 662.°, n.°s 1 e 2 do C.P.Civil ), pois a aludida prova testemunhal e documental junta e aqui invocada supra impunha que os tivesse dado como não provados e provados respetivamente;
cccc) Acredita-se que existiu erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, na medida em que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância;
dddd) A motivação factual invocada pelo Tribunal “a quo” desrespeita as regras da lógica, da ciência e da experiência comum e, nessa medida, importa a violação do princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 607.º, n.º 4, do CPC;
eeee) Pois, em nosso modesto entendimento, verificam-se aqui erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada na sentença por a prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou por ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso, na interpretação dessas mesmas normas jurídicas, e/ou na aplicação destas à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris);
ffff) Considerando as funções que as testemunhas arroladas pela Recorrida, assumiam na obra, não se concebe que depoimentos tão distintos e controversos corroborados por dois documentos, cujo valor probatório não se aceita (fatura D... e Relatório de Fiscalização), sejam suficientes para afastar a prova documental carreada para os autos, nomeadamente as missivas enviadas pela Recorrida, onde apenas reclama a conclusão das limpezas e retoques de algo mais que fosse necessário em termos de remate;
gggg) Assim, à luz do artigo 394.º Código Civil, indica-nos não pode a prova testemunhal servir como prova contrária aos documentos probatórios;
hhhh) E neste ponto se assaca um erro do tribunal por privilegiar a prova testemunhal em comparação com o prova documental;
iiii) Concluímos, assim, que os factos provados, nos pontos 14, 17 e 20 como não provados, o mesmo que assim se discorde, como inconclusivos por falta de prova, sendo que os pontos 18 e 21 deveriam ser declarados como não provados;
jjjj) Não sendo provados, a Recorrida deveria ser condenada na totalidade do pedido;
kkkk) No que toca ao julgamento da matéria de direito, entende a recorrente que o tribunal “a quo” não subsumiu corretamente todos os factos ao direito concretamente aplicável, nos casos de defeitos de obras em empreitadas;
llll) Segundo o art. 1221.º, nº. 1 do CC, quando os defeitos puderem ser suprimidos, o dono de obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação, podendo somente exigir uma nova construção, no caso dessa eliminação não ser viável;
mmmm) Ora, como é inequívoco todas as testemunhas arroladas pela Ré transmitiram ao Tribunal, que, desde o início das obras, tinham conhecimento que as empreitadas executadas pela recorrente apresentavam defeitos, quer isto dizer, que, pelo menos, desde setembro ou outubro de 2020, presenciaram os defeitos, por outro lado, todos as referidas testemunhas acordam que a Recorrente abandonou a obra em finais de junho 2021;
nnnn) Se efetivamente correspondesse à verdade semelhante afirmação, porque, não consta nada referente ao abandono de obra, nem tampouco consta qualquer a menção a defeitos de obras, além da limpeza e retoques de acabamento nas missivas e e-mails enviadas pela Ré em 01 e 02 de julho de 2021?
oooo) É certo que, a Recorrente respondeu à missiva enviada pela Recorrente em 27 de julho de 2021, através de e-mail em 03/08/2022, cuja prova não foi junta sem consentimento prévio da ordem profissional;
pppp) No entanto, o conteúdo do e-mail consta dos autos, o que não foi impugnado pela Ré, pelo que, tem-se por admitido, por acordo, nos termos do artigo 490.º, n.º 2 do CPC;
qqqq) Todavia, o tribunal não considerou este facto, que se mostra importante, pois comprova que não houve falta de resposta pela recorrente;
rrrr) Assim, deveria o tribunal ter como provado que a Recorrente respondeu à carta enviada pela Recorrida em 27 de Julho de 2021;
ssss) Tal como específica o art. 1221.º, n.º 1 do CC, deve ser o empreiteiro a proceder com a eliminação dos defeitos da obra e, por essa razão, é contra ele que deve ser exercido esse direito;
tttt) Tendo a Recorrente entregue a obra em 15 de junho e, posteriormente, enviado trabalhadores entre os dias 15 e 30 de junho, para concluírem os trabalhos de retoque e limpeza do que fosse possível, demonstra que cumpriu efetivamente o contrato;
uuuu) Questão diversa é saber, se existiam ou não defeitos e má execução, o que sempre se dirá não existir;
vvvv) Mas como estamos sempre pautados pela cautela e ainda que, por mera hipótese académica, mesmo que efetivamente a obra tivesse sido entregue sem respeito pelas normas da boa arte, não poderia a recorrida contratar novo empreiteiro sem cumprir as formalidades que estava obrigada perante a Recorrente;
wwww) Sabendo-se que como decorre da legislação, primeiro deve ser dada a hipótese do empreiteiro reparar os defeitos, devendo ser-lhe facultado um prazo razoável para o efeito, assim como deve ser expressa a menção que o não cumprimento implica a redução do preço e, posteriormente, não havendo acordo, poderá recorrer à resolução do contrato, podendo aí sim recorrer a outras opções como, por exemplo, à execução específica ou à resolução do contrato, recorrendo a outro empreiteiro para a conclusão da obra, cifra dos artigos 1221.º e 1222.º do CC;
xxxx) Nenhuma formalidade acima enumerada foi cumprida pela Recorrida, esta limitou-se a enviar uma carta onde enunciou defeitos, concedendo um prazo de 8 dias para a resolução, aqui alerta-se que a carta foi enviada em 27/07/2021, porém, chegou ao conhecimento da recorrente dias depois;
yyyy) Sendo que a recorrente respondeu em 03/08/2022, através do seu mandatário, não obtendo qualquer resposta;
zzzz) É certo que o prazo para comunicar defeitos era de 30 dias, artigo 1220.º do CC e não foi cumprido;
aaaaa) É pacifico que a Recorrida tomou conhecimento dos defeitos antes da data ficcionada para entrega da obra, mas mesmo que se considere a data de entrega da obra no dia 15 de junho de 2021, o prazo de denúncia dos defeitos não foi respeitado;
bbbbb) Questão esta que foi pedida a pronúncia do Tribunal “a quo”, no entanto, a sentença é omissa quanto a este quesito;
ccccc) O que por si só implica a caducidade do eventual direito que a Recorrida possa ter e que carecia de fundamentação na decisão;
ddddd) Antes de recorrer à nova empreitada, a Recorrida previamente deveria junto da lado brilhante tentar eliminar os defeitos e, posteriormente, tentar reduzir o preço da empreitada, para depois no caso das duas hipóteses anteriormente mencionadas não serem efetivadas pelo empreiteiro, poderia, então, posteriormente, resolver o contrato e, consequentemente, contratar nova empreitada;
eeeee) O direito de resolução do contrato por defeitos existentes em determinada obra encontra a sua consagração no art. 1222.º, n.º 1 do CC, estando os seus efeitos regulados nos arts. 432.º e ss. do CC. O fundamento deste direito encontra-se no cumprimento defeituoso do contrato e apresenta natureza subsidiária relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos e realização de obra nova;
fffff) Existindo uma série de atos que a Recorrida deveria cumprir previamente à resolução do contrato, não o tendo feito, não pode ser absolvida;
ggggg) Quanto à resolução contratual, entende a recorrente que apenas se opera no caso de incumprimento definitivo, e para tanto, deve comunicada à outra parte;
hhhhh) Como consta dos autos, as testemunhas da Recorrida que confirmaram que, após a entrega da obra, esteve no local a Engenheira HH, que disse que, no final das obras pelas outras equipas, a A. regressaria ao local para proceder as limpezas e retoques que fossem necessários;
iiiii) Temos ainda comunicações enviadas pela recorrente a transmitir exatamente o mesmo conteúdo (Doc. ... junto com a PI);
jjjjj) Existem ainda comunicações trocadas entre os Advogados das partes, cujo conteúdo consta dos autos, sem ter sido impugnado pela Ré, nomeadamente e-mail enviado em 03/08/2021, que responde a carta enviada pela ré em 27 de julho de 2021, cujo conteúdo refere que, no fim dos trabalhos pelas outras equipas, ficam à disposição para proceder á limpeza e correções do que eventualmente faltam;
kkkkk) E não obtiveram qualquer resposta pela Recorrida;
lllll) Não existe qualquer elemento nos autos que permita concluir que a obra não apresentava defeitos que impedissem a sua entrega ou aceitação pela Recorrida, se por um lado todas as testemunhas da Recorrida, que afirmam que a obra não foi bem executada desde o início, contradizem-se, pois aprovam todos os autos e relatórios e mantém a recorrente como empreiteiro até o final;
mmmmm) Existindo um procedimento sequencial, na qual primeiro deve ser dado ao empreiteiro a possibilidade de eliminar os defeitos, caso não seja possível, então, pode exigir nova construção, caso não seja viável tem o dono de obra direito a exigir a redução do preço ou a resolução da obra (apenas se os defeitos tornarem a obra inadequado ao seu fim), o que se opera por comunicação a parte contrária;
nnnnn) Sendo certo que a resolução opera por mero efeito da declaração unilateral à outra parte, considerando-se resolvido o contrato logo que a comunicação for recebida pelo destinatário;
ooooo) O direito de resolução, enquanto destruição da relação contratual, quando não convencionada pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado, o que obriga a parte que invoca o direito de resolução a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual;
ppppp) Pelo que, não estavam reunidas as condições necessárias para o credor (Recorrente) poder romper o contrato por vontade unilateral;
qqqqq) Pelo contrário, a Recorrente esperava tanto pelo pagamento da quantia em falta que, na sua última comunicação, deixou claro de forma expressa que aguardava que Ré/ recorrida indicasse o dia para retornar a obra e terminar a limpezas;
rrrrr) Ora, assim entendemos que mal andou o tribunal “a quo” ao aplicar o artigo o 1208.º do CC, porque não existem elementos nos autos que comprovem a execução defeituosa da obra;
sssss) Por outro lado, não corresponde a verdade que foi feita a interpelação da autora para proceder à reparação e essa nada fez, pelos motivos acima indicados (em resumo, a Recorrente aguardava pela comunicação da Recorrida a indicar momento para regressarem às obras, após o conclusão da empreitada pelos outros empreiteiros);
ttttt) Em consequência do exposto em nosso entendimento NÃO estão preenchidos os requisitos do incumprimento das obrigações assumidas pela autora (cfr. artigos 762.º, 763.º e 1208.º, todos do CC), como entendeu o tribunal “a quo”;
uuuuu) Pelos mesmos motivos, não se tem como culposo o incumprimento nem definitivo, conforme o disposto nos artigos 799.º e 808.º, n.º 1, do CC, respetivamente;
vvvvv) Também não se aplica ao caso o artigo 1221.º e ss. do CC, conforme entendeu o Tribunal, pois pela ordem de direitos da dona de obra, não foi cumprido, o direito inicial exigir do empreiteiro o cumprimento;
wwwww) Mesmo que tivesse direito, teria de ser requerida pela Ré/Recorrida no seu pedido, o que não foi feito;
xxxxx) A Recorrida por intermédio do fiscal de obras e do encarregado tomou conhecimento desde do início das obras que existiam defeitos (CUMPRE RELEMBRAR V.EXAS QUE A RECORRENTE NEGA EXISTÊNCIA DOS DEFEITOS RECLAMADOS, COMO É DE PRAXE, EM ALUDIDA HIPÓTESE MESMO QUE ESSES DEFEITOS SE VERIFICASSEM), o conhecimento do dono de obra deu-se, desde do início das mesmas, assim, ao aprovarem todos os autos é porque consentiram com os mesmos, assim, não podem vir agora reclamar os mesmos para redução do preço;
yyyyy) Assim, o direito não foi corretamente aplicado, devendo ser revogado aquela parte da sentença;
zzzzz) Acresce ainda que em virtude da prova produzida e carreada para os autos, a correta subsunção dos factos ao direito, culminaria com a total procedência do pedido, suportado pelos seguintes artigos: Art.º 1209 do CC , parte final - “ excepto se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.”, ora como consta factualmente provado pelo depoimentos das testemunhas, o dono da obra desde o início da empreitada tinha conhecimento da sua existência ( o recorrente não reconhece os vícios invocados), mas em hipótese da sua existência eram conhecidos pela dono obra, por este motivo aprovou todos os autos expeto o último;
