Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | FRANCISCO SOUSA PEREIRA | ||
| Descritores: | ACÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO BONIFICAÇÃO DO FACTOR 1.5 | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/25/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I – Se, na pendência da acção emergente de acidente de trabalho, o sinistrado completar 50 anos de idade, deve ser aplicada a bonificação do factor 1.5 previsto, em razão da idade, na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sem que haja necessidade de o beneficiário instaurar incidente de revisão da incapacidade para efeitos de ver satisfeito tal desiderato. II - Se à data da alta o sinistrado não tinha 50 anos de idade, não há fundamento para lhe aplicar o factor de bonificação que precisamente prevê que o sinistrado já tenha alcançado essa idade com referência a essa data, só podendo essa bonificação ser aplicada quando o sinistrado perfizer os 50 anos, repercutindo-se os seus efeitos apenas a partir da data em que perfizer essa idade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Na presente acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, na qual ocupam as posições de sinistrado AA e de entidade responsável EMP01..., S.A., teve lugar tentativa de conciliação, que se frustrou apenas por divergir esta última da incapacidade permanente atribuída ao primeiro no exame pericial realizado pelo GML. A entidade seguradora requereu então que se procedesse a reavaliação pericial do sinistrado, por junta médica, acto esse que (nas especialidades de neurologia e de ortopedia) se realizou. Após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se: --- 1). Fixar em 3,75% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado AA, desde a data da alta; --- 2). Condenar EMP01... Seguros, S.A., a pagar-lhe: --- i. O capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1.039,87 [mil e trinta e nove euros e oitenta e sete cêntimos], acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 07.01.2021; --- ii. O valor de € 30,00 [trinta euros], a título de reembolso de despesas de deslocação, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 16.11.2023. --- ** Custas a cargo da entidade seguradora. ---** Valor da causa: € 14.868,94 – cfr. artº 120º, nº 1 do CPT. ---** Registe e notifique. ---”Inconformada com esta decisão, dela veio a ré seguradora interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “I- A Recorrente impugna, por considerar incorretamente julgado, a decisão proferida quanto ao facto do ponto 5 da matéria considerada demonstrada, ou seja, que “Das lesões sofridas resultaram para AA sequelas, determinantes de uma IPP de 3,75% [2,5% x 1,5].” II- O grau de incapacidade permanente fixado ao Autor resulta da aplicação à IPP atribuída na junta médica (2.5%) do fator de bonificação de 1,5, por idade, previsto na parte final da alínea a) do ponto 5 das instruções gerais da TNI III- Apesar de não constar do texto deste preceito qual a data na qual o sinistrado deve contar 50 anos para que possa beneficiar daquele fator, parece-nos evidente que não pode ser outra senão a da alta. IV- É que, desde logo, a data da alta coincide com a data da consolidação médico-legal das lesões, momento a partir do qual pode passar a existir uma incapacidade permanente. V- A consideração de data ulterior para esse fim deixaria a aplicação ou não do fator dependente de fatores como a celeridade da ação judicial onde fosse apurada a sua incapacidade, com a potencial verificação de situações de injustiça e tratamento desigual de sinistrados, por razão em nada relacionada com o fundamento da aplicação dessa regra, mas sim com o funcionamento e organização dos Tribunais. VI- A consideração de data posterior à da alta como a relevante para a aplicação do fator de bonificação pela idade seria incompatível com a regra do n.º 2 do artigo 50.º da LAT, VII- Se se tivesse em consideração outra data posterior à data alta para avaliar se deve ou não ser bonificada a IPP, o sinistrado seria injustificadamente beneficiado na indemnização, na medida em que receberia prestação com referência a data anterior àquela em que perfaria 50 anos, com base numa incapacidade permanente que só lhe poderia ser reconhecida depois de completar essa idade. VIII- Por outro lado, entende a recorrente que a aplicação do fator de bonificação previsto na alínea a) da instrução 5 da TNI, em função da idade, com referência a momento anterior àquele em que o sinistrado perfaça 50 anos é, também, incompatível com as regras e pressupostos de cálculo do capital de remição de pensões por incapacidade permanente, previstas na portaria 11/2000, de 13 de janeiro. IX- As bases técnicas da portaria 11/2000, prevendo uma capitalização de pensões a liquidar a pensionistas com base numa esperança de vida superior à de 50 anos, foram aprovadas já depois de o legislador ter inserido na TNI a regra da bonificação da incapacidade permanente depois dos 50 anos de idade. X- Ora, sendo assim, atendendo à regra do artigo 9.