Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ALEXANDRA VIANA LOPES | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL DANOS NÃO PATRIMONIAIS EQUIDADE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE/IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. Em ação em que se discute a responsabilidade civil pelas lesões e danos causados a condutor de um motociclo pelo embate com um peão: a) Não cabe ao autor alegar e provar os factos que permitam concluir que circulava dentro dos limites de velocidade permitidos, como matéria constitutiva do direito que invoca, mas cabe ao réu alegar e provar factos integrativos da exceção, que permitam concluir que o autor circulava fora dos limites de velocidade permitidos; de qualquer forma, a menção que “o autor circulava dentro dos limites de velocidade permitidos” não corresponde a matéria de facto que possa estar integrada na decisão de facto por se tratar de uma conclusão que apenas pode ser extraída na apreciação jurídica da causa, a partir da velocidade concreta e de factos caracterizadores da via. b) Nada obsta a que o Tribunal a quo, para provar o custo de uma reparação de danos, tenha valorado as declarações do autor como meio de prova (art.466º do CPC), em conjugação com um orçamento de reparação (que, apesar de não estar assinado, tem o registo informático da entidade emitente; que, apesar de não ter identificado a matrícula do motociclo, tem menções que permitem presumir referir-se ao motociclo do autor sinistrado- foi emitido 4 meses depois do embate, foi dirigido ao autor, descreve a substituição de peças de motociclo e a mão de obra de reparação). 2. Peca por manifesto defeito, por ser impassível de compensar danos sofridos pelo autor e ser inferior ao valor normalmente arbitrado na jurisprudência, a indemnização por danos não patrimoniais fixada em € 2000, 00, quando o autor: sofreu lesões, que consolidaram com uma incapacidade permanente parcial de 9, 84%; sofreu dores na altura e após, pelo menos nos 22 meses entre o embate e a instauração da ação; sofreu limitações de mobilidade e ficou dependente da sua mulher nos três meses após o embate; deixou de poder jogar futebol e fazer caminhadas, correr e brincar com a filha, ajudar a mulher em atividades da vida doméstica. 3. A indemnização para compensar os danos não patrimoniais referidos em 2 supra deve ser ampliada, embora com o limite do pedido global do recorrente de fixação da indemnização em € 10 000, 00. | ||
| Decisão Texto Integral: | Os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte ACÓRDÃO I. Relatório: Nos presentes autos de ação declarativa com processo comum, instaurado por AA contra BB: 1. O autor, na sua petição inicial: 1.1. Pediu a condenação do réu no pagamento de € 30 000,00 (€ 20 000, 00 de danos morais e € 10 000, 00 de danos patrimoniais). 1.2. Alegou para o efeito: que, enquanto conduzia a sua motorizada, na sua faixa de rodagem, o réu atravessou a mesma sem cuidado, depois de ver o autor, colocando-se à sua frente e provocando o embate, sem deixar ao autor sequer um segundo para reagir; que, em consequência de tal embate, a motorizada ficou com danos que precisam de € 2297, 61 para serem reparados, sofreu lesões de forma traumática (que determinaram a fixação de 9, 84% de incapacidade parcial permanente), passou dores, teve tratamentos, não podia andar sozinho nos primeiros 5 meses, esteve dependente da ajuda da sua mulher para os atos de vida diária, deixou de poder praticar muitos atos que praticava antes (desde o desporto, a correr com a filha, a atividades domésticas). 2. Citado o réu, apresentou contestação, na qual: impugnou a dinâmica do acidente alegada pelo autor; alegou que circulava na berma da estrada e que foi atingido pelo autor, por sua responsabilidade; invocou ainda que os danos sofridos pelo autor, que impugna, foram já ressarcidos pela seguradora em sede da ação de acidente de trabalho. 3. Foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, no qual se fixou o objeto do litígio e os temas da prova. 4. Realizou-se a audiência final com observância de todas as formalidades legais. 5. Proferiu-se sentença, na qual se decidiu: «Por todo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente, e condena-se o réu BB no pagamento ao autor da quantia de €4.797,61 (quatro mil setecentos e noventa e sete euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento. No mais, vai o réu absolvido do pedido. * Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento – artigo 527.