aaaaaa) Inclusive nas missivas dirigidas a Recorrente, nada refere aos defeitos, requer apenas retoques de pintura e limpeza da obra. Conforme o alegado ao existirem os defeitos, os mesmos foram aceites pelo dona obra;
bbbbbb) 1218 n.º 2 e 3 e 5 do CC - A verificação deve ser feita no prazo usual ou em prazo razoável, sendo certo que a obra foi entregue em 15 de junho de 2021, e a carta a denunciar os “ supostos" defeitos foi enviada em 27 de julho de 2021, não foi respeitado o prazo usual de 30 dias, nos termos do 1220 n.º1 , nem o prazo razoável, pois conforme tanto se referiu se os defeitos existem desde do inico das obras, sendo a obra entregue em 15 de junho decorreram mais de 45 dias entre a entrega da mesma e a comunicação dos defeitos;
dddddd) O número 5 do mesmo preceito importa que a falta de verificação implica a aceitação da obra;
eeeeee) Quanto a eliminação dos defeitos o artigo 1221 n.º 1 descreve que se os defeitos puderem ser suprimidos, a eliminação deve ser exigida ao empreiteiro. (neste ponto, entende a recorrente que ficou amplamente demonstrado que a recorrida não agiu em conformidade tendo em vista que a Recorrente regressasse a obra, apenas se limitou a contratar outro empreiteiro);
ffffff) O que sempre se dirá que não é verdade, uma vez que não se extrai dos autos que realmente foram feitas obras pela empresa D..., e mesmo que tenha sido feitas obras, nada nos autos denota que as mesma ocorreram na parte da empreitada que competia a recorrente;
gggggg) Quanto a redução do preço, entende a recorrente que se existissem defeitos, a recorrida teria direito a resolução do contrato ou redução do preço, DESDE QUE os defeitos tornarem a obra inadequada ao seu fim, o que também não se verificou, sem prescindir, não foi requerido no seu pedido a redução do preço, em conformidade com o disposto no artigo 1222 n.º 1 do CC;
hhhhhh) A recorrente defende ainda que em todos os caso, o direito da recorrida se encontra caducado a luz do artigo 1224 n.º 1 segunda parte;
iiiiii) Assim, pelo exposto há de ser revogado a parte da sentença que refere “ Atento o facto de a obra em causa não se compadecer com mais demoras – cfr. factos provados sob os n.ºs 16 e 17 -, foram as reparações em causa efetuadas por terceiro para tanto contratado (cfr. facto provado sob o n.º 21);
jjjjjj) Tal factualidade traduz o incumprimento das obrigações assumidas pela autora (cfr. Artigos 762.º, 763.º e 1208.º, todos do CC).” “ Tal incumprimento presume-se culposo, ao abrigo do disposto no artigo 799.º do CC, cabendo à autora, para ilidir a referida presunção, provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, o que não logrou fazer. Acresce que tal incumprimento tem-se por definitivo, à luz do disposto no artigo 808.º, n.º 1, do CC, segundo o qual, “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”. Senão vejamos, sem abdicar da questão do direito aplicado ao caso acima explanada, se existisse tamanha urgência na conclusão das obras em 15 de junho de 2021, porque a recorrida contratou uma empresa que apenas realizou obras apenas em setembro de 2021, obras que tiveram a duração de pelo menos 2 meses?
kkkkkk) O tribunal “a quo” entende que a urgência na conclusão das obras legitimou a recorrida a contratar outro empreiteiro;
llllll) No entanto, o mesmo entregou a obra apenas em inícios de novembro de 2021, entre 15 de junho e inícios de novembro, existe um intervalo de pelo menos 05 meses, ora se são obras urgentes qual o sentido de esperar tantos meses para a conclusão?
mmmmmm) Como se tenta demonstrar os factos apurados não permitem a formulação de uma decisão que absolva a recorrida;
nnnnnn) Como se extrai de toda jurisprudência acima transcrita neste recurso, temos que:
Posteriormente, e caso o empreiteiro não faça a redução do preço aplicável nos casos de defeitos de obras, poderá o dono de obra resolver o contrato, assim não poderia simplesmente contratar outro empreiteiro, sem dar a possibilidade da A., resolver os defeitos;
oooooo) Concluímos assim que da prova testemunhal e documentos carreados para o processo impunha ao Tribunal decisão diversa daquela que ser verifica, devendo a Recorrida ser condenada ao pagamento da quantia peticionada.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, alterando-se os factos constantes das alíneas 14., 17., 18., 19., 20., e 21. da sentença passando a constar dos factos não provados, devendo também ser alterados a alínea b) dos factos não provados, devendo passar a constar dos factos provados e consequentemente alterada a decisão proferida, por uma que julgue procedente o pedido deduzido pela Autora, ora Recorrente, condenando a Ré /Recorrida ao pagamento da quantia de € 10.907,94, acrescida do montante correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento. Só assim fazendo-se a costumeira justiça que este Tribunal tem proliferado!»
A autora apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido em 1.ª instância.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:
A) impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) aferir se a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação e aplicação do direito quanto ao mérito da ação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1. A autora tem como objeto “Construção e remodelação de edifícios, prestação de serviços de estucagem, colocação de pladur, isolamentos e revestimento de paredes e fachadas, pintura e colocação de vidros, restauro, trabalhos de pichelaria e eletricidade e vedações de telhados”.
2. A ré dedica-se à compra e venda de bens imóveis e revenda dos mesmos, arrendamento de imóveis próprios, construção de edifícios e promoção imobiliária.
3. No âmbito das suas atividades, em meados de junho de 2021, a autora e a ré celebraram contrato no âmbito do qual a autora realizou serviços de colocação de capoto e pintura, no prédio da ré, constituído em propriedade horizontal, sito no lote ..., Edifício ..., ....
4. Foram acordados os seguintes preços para o capoto e pintura: capoto de 3 cm - 25,00 euros, m2 + IVA; capoto de 7 cm - 30,50 euros, m2 + IVA; capoto de 12 cm - 35,50 euros, m2 + IVA.
5. Foi acordado que a obra seria concluída até ao dia 15 de junho de 2021.
6. Foi emitida a fatura ...6, no valor de € 10.907,94 (dez mil novecentos e sete euros e noventa e quatro cêntimos), emitida e vencida a 30.06.2021.
7. A autora interpelou a ré para efetuar o pagamento da fatura identificada em 6.
8. A ré não efetuou, até ao momento, o referido pagamento.
9. A ré, por carta registada com aviso de receção, devolveu à autora a referida fatura.
10. Após a ré ter invocado a necessidade de retoques e limpezas, a autora destacou trabalhadores para a obra desde 15.06.2021 até 30.06.2021.
11. No período de tempo referido em 10., encontravam-se na obra outras empresas a realizar serviços.
12. A autora informou não se opor a proceder a limpezas do que mais fosse eventualmente necessário, desde que as obras das outras empresas estivessem concluídas.
13. Por carta de 01 de julho de 2021, a autora informou a ré que ainda faltavam “retoques de pintura” e limpeza de parte da obra.
14. Aquando da receção da fatura, quinze dias após a data concertada para conclusão da obra, faltavam concluir retoques de pintura e ficou por realizar a maioria da limpeza.
15. Por carta registada com aviso de receção, datada de 27 de julho de 2021, a ré enviou à autora carta a denunciar defeitos e a interpelar para a respetiva reparação em oito dias.
16. Trata-se de um prédio PREMIUM na cidade ..., com todas as frações prometidas vender, com prazos definidos em cada contrato promessa para a celebração das escrituras públicas de compra e venda.
17. Nesta data, a conclusão da obra da autora estava atrasada.
18. Após a data de 30.06.2021, a obra apresentava os seguintes defeitos e patologias:
i. Paredes exteriores apresentavam deficientes acabamentos, onde são visíveis heterogeneidades em texturas;
ii. Deficientes ligações com outros materiais nomeadamente caixilharias de portas e janelas, encamisamento de paredes, rodapés e frisos verticais;
iii. Existência de argamassas primárias não receberam textura final;
iv. Arestas de paredes e vãos não afagados;
v. Impregnação da argamassa final em peitoris de granito;
vi. Paredes com inflexão, não mantendo linearidade;
vii. Aparecimento de manchas esbranquiçadas no pavimento cerâmico das varandas.
19. A interpelação aludida em 15. não teve qualquer resposta.
20. Após a data de 30.06.2021, a autora não enviou ninguém à obra para fazer reparações nem para se inteirar da denúncia de defeitos remetida.
21. Consequentemente, a ré contratou terceiro para reparação dos aludidos defeitos, tendo despendido para tal a quantia de € 14.820,00.
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
a) No preço referido em 4. estavam incluídos todos os materiais necessários para a colocação do capoto, barramento, primário e pintura.
b) Os defeitos referidos em 15. foram reparados pela autora no período compreendido entre 16.06.2021 a 30.06.2021.
c) Os defeitos referidos em 15. surgem apenas após continuação das obras pelas outras empresas que continuaram a trabalhar no local.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A apelante/autora vem impugnar a decisão relativa à matéria de facto incluída na sentença recorrida.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Atenta a impugnação deduzida, cumpre analisar se a matéria que no entender do recorrente suscita as alterações ou os aditamentos preconizados integra os poderes de cognição do tribunal em sede de decisão sobre a matéria de facto.
Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, por não poder ser objeto de prova.
Tal como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-09-2017[1], «muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».
Neste âmbito, deve entender-se como questão de facto «tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior», sendo que os «quesitos não devem pôr factos jurídicos; devem pôr unicamente factos materiais», entendidos estes como «as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens», enquanto por factos jurídicos devem entender-se os factos materiais vistos à luz das normas e critérios do direito[2].
Por outro lado, pode definir-se matéria conclusiva como «as conclusões de facto, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo, com as regras da experiência»[3].
Daí que a inclusão, na fundamentação de facto constante da sentença, de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal da Relação, de molde a sancionar como não escrito todo o enunciado que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum[4].
Densificando estes critérios em termos que julgamos adequados na linha dos parâmetros legais e do entendimento jurisprudencial antes enunciado, refere o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7-12-2018[5], «[a]caso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto».
Deste modo, a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configura uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC.
Analisando o elenco dos factos impugnados, desde logo se verifica que na concreta formulação que o tribunal a quo integrou no ponto 17., da factualidade provada - «Nesta data, a conclusão da obra da autora estava atrasada» -, não estão em causa simples ocorrências objetivas ou eventos materiais e concretos, antes consubstanciando juízos indeterminados, conclusivos e de direito eventualmente baseados em elementos de facto que não constam da respetiva redação.
Com efeito, revela-se manifesto que o segmento em referência reproduz meras invocações ou raciocínios conclusivos relativos a premissas que se desconhecem, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tais juízos valorativos, os quais encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir na presente ação, consistindo por isso em conclusões eventualmente baseadas em factos não incluídos na respetiva redação.
Tal constatação implica, desde já, que tal ponto da matéria de facto seja retirado do elenco dos factos provados, devendo ser declarado como não escrito, o que se determina.
Em consequência, decide-se ainda rejeitar a impugnação relativa à matéria de facto quanto ao aludido ponto 17., da factualidade provada, uma vez que os juízos conclusivos que a recorrente pretende aditar à matéria de facto não provada não integram os poderes de cognição do tribunal na vertente da decisão de facto.
A impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[6].

Enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, o seguinte:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere Abrantes Geraldes[7]: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto».

Deste modo, «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:

a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos»[8].

Tal como se sintetiza no acórdão desta Relação de 10-07-2018[9], a propósito do ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, «a delimitação tem de ser concreta e específica e o recorrente têm de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco, relativamente a todos os factos impugnados».
Resulta do exposto que a delimitação do âmbito probatório do recurso impõe, sob pena de rejeição, a indicação das concretas razões da impugnação, reportadas a determinadas circunstâncias específicas da matéria de facto impugnada ou a cada concreto facto impugnado e com referência a concretos meio probatórios.
Em relação à concreta materialidade objetiva evidenciada no ponto 14., dos factos provados - «Aquando da receção da fatura, quinze dias após a data concertada para conclusão da obra, faltavam concluir retoques de pintura e ficou por realizar a maioria da limpeza» -, observa-se que a recorrente não indica de forma percetível e inequívoca a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre o impugnado ponto.
Assim, nos artigos 51.º, 52.º, 114.º, 143.º das alegações, bem como nas respetivas conclusões kk), iiii), a apelante defende o aditamento de tal matéria aos factos não provados, enquanto que no artigo 110.º das alegações e na conclusão kkk) sustenta a alteração do impugnado ponto 14., da matéria provada, o qual, segundo alega, deveria conter a seguinte redação: «Aquando da receção da factura, quinze dias após a data concertada para conclusão da obra, faltavam concluir retoques de pintura e ficou por realizar a maioria da limpeza que apenas eram possíveis de se efetuar após o termino das obras pelos outros empreiteiros que se encontravam no local».
Deste modo, as conclusões da alegação e a correspondente motivação revelam-se nesta parte manifestamente ininteligíveis pois nelas se preconizam diferentes e antagónicas modificações para o impugnado segmento da decisão de facto.
Tal ambiguidade ou obscuridade impede a perceção de qual o resultado pretendido relativamente ao segmento da matéria de facto impugnado, nos termos e para os efeitos previstos na alínea c) do n.º 1 do citado artigo 640.º CPC, posto que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, nos termos que decorrem do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC, e torna também inviável a compreensão e a delimitação do âmbito probatório do recurso, o que impede se considere cumprido o ónus imposto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º CPC.
O incumprimento do referido ónus conduz à rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, conforme expressamente dispõe o n.º 1 do aludido artigo 640.º CPC, o que afasta qualquer possibilidade de vir a Relação a convidar a recorrente a suprir tal deficiência.
Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da decisão de facto vertida no ponto 14., dos factos provados, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo sobre tal matéria.
Da leitura das conclusões zz) e aaa) das correspondentes alegações parece resultar que a recorrente pretende também impugnar a concreta materialidade objetiva evidenciada nos pontos 10 - «Após a ré ter invocado a necessidade de retoques e limpezas, a autora destacou trabalhadores para a obra desde 15.06.2021 até 30.06.2021» -, 12 - «A autora informou não se opor a proceder a limpezas do que mais fosse eventualmente necessário, desde que as obras das outras empresas estivessem concluídas» - e 16 - «Trata-se de um prédio PREMIUM na cidade ..., com todas as frações prometidas vender, com prazos definidos em cada contrato promessa para a celebração das escrituras públicas de compra e venda» -, no sentido de que os mesmos deveriam constam dos factos não provados.
Sucede que a matéria vertida nos aludidos pontos 10 e 12 foi oportunamente alegada em sede de petição inicial (cf. os pontos 7 e 11 da petição inicial) pelo que resulta manifestamente contraditória e injustificada a impugnação dos factos em referência pela própria recorrente/autora, que os alegou.
Acresce que, ao longo das correspondentes alegações de recurso, a recorrente não estabelece a necessária ligação entre qualquer meio probatório e a eventual impugnação dos concretos factos vertidos em 10, 12 e 16 dos factos provados, relativamente aos quais não enuncia quaisquer razões de censura.
Nestes termos, não apresentando a recorrente qualquer argumento probatório que permita fundamentar a concreta modificação que aparenta preconizar seja introduzida aos pontos 10, 12 e 16 dos factos provados, resulta inviável a compreensão e a delimitação do âmbito probatório do recurso, o que impede se considere cumprido o ónus imposto pela citada alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º CPC quanto a esta matéria.
Por conseguinte, resta concluir que a apelante não observou o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, no que concerne aos pontos 10, 12 e 16 dos factos provados, pelo que se determina a rejeição do recurso relativo à matéria de facto quanto a tais pontos, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo sobre tal matéria.
No âmbito da presente apelação não vem impugnada a decisão sobre a matéria de facto incluída no ponto 13 dos factos provados, do qual consta o seguinte: «Por carta de 01 de Julho de 2021, a autora informou a ré que ainda faltavam “retoques de pintura” e limpeza de parte da obra».
Tal como resulta da motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida, o facto em questão pretende reproduzir o teor da missiva de fls. 6v., documento que não se mostra impugnado e corresponde ao documento ... junto pela autora com a petição inicial.
Como tal, revela-se evidente que o ponto da matéria de facto em referência padece de manifesto lapso, pois alude a informação enviada pela autora à ré quando a carta em referência foi enviada pela ré à autora.
Por outro lado, tratando-se de facto que pretende reproduzir a declaração transmitida pela ré à autora na referida data, deve o referido ponto reproduzir os precisos termos e as referências relevantes que decorrem de forma objetiva da missiva enviada pela ré à autora, de 01 de julho de 2021, que constitui o documento ... (junto com a petição inicial) tendo em vista a integração jurídica do caso, o que não sucede com a síntese operada pelo tribunal a quo.
Por razões idênticas, também o ponto 15 dos factos provados deverá ser completado de molde a reproduzir os precisos termos e as referências relevantes que decorrem de forma objetiva da missiva enviada pela ré à autora, de 27 de julho de 2021, que constitui o documento ... (junto com a contestação) tendo em vista a integração jurídica do caso.
Deste modo, determina-se oficiosamente a correção do referido lapso e das deficiências detetadas, pelo que o ponto 13 dos factos provados passará a ter a redação seguinte:
- Por carta de 01 de julho de 2021, a ré comunicou à autora, entre o mais, que: «(…) [v]imos por este meio comunicar a V. Exas. que conforme reunião de 11 de Maio de 2021, ficou acordado que todos os serviços de capoto (incluindo pinturas e limpeza de obra), ficariam concluídos até ao dia 15 de Junho de 2021.
Acontece porem, que nesta data, para além de faltarem retoques de pintura, falta realizar a maioria da limpeza de obra. Acontece ainda que hoje não anda qualquer funcionário da vossa empresa em obra.
Desta forma, e em resposta ao auto de medição apresentado de conclusão da obra, não podemos confirmar o mesmo
Mais comunicamos que os trabalhos deverão ser retomados o mais tardar na próxima segunda-feira, e deverão ter um andamento constante sem interrupções até ao final de todos os retoques e limpeza, que como já atrás referimos deveriam ter sido concluídos até ao dia 15 de Junho.
(…)».
Por razões idênticas, importa alterar o ponto 15 dos factos provados, que passará a ter a redação seguinte:
- Por carta registada com aviso de receção, datada de 27 de julho de 2021, a ré comunicou à autora, entre o mais, que: «(…) [v]imos por este meio denunciar os seguintes defeitos detetados em obra:
. Paredes exteriores apresentavam deficientes acabamentos, onde são visíveis heterogeneidades em texturas;
. Deficientes ligações com outros materiais nomeadamente caixilharias de portas e janelas, encamisamento de paredes, rodapés e frisos verticais;
. Existem vãos de paredes onde as argamassas primárias não receberam textura final;
. Arestas de paredes e vãos não afagados;
. Impregnação da argamassa final em peitoris de granito;
. Paredes com inflexão, não mantendo linearidade;
. Aparecimento de manchas esbranquiçadas no pavimento cerâmico das varandas.
Em face do exposto, vimos pela presente denunciar os elencados defeitos e solicitar a reparação dos mesmos no prazo de 8 dias a contar da receção da presente carta».
No que concerne à impugnação deduzida pela apelante/autora ao ponto 20 dos factos provados - «Após a data de 30.06.2021, a autora não enviou ninguém à obra para fazer reparações nem para se inteirar da denúncia de defeitos remetida» - facilmente se verifica que os meios probatórios indicados pela apelante não infirmam a concreta materialidade ali evidenciada.
Aliás, o que o recorrente/réu vem sustentar em sede de alegação de recurso é algo bem diferente, ao alegar que o referido ponto «deveria ser alterado por tudo até aqui exposto, ou seja, a recorrente não enviou ninguém porque não foi convocada pela Recorrida que, por sua vez, “supostamente” contratou outro empreiteiro» - cf. a conclusão zzz) da correspondente alegação -, não pondo assim em causa a materialidade vertida no ponto em apreciação.
Improcede, assim, a impugnação atinente ao ponto 20 dos factos provados, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo sobre tal matéria.
Por outro lado, revela-se manifesta a improcedência da impugnação deduzida pela apelante/autora ao ponto 19 dos factos provados - «A interpelação aludida em 15. não teve qualquer resposta» -, que a recorrente pretende seja dado como não provado, uma vez que a apelante fundamenta a requerida alteração em meios de prova não constantes dos autos e noutros que não infirmam a concreta materialidade ali evidenciada.
Assim, a recorrente vem invocar que respondeu à carta de 27-07-2021 (enviada pela recorrida), a que alude o artigo 15 dos factos provados, através do seu mandatário, que enviou e-mail em 03-08-2022 (cf. o alegado no art.º 156 das alegações).
Sucede que, conforme também aceita a recorrente, o respetivo meio de prova documental não foi junto ao processo sem consentimento prévio da ordem profissional (cf. o alegado no art.º 156 das alegações), sendo evidente que tal alegação não pode servir para fundamentar qualquer tipo de convicção sobre o facto em análise, nem dos autos consta qualquer outra missiva ou declaração com data posterior a 27-07-2021, pelo que não se compreende o sentido ou alcance das referências feitas pela recorrente ao conteúdo das missivas trocadas entre mandatários, e à invocada falta de impugnação das mesmas pela ré.
A este propósito, a recorrente alude ainda aos depoimentos das testemunhas BB, DD e às declarações de parte de CC, no sentido de que a engenheira da recorrente se deslocou à obra, em data que não foi possível apurar, mas sempre depois de 30 de junho de 2021, e que nessa ocasião terá referido ao encarregado, assim como ao dono da obra, que no fim das obras pelas outras equipas de empreiteiros, os trabalhadores da Lado Brilhante deslocar-se-iam à obra para proceder ao resto da limpeza e retoques que fossem necessários.
Reapreciados de forma atenta os depoimentos em referência, julgamos que deles não se extrai qualquer elemento ou esclarecimento relevante que imponha se considere procedente a impugnação suscitada sobre esta matéria, porquanto não decorre dos mesmos que a aludida deslocação da engenheira da recorrente ao local da obra tenha sido posterior a 30-06-2021 nem que as referências então feitas por esta fossem mais além do que o teor da informação já vertida no ponto 12 dos factos provados, no sentido de que a autora informou não se opor a proceder a limpezas do que mais fosse eventualmente necessário, desde que as obras das outras empresas estivessem concluídas.
Assim, não se vislumbra que os meios de prova indicados pela recorrente imponham o pretendido aditamento à matéria não provada do ponto 19 dos factos provados, não tendo cabimento a argumentação aduzida pela recorrente para procurar contornar essa realidade, por assentar em pressupostos que não se verificam.
 Como tal, improcede a impugnação atinente ao ponto 19 dos factos provados, mantendo-se, em conformidade, a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo sobre tal matéria.
A recorrente suscita a alteração dos factos dados como provados nos n.ºs 18 e 21, defendendo que os depoimentos das testemunhas BB, EE, DD e AA, de acordo com as passagens que identifica e transcreve no corpo da alegação, em conjunto com diferente valoração dos documentos ... e ..., ... e ... juntos pela recorrida com a contestação, impunham decisão que julgasse não provada essa matéria e provada a matéria vertida nas als. b) e c) dos factos não provados.
A impugnação enunciada reporta-se, em conjunto, a matérias que surgem interligadas entre si, pois constituem o núcleo fáctico da controvérsia probatória relativa à impugnada existência dos defeitos ou patologias elencados sob o n.º 18 da factualidade provada e eventuais ações desenvolvidas pelas partes nesse âmbito, respetivos contornos e termos.
Como tal, iremos analisar em conjunto a impugnação em causa, considerando o âmbito probatório da mesma.
Neste domínio, a recorrente começa por pretender sindicar a admissão pelo tribunal a quo dos documentos ... - Relatório de Fiscalização - e 5 - fatura n.º ...21 - juntos pela ré com a contestação, sustentando, entre o mais, ter oportunamente impugnado a respetiva junção aos autos, mas que os mesmos foram aceites pelo tribunal a quo sem qualquer pronúncia quanto aos fundamentos da respetiva admissão, mais discordando do valor probatório dado aos mesmos por aquele tribunal e a sua utilização para fundamentar a decisão recorrida, pelos motivos que invoca.
Ora, ainda que os referidos documentos tenham sido oportunamente impugnados pela autora, ora recorrente, quanto ao respetivo teor, ou seja, relativamente ao respetivo valor probatório ou conteúdo dos factos que neles vêm declarados - cf. o alegado nos artigos 43., 50., e 54., do articulado apresentado em 04-04-2022 (ref.ª citius ...76) - certo é que se verifica que em nenhum ponto do aludido articulado a autora suscitou qualquer questão a propósito da admissibilidade da junção aos autos dos referidos documentos.