º do Cod Civil e, em particular, à unidade do sistema jurídico e ao princípio de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, não se pode chegar a outra conclusão se não a de que as bases técnicas previstas na portaria 11/2000 já contemplam o agravamento da incapacidade permanente por efeito da idade de 50 anos. XI- Considerar-se como data relevante para a capitalização da pensão por incapacidade permanente momento anterior àquele em que o sinistrado perfizesse 50 anos e, do mesmo passo, aplicando-se à IPP do sinistrado o fator de bonificação por ter essa idade na data da sentença, geraria uma duplicação de indemnizações e um enriquecimento injusto do sinistrado. XII- Daí que nenhuma outra solução é coerente com o ordenamento jurídico no seu conjunto senão o de considerar como data relevante para efeitos de aplicação, ou não, do fator de bonificação por idade a data da alta. XIII- Não tendo o sinistrado essa idade na data da alta, só por via de incidente de revisão da incapacidade permanente, a intentar nos termos e dentro do enquadramento do artigo 70.º da LAT, poderá ser aplicado o fator de 1,5 pela idade, previsto na alínea a) da instrução 5 da TNI, XIV- No douto AUJ 16/2024, o STJ não se pronunciou quanto à data na qual o sinistrado deve contar 50 anos, para que seja aplicado o fator de bonificação previsto na parte final da alínea a) do ponto 5 das instruções gerais da TNI XV- No douto AUJ 16/2024 não se terá querido decidir que o sinistrado deve ser antecipadamente indemnizado, ou seja, antes de perfazer 50 anos, com base na incapacidade permanente bonificada com o fator de 1,5 aplicável por ter atingido tal idade, mas sim que pode, mais tarde, recorrer ao incidente de revisão para ver aplicado esse fator, se entretanto, perfizer 50 anos de idade. XVI- Quer na data do acidente, quer na data da alta, o sinistrado contava, apenas, 46 anos de idade. XVII- Assim, nunca a sua incapacidade permanente poderia ter sido bonificada, como foi, pela idade e jamais poderia ter sido indemnizado com base na IPP de 3,75%, muito menos com referência à data da alta. XVIII- Ao fazê-lo, o Tribunal violou não só a letra, como o espírito da norma da alínea a) do ponto 5 das instruções gerais da TNI, a qual tem em vista a bonificação da incapacidade permanente para sinistrados que tenham idade de 50 anos, ou mais, à data da alta, por ser essa a única interpretação coerente da dita norma, em face da regulamentação referente ao cálculo das prestações por incapacidade permanente (designadamente as que determinam o seu vencimento no dia seguinte ao da alta). XIX- A decisão do Tribunal gerou um enriquecimento injusto do Autor, já que dela resulta que um sinistrado com 46 anos deve ser indemnizado, desde o dia seguinte ao da alta, com base numa incapacidade que só lhe seria de reconhecer se contasse já 50 anos da idade nessa mesma data, ou seja, mais de três anos depois XX- O cenário de injustiça que decorre da decisão avoluma-se se tivermos em consideração a forma de cálculo do capital de remição, já que, tendo-se fixado como data de vencimento da pensão a remir o dia seguinte a da alta (07/01/2021) será considerada como idade atuarial a de 47 anos de idade, o que conferiria ao sinistrado um capital calculado com base numa incapacidade permanente que só poderia ser-lhe atribuída três anos depois, ou seja, com uma antecipação de 3 anos XXI- A interpretação que o Tribunal fez da norma da alínea a) do n.º 1 do ponto 5 das instruções gerais, no sentido de que é aplicável a bonificação em causa a um sinistrado que complete 50 anos depois da alta, além de violar a letra e espírito da indicada norma, ofende, ainda, a regra do artigo 50.º n.º 2 da LAT. XXII- Ademais, essa interpretação viola, também, o Princípio da Justa Reparação, previsto no artigo 59.º da CRP, na vertente de proibição de reparação excessiva e desconforme com o dano, uma vez que acarreta – como no caso – a possibilidade de um sinistrado com idade inferior à de 50 anos na data da alta ser injustamente enriquecido, pela consideração antecipada de critérios de bonificação da sua incapacidade permanente que não seriam aplicáveis na data de vencimento da correspondente prestação, que é a da alta (cfr artigo 50.º n.º 2 da LAT). XXIII- Logo, atendendo ao resultado da junta Médica, de 03/04/2025, que fixou ao sinistrado uma IPP de 2,5%, impõe-se a alteração da decisão proferida quanto ao facto do ponto 5 da matéria de facto dada como provada, dando-se agora como provado que: • “Das lesões sofridas resultaram para AA sequelas, determinantes de uma IPP de 2,5%” XXIV- Ainda que não fosse atendido o que acima se expôs, sempre se imporia a alteração da decisão proferida quanto ao facto do ponto 5 da matéria de facto dada provada por via da não aplicação da norma da alínea a) do ponto 5 das instruções gerais da TNI. XXV- A decisão em causa, ao interpretar o disposto na al. a) do artigo 5º das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007, de 23 de outubro, no sentido de permitir uma aplicação automática do fator de bonificação 1,5 respeitante à idade, mesmo não se verificando qualquer agravamento, desassociada de outros critérios a ponderar casuisticamente e ao sabor da morosidade processual de cada incidente de revisão, é violadora dos Princípios Constitucionais da igualdade e da justa reparação, respetivamente previstos nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. f) da CRP; XXVI- A al. a) do citado artigo 5º das Instruções gerais da Tabela nacional das Incapacidades prevê dois grupos de situações, no âmbito dos quais o legislador considerou ser de aplicar o fator de bonificação de 1,5, mais precisamente: a) vítimas de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais não reconvertíveis à sua função