º do Código de Processo Civil.».6. O autor interpôs recurso da sentença referida em I-5 supra, na qual apresentou as seguintes conclusões: «A. O Autor/Recorrente foi afetado no que concerne a sua mobilidade, deixou de poder praticar atividades físicas como jogar futebol, correr e brincar com a filha. B. Precisou de apoio da esposa para praticar atividades básicas e intrínsecas à vida humana. C. A sua locomoção foi também afetada, necessitando de ajuda para o mesmo durante um período substancial. D. O autor continua a sofrer de dores provenientes do embate. E. Depois de todos os factos expostos, constata-se que 2.000€ não é um valor suficiente para todos os danos sofridos pelo autor. F. Pede-se então o valor reclamado em 1º instância, de 10.000€, ou um valor consideravelmente aproximado deste. G. Foram violados os artigos 496.º e 494 do CC.». 7. O réu interpôs recurso da sentença referida em I-5 supra, na qual apresentou as seguintes conclusões: «- DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO 1. O Tribunal “a quo” considerou como provado o facto de o Autor conduzir a motorizada dentro dos limites da sua hemifaixa e do limite de velocidade permitido. 2. O Tribunal “a quo” considerou que por força do embate, a motorizada do Autor careceu das reparações identificadas no orçamento junto a fls. 6v, cujo valor ascende a € 2.797,61 (dois mil, setecentos e noventa e sete euros e sessenta e um cêntimos); 3. O Tribunal “a quo” concluiu que havia responsabilidade do Recorrente na indemnização, por violação do preceituado no nº 1 do art.º 101º do Código Civil. 4. Com o devido respeito, afigura-se ao Recorrente que o Tribunal “a quo” andou mal nas sobreditas decisões. 5. Em nenhum depoimento das testemunhas ou sequer do Auto de Noticia decorre que o Autor conduzia a motorizada dentro do limite de velocidade permitido. 6. Como o próprio Tribunal “a quo” refere, não houve quaisquer testemunhas do acidente, bem como não há qualquer prova documental, não podendo ficar como facto provado que o Autor conduzia a motorizada dentro do limite de velocidade permitido. 7. O Réu não se conforma com o facto de na motivação da matéria de facto, o Tribunal “a quo” refere que o auto de noticia não se revelou por seu lado, muito preciso, posto que na falta de vestígios ou testemunhas presenciais, as autoridades apenas lograram demonstrar o local onde o réu ficou imobilizado, mas não o local do embate. 8. Também não decorre nem directamente, nem - contrariamente ao vertido em sede de fundamentação – da análise conjugada dos sobreditos meios de prova, pois nenhuma testemunha viu a velocidade vinha o Autor, nem tão pouco viram o acidente. 9. O certo é que, pela distância a que o réu ficou imobilizado após o embate, tudo leva a crer que o Autor conduzia em excesso de velocidade. 10. O Réu também não se conforma que o orçamento prove o valor das reparações que a motorizada careceu. 11. Nem dos depoimentos das testemunhas, nem do documento de fls. 6v, nem das declarações de parte do Autor, resulta provado que o Autor conduzia a motorizada dentro do limite de velocidade permitido, nem que a motorizada acidentada careceu de reparações cujo valor ascende a € 2.797,61. 12. Tal também não decorre nem directamente, nem da análise conjugada dos sobreditos meios de prova, pois do documento de fls. 6v, não decorre que tal orçamento diz respeito à motorizada do Autor acidentada em 25/05/2021, ou sequer identifica qualquer veiculo, no caso, a motorizada. 13. A longo do julgamento, nenhuma testemunha refere o orçamento, o valor, ou sequer concretiza os danos na motorizada do Autor. 14. O Réu também não se conforma com o facto de o orçamento junto pelo A. a fls. 6v, juntamente com as declarações de parte do Autor, fazerem prova do valor das reparações alegadamente carecidas pela motorizada; 15. O Tribunal “a quo” entendeu, que o Autor conduzia a motorizada dentro do limite de velocidade permitido, o que motivou a inclusão do ponto 3 dos factos provados e, por isso, deu como provado na sentença o seguinte facto: “3) O autor conduzia a motorizada dentro dos limites da sua hemifaixa e do limite de velocidade permitido.” 16. Este é um dos concretos pontos de facto que o Recorrente considera incorretamente julgado, uma vez que da análise de tal elemento de prova referido na motivação, decorre que ele não é idóneo e que não resulta provado aquele concreto facto que foi dado como provado. 17. Se o Autor não circulasse em excesso de velocidade, teria conseguido ver o Réu a atravessar a estrada com mais antecedência, e não apenas 1 ou 2 metros antes de lhe embater, tal como ficou dito nas declarações de parte do Autor, em sede de audiência de julgamento, na cessão de 17/06/2024, estando tais declarações, com início às [00:00:00] e terminadas às [00:16:36], entre os minutos 00:03:03 e 00:03:35, gravadas no ficheiro áudio com o nome 2113-23.1T8VNF_2024-06-17_11-08-33.mp3, em formato digital. 