O artigo 423.º do CPC, com a epígrafe Momento da apresentação, dispõe o seguinte:
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

Tal como resulta do citado preceito legal, em relação à prova documental vigora o ónus da respetiva apresentação com o articulado em que são apresentados os factos correspondentes, ainda que prevendo um regime específico que permite às partes a apresentação de documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sujeitando-se neste caso ao pagamento de multa.
No caso, a recorrente/autora nunca pôs em causa que os documentos em questão foram apresentados pela ré logo com o articulado de contestação, portanto no momento previsto no artigo 423.º, n.º 1 do CPC.
Acresce que, findos os articulados, o tribunal a quo determinou a notificação das partes para juntarem aos autos os respetivos requerimentos probatórios documentos e indicação das testemunhas que pretendiam arrolar, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do CPC, sendo que ambas as partes reiteraram a junção aos autos dos documentos já anteriormente apresentados com os articulados, nenhuma delas suscitando qualquer questão a propósito da admissibilidade da junção aos autos dos documentos apresentados pela contraparte.

Ademais, os autos revelam-nos que, por despacho de 24-05-2022, proferido no início da audiência final, o tribunal a quo decidiu o seguinte:
«Ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 4 do DL 269/98 de 1 de Setembro, redação dada pelo DL 107/2005, de 1 de Julho, decide-se:
1. Admitir as declarações de parte do legal representante da requerente, GG, à matéria indicada (nos termos do artigo 466º, n.º 1 e 3 do CPC);
2. Admitir a inquirição das testemunhas arroladas pela requerente e requerida, bem como a requerida alteração da inquirição da prova por parte da requerente.
3. Admitir a prova documental já juntos aos autos e as fotografias aditadas nesta audiência.
Notifique.
(…)»