profissional originária; e b) Vítimas de acidentes de trabalho ou de doenças profissionais com mais de 50 anos de idade, desde que não tenham anteriormente beneficiado da aplicação do fator de bonificação, independentemente de as mesmas serem ou não reconvertíveis ao posto de trabalho originário. XXVII- No confronto das duas previsões, e se o dado objetivo da idade for aplicável só por si, totalmente desassociado da natureza da lesão e do concreto posto de trabalho que vinha sendo ocupado, é por demais evidente que estamos perante duas situações chocantemente distintas, que jamais merecem tratamento igualitário; XXVIII- De acordo com o moderno entendimento doutrinal em torno do princípio da igualdade, que o prefigura em termos materiais e não meramente formais, não é admissível que se proceda a um tratamento desigual daquilo que é substancialmente igual, nem é permitido que se reserve uma disciplina idêntica a realidades substancialmente diversas; XXIX- Um tratamento destas situações que assente numa aplicação automática do fator de bonificação 1,5, é ostensivamente mais favorável para os sinistrados com 50 anos ou mais de idade, o que não pode ser admissível; XXX- Devendo o princípio constitucional da igualdade ser perspetivado como uma igualdade proporcional, necessariamente concluímos que, atento o exposto, a opção da decisão recorrida de aplicação automática do fator de bonificação, sem se registarem razões objetivas ponderosas para um tal benefício (antes pelo contrário, já que se demonstrou que o quadro clínico não se agravou), é claramente violadora do princípio Constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP; XXXI- Do mesmo modo, ao tratar nos mesmos moldes, situações objetivamente distintas em termos de gravidade, não associando ao critério da idade outros elementos relacionados com o quadro clínico e a atividade profissional desenvolvida, a decisão recorrida viola o princípio da justa reparação, previsto no artigo 59º, nº 1, al. f) da CRP; XXXII- Não descurando que o envelhecimento é intrínseco ao decurso da idade, a verdade é que, o impacto desse mesmo envelhecimento não ocorre uniformemente, variando de pessoa para pessoa, pelo que apenas uma análise casuística pode justificar a aplicação do fator de bonificação previsto no citado artº 5º, al) a) das Instruções Gerais. Para além disso, as lesões podem ter um impacto diferente consoante as características pessoais dos sinistrados; XXXIII- Não podemos deixar de concluir, assim, pela inconstitucionalidade do disposto na al. a) do artigo 5º das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, aprovada pelo DL nº 352/2007, de 23 de outubro, por violação dos Princípios Constitucionais da igualdade e da justa reparação, respetivamente previstos nos artigos 13º e 59º, nº 1, al. f) da CRP, quando interpretada no sentido em que o factor de bonificação 1,5 respeitante à idade é de aplicação automática, mesmo não se verificando qualquer agravamento, sem a ponderação de outros elementos clínicos, associados à profissão e inerentes ao sinistrado, desconsiderando uma aplicação casuística e ao sabor da morosidade processual de cada incidente de revisão; XXXIV- Logo, deve ser recusada, no caso, a aplicação da norma em causa, ou seja, o fator de bonificação de 1,5 previsto na parte final da alínea a) do ponto 5 das instruções gerais da TNI XXXV- Como tal, atendendo ao resultado da junta Médica, de 03/04/2025, que fixou ao sinistrado uma IPP de 2,5%, impõe-se a alteração da decisão proferida quanto ao facto do ponto 5 da matéria de facto dada como provada, dando-se agora como provado que “Das lesões sofridas resultaram para AA sequelas, determinantes de uma IPP de 2,5%” XXXVI- Nos termos acima expostos, a IPP do sinistrado a considerar é a de 2,5, pelo que deve ser revogada a douta sentença na parte em que nela se decidiu “Fixar em 3,75% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado AA, desde a data da alta”, substituindo-se essa decisão por outra que fixe essa mesma incapacidade permanente em 2,5%. XXXVII- Por outro lado, face a tal incapacidade permanente, cabe o direito a receber, no que respeita à IPP, o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 693,25 [seiscentos e noventa e três euros e vinte e cinco cêntimos] (39.614,00€ x 0,7 x 2,5%), acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 07.01.2021. XXXVIII- Assim, deve ser revogada a douta sentença na parte em que nela se decidiu “Condenar EMP01... Seguros, S.A., a pagar-lhe: i. O capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1.039,87 [mil e trinta e nove euros e oitenta e sete cêntimos], acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 07.01.2021” XXXIX- E, em sua substituição, deve essa decisão ser substituída por outra que condene a Ré a pagar ao sinistrado “O capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 693,25 [seiscentos e noventa e três euros e vinte e cinco cêntimos] acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 07.01.2021. XL- Se assim não se entender e na certeza de que o grau de incapacidade permanente fixado ao sinistrado é resultado da aplicação à IPP de 2,5% do fator de bonificação de 1,5, decorrente da circunstância de o sinistrado ter 50 anos ou mais, de forma alguma se pode considerar que é essa a incapacidade que o afeta desde a data da alta, mas só depois de perfazer 50 anos. XLI- Consequentemente, se não for