18. Das declarações de parte do Autor, conduz à única conclusão da existência de um clamoroso erro de julgamento da matéria de facto, dando origem a uma decisão que urge ser revogada. 19. Sendo as declarações de parte do Autor, o único depoimento onde consta a alegada velocidade a que circulava na hora do acidente, não constando em mais nenhum depoimento ou declarações, referencia sequer da velocidade a que o Autor circulava. 20. E nas próprias declarações de parte, se pode verificar que o Autor não consegue sequer explicar o motivo pelo qual só vê o réu na via, a 1 ou 2 metros de distancia dele, como ficou dito nas declarações de parte em sede de audiência de julgamento, na cessão de 17/06/2024, entre os minutos 00:02:01 e 00:02:04. 21. O Tribunal “a quo” entendeu também, nos termos conjugados do documento de fls. 6v, com as declarações de parte prestadas pelo Autor, que a motorizada careceu das reparações, cujo valor ascende a € 2.797,61, o que motivou a inclusão do ponto 11 na matéria provada, e, por isso, também deu como provado na sentença o seguinte facto: “11) Por força do embate, a motorizada do autor careceu das reparações identificadas no orçamento junto a fls. 6v, cujo teor integralmente se reproduz, cujo valor ascende a € 2.797,61.” 22. Este é outro concreto ponto de facto que o Recorrente considera incorretamente julgados, pois da análise de tal elemento de prova referido na motivação decorre que ele não é idóneo e que não resulta provado aquele concreto facto que foi dado como provado. 23. Além do dito orçamento ter sido impugnado pelo réu em sede de contestação alegando este que o Autor juntou uma mera cópia de um orçamento no valor de € 2.797,61, não assinado e que não consta qual o veiculo que está a orçamentar, o Autor nada mais juntou ou fez para contrariar essa impugnação, sendo as declarações de parte vagas e imprecisas. 24. Da conjugação da prova documental de fls. 6v (orçamento) e das declarações de parte do Autor, conduz à conclusão da existência de um clamoroso erro de julgamento da matéria de facto, dando origem a uma decisão que urge ser revogada. 25. Pois, do documento de fls. 6v pode-se verificar que em lado algum consta a identificação do veiculo (marca, modelo ou matricula) que pretende orçamentar, não havendo como identificar qual o veiculo a que refere esse mesmo orçamento, podendo, tal orçamento, dizer respeito a uma qualquer outra mota ou veiculo. 26. Apenas constando em mais um depoimento – da mulher do Autor - a referencia da existência desse orçamento, apesar de este não conseguir provar nem o seu valor, nem a que veiculo diz respeito, antes, a testemunha limitou-se a constatar que o orçamento existia. 27. As declarações da parte não são – nem tal é legalmente admissível – idóneas para, de per si, permitir dar como provado o que a própria parte alegou na petição inicial, mas mesmo que ele o tivesse dito de forma clara, espontânea e credível – o que não fez – o certo é que este meio de prova, que visa esclarecer e contextualizar, jamais poderia permitir que dele se extraísse que os factos ocorreram tal como vieram alegados na petição inicial. 28. Já em relação ao documento referido na motivação, o que consta de de fls. 6v, foi junto aos autos pelo Autor, não se conseguindo verificar a que veiculo diz respeito esse orçamento, sendo absolutamente irrelevante em termos probatórios para a matéria destes autos, porquanto nada refere quanto ao veiculo que se está a orçamentar; 29. Se o Tribunal “a quo” tivesse analisado o documento – o que manifestamente não fez – e valorasse convenientemente as declarações de parte do Autor facilmente concluiria que não têm idoneidade para provar qualquer dos factos que com base neles foram dados como provados. 30. Sem prova directa do facto relevante – orçamento – e sem qualquer prova acerca da identificação dos danos – a que veiculo se refere o orçamento – o Tribunal entendeu que tal orçamento diz respeito à motorizada do acidente de 25/05/2021! 31. Como se deixou demonstrado, aqueles elementos de prova não fundamentam a decisão, pelo que o Tribunal acabou por seguir apenas o que o Autor disse em sede de declarações de parte, tendo valorado tais declarações ao ponto de lhes conferir credibilidade para dar como provados factos vagos, imprecisos e incompletos. 