A este propósito, decorre ainda dos autos que as partes foram notificadas, na mesma data, do teor do despacho judicial de admissão dos meios de prova, e não reagiram contra o mesmo, designadamente, não o impugnaram por meio de recurso.
Ora, o despacho que admitiu os meios de prova apresentados pelas partes no processo, entre os quais os documentos já juntos aos autos, configura indiscutivelmente uma decisão sobre uma questão concreta da relação processual.
Por outro lado, trata-se de decisão imediata e autonomamente recorrível, nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º 2, al. d) do CPC, por se tratar de despacho de admissão de meios de prova.
Como tal, não tendo sido oportunamente interposto recurso de tal despacho, a decisão que admitiu a prova documental junta aos autos transitou em julgado, ficando precludida a possibilidade da sua reapreciação, por força da verificação do caso julgado formal, nos termos aplicáveis do disposto no artigo 620.º, n.º 1 do CPC.
Deste modo, não assiste qualquer razão à apelante quanto aos argumentos invocados a propósito da admissão pelo tribunal a quo dos documentos ... - Relatório de Fiscalização - e 5 - fatura n.º ...21 -, além do mais, porque se trata de questão definitivamente resolvida no processo e que, por isso, não pode agora ser suscitada em sede de alegações de recurso da sentença final.
A recorrente alega ainda que o documento ... apenas prova a emissão de uma fatura, ao qual não foi junta qualquer prova do efetivo pagamento, e que o mesmo foi impugnado pela recorrente, mais alegando que também impugnou o teor do referido Relatório de Fiscalização, nos termos que enuncia, insurgindo-se contra o relevo probatório que lhes foi atribuído pelo tribunal a quo no âmbito da decisão sobre os factos agora impugnados.
Sucede que, no caso não estão em causa factos sujeitos a prova vinculada, nem a apelante invoca o desrespeito de norma reguladora do valor legal dos meios de prova concretamente invocados no recurso.
Assim, todos os documentos juntos aos autos, que serviram de base à motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, são documentos particulares, sendo que no caso daqueles que tenham sido impugnados cabe ao tribunal apreciá-los livremente, designadamente no que respeita à veracidade da declaração que deles emerge quando vem impugnado o respetivo teor, sendo que também os depoimentos das testemunhas e as declarações de parte estão sujeitos à regra da livre apreciação da prova - cf. o disposto nos artigos 363.º, 366.º, 376.º, 396.º do Código Civil (CC), 466.º, n.º 3, e 607.º, n.º 5, estes do CPC.
Por outro lado, o juízo sobre a suficiência ou insuficiência dos concretos meios probatórios que foram valorados pelo tribunal a quo para considerar assentes e, ao invés, como não provados, os factos aqui impugnados, implica a prévia determinação do padrão de prova exigível em processo civil, isto é, do standard de prova aplicável, o qual consiste numa regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira[10].
Tal como explica Luís Filipe Pires de Sousa[11], «o standard de prova que opera no processo civil é o da «probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais:
(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais;
(ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.
(…) este critério da probabilidade lógica prevalecente - insiste-se - não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis.
Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis».
Neste domínio, Abrantes Geraldes[12] salienta a necessidade de o juiz adotar um critério de razoabilidade no que concerne à afirmação da prova ou da falta de prova dos factos controvertidos: «[c]ientes de que a verdade absoluta é estranha ao Direito e que, por conseguinte, a formulação de juízos judiciários deve assentar, conforme as circunstâncias e a natureza do caso, em critérios que se orientem pela verosimilhança ou pela maior ou menor probabilidade, não devem ser feitas exigências probatórias irrealistas que, na prática, acabem por revelar uma situação de denegação de justiça».
Como refere José Lebre de Freitas[13]: «[n]o âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a realidade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o necessário recurso às presunções judiciais (arts. 349 e 351 CC) por natureza implica, mas que não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança».
Conforme prevê o artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Tal como ressalta deste último preceito, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.
Contudo, importa sublinhar que a necessária ponderação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova implica que «o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados»[14].
Efetivamente, por força do princípio da imediação, os atos de produção da prova constituenda devem ter lugar perante o tribunal ao qual compete apreciá-la, enquanto os princípios da oralidade e da concentração implicam que a produção dos meios de prova pessoal deva ter lugar oralmente, perante o julgador da matéria de facto (oralidade), e com o menor intervalo de tempo entre eles, numa mesma audiência contínua (concentração)[15]. Relevam, ainda, outros princípios ou regras, designadamente o princípio da plenitude da assistência do juiz, enquanto corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova, impondo que para a formação da livre convicção do julgador, este terá de ser o mesmo ao longo de todos os atos de instrução e discussão da causa realizados em audiência[16].
Conforme prevê o artigo 663.º, n.º 2, do CPC, ao acórdão do Tribunal da Relação são aplicáveis as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais importa atender ao disposto no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC do qual decorre que devem ser considerados os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos ou por confissão, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções legais e as presunções judiciais decorrentes das regras de experiência.
A este propósito, refere Abrantes Geraldes[17]: «(…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência».
Atendendo à impugnação deduzida no âmbito da presente apelação, procedemos à audição dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final de todos os concretos depoimentos indicados pela recorrente em sede de alegações.
Com vista à completa perceção da facticidade impugnada, e no intuito de evitar conclusões descontextualizadas sobre a matéria impugnada, foram revistos e analisados todos meios probatórios produzidos em sede de audiência final e juntos aos autos, entre os quais todos os documentos juntos pelas partes ao processo.
Foram, por isso, reapreciados todos os depoimentos/declarações prestados em julgamento, analisados criticamente entre si e em conjunto com a prova documental junta ao processo.
Após audição integral dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final relativamente aos concretos depoimentos agora em análise, confirma-se que o âmbito material dos depoimentos em que a recorrente baseia a discordância relativa à impugnação da decisão da matéria de facto compreende, no essencial, as concretas passagens vertidas nas transcrições que foram reproduzidas no recurso sobre a matéria de facto.
Sucede que os concretos meios de probatórios referenciados pela recorrente como relevantes para a alteração da concreta matéria de facto impugnada foram valorados criticamente pelo tribunal a quo em conjunto com os restantes meios de prova produzidos nos autos, visando concretizar as questões de facto suscitadas.
O tribunal a quo especificou de forma exaustiva e detalhada os motivos que o determinaram a formular o juízo probatório relativamente aos factos considerados provados e aos não provados, procedendo à análise crítica das provas que foram produzidas, em observância do preceituado no artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do CPC.
Neste domínio, revela-se absolutamente adequada a ponderação crítica efetuada pelo tribunal a quo a propósito do conteúdo material dos depoimentos que relevaram para dar como provada a matéria vertida nos pontos 18 e 21 dos factos provados, concretamente das testemunhas EE, DD, AA, e das declarações de parte do legal representante da ré, CC, quando em confronto com os restantes meios de prova disponíveis e valorados à luz das regras da lógica e da experiência comum.
Com efeito, após audição integral do registo das gravações prestadas em audiência final pelas referidas testemunhas EE, DD, AA, e das declarações de parte do legal representante da ré, CC, delas não resulta qualquer constatação relevante que nos leve a divergir da apreciação feita pelo Tribunal a quo a propósito da credibilidade e do conteúdo material de tais declarações, sendo estas totalmente compatíveis com a motivação da convicção daquele tribunal quanto à decisão sobre os factos sujeitos à livre apreciação judicial.
Com relevo para o apuramento da matéria em análise, destacamos o depoimento da testemunha EE, engenheiro civil, que exerceu as funções de fiscal da obra em discussão nos autos (que elaborou o relatório de fls. 25v a 37v., cujo teor confirmou integralmente), pois os as referências e os esclarecimentos que apresentou perante o tribunal foram claros, consistentes, plausíveis e totalmente compatíveis com o teor das inúmeras fotografias que constam do referido relatório, sendo que da análise de tais registos fotográficos decorre de forma objetiva e nítida a globalidade das situações anómalas enunciadas no mesmo relatório, detalhadamente explicitadas no referido depoimento, assim como o momento e o contexto em que foi elaborado, assim evidenciando com a necessária probabilidade e segurança que, após a data de 30-06-2021, a obra apresentava os defeitos e as patologias que foram descritos no ponto 18 dos factos provados.
Por outro lado, e como bem sublinhou o tribunal a quo na motivação da decisão recorrida, a testemunha em causa esclareceu de forma convincente e plausível que, atenta a natureza dos trabalhos em questão, apenas quando terminados os mesmos é possível aferir da sua boa execução, o que, aliás, também decorre de forma convincente, objetiva e sustentada, do depoimento da testemunha DD, encarregado da obra, e das declarações de parte do legal representante da recorrida, CC.
De resto, o conteúdo do depoimento prestado pela testemunha EE, assente no relatório que elaborou, nem sequer foi relevantemente contraditado pela testemunha BB, um dos funcionários da autora que executou a obra, cujo depoimento se revelou manifestamente inconsistente e vago, não infirmando de forma convincente as evidências que decorrem do registo fotográfico constante do referido relatório, aliás admitindo que tais fotos foram tiradas depois das limpezas e depois de tudo. Ora, ainda que esta testemunha tenha procurado estabelecer implicitamente uma ligação entre as situações anómalas que transparecem dos registos fotográficos apresentados com o relatório de fiscalização e a presença de outras equipas a trabalhar noutras áreas ou tarefas da referida obra, certo é que resultou claro do conjunto da prova produzida, em especial dos depoimentos das testemunhas EE e DD, que a obra realizada pela autora no referido prédio foi só no exterior do mesmo, sendo que os pavimentos exteriores das sacadas, os respetivos rodapés e as caixilharias foram colocados antes do assentamento do capoto e das pinturas realizadas pela autora, o que retira qualquer verosimilhança à versão apresentada pela testemunha BB e pelo representante legal da autora, GG, quando analisados criticamente e à luz das regras da experiência e da normalidade social.
Todos estes elementos foram devidamente considerados na valoração contida na sentença recorrida, o que se mostra explicitado de forma que julgamos adequada na correspondente motivação da decisão sobre a matéria de facto, nos seguintes termos:
«(…)
Ora, a versão da autora é no sentido de que apenas faltava a limpeza e que tal se devia ao facto de as demais empresas que se encontravam a laborar na obra se encontrarem permanentemente a sujar os espaços.
Contudo, ficou patente que a limpeza a que a ré se referia nada tinha a ver com eventuais detritos, sujidade de pegadas, ou outras da mesma natureza, causadas por outros empreiteiros a realizar outros trabalhos.
A testemunha AA foi clara a explicar que a limpeza em falta nada tinha a ver com a existência de tais sujidades, asseverando que as varandas (recorde-se que a parte da obra adjudicada à autora era referente à parte exterior do prédio) estavam limpas de detritos, inexistindo outra sujidade que não a decorrente, designadamente, da aplicação do capoto.
A verdade é que ficou amplamente demonstrado que a execução da obra não respeitou a diligência técnica devida, tendo daí resultado a existência de manchas, de oxidações, etc., proveniente de uma errada aplicação dos materiais.
Da prova produzida foi possível concluir de forma indubitável que a alegação contida em 12. mais não foi do que um expediente para a autora se eximir a efectuar as reais reparações que se mostravam necessárias, entre as quais a limpeza dos materiais, para o que não era necessária a conclusão das demais obras (pois que, com certeza, atenta a natureza da obra realizada pela autora, não era da falta de limpeza de detritos e de pó que a ré se queixava!).
Assim, não obstante a factualidade descrita em 10. a 12., as limpezas que a autor se propôs a executar eram manifestamente insuficientes à resolução dos defeitos elencados em 18., pelo que tal factualidade não se mostra apta a infirmar a demais materialidade provada».
A recorrente convoca ainda o disposto no artigo 394.º do CC para imputar ao tribunal a quo um pretenso erro, alegando que na fundamentação da sentença recorrida privilegiou a prova testemunhal em detrimento da prova documental numa situação em que existe oposição entre as mesmas e sustentando que, em tais circunstâncias, a prova testemunhal apenas poderá servir para completar um documento.
O artigo 394.º do CC prevê o seguinte:
1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.
2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.
3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.
A propósito do regime previsto no enunciado artigo 394.º do CC, refere José Lebre de Freitas[18]: «[q]uando haja documento autêntico ou particular (stricto sensu), seja ele exigido pela lei ou pelas partes, seja formado voluntariamente, não é admissível a prova por testemunhas de (outras) convenções que sejam contrárias ou adicionais ao seu conteúdo, ainda que tais convenções não sejam contemporâneas da formação do documento, mas anteriores a ele ou até posteriores (n.º1)», esclarecendo ainda, a propósito: «[c]onvenção contrária é aquela que se opõe ao conteúdo da declaração feita no documento; adicional é a que lhe acrescenta algo mais».
Sucede que, no caso, não se mostra que esteja em causa a demonstração de qualquer convenção ou acordo contrário ou adicional ao conteúdo de documento, sendo evidente que o normativo em referência não pode servir para fundamentar qualquer restrição de prova no caso em análise, resultando assim ininteligíveis as referências feitas pela recorrente a este propósito.
Ademais, não se vislumbra existir qualquer contradição, muito menos relevante, entre o teor dos depoimentos das testemunhas EE, DD, AA (bem como do teor dos documentos ... - Relatório de Fiscalização - e 5 - fatura n.º ...21) e as cartas enviadas pela recorrida à recorrente, de 1 e de 2 de julho de 2021, nas quais aquela alude à falta de retoques de pintura e à realização da maioria da limpeza da obra, porquanto da análise destas missivas decorre que se reportam genericamente a determinadas ações que a recorrida pretendia que fossem implementadas antes da conclusão dos trabalhos pela recorrente e que implicavam a não aceitação ou a entrega da obra na data acordada (bem como a devolução da fatura enviada pela recorrente no referido contexto), enquanto o Relatório de Fiscalização e os demais meios probatórios que a recorrente pretende infirmar enunciam de forma expressa de pretensos defeitos, patologias e/ou situações anómalas que resultaram patentes e inequívocos para a recorrida no momento em que, de acordo com a sua versão, verificou que a recorrente não deu continuidade aos trabalhos na obra, surgindo assim tais meios de prova em diversos contextos e com diferentes finalidades, ainda que tendo como pressuposto a não concretização pela recorrente das ações anteriormente enunciadas.
Como tal, entendemos que os referidos meios de prova não são inconciliáveis entre si.
Neste domínio, a apelante invoca ainda que o próprio representante da recorrida, CC, confirmou que a empreitada completa englobou cinco autos, que a recorrida aprovou, tendo efetuado o pagamento referente aos quatro autos anteriores sem qualquer objeção. No entanto, referiu que os defeitos de obras se verificaram desde o início da empreitada, e que sempre alertaram a recorrente dos mesmos, circunstâncias que segundo a recorrente levam a pôr em causa as anomalias posteriormente reclamadas pela recorrida, uma vez que se as obras não eram bem executadas desde o início, então não havia motivo para aceitar os primeiros quatro autos.
Contudo, nas declarações que prestou, o representante legal da recorrida também salientou de forma reiterada que sempre alertaram a recorrente e os respetivos funcionários para diversos problemas que foram sendo detetados na obra em várias zonas do edifício e que estes sempre garantiram que no final da obra tudo seria concluído e a obra rematada de cima a baixo, no que confiaram.
 De forma idêntica, e conforme decorre da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, também a testemunha DD, encarregado geral da obra, explicou ainda que foi avisando os trabalhadores da autora, dando nota das imperfeições detetadas e solicitando a sua correção, afirmando, porém, que aqueles apenas procederam a retoques pequenos, manifestamente insuficientes a resolver a situação, justificando-se sempre declarando que o trabalho ainda não estava terminado.
Revisto e analisado integralmente o registo de gravação do depoimento da testemunha AA, constata-se que as referências e os esclarecimentos que esta testemunha apresentou perante o Tribunal foram claros, consistentes e absolutamente plausíveis, não se eximindo a responder de forma direta, substanciada e precisa às questões formuladas.
Neste enquadramento, também esta Relação formula convicção idêntica à que ficou plasmada na decisão recorrida, sendo inteiramente de sufragar a motivação expressa na decisão da matéria de facto quando relevou o depoimento prestado por esta testemunha, a qual, com objetividade e descomprometimento, explicou que a sua empresa foi chamada para efetuar a reparação dos defeitos identificados em 18., tendo-se reportado aos mesmos, e explicado os trabalhos cuja execução foi necessária à reparação dos aludidos defeitos.
Insurge-se a recorrente contra o alcance probatório atribuído pelo tribunal a quo à fatura n.º ...21, junta pela ré com a contestação, sustentando que não foi junto documento bastante para comprovar a despesa que ali vem enunciada e que o valor nela indicado (14.820,00€) é superior ao que a recorrente reclama (10.800,00€) por todo o trabalho.
No entanto, julgamos que o referido documento foi devidamente complementado com recurso à prova testemunhal e às presunções judiciais, tornando verosímil ou razoável a verificação da matéria fáctica vertida no ponto 21 dos factos provados.
Em conclusão, entendemos que não existe erro de julgamento no que respeita aos factos vertidos nos pontos 18., e 21., dos factos provados, improcedendo nesta parte a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Pelo exposto, não vemos razões para alterar a resposta vertida pelo tribunal a quo relativamente aos factos 18., e 21., dos factos provados, mantendo-se, em consequência igualmente a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre os factos vertidos em b) e c) da factualidade não provada.