atendido o que acima se expôs, deve ser revogada a douta sentença na parte em que nela se decidiu “Fixar em 3,75% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado AA, desde a data da alta”, substituindo-se essa decisão por outra que • Fixe em 2,5% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado AA, desde a data da alta” • fixe essa mesma incapacidade permanente em 3,75%, a partir de 23/03/2025 XLII- Por outro lado, se for atendido o que acabou de se expor, mas não o que acima se pediu- o que só por mera hipótese se admite, deve ser revogada a douta sentença na parte em que nela se decidiu “ Condenar EMP01... Seguros, S.A., a pagar-lhe: i. O capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1.039,87 [mil e trinta e nove euros e oitenta e sete cêntimos], acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 07.01.2021”. XLIII- E, em sua substituição, se não for atendido o que acima se expôs, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor • uma pensão anual e temporária, anualmente atualizável, de 693,25€, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 07.01.2021 até 22/03/2025 • O capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1.039,87 [mil e trinta e nove euros e oitenta e sete cêntimos], acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 23/03/2025 XLIV- Por tudo o exposto, a decisão recorrida violou quanto dispõem as normas dos artigos 48º, 50º n.º 2 da LAT, 9º do CC, 13º e 59º, nº 1, al. f) da Constituição da República Portuguesa, impondo-se, consequentemente, a sua revogação, o que se requer Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, como é de inteira e liminar JUSTIÇA” O recorrido não apresentou contra-alegações. Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. Tal parecer não mereceu qualquer resposta. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar: a) Impugnação da matéria de facto / Se é de fazer incidir sobre o coeficiente de incapacidade permanente atribuído pela junta médica o factor de bonificação de 1,5 ? b) Impugnação da decisão de direito. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra e, para além desses, os que assim foram considerados provados na decisão recorrida: “1. AA, nascido aos ../../1974, sofreu acidente, aos 19.06.2020, quando, mediante a retribuição anual de € 39.614,00, trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de EMP02..., S.A. --- 2. A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se, na referida data, transferida para EMP01..., S.A., pelo montante da retribuição mencionado em 1. --- 3. Em consequência do ocorrido evento, sofreu aquele AA as lesões descritas nos autos, determinantes de incapacidade temporária para o trabalho, nos termos e pelos períodos indicados a fls. 3. --- 4. Essas lesões ficaram clinicamente consolidadas aos 06.01.2021, data da alta. --- 5. Das lesões sofridas resultaram para AA sequelas, determinantes de uma IPP de 3,75% [2,5% x 1,5]. --- [Este ponto foi alterado, conforme determinado infra, nos seguintes termos: 5. Das lesões sofridas resultaram para AA sequelas, determinantes de uma IPP de 2,5% e, a partir de 23.03.2024, de 3,75% [2,5% x 1,5].] 6. A entidade seguradora pagou já a importância de € 11.030,88, a título de indemnização por incapacidade temporária para o trabalho. --- 7. AA despendeu a quantia de € 30,00 em deslocações para comparência a actos de realização obrigatória. ---” IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO - Da aplicação do factor de bonificação de 1,5 por força da idade (50 anos) ao coeficiente de incapacidade permanente atribuído pela junta médica: O Tribunal a quo fundamentou assim a aplicação do factor 1.5 em razão da idade: “Tendo em conta as informações clínicas constantes dos autos sobre a natureza das lesões sofridas, a respectiva gravidade, o estado geral, a idade e a profissão do sinistrado, bem como o parecer unânime dos peritos intervenientes na junta médica, no que se incluem as respostas que aos quesitos prestaram e a correspondente fundamentação, nada há que habilite o tribunal a discordar das conclusões periciais por essa via alcançadas, sendo, pelos indicados motivos, de as subscrever. Sem prejuízo do que se deixa dito, observa-se que os Srs. peritos que integraram a junta final de ortopedia não tomaram em consideração que, não obstante o sinistrado não tivesse completado 50 anos, à data da alta, o STJ veio, entretanto, por via do AUJ nº 16/2024, de 17.12 [publicado no DR nº 244/2024, Série I, de 17.12.2024], a fixar jurisprudência nos seguintes termos: --- “A bonificação do factor 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse factor”. --- Em decorrência do que vem de dizer-se, e porque o sinistrado nasceu aos ../../1974, tendo, portanto, atingido já 50 anos, impõe-se fazer incidir sobre o coeficiente de incapacidade permanente naturalisticamente atribuído pela junta médica o factor de bonificação de 1,5, em resultado do que a IPP a considerar é de 3,75%, e não, apenas, de 2,5%. ---” Vejamos. O DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, que aprova a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais (revogando o Decreto-Lei n.º 341/93, de 30 de Setembro, e que aprova ainda a Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil), estabelece no seu art. 2.º, n.