32. Mesmo que o Autor o tivesse dito de forma clara, espontânea e credível – o que não fez – o certo é que este meio de prova, que visa esclarecer e contextualizar, jamais poderia permitir que dele se extraísse que os factos ocorreram tal como vieram alegados na petição inicial. 33. Se assim fosse seria a falência de um dos bastiões da justiça, que é assentar as decisões em meios de prova idóneos, isentos e desinteressados que, como se percebe, não é o caso da declarações de parte do Autor, que é a parte. 34. Em síntese e com o devido respeito, só fazendo um juízo especulativo, sem qualquer respaldo ou fundamentação na matéria dada como provada, o Tribunal considera que o orçamento junto a fls. 6v diz respeito aos danos causados na motorizada danificada no sinistro de 25/05/2021. 35. Ficando, pois à vista que a referida matéria de facto não poderia ter sido dada como provada como foi, o que determinaria a absolvição do recorrente; 36. Sendo que a existência de tais danos na motorizada também não passa de uma mera presunção, tanto mais, que não ficou provado que tenham ocorrido quaisquer danos, sendo certo que com base nas regras do ónus da prova, era sobre o Autor que impendia o ónus de provar os factos alegados, o que não logrou fazer. 37. Com base nos aludidos elementos de prova, não devem ser dados como provados os seguintes factos, que se enumeram e indicam por referência à numeração constante da Douta Sentença, substituindo o que nela consta: 3) (não provado) O autor conduzia a motorizada dentro dos limites da sua hemifaixa e do limite de velocidade permitido. 11) (não provado) Por força do embate, a motorizada do autor careceu das reparações identificadas no orçamento junto a fls. 6v, cujo teor integralmente se reproduz, cujo valor ascende a € 2.797,61. 38. Em consequência, na sequência deverá ser aditado aos factos não provados, que já constam na sentença, os seguintes: Não provado que: a) O autor conduzia a motorizada dentro do limite de velocidade permitido. b) Por força do embate, a motorizada do autor careceu das reparações identificadas no orçamento junto a fls. 6v, cujo teor integralmente se reproduz, cujo valor ascende a € 2.797,61, o que decorre do documento junto aos autos a fls. 6v - DO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO - DO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO 39. O valor arbitrado a título de indemnização é desproporcionado, sendo que o Tribunal “a quo” condenou, tendo referido que os danos não patrimoniais ascendiam a € 2.000,00 (dois mil euros); 40. Autor continua a trabalhar no mesmo local onde trabalhava na data do acidente, não tendo sido provada qualquer perda de rendimento nem afetação da capacidade de ganho futura, pelo que o valor indemnizatório arbitrado é manifestamente exagerado. 41. Face a tudo quanto ficou dito e demonstrado, a sentença tem de ser totalmente revogada, e em consequência, ser o Recorrente absolvido dos pedidos formulados. Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que Vossas Excelências não deixarão de, proficientemente, suprir, deve o presente recurso de apelação ser provido e, em consequência, ser revogada a douta sentença de fls. ..., e ser a acção julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se o Réu, ora apelante, do pedido, com todas as consequências legais. Assim fazendo Vossas Excelências, como sempre, inteira e sã J U S T I Ç A !». 8. O réu respondeu ao recurso do autor, referido em I-6 supra, apresentando as seguintes conclusões: «1. Inconformado com a douta decisão do Tribunal a quo, veio o AA interpor o presente recurso de Apelação 2. Ressalvando sempre o devido respeito, e que é muito, o Recorrente não tem razão nos argumentos que esgrime e nas conclusões que dos mesmos retira porquanto, 3. Apesar de a Douta Sentença recorrida enfermar de deficiente interpretação dos factos, ou de pouco criteriosa aplicação do direito. 4. A Sentença a quo não merece a censura que lhe é assacada pelo Recorrente. 5. Pelo que inexiste suficiente motivo para o Apelo. 6. Assenta o Recorrente a sua fundamentação numa má atribuição do valor de € 2.000,00, que em boa verdade, não existe. 7. Para tal, alega o Recorrente que são factos provados que importam aqui para o recurso: 12) Por força do embate, o autor sofreu lesões que se traduziram em incapacidade permanente parcial de 9,84%, fixada por peritagem no âmbito do proc. n.º 2496/22.0T8VNF, que correu termos no Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão. 13) O autor continua a sentir dores derivadas do embate. 14) Não consegue atualmente jogar futebol e fazer caminhadas como fazia antes do embate descrito nestes autos, o que o deixa triste e desanimado. 