Considerando, porém, as alterações antes determinadas, são os seguintes os factos que se consideram provados, agora devidamente reordenados:

1. A autora tem como objeto “Construção e remodelação de edifícios, prestação de serviços de estucagem, colocação de pladur, isolamentos e revestimento de paredes e fachadas, pintura e colocação de vidros, restauro, trabalhos de pichelaria e eletricidade e vedações de telhados”.
2. A ré dedica-se à compra e venda de bens imóveis e revenda dos mesmos, arrendamento de imóveis próprios, construção de edifícios e promoção imobiliária.
3. No âmbito das suas atividades, em meados de junho de 2021, a autora e a ré celebraram contrato no âmbito do qual a autora realizou serviços de colocação de capoto e pintura, no prédio da ré, constituído em propriedade horizontal, sito no lote ..., Edifício ..., ....
4. Foram acordados os seguintes preços para o capoto e pintura: capoto de 3 cm - 25,00 euros, m2 + IVA; capoto de 7 cm - 30,50 euros, m2 + IVA; capoto de 12 cm - 35,50 euros, m2 + IVA.
5. Foi acordado que a obra seria concluída até ao dia 15 de junho de 2021.
6. Foi emitida a fatura ...6, no valor de € 10.907,94 (dez mil novecentos e sete euros e noventa e quatro cêntimos), emitida e vencida a 30.06.2021.
7. A autora interpelou a ré para efetuar o pagamento da fatura identificada em 6.
8. A ré não efetuou, até ao momento, o referido pagamento.
9. A ré, por carta registada com aviso de receção, devolveu à autora a referida fatura.
10. Após a ré ter invocado a necessidade de retoques e limpezas, a autora destacou trabalhadores para a obra desde 15.06.2021 até 30.06.2021.
11. No período de tempo referido em 10., encontravam-se na obra outras empresas a realizar serviços.
12. A autora informou não se opor a proceder a limpezas do que mais fosse eventualmente necessário, desde que as obras das outras empresas estivessem concluídas.
13. Por carta de 01 de julho de 2021, a ré comunicou à autora, entre o mais, que: «(…) [v]imos por este meio comunicar a V. Exas. que conforme reunião de 11 de Maio de 2021, ficou acordado que todos os serviços de capoto (incluindo pinturas e limpeza de obra), ficariam concluídos até ao dia 15 de Junho de 2021.

Acontece porem, que nesta data, para além de faltarem retoques de pintura, falta realizar a maioria da limpeza de obra. Acontece ainda que hoje não anda qualquer funcionário da vossa empresa em obra.
Desta forma, e em resposta ao auto de medição apresentado de conclusão da obra, não podemos confirmar o mesmo
Mais comunicamos que os trabalhos deverão ser retomados o mais tardar na próxima segunda-feira, e deverão ter um andamento constante sem interrupções até ao final de todos os retoques e limpeza, que como já atrás referimos deveriam ter sido concluídos até ao dia 15 de Junho.
(…)».
14. Aquando da receção da fatura, quinze dias após a data concertada para conclusão da obra, faltavam concluir retoques de pintura e ficou por realizar a maioria da limpeza.
15. Por carta registada com aviso de receção, datada de 27 de julho de 2021, a ré comunicou à autora, entre o mais, que: «(…) [v]imos por este meio denunciar os seguintes defeitos detetados em obra:
. Paredes exteriores apresentavam deficientes acabamentos, onde são visíveis heterogeneidades em texturas;
. Deficientes ligações com outros materiais nomeadamente caixilharias de portas e janelas, encamisamento de paredes, rodapés e frisos verticais;
. Existem vãos de paredes onde as argamassas primárias não receberam textura final;
. Arestas de paredes e vãos não afagados;
. Impregnação da argamassa final em peitoris de granito;
. Paredes com inflexão, não mantendo linearidade;
. Aparecimento de manchas esbranquiçadas no pavimento cerâmico das varandas.
Em face do exposto, vimos pela presente denunciar os elencados defeitos e solicitar a reparação dos mesmos no prazo de 8 dias a contar da receção da presente carta».
16. Trata-se de um prédio PREMIUM na cidade ..., com todas as frações prometidas vender, com prazos definidos em cada contrato promessa para a celebração das escrituras públicas de compra e venda.
17. Após a data de 30.06.2021, a obra apresentava os seguintes defeitos e patologias:
i. Paredes exteriores apresentavam deficientes acabamentos, onde são visíveis heterogeneidades em texturas;
ii. Deficientes ligações com outros materiais nomeadamente caixilharias de portas e janelas, encamisamento de paredes, rodapés e frisos verticais;
iii. Existência de argamassas primárias não receberam textura final;
iv. Arestas de paredes e vãos não afagados;
v. Impregnação da argamassa final em peitoris de granito;
vi. Paredes com inflexão, não mantendo linearidade;
vii. Aparecimento de manchas esbranquiçadas no pavimento cerâmico das varandas.
18. A interpelação aludida em 15. não teve qualquer resposta.
19. Após a data de 30.06.2021, a autora não enviou ninguém à obra para fazer reparações nem para se inteirar da denúncia de defeitos remetida.
20. Consequentemente, a ré contratou terceiro para reparação dos aludidos defeitos, tendo despendido para tal a quantia de € 14.820,00.

2.2. Reapreciação do mérito da decisão de direito
A sentença recorrida considerou - e bem - que autora/apelante e ré/apelada celebraram um contrato de empreitada, tal como o define o artigo 1207.º do CC, através do qual a autora realizou serviços de colocação de capoto e pintura, no prédio da ré, constituído em propriedade horizontal, sito no lote ..., Edifício ..., ..., e a ré se obrigou a proceder ao pagamento de determinado preço, o que não vem questionado no recurso interposto.
Também não vem posto em causa, como decidido, que a autora logrou demonstrar que, no âmbito do aludido contrato de empreitada, realizou serviços de colocação de capoto e pintura, no prédio desta última (cf. o facto provado sob o n.º 3), mostrando-se igualmente provada a falta de pagamento, pela ré, da correspondente fatura emitida pela autora (cf. factos provados sob os n.ºs 6 e 8).
Do acordo celebrado resultam obrigações recíprocas para ambas as partes, a obrigação de realização da obra para o empreiteiro, ora apelante, e a obrigação de pagamento do preço para o dono da obra, ora apelada, pelo que se trata de um contrato sinalagmático.
Considerou a decisão recorrida que o cumprimento do contrato de empreitada, por parte da autora, se revela defeituoso, pois que a obra foi realizada com vícios, traduzidos estes em anomalias objetivas da obra, independentemente das características convencionadas, que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou para o uso previsto no contrato, concluindo que a autora não cumpriu com as obrigações a que estava adstrita no âmbito do aludido contrato de empreitada, incumprimento que se presume culposo, nos termos dos artigos 762.º, 763.º e 1208.º do CC.
Tal como decorre do disposto no artigo 1208.º do CC, o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.
Assim, é obrigação do empreiteiro executar a obra sem defeitos, compreendendo-se nestes os vícios que excluam ou reduzam o valor da obra, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, e as desconformidades com o que foi convencionado, sendo que os vícios são anomalias objetivas da obra, traduzindo-se em estados patológicos desta, independentemente das características convencionadas[19].

Ora, perante o que resulta dos factos provados, que permanecem inalterados, não pode deixar de se concluir, tal como fez a decisão recorrida, que a conduta da autora permite consubstanciar um incumprimento contratual, na modalidade de cumprimento defeituoso, na medida em que se provou que, após a data de 30-06-2021, a obra apresentava diversos vícios, traduzidos nos seguintes defeitos e patologias:
i. Paredes exteriores apresentavam deficientes acabamentos, onde são visíveis heterogeneidades em texturas;
ii. Deficientes ligações com outros materiais nomeadamente caixilharias de portas e janelas, encamisamento de paredes, rodapés e frisos verticais;
iii. Existência de argamassas primárias não receberam textura final;
iv. Arestas de paredes e vãos não afagados;
v. Impregnação da argamassa final em peitoris de granito;
vi. Paredes com inflexão, não mantendo linearidade;
vii. Aparecimento de manchas esbranquiçadas no pavimento cerâmico das varandas.