º 2 que “2 - Na avaliação do sinistrado ou doente é tido em conta o disposto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, no artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho, e no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.” O art. 41.º do DL 143/99, que regulamentava a Lei dos Acidentes de Trabalho 100/97 (ambos os diplomas ao tempo – da publicação do DL 352/2007 - em vigor), tem na actual LAT (Lei 98/2009, de 04.9) correspondência no art. 21.º, nomeadamente quando neste se prevê que “3 - O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.” Ora, das Instruções Gerais da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais consta, designadamente e na parte que para aqui releva: “1 - A presente Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho. 2 - As sequelas (disfunções), independentemente da causa ou lesão inicial de que resultem danos enquadráveis no âmbito do número anterior, são designados na TNI, em notação numérica, inteira ou subdividida em subnúmeros e alíneas, agrupados em capítulos. 3 - A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade. 4 - Os coeficientes ou intervalos de variação correspondem a percentagens de desvalorização, que constituem o elemento de base para o cálculo da incapacidade a atribuir. 5 - Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor; b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior; c) Quando a função for substituída, no todo ou em parte, por prótese, ortótese ou outra intervenção conduzida no sentido de diminuir a incapacidade, deve promover-se a revisão da mesma logo que atinja a estabilidade clínica; d) No caso de lesões múltiplas, o coeficiente global de incapacidade é obtido pela soma dos coeficientes parciais segundo o princípio da capacidade restante, calculando-se o primeiro coeficiente por referência à capacidade do indivíduo anterior ao acidente ou doença profissional e os demais à capacidade restante fazendo-se a dedução sucessiva de coeficiente ou coeficientes já tomados em conta no mesmo cálculo. Sobre a regra prevista nesta alínea prevalece norma especial expressa na presente tabela, propriamente dita; e) No caso de lesão ou doença anterior aplica-se o n.º 2 do artigo 9.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro; f) As incapacidades que derivem de disfunções ou sequelas não descritas na Tabela são avaliadas pelo coeficiente relativo a disfunção análoga ou equivalente. (…)” (realce nosso) Como se dá nota na decisão recorrida, o AUJ nº 16/2024, de 17.12 [publicado no DR nº 244/2024, Série I, de 17.12.2024], fixou jurisprudência nos seguintes termos: “1 - A bonificação do factor 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse factor; 2 - O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.”. Os AUJ não são vinculativos para quaisquer tribunais, mas, como observa Abrantes Geraldes, a lei não deixou de lhes atribuir um relevo especial, conferindo-lhe implicitamente força persuasiva, como em primeiro lugar decorre da função e objectivos da jurisprudência uniformizadora, quais sejam o valor da segurança jurídica e a busca de soluções que potenciem o tratamento igualitário, daí que “Mesmo sem valor vinculativo a jurisprudência uniformizadora deve ser acatada pelos tribunais inferiores e até pelo próprio STJ em recursos posteriores, enquanto se mantiverem os pressupostos que a ela conduziram em determinado contexto histórico”[1] (sublinhamos) Neste contexto, faz também sentido trazer à colação o art. 8.º do CC, que no seu n.º 3 prescreve: 3. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito. À partida não vemos, pois, razão para censurar a decisão recorrida por aplicar a identificada jurisprudência uniformizada. Pretende todavia a recorrente que a aplicação do fator de bonificação de 1.5 em função da idade, previsto na alínea a) da instrução geral 5 da TNI, tem aplicação só se o sinistrado contar 50 anos de idade à data da alta (Concs. I a VIII). Não nos parece que seja assim, ainda que a recorrente se possa reportar aqui, como se nos afigura, unicamente à alta «inicial». Desde logo, resulta manifesto da consagração legal do incidente de revisão de incapacidade (cf. arts. 70.º da LAT e 145.º e ss do CPT) que a incapacidade pode ser revista/alterada (naturalmente) depois de ultrapassada a data da alta (inicialmente fixada), quiçá por muitos anos, e nenhuma razão se descortina - sendo, aliás, tal entendimento por demais pacífico em sede jurisprudencial -, para que, ocorrendo um agravamento da incapacidade permanente, e tendo o sinistrado alcançado entretanto a idade de 50 anos, não possa beneficiar do factor de bonificação de 1.5 em razão da idade[2]. Aliás, isso mesmo admite a recorrente na Conc. XIII: Não tendo o sinistrado essa idade na data da alta, só por via de incidente de revisão da incapacidade permanente, a intentar nos termos e dentro do enquadramento do artigo 70.º da LAT, poderá ser aplicado o fator de 1,5 pela idade, previsto na alínea a) da instrução 5 da TNI. Outra coisa é saber se o dito factor de bonificação (também) pode ser aplicado quando a idade de 50 anos é atingida pelo sinistrado já após a data da alta, mas no decurso da acção (principal/«inicial», emergente de acidente de trabalho, se bem que no caso com a tramitação simplificada dos arts. 117.º n.º 1 al. b) e n.º 2 e 138.º n.