15) Deixou de conseguir correr e brincar com a filha. 16) Durante o período de recuperação, o autor precisou da ajuda da esposa para todas as tarefas básicas, incluindo lavar-se e vestir-se. 17) Nos três meses que se seguiram ao embate, o autor não se conseguia locomover sem ajuda. 18) O autor não consegue ajudar a sua esposa nas lides domésticas, causando transtornos na vida conjugal 8. O Recorrente alega que o reclamou o pagamento de € 10.000,00, um valor que considera razoável para o incidente e culpa do Recorrido, 9. Que não levou só a uma incapacidade física do Recorrente, mas também a um desgaste da sua vida em família, 10. Privando o recorrente de fazer parte da educação da filha durante o período mais intensivo da sua recuperação, e privando o recorrente de outras actividades… 11. O Recorrente alega que deverá receber o valor de € 10.000,00 ou valor aproximado deste, 12. Sucede que, além do depoimento das testemunhas, o recorrente não fez prova de nenhum dos factos, nomeadamente, que actualmente o recorrente continua a sentir dores derivadas do embate, 13. Que não consegue atualmente jogar futebol e fazer caminhadas, que não consegue brincar com a filha, ou que não consegue ajudar a sua esposa nas lides domésticas. 14. O Recorrente continua a trabalhar no mesmo local onde trabalhava na data do acidente, não tendo sido provada qualquer perda de rendimento nem afetação da capacidade de ganho futura. 15. Além do mais, e contrariamente ao alegado pelo recorrente, atenta a ausência de prova da circulação dentro do limite de velocidade permitido, bem como dos alegados danos provocados pelo embate na motorizada do recorrente, 16. Não há nexo causal entre os factos provados e o alegado limite de velocidade permitido na altura do embate ou os supostos danos que o recorrente alega que sofreu, até porque não resultou provado que o recorrente não circulasse em excesso de velocidade, 17. Não pode ser dado como provado que o Recorrente circulava a uma velocidade moderada de 30/40 kms/hora, uma vez que nenhuma testemunha presenciou o acidente, e o estado da mota, bem como a distância a que o Recorrido foi projetado não são compatíveis com um embate a 30/40 kms/hora. 18. Se o recorrente, como diz, vinha dentro dos limites de velocidade, teria tempo para ver o Recorrido, desviar-se ou imobilizar o seu veículo, o que não aconteceu! 19. Pelo que o recorrente age em clamoroso abuso de direito, peticionando uma indemnização em relação a danos não patrimoniais e patrimoniais, cuja causa jamais provou existir e consequentemente, não pode ser assacada qualquer responsabilidade ao Recorrido. 20. Pelo que, bem se entende que não assiste qualquer razão ao Recorrente ao discordar da Douta Sentença, nos moldes como o faz. 21. Como tal, devem ser julgadas totalmente improcedentes todas as conclusões do recurso interposto pelo Recorrente. Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de Vs. Exas., deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo inteira, boa e sã JUSTIÇA!!». 9. O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo. 10. Subido o recurso, foi o mesmo recebido nos mesmos termos da 1ª instância, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência. II. Questões a decidir: O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal (arts. 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC). Definem-se, como questões a decidir: 1. Em relação ao recurso do autor: Se a sentença errou na fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 2 000, 00, devendo ser fixada em € 10 000, 00 (ou valor aproximado) (conclusões A a G). 2. Em relação ao recurso do réu: 2.1. A impugnação à matéria de facto: a) Se o facto julgado provado em 3 deve ser julgado não provado (conclusões 5 a 9, 15 a 20, 37 e 38); b) Se o facto julgado provado em 11 deve ser julgado não provado (conclusões 10 a 14, 21 a 36, 37 e 38). 2.2. A reapreciação de direito: a) As consequências da decisão da impugnação de facto na apreciação de direito realizada quanto à indemnização por danos patrimoniais. b) Se a sentença errou na fixação da indemnização por danos não patrimoniais em € 2 000, 00 (conclusões 39 a 41). III. Fundamentação: 1. Matéria de facto provada na sentença recorrida: 1) No dia 25/05/2021, pelas 19.30, o autor circulava com a sua motorizada, de matrícula ..-..-GD, em ..., junto ao ..., na fronteira entre a Freguesia ..., na estrada municipal. 2) O autor circulava na via descendente, no sentido .... 3) O autor conduzia a motorizada dentro dos limites da sua hemifaixa e do limite de velocidade permitido. 4) No mesmo local, o réu circulava junto à berma da faixa de rodagem, no sentido oposto (...). 