Neste domínio, o n.º 1 do artigo 1220.º do CC dispõe que o dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos naqueles preceitos, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento.
Da análise do regime legal antes enunciado decorre que incumbe ao dono da obra denunciar os defeitos e exercer um dos direitos que a lei lhe faculta, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso.
Na situação em análise, a sentença recorrida entendeu que igualmente se demonstrou a denúncia dos defeitos e a interpelação da autora para proceder à reparação de tais defeitos, o que se confirma face ao que decorre efetivamente do facto agora enunciado sob o ponto 15., dos factos provados.
Relativamente às anomalias verificadas, a apelante vem suscitar a questão da caducidade do direito da recorrida para denunciar tais defeitos, sustentando, no essencial, que o prazo de 30 dias para comunicar os defeitos não foi cumprido, alegando ser pacífico que a recorrida tomou conhecimento dos defeitos antes da data ficcionada para entrega da obra, mas mesmo que se considere a data de entrega da obra no dia 15 de junho de 2021, sustenta que o prazo de denúncia dos defeitos não foi respeitado.
Sucede que da matéria de facto assente apenas resulta indiscutível que a ré, ora recorrida, denunciou à autora/recorrente os defeitos em causa por meio de carta registada com aviso de receção, datada de 27-07-2021 (ponto 15., dos factos provados), dela não se extraindo que a recorrida tenha tomado conhecimento dos defeitos antes da data ficcionada acordada para entrega da obra (15-06-2021) ou sequer nesta última data, sendo a factualidade assente totalmente omissa quanto a tal matéria.
Aliás, o que se provou é que, após a ré ter invocado a necessidade de retoques e limpezas, a autora destacou trabalhadores para a obra desde 15-06-2021 até 30-06-2021 (cf. o ponto dos factos provados), pelo que a data da entrega da obra não pode situar-se em data anterior a 30-06-2021, assim também não se verificando a caducidade prevista no artigo 1224.º, n.º 1 do CC.
Ora, à ré cabia a prova não apenas da existência dos defeitos mas também da denúncia deles junto do empreiteiro (recorrente), sendo que ao empreiteiro é que cabe alegar e provar o decurso do prazo de exercício dos direitos do dono da obra[20], pelo que improcedem, nesta parte, as correspondentes conclusões da apelação.
Em consequência, resultam manifestamente inócuas as referências feitas pela apelante à falta de verificação da obra por parte do dono da obra dentro do prazo razoável, conforme previsto no artigo 1218.º, n.º 2 do CC ou à falta de verificação ou da respetiva comunicação, atenta a denúncia de defeitos datada de 27-07-2021.
Em caso de não cumprimento integral da prestação a cargo do empreiteiro, como sucede sempre que a obra é entregue, mas não se encontra nas condições convencionadas e/ou apresenta anomalias objetivas ou estados patológicos, independentemente das características convencionadas, a lei confere ao dono da obra vários direitos, tal como previstos nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º do CC.
Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação e, se não puderem ser eliminados, pode exigir nova construção, cessando estes direitos se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito, conforme decorre do artigo 1221.º, n.º 2 do CC. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, dispõe o artigo 1222.º do CC, que o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. Esclarece ainda o artigo 1223.º do CC que o exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.
Tal como esclarece João Serras de Sousa, em anotação ao artigo 1221.º do CC[21]: «Da articulação do regime das medidas previstas nos arts. 1221.º e ss., decorre não constituir exercício destes direitos uma escolha. Há, assim, um encadeamento no exercício destes direitos, não estando em relação de alternatividade (…). Nestes termos, o dono da obra terá, em primeiro lugar, direito à eliminação dos defeitos e, caso esta se revele impossível (art. 1221, n.º 1) ou desproporcionada, o direito à realização de obra nova (art. 1221.º, n.º 2).
(…)
Em caso de recusa na eliminação de defeitos ou na realização de nova obra, poderá o dono da obra exigir o seu cumprimento (art. 817.º). Caso o empreiteiro persista nesse incumprimento e a prestação seja fungível, poderá esta ser cumprida por terceiro (art. 828.º). Em caso de infungibilidade, resta a possibilidade conferida pelo art. 829.º-A, pedindo o dono da obra a condenação em sanção pecuniária compulsória (…)».
No âmbito do direito preferencial do dono da obra de exigir do empreiteiro a sua eliminação, face à realização desta com defeitos, tal como consagrado no artigo 1221.º, n.º 1, do CC, refere João Cura Mariano[22]: «a possibilidade de ser exigida ao empreiteiro a eliminação dos defeitos satisfaz não só o interesse do dono da obra em ver a prestação a que tem direito fielmente cumprida, mas também o interesse do empreiteiro em ser ele a efetuar essa obra e reparação, permitindo-lhe o controlo dos seus custos e evitar o agravamento dos prejuízos causados pelo defeito.
Este direito tanto existe se o dono da obra já a aceitou, como se ele a recusou, após ter verificado a existência de defeitos.
(…)
O direito à eliminação dos defeitos é uma das possíveis consequências legais sancionatórias do cumprimento inexato da prestação do empreiteiro, traduzindo-se num direito à reparação do dano, inerente ao cumprimento defeituoso.
(…)
É o modo ideal de ressarcimento que mais afinidades tem com o próprio cumprimento da prestação, atuando como seu equivalente, pelo que o legislador lhe deu primazia».
O tribunal a quo, apesar de aludir a este regime regra, veio a aderir ao entendimento doutrinário e jurisprudencial que vem admitindo a possibilidade de o dono da obra recorrer a terceiros nas situações de urgência na realização da obra, ao abrigo do artigo 336.º do CC, bem como a um outro que, para além das situações de urgência, tem vindo a flexibilizar ainda mais a solução, afirmando poder o dono da obra recorrer a um terceiro para o cumprimento dessas obrigações de eliminação dos defeitos ou de realização de obra nova, desde que se verifique o incumprimento definitivo do empreiteiro quanto a tais obrigações, sendo os custos do recurso a esse terceiro mais um dano indemnizável, nos termos gerais[23].
Neste enquadramento, aquele tribunal entendeu que a obra em causa não se compadecia com mais demoras, por força dos factos provados, assim legitimando a contratação de terceiro para eliminação dos defeitos detetados, o que também concluiu ser possível no caso por se mostrar definitivamente incumprida a obrigação de eliminação dos defeitos por parte do empreiteiro, ora recorrente. E, apesar de ter considerado que a eliminação dos defeitos já não se mostra possível, considerando o facto de os mesmos já se mostrarem eliminados, por força do facto antes enunciado em 21 (agora em 20., dos factos provados, por força da reordenação antes determinada) o mesmo tribunal concluiu que sempre caberia à ré - seguindo a ordem legalmente estabelecida de direitos do dono da obra, nos termos dos artigos 1221.º e ss. do CC - a possibilidade de redução do preço estabelecido, mais consignando, a propósito, a seguinte fundamentação:
«(…)
Solução esta que, no caso de se entender que cabia à ré a obrigação de pagamento do preço, sempre se afiguraria a mais ajustada ao caso sob apreço, encontrando-se de harmonia com a alegação constante da oposição apresentada.
Assim, sempre assistiria à ré o direito à redução do preço, sendo que, atenta a extensão dos defeitos e o valor despendido pela ré para eliminar os mesmos, superior ao montante em dívida (cfr. facto provado sob o n.º 21), tal redunda, naturalmente, na total improcedência da presente acção».
Em consequência, foi a ação julgada totalmente improcedente.
Contra tal decisão insurge-se a recorrente/autora, discordando, entre o mais, das consequências extraídas pelo tribunal a quo da matéria de facto dada como provada, ao considerar legitimada a contratação de outro empreiteiro pela recorrida com base numa suposta urgência na conclusão das obras em 15 de junho de 2021, tanto mais que a empresa que foi contratada apenas veio a realizar a obra em setembro de 2021, as quais tiveram a duração de pelo menos dois meses, ou seja, até novembro de 2021 e por um valor da ordem dos 14.820,00€, quando a recorrente, que efetivamente realizou a obra completa, reclama apenas 10.907,94€ por todo o trabalho. Sustenta que a sentença recorrida violou o procedimento sequencial previsto no artigo 1221.º e ss. do CC, nos termos do qual, se os defeitos puderem ser suprimidos, a respetiva eliminação deve seja exigida ao empreiteiro e, só no caso de tal não ser possível, pode exigir-se nova construção, ou, sendo esta inviável, tem o dono de obra direito a exigir a redução do preço ou a resolução da obra (apenas se os defeitos tornarem a obra inadequado ao seu fim), o que opera por comunicação a parte contrária. Mais defende a apelante que a recorrida nem sequer requereu a redução do preço, nem estavam reunidas as condições para considerar o incumprimento como definitivo, conforme dispõe o artigo 808.º, n.º 1 do CC. Conclui que a recorrida não agiu em conformidade, contratando outro empreiteiro sem dar à autora a possibilidade de resolver os defeitos, devendo a sentença em análise ser revogada e a recorrida condenada ao pagamento da quantia peticionada.
Apreciando as questões suscitadas, à luz do circunstancialismo apurado nos autos, entendemos que a matéria de facto que permanece assente não permite traduzir qualquer situação de urgência suscetível de legitimar o dono da obra, ora recorrida, a subverter a ordem de prioridade ou de precedência de direitos legalmente colocados à sua disposição e executar diretamente a reparação dos defeitos, mediante o recurso à contratação de terceiro que não o empreiteiro.
Assim, julgamos que a circunstância de se tratar de um prédio PREMIUM na cidade ..., com todas as frações prometidas vender, com prazos definidos em cada contrato promessa para a celebração das escrituras públicas de compra e venda (ponto 16., dos factos provados) não permite evidenciar de forma objetiva qualquer situação de impossibilidade de recurso em tempo útil à sequência normal prevista para as consequências legais sancionatórias do cumprimento inexato da prestação do empreiteiro, porquanto os autos nada revelam, designadamente, quanto aos concretos prazos definidos em cada contrato promessa para a celebração das escrituras públicas de compra e venda, nem tal foi alegado, e o facto de ter sido acordado que a obra seria concluída até ao dia 15 de junho de 2021 não determina, por si só, a inutilização prática do correspondente direito do dono da obra.
 Por outro lado, julgamos que a conduta omissiva imputada à recorrente/autora não pode assumir relevância direta no processo causal que acabou por determinar a impossibilidade de cumprimento integral da correspondente prestação porquanto tal omissão, ainda que imputável à recorrente, não permite consubstanciar uma falta definitiva de realização da prestação debitória, a qual sempre dependia da prévia conversão da mora em incumprimento definitivo, quer pela perda objetiva de interesse do credor ou através do recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável para o efeito.
Nos termos do disposto no artigo 808.º, n.º 1, do CC, «se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação», mais prevendo o respetivo n.º 2 que «a perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente».
Ora, apesar de haver prazo para a conclusão da obra, não resulta evidente que fosse impossível que o cumprimento pudesse ser realizado mais tarde, ainda que com eventuais prejuízos para o credor pelo atraso, sendo certo que a recorrida também não alegou, nem demonstrou, factos que, objetivamente apreciados, fossem suscetíveis de levar a concluir pela perda do interesse na prestação, nos termos do n.º 2 do citado artigo 808.º do CC.
Para estes casos, o meio de que dispõe o credor para obter o cumprimento ou, não o obtendo do devedor, poder socorrer-se dos direitos que a lei faculta para o não cumprimento definitivo e culposo, passa pela fixação de um prazo suplementar admonitório ao devedor, findo o qual sem cumprimento, a situação jurídica é de incumprimento definitivo.
Nestes casos, para além de razoabilidade do prazo fixado, a doutrina tem vindo a entender pacificamente que a comunicação do prazo suplementar concedido ao devedor para o cumprimento tem de ser acompanhada da advertência de que, se a prestação não for realizada dentro dele, o efeito será o de se considerar definitivamente incumprida a obrigação[24].
 A este propósito, elucida João Cura Mariano[25]: «Não tendo sido reclamada a eliminação dos defeitos no momento da denúncia da sua existência, o dono da obra tem de interpelar o empreiteiro, em ato autónomo, para este proceder à sua eliminação. O início das obras de reparação e o seu termo devem ocorrer num prazo razoável e com o mínimo de transtorno, tendo em consideração a natureza dos trabalhos e o fim a que o dono da obra a destina, nada obstando a que este fixe esses prazos aquando da interpelação ou posteriormente, podendo conferir ou não carácter admonitório a essa interpelação. Se esta não tiver este esse cariz, a ultrapassagem do prazo fará o empreiteiro incorrer em simples mora no cumprimento da obrigação de eliminar os defeitos. Caso a fixação de prazo contenha inequivocamente a advertência de que o seu decurso determinará o fim da possibilidade do próprio empreiteiro proceder às obras de reparação, a ocorrência desse facto determinará o incumprimento definitivo dessa prestação (artº 808º, nº 1, do C.C.)».
Revertendo ao caso dos autos, observa-se que a primeira comunicação em que a recorrida enuncia perante a recorrente, de forma expressa, os defeitos, patologias e/ou situações anómalas detetados em obra, corresponde à carta registada com aviso de receção, datada de 27 de julho de 2021, pela qual a ré comunicou à autora, entre o mais, que: «(…) [v]imos por este meio denunciar os seguintes defeitos detetados em obra:
. Paredes exteriores apresentavam deficientes acabamentos, onde são visíveis heterogeneidades em texturas;
. Deficientes ligações com outros materiais nomeadamente caixilharias de portas e janelas, encamisamento de paredes, rodapés e frisos verticais;
. Existem vãos de paredes onde as argamassas primárias não receberam textura final;
. Arestas de paredes e vãos não afagados;
. Impregnação da argamassa final em peitoris de granito;
. Paredes com inflexão, não mantendo linearidade;
. Aparecimento de manchas esbranquiçadas no pavimento cerâmico das varandas.
Em face do exposto, vimos pela presente denunciar os elencados defeitos e solicitar a reparação dos mesmos no prazo de 8 dias a contar da receção da presente carta».
Observa-se, assim, que a recorrida, na qualidade de dono da obra, reclamou a eliminação dos defeitos no momento da denúncia da sua existência, em 27 de julho de 2021, concedendo ao empreiteiro, ora recorrente, o prazo de 8 dias, a contar da receção da carta, para este proceder à sua eliminação.
Porém, não resulta de tal comunicação que a recorrida lhe tenha conferido carácter admonitório.
Assim, não tendo, no caso em análise, o empreiteiro eliminado os defeitos no prazo concedido, tal como decorre do ponto 19., dos factos assentes, a ultrapassagem do prazo fez o empreiteiro, ora recorrente, incorrer em simples mora no cumprimento da obrigação de eliminar os defeitos.
Ora, como se viu, mesmo aderindo ao entendimento que defende poder o dono da obra recorrer a um terceiro para o cumprimento dessas obrigações de eliminação dos defeitos ou de realização de obra nova, tal possibilidade sempre depende da prévia verificação de uma situação de incumprimento definitivo do empreiteiro quanto a tais obrigações, sendo inaplicável tal solução em caso de simples atraso no cumprimento como sucede no caso em análise.
Acresce que dos autos não decorre que a recorrente tenha comunicado à recorrida, inequívoca e categoricamente, que não cumpriria tais obrigações, nem resulta da matéria de facto assente quaisquer atitudes ou comportamentos da recorrente que revelem inequivocamente a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, antes se tendo apurado que, após a ré ter invocado a necessidade de retoques e limpezas, a autora destacou trabalhadores para a obra desde 15.06.2021 até 30.06.2021 (ponto 10., dos factos provados), que, no período de tempo referido em 10., encontravam-se na obra outras empresas a realizar serviços (ponto 11., dos factos provados), bem como que a autora informou não se opor a proceder a limpezas do que mais fosse eventualmente necessário, desde que as obras das outras empresas estivessem concluídas (ponto 12., dos factos provados).
Deste modo, face à matéria de facto definitivamente assente nos autos, não pode deixar de se concluir que não se verificam os pressupostos para o dono da obra, ora recorrida, recorrer a terceiro para efetuar as obras de eliminação dos defeitos detetados e, posteriormente, reclamar da recorrente/empreiteiro o custo dessas obras.
Aliás, no caso também não existe qualquer fundamento legal para a redução do preço, que a sentença recorrida parece ter acolhido para o caso de se entender que cabia à ré a obrigação de pagamento do preço.
Com efeito, o exercício do direito à redução do preço contratado é subsidiário dos direitos de eliminação dos defeitos e de construção de nova obra, tal como decorre de forma clara do disposto no artigo 1222.º, n.º 1 do CC, pressupondo assim que se mantém um interesse do dono da obra nesta, apesar dos defeitos verificados, resignando-se com a sua existência, pelo que se pressupõe a aceitação da obra[26].
 Ora, no caso, a recorrida, na qualidade de dono da obra, não se resignou com os defeitos nem aceitou a obra com os aludidos vícios, antes tendo contratado terceiro com vista à eliminação dos mesmos, não lhe assistindo, por isso, qualquer direito de poder unilateralmente alterar a sua prestação através da redução do preço.
Por outro lado, tal redução nem sequer foi peticionada nos presentes autos, nem poderá ser operada qualquer compensação, nos termos previstos no artigo 266.º, n.º 2, al. c), do CPC, uma vez que a reconvenção não foi admitida. 
Nos termos do artigo 790.º, n.º 1 do CC, a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.
Ora, «tendo os direitos de eliminação dos defeitos e de realização de nova construção sido estabelecidos no interesse de ambas as partes, não pode o dono da obra, em regra, obviar ao cumprimento das respetivas obrigações pelo empreiteiro, efetuando-as ele próprio ou contratando terceiro para o efeito, sem primeiro dar essa oportunidade ao empreiteiro. Se o fizer, perderá a possibilidade de exercer qualquer direito de reação à existência do defeito eliminado por si, ou por terceiro, uma vez que se deve considerar extinta a obrigação do empreiteiro de reparação dos defeitos da obra, uma vez que o dono desta, com o seu comportamento, impossibilitou o seu cumprimento (artº 790º, n.º 1, do C.C.)»[27].
No caso dos autos, tratando-se de um contrato bilateral e sendo a impossibilidade do cumprimento da obrigação do empreiteiro de reparação dos defeitos da obra imputável ao credor (dono da obra), este mantém-se adstrito à contraprestação (ao pagamento do preço), não obstante a extinção da obrigação a cargo do devedor, nos termos previstos no artigo 795.º, n.º 2 do CC.
Procede, nestes termos, a apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida, condenando-se a ré/recorrida a pagar à autora/recorrente a quantia de 10.907,94€ acrescida do montante correspondente aos juros de mora vencidos desde 30-06-2021 e dos vincendos, até integral pagamento.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada procedente, as custas da ação e da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrida, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a sentença recorrida, que se substitui por decisão que julga a ação totalmente procedente, condenando a ré/recorrida a pagar à autora/recorrente a quantia de 10.907,94€ acrescida do montante correspondente aos juros de mora vencidos desde 30-06-2021 e dos vincendos, até integral pagamento.
As custas da ação e da apelação são da responsabilidade da ré/recorrida.
Guimarães, 01 de junho de 2023