º 2 do CPT), questão também levantada pela recorrente e a que se reportam v.g. as Concs. XIV a XXI. E em nosso entender também pode. Alega a recorrente que “jamais se poderia aceitar a possibilidade de aplicação do indicado fator de bonificação na fixação inicial (ou seja pela primeira vez e não em sede de incidentes de revisão) da incapacidade permanente de um sinistrado que, não tendo 50 anos na data do acidente ou da alta, os completasse na pendência de uma ação judicial. Desde logo, se assim fosse, a atribuição ou não desse fator de bonificação ficaria dependente, em muitas situações, da celeridade da ação judicial, com a potencial verificação de situações de injustiça e tratamento desigual de sinistrados, por razão em nada relacionada com o fundamento da aplicação dessa regra, mas sim com o funcionamento e organização dos Tribunais.” Salvo o devido respeito, não tem razão. O que é relevante é o atingimento da idade de 50 anos pelo sinistrado, e esse facto nada tem de arbitrário nem a rapidez ou lentidão do andamento do processo o influencia de qualquer modo. A decisão judicial, proferida mais cedo ou mais tarde, há-de ter em consideração essa data, e não outra, como temos por certo que se a questão da aplicação do mencionado factor de bonificação fosse apreciada não na acção principal (onde se decidiu pela sua aplicação) mas num eventual incidente de revisão que o sinistrado viesse a deduzir impunha-se considerar, para o mesmo efeito, a data em que o sinistrado alcançou os 50 anos de idade e não outra. Aceitando a recorrente que o envelhecimento é intrínseco ao decurso da idade, sustenta não obstante que o impacto desse mesmo envelhecimento não ocorre uniformemente, variando de pessoa para pessoa, pelo que apenas uma análise casuística pode justificar a aplicação do fator de bonificação previsto do citado art. 5.º, al. a) das Instruções Gerais. Não é isso que resulta do elemento literal da norma em questão, que – no caso – apenas faz depender a aplicação do factor de bonificação de ter o sinistrado 50 anos ou mais (e não tenha beneficiado da aplicação desse factor). Como se lê em Ac. do STJ de 12-01-2023, “A este respeito [interpretação da lei] o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, afirma, depois, que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2) e que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (n.º 3).” E, “Uma vez que a tese do Recorrente não tem o mínimo de apoio na letra da cláusula [no caso em análise, da norma legal], como, aliás, este Tribunal já teve ocasião de afirmar recentemente[4], torna-se desnecessário apreciar os outros argumentos aduzidos, já que os mesmos não poderiam fazer vingar uma interpretação sem esse arrimo mínimo.”[3] E o facto de a revisão prevista no art. 70.º/1 da LAT pressupor que haja “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”, adveniente desde logo de um agravamento da lesão, não se mostra incompatível com a tese perfilhada no AUJ e a que decisão recorrida aderiu pois, como expressamente se refere no parecer que o Ministério Público apresentou naquele aresto do STJ “(…) o envelhecimento, só por si, permite a presunção - ou, talvez com maior rigor, a ficção jurídica - de um agravamento do desempenho profissional do sinistrado de acidente de trabalho.” o que, cremos, traz ínsito o entendimento de que ocorreu pelo menos modificação (para pior) na capacidade de ganho do sinistrado. Ademais, consta do preâmbulo do DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, que “(…) optar-se-á pela publicação, como anexo i, da revisão e actualização da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais já referida, a qual decorreu nos últimos seis anos, fruto de ininterruptos trabalhos realizados por parte de uma comissão permanente que foi criada pela Portaria n.º 1036/2001, de 23 de Agosto, e que integrou representantes de diversos ministérios, de organismos e serviços públicos, da Associação Portuguesa de Seguros, dos tribunais do trabalho, da Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados do Trabalho, da Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho, das associações patronais e das associações sindicais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social, e do Conselho Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência.” (sublinhamos) Torna-se assim difícil de aceitar que o legislador não estivesse bem consciente do alcance e implicações, nomeadamente ao nível da sua harmonização com outras normas do sistema jurídico convocáveis nesta matéria (de fixação da incapacidade e até, mais latamente, de reparação de sinistros laborais), da norma/«instrução geral» em questão, e que tenha redigido uma norma querendo dizer coisa diversa daquilo que fez constar em letra de lei. Apela também a recorrente, específica e expressamente, à unidade do sistema jurídico, para sustentar que que as bases técnicas previstas na Portaria 11/2000 já contemplam o agravamento da incapacidade permanente por efeito da idade de 50 anos (Concs. IX a XII). Concorda-se com o parecer da Exm.ª PGA quando sustenta que «Também não se descortina qual a pertinência de se chamar à colação a Portaria nº. 11/2000, de 13 de janeiro que aprovou as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidente de trabalho, sendo a lógica inerente à fixação das bases técnicas diversa daquela correspondente à atribuição do factor 1,5 de bonificação, atingida a idade de 50 anos. Conforme expresso no acórdão da Relação de Évora de 6 de junho de 2024, acessível em https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/3b8c0328bd9ac01a80258b64004bbe22?OpenDocument “Em relação à remição da pensão importa ter presente que ela visa, ao fim e ao resto, que a pensão fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional possa converter-se em capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a permitida pela mera perceção de uma renda anual (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2002, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.