5) De forma imprevisível, o réu iniciou a travessia da faixa de rodagem, sem ter o cuidado de verificar o lado onde circulava o motociclo do autor. 6) Quando o réu se encontrava já no meio da hemifaixa de rodagem onde circulava o autor, este embateu no réu com a motorizada. 7) No local onde iniciou a travessia, o réu tinha visibilidade desimpedida para o lado da faixa de rodagem de onde provinha o autor. 8) O autor foi surpreendido com a travessia repentina do réu, não logrando travar a motorizada atempadamente, e embatendo com o referido veículo no corpo do réu. 9) No sentido ..., existe uma travessia de peões (passadeira) a uma distância aproximada de 172,96 metros do local do embate. 10) No sentido ..., existe uma travessia de peões (passadeira) a uma distância aproximada de 201,56 do local do embate. 11) Por força do embate, a motorizada do autor careceu das reparações identificadas no orçamento junto a fls. 6v, cujo teor integralmente se reproduz, cujo valor ascende a €2.797,61. 12) Por força do embate, o autor sofreu lesões que se traduziram em incapacidade permanente parcial de 9,84%, fixada por peritagem no âmbito do proc. n.º 2496/22.0T8VNF, que correu termos no Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão. 13) O autor continua a sentir dores derivadas do embate. 14) Não consegue atualmente jogar futebol e fazer caminhadas como fazia antes do embate descrito nestes autos, o que o deixa triste e desanimado. 15) Deixou de conseguir correr e brincar com a filha. 16) Durante o período de recuperação, o autor precisou da ajuda da esposa para todas as tarefas básicas, incluindo lavar-se e vestir-se. 17) Nos três meses que se seguiram ao embate, o autor não se conseguia locomover sem ajuda. 18) O autor não consegue ajudar a sua esposa nas lides domésticas, causando transtornos na vida conjugal. 19) No âmbito do processo referido em 12), a seguradora pagou ao autor a quantia de €7.789,02, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária a que foi afetado. 20) A seguradora foi ainda condenada a pagar ao autor, no âmbito daquele processo, o montante de € 17.094 a título de capital remissão por força da pensão devida por indemnização pela incapacidade parcial permanente. 21) O embate representou evento traumático para o réu. 22) O réu demonstra uma recordação confusa do embate, acreditando que foi atropelado enquanto circulava na berma e não se recordando de atravessar a faixa de rodagem. 2. Apreciação dos recursos: 2.1. Impugnação à matéria de facto (do recurso do réu): 2.1.1. Enquadramento jurídico: 2.1.1.1. Consideração de factos e expurgação de conclusões e de matéria de direito: Cabe às partes alegar os factos essenciais (art.5º/1 do CPC e art.342º/1 e 2 do CC) em que baseiam as suas pretensões (arts.552º/1-d) e 583º/1 do CPC) e a sua defesa por exceção (arts.572º/c) e 584º do CPC), factos esses que sejam aptos a preencher facti species da norma, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito. E o Tribunal, por sua vez, deve apreciar e decidir os factos alegados pelas partes e deve atender, ainda, aos factos instrumentais, complementares, concretizadores ou notórios de que possa ter conhecimento (art.5º/1 e 2-a), b) e c) do CPC), que sejam relevantes para preencher facti species das normas, de acordo com todas as soluções plausíveis das questões de direito suscitadas. Estes factos (objetivos ou subjetivos, situados no espaço e no tempo), distinguem-se de matéria genérica e conclusiva (salvo se esta tiver transitado para a linguagem corrente e não constituir o thema decidendum) e de matéria de direito (constante da factispecie da norma). São apenas estes factos, e não as considerações sobre os mesmos, que podem ser objeto: de demonstração pela prova (arts. 341º ss do CPC e 410º ss do CPC) e de decisão de facto na sentença (art.607º/4 e 5 do CPC); de apreciação de direito e de fundamentação da decisão jurídica do tribunal sobre a tutela pedida (art.607º/3-2ª parte do CPC); de pedidos de impugnação, atendimento ou ampliação da matéria de facto em sede de recurso (arts.640º, 662º, 663º/2, em referência ao art.607º/4 do CPC). Assim, a inobservância desta exigência pelo Tribunal a quo - ao integrar na matéria de facto matéria conclusiva, genérica e de direito - deve levar à sanação da irregularidade pelo Tribunal ad quem. De facto, apesar de no CPC de 2013 não existir previsão idêntica ao art.646º/4 do anterior CPC de 1961 (que previa que se tinham como «não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito»), a doutrina e jurisprudência têm mantido o entendimento que a matéria não factual que conste de uma decisão de facto deve ser expurgada da mesma. Vide, neste sentido, entre outros: Abrantes Geraldes (que refere que devem ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)»); Ac. RG de 17.02.2022, proferido no proc. nº2549/11.0TJVNF-J. G1, relatado por Maria João Matos[i]. 