(Acórdão assinado digitalmente)
Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Relatora: Fernanda Isabel Pereira, p. n.º 809/10.7TBLMG.C1. S1 - 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Vol. III, 4.ª edição (Reimpressão), Coimbra, 1985 - Coimbra Editora, pgs. 206 e 209.
[3] Cf. o Ac. TRP de 07-10-2021 (relator: Filipe Caroço), p. n.º 1450/12.5TJPRT-J. P1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. o Ac. do STJ de 23-09-2009 (relator: Bravo Serra), p. 238/06.7TTBGR.S1 - 4.ª Secção; neste sentido, cf., ainda o Ac. do STJ de 01-10-2019 (Relator: Fernando Samões), p. n.º 109/17.1T8ACB.C1. S1 - 1.ª Secção, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Relator Filipe Caroço, p. 338/17.8YRPRT, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Cf. o Ac. do STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), revista n.º 405/09.1TMCBR.C1. S1 - 7.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126.
[8] Cf. Abrantes Geraldes - Obra citada - nota 5.
[9] Relatora: Eugénia Cunha P. 5245/16.9T8GMR-C.G1 disponível em www.dgsi.pt citando, a propósito, diversa doutrina e jurisprudência que julgamos elucidativa.
[10] Cf. Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Coimbra, Almedina, 2016 - Reimpressão -, p. 373.
[11] Obra citada -, p. 373.
[12] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 598.
[13] Cf. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra, Gestlegal, 2017, pgs. 734 e 735.
[14] Neste sentido, cf. por todos, o Ac. TRG de 30-11-2017 (relator: António Barroca Penha) p. 1426/15.0T8BGC-A. G1, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cf., a propósito, Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, pgs. 690-691.
[16] Cf., Lebre de Freitas/Isabel Alexandre - Obra citada - p. 694.
[17] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224.
[18] Cf., Código Civil, Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 479.
[19] Cf. João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª edição, Coimbra, 2020 - p. 54.
[20]  Neste sentido cf. João Cura Mariano - obra citada -, p. 167; na jurisprudência, cf., por todos, os Acs. TRP de 21-03-2022 (relator: Jorge Seabra), p. 3072/16.2T8VNG.P1; TRG de 18-12-2017 (relator: João Peres Coelho), p. 1841/16.2T8BRG, disponível em www.dgsi.pt.
[21] Cf. Código Civil Anotado, Vol. I, Ana Prata (Coord.); Almedina, 2017, p. 1517.
[22] Cf. obra citada, pgs. 113-114;
[23] A propósito das correntes doutrinárias e jurisprudenciais em referência, cf., por todos, João Serras de Sousa - obra citada - pgs. 1517-1518.
[24] Sobre esta matéria, cf., Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, Ana Prata (Coord.); Almedina, 2017, pgs. 1016-1017, em anotação ao artigo 808.º do CC.
[25] Obra citada, pgs. 116-117;
[26] Cf. João Cura Mariano - obra citada -, p. 124.
[27] Cf. João Cura Mariano - obra citada -, p. 147.