º Volume, pág. 313 a 321). A remição da pensão corresponde – através da entrega do respetivo capital, calculado em função da base técnica aplicável – à entrega do capital que o sinistrado receberia até ao termo da vida.” Quer dizer, a base técnica aplicável, é menor, quanto maior é a idade do sinistrado, atenta a esperança de vida, enquanto que, a razão de ser de aplicação do fator 1,5 em apreço tem que ver com o reconhecimento da maior penosidade, ligada à idade, na continuação pelo sinistrado do desempenho da sua atividade profissional.» Com efeito, as normas em questão visam atingir fins diferentes, bem assinalados no parecer, não se descortinando qualquer sobreposição injustificada, e infundadamente penalizadora da entidade responsável pela reparação do sinistrado, na relevância dada - quer para efeitos da remição da pensão quer para efeitos de atribuição da dita bonificação - ao factor idade. E assim sendo, parece-nos que (ressalvado que seja o direito de as partes serem ouvidas/contraditório, questão aqui não suscitada) o dito factor de bonificação em razão da idade pode efectivamente ser aplicado quando, como é o caso, o sinistrado atinge a idade de 50 anos já após a data da alta e no decurso da acção principal, tanto mais que esta acção versa direitos indisponíveis.[4] Assim o aconselham os princípios da economia processual e da máxima utilidade do processo, e não se vendo que a tramitação prevista para o desenrolar da acção constitua obstáculo relevante, até porque não se realiza(realizou) audiência de julgamento e, por outro lado, a data de nascimento do sinistrado já está adquirida no processo [de qualquer forma, o tribunal sempre poderá lançar mão dos poderes de gestão processual e da adequação formal (cf. art.s 6.º/1 e 457.º do CPC, ex vi do at. 1.º/2 a) do CPT]. Finalmente, defende a recorrente a inconstitucionalidade da norma quando interpretada no sentido de que deve ser aplicada sem confirmação da efetiva verificação do agravamento decorrente da idade: sustenta, em suma, que “a alínea a) (segunda parte), do nº 5 das Instruções Gerais da TNI quando interpretada no sentido da sua aplicação automática em razão da idade independentemente da existência ou não de agravamento, sem a ponderação de outros elementos clínicos, associados à profissão e inerentes ao sinistrado, desconsiderando uma aplicação casuística e ao sabor da morosidade processual de cada incidente de revisão é violadora dos princípios constitucionais da justa reparação, da proporcionalidade e da igualdade.” (Concs. XXV a XXXIII) Não se vislumbra fundamento para arguida a inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, na interpretação acolhida na decisão recorrida, não violando tal norma, assim interpretada, quaisquer princípios constitucionais, nomeadamente os princípios da justa reparação, da proporcionalidade e da igualdade. Deflui do que acima dissemos que está em causa, com a aplicação do dito factor de bonificação nas apontadas circunstâncias, tratar de forma igual o que é substancialmente igual, o que por si afasta qualquer desproporcionalidade, pois o que se pretende é igualizar o modo de reparação quando as situações que estão na sua base também são na sua essência iguais, e do mesmo passo não conflitua com o princípio da justa reparação pois que, ao contrário do alegado pela recorrente, não há qualquer “enriquecimento injusto do sinistrado”. Como se expendeu no AUJ supra citado, “Pode, na realidade, afirmar-se que “[o] fator de bonificação 1,5, ao invés de violar os princípios da justa reparação e da igualdade, previstos, respetivamente, nos artigos 59.º, alínea f) e 13.º da CRP, foi criado no intuito específico de lhes dar integral cumprimento”, como se pode ler no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-09-2023, Processo n.º 21789/22.0T8SNT.E1. (…) Seria arbitrária e conduziria a uma diferença de tratamento sem qualquer justificação uma interpretação que apenas atribuísse a bonificação a um sinistrado com 50 ou mais anos à data do acidente, ou melhor, à data em que fixada a incapacidade, mas já não a um sinistrado que tendo menos de 50 anos nesse momento, venha, no entanto, a atingir essa idade - com efeito, se e quando tiver 50 anos este último estará exatamente na mesma situação de agravamento das consequências negativas que justificou a bonificação de que beneficiou o sinistrado que já tinha 50 anos quando se procedeu à primeira avaliação da incapacidade.” Aqui chegados, temos de reconhecer que num ponto a recorrente tem razão: O sinistrado nasceu em ../../1974 - donde, fez 50 anos de idade no dia 23.3.2024 -, e as lesões ficaram clinicamente consolidadas aos 06.01.2021, data da alta. Assim, é inequívoco que à data da alta não tinha 50 anos de idade, não havendo fundamento para lhe aplicar o factor de bonificação que precisamente prevê que o sinistrado já tenha alcançado essa idade. Se assim é, essa bonificação só pode ser aplicada com referência à data em que o sinistrado perfez os 50 