2.1.1.2. Alteração à matéria de facto: A decisão da matéria de facto do Tribunal a quo pode ser alterada pelo Tribunal ad quem a pedido das partes (art.640º do CPC) e/ou oficiosamente (art.663º/2, em referência ao art.607º/4- 2ª parte do CPC; art.662º/2-c) do CPC), mediante os requisitos previstos por lei, se se revelar útil para a decisão do recurso (art.130º do CPC). Quando, em particular, a alteração à decisão de facto é pedida pela parte recorrente: esta deve cumprir os ónus prévios de impugnação, sem os quais não é admissível a reapreciação da prova e da decisão de facto (art.640º do CPC); e, posteriormente, apenas procede a alteração se a reapreciação da prova impuser uma decisão de facto diferente (art.662º/1 do CPC). O art.640º do CPC, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», prevê: «1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.». Os ónus em geral, de acordo com o referido por Abrantes Geraldes, estipulam exigências rigorosas que responsabilizam as partes, ainda que modeladas pelo princípio da proporcionalidade: «As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.», sem prejuízo do critério de rigor ser moderado pelos «princípios da proporcionalidade e da razoabilidade» sublinhados pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[ii]. No regime legal assinalado, todavia, podem distinguir-se, de acordo com o que tem sido realizado pela jurisprudência, ónus primários e ónus secundários, com distinto tratamento no que é ou não exigível constar das conclusões do nº1 do art.639º do CPC. Correspondem a ónus primários os previstos no nº1 do art.640º do CPC, que devem ser observados sob pena de rejeição do recurso se o não forem: a) Os dois ónus respeitantes à definição precisa do objeto do recurso de impugnação e da pretensão da parte recorrente, previstos nas als. a) e c) do nº1 do art.640º do CPC, que define que «1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; (…) c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.». b) O ónus respeitante ao dever de fundamentação da alteração pedida, com base na concreta prova produzida, que o recorrente entenda dever ser valorizada e analisada de forma distinta da 1ª instância (o art.640º, no seu nº1, al. b), do CPC define que «1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: (…) b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;»). A Doutrina e a Jurisprudência têm acentuado dominantemente o ónus do recorrente identificar e debater a prova concreta com base na qual pede a alteração de cada um dos factos da decisão de facto, ou do mesmo tema de factos, posição que este coletivo também perfilha neste acórdão. Entre estas posições: __ J. O. Cardona Ferreira refere: «Há que ter em atenção que especificar concretos (…) meios probatórios é, não só indicar, claramente, o que se se concluiu e não se deveria ter concluído- ou (e) vice-versa- mas também, o que ao menos genericamente, efetiva e especificamente, está num determinado depoimento gravado, e não apenas remeter para toda a generalidade de um depoimento ou depoimentos. É que tudo isto não é só interesse da parte; é também exercício do dever de cooperação com o Tribunal (art.7.º). Vale dizer que não interessa apenas identificar uma testemunha; interessa identificar o que ela disse.»[iii]. __ António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa referem que este ónus de fundamentação atua numa dupla vertente: «cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilidade dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente»[iv]. Abrantes Geraldes sublinha, ainda, a necessidade de assegurar neste campo: «a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados»[v]. __ O Ac. STJ de 19.02.2015, proferido no processo nº299/05.6TBMGD.P2.S1, relatado por Tomé Gomes, conclui no sumário: «3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. »[vi]. __ O Ac. RG de 22.10.2020, proferido no processo nº5397/18.3T8BRG.G1, relatado por Maria João Matos, conclui no sumário que: «II. A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie, global e genericamente, a prova valorada em primeira instância, o que justifica que se imponha ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação. III. O ónus de impugnação previsto no art. 640º, nº 1, al. b) do C.P.C. exige