anos. Consequentemente, altera-se o ponto 5 dos factos provados nos seguintes termos: 5. Das lesões sofridas resultaram para AA sequelas, determinantes de uma IPP de 2,5% e, a partir de 23.03.2024, de 3,75% [2,5% x 1,5].] - Da errada aplicação do Direito: No que designa impugnação da decisão de direito, alega ainda a recorrente que “Em face do que acima se expôs, deve ser alterada, igualmente, a decisão de direito.” Ora, permanecendo, como sucede, inalterada a matéria de facto no que tange à aplicação do factor de bonificação em razão da idade, fica prejudicado o conhecimento da questão agora elencada no que a este específico aspecto se refere, salvo pois no que concerne a retirar as devidas consequências jurídicas do facto de a aplicação de tal factor se reportar à data em que o autor/sinistrado perfez a idade de 50 anos, e não com referência à data da alta. Consequentemente (e tendo presente que o valor da retribuição anual a considerar, tal como resulta dos autos, é o de € 39.614,00), a pensão atribuída ao sinistrado a partir da data da alta, isto é, com efeitos a partir de 07.01.2021, é antes no valor anual de € 693,25. O valor da pensão com efeitos a partir de 23.03.2024, data em que o sinistrado perfez os 50 anos, é o fixado na sentença, ou seja € 1.039,87. Considerando que em ambos os casos a pensão é obrigatoriamente remível – art. 75.º/1 da LAT – a pensão fixada por reporte à data de 23.03.2024, deve ser remida apenas quanto ao diferencial que excede o valor da pensão inicialmente fixado, isto é quanto ao valor de € 346,62. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, assim: Altera-se o ponto 1) do dispositivo nos seguintes termos: 1). Fixar em 2,5% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado AA desde a data da alta e, a partir de 23.03.2024, de 3,75% [2,5% x 1,5].] Altera-se o ponto 2) i.nos seguintes termos: 2). Condenar EMP01... Seguros, S.A., a pagar-lhe: i. O capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 693,25 [seiscentos e noventa e três euros e vinte e cinco cêntimos], com início em 07.01.2021, e o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 346,62 [trezentos e quarenta e seis euros e sessenta e dois cêntimos], com início em 23.03.2024, acrescidos os valores apurados de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 07.01.2021 e 23.03.2024, respectivamente. No mais, decide-se confirmar a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo da recorrente e do recorrido na proporção, respectivamente, de 4/5 e 1/5. Notifique. Guimarães, 25 de Setembro de 2025 Francisco Sousa Pereira (relator) Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso Antero Veiga Voto vencido. Entendemos existirem argumentos e razões relevantes, que pensamos não ponderadas ou não suficientemente ponderadas pelo STJ, e que nos levam a discordar do sentido do acórdão uniformizador n.º 16/2024, e consequentemente pela sua não aplicação, conforme razões exposta no voto proferido no processo Proc. n.º 2287/15.5T8VCT.1.G, no essencial: A atribuição automática não significa que seja de atribuição autónoma. A bonificação do fator 1,5 é automática mas apenas no âmbito da avaliação pericial da incapacidade (fixação inicial ou revisão por modificação das lesões – art. 70.º LAT). Não vemos razão para considerar o seu funcionamento isoladamente, reduzido a mero cálculo matemático, que não necessitaria intervenção médica. Envelhecimento Há diferença entre quem consolida as suas lesões já com 50 anos e quem atinge essa idade após as ter consolidado mais jovem. Só no primeiro caso se justificam as dificuldades acrescidas de recuperação e readaptação. O envelhecimento natural atinge todos, sinistrados ou não, e já é considerado na LAT (art. 21.º). Equiparação com não reconvertibilidade A equiparação legal é entre o sinistrado não reconvertível e o que tem 50 anos à data da consolidação, não quem apenas atinge essa idade mais tarde, só assim, parece-nos, são comparáveis as razões de uma e outra. Mercado de trabalho A maior dificuldade de inserção laboral após os 50 anos é relevante sobretudo para quem consolida após essa idade. Além disso, a LAT já prevê proteção específica nesta matéria. Inserção sistemática e histórica A TNI é instrumento auxiliar de avaliação pericial. O legislador nunca previu alterações automáticas da incapacidade pelo simples decurso da idade. A história do preceito parece apontar neste sentido. [1] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4.ª Edição, Almedina, pags. 463/464, e também a jurisprudência aí mencionada em nota. [2] Tendo-se inclusive entendido que “Na aplicação do fator 1.5 em razão da idade do sinistrado deve ser aplicado à incapacidade globalmente considerada, assim, não apenas à parte residual da IPP que corresponde ao agravamento.” – Ac. RG de 10-10-2019, Proc. 1615/16.0T8BRG.G1, Eduardo Azevedo, www.dgsi.pt [3] Proc. 422/21.3T8CSC.L1.S1, JÚLIO GOMES, www.dgsi.pt [4] Neste sentido pode ver-se a recente (de 24-07-2025) decisão da RL, Proc. 6299/23.1T8LSB.L1-4, PAULA SANTOS de cujo Sumário consta: “I – Se, na pendência da acção emergente de acidente de trabalho, o sinistrado completar 50 anos de idade, ser-lhe-á aplicada a bonificação do factor 1.5 previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sem que haja necessidade de o beneficiário instaurar incidente de revisão da incapacidade para efeitos de ver satisfeito tal desiderato. (…)” |