que o recorrente: especifique os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em primeira Instância para cada um dos factos que pretende impugnar, não sendo suficiente a genérica indicação dos ditos meios de prova (isto é, desacompanhada do reporte a cada um dos factos sindicados, e antes oferecida para a totalidade da matéria de facto sob recurso);». Corresponde a um ónus secundário, conexo com o ónus primário de fundamentação referido em b) supra, o que prescreve na al. a) do nº2 do art.640º do CPC, que «2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;». Em relação a estes ónus, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (v.g: o Ac. do STJ de 19.02.2015, proferido no processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relatado por Tomé Gomes; o Ac. do STJ de 29.10.2015, proferido no processo n.º 233/09.4TBVNC.G1.S1, relatado por Lopes do Rego; o Ac. do STJ de 27.09.2018, proferido no Processo n.º 2611/12.2TBSTS.L1.S1, relatado por Sousa Lameira; o Ac. do STJ de 03.10.2019, proferido no processo nº 77/06.5TBGVA.C2.S2, relatado por Maria Rosa Tching) tem acentuado, nomeadamente: que é exigível um maior rigor na apreciação do cumprimento do ónus primário e fundamental do nº 1 do art.640º do CPC, face ao ónus secundário previsto no nº2 do art.640º do CPC; que é exigível que os ónus primários de delimitação do objeto do recurso das als. a) e c) do nº1 do art.640º do CPC estejam integrados nas conclusões do recurso (tendo o AUJ do STJ nº12/2023, de 14.11. moderado a exigência, em relação ao ónus do art.640º/1-c) do CPC- «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.»), enquanto o ónus primário de motivação probatória e o secundário de identificação dos trechos da gravação previstos na al. b) do nº1 e na al. a) do nº2 do art.640º do CPC podem estar integrados na motivação; que não é admissível despacho de aperfeiçoamento quanto à impugnação da matéria de facto e que a falta de cumprimento dos ónus do art.640º do CPC implica a rejeição do recurso. 2.1.2. Apreciação da situação em análise: 2.1.2.1. Quanto ao ponto de facto 3: O Tribunal a quo julgou provado em 3 que «O autor conduzia a motorizada dentro dos limites da sua hemifaixa e do limite de velocidade permitida», referindo na sua motivação, em relação a um grupo de factos que integram este: «Os factos 3), 5) a 8) e o facto não provado b) reportam-se à dinâmica do acidente a se, para cuja prova o Tribunal analisou a documentação junta aos autos (mormente o auto de notícia constante de fls. 23 a 27), as declarações de parte de autor e réu, a visualização direta do local do embate por via do modo Street View da aplicação Google Maps (cfr. ata da última sessão de audiência de julgamento), e ainda o vídeo junto pelo autor com o requerimento entrado nos autos a 02-11-2023, sendo que inexistiram testemunhas presenciais do embate. As declarações de parte mostraram-se diametralmente opostas: o autor afirmou que o embate ocorreu na faixa de rodagem, quando o réu, inesperadamente, atravessou a mesma sem aviso, não concedendo ao autor tempo suficiente para travar face à proximidade. Por outro lado, o réu afirmou que o embate se deu enquanto circulava na berma, e que não estava a atravessar a estrada, tendo-o feito numa passadeira anterior. O auto de notícia não se revelou por seu lado muito preciso, posto que na falta de vestígios ou testemunhas presenciais, as autoridades apenas lograram demonstrar o local onde o réu ficou imobilizado mas não o local do embate (cfr. croquis de fls. 25). Assim, pela visualização do local do acidente através do Google Maps (tendo as partes acompanhado a diligência em julgamento e confirmado o local do embate), o Tribunal confirmou que o local é o mesmo que é possível ver no vídeo supra aludido, e que corresponde à fotografia junta pelo autor a fls. 12. O vídeo em causa é filmado do interior do logradouro visível do lado direito da referida fotografia, indicando-se o seu tempo de filmagem como coincidente com a hora e local em que as partes acordam ter ocorrido o embate. Deste modo, mesmo não sendo perfeita a visualização dos rostos dos intervenientes, o vídeo demonstra claramente um atropelamento de um peão por uma motorizada, ocorrido naquele local e àquela hora, sendo completamente verosímil que se trate de autor e réu. E, do referido vídeo, claramente se denota que o réu atravessa a estrada, contrariando-se integralmente a sua versão, sem sequer cuidar de olhar para o lado de onde provinha o autor, sendo colhido não na berma mas claramente na hemifaixa de rodagem onde circulava o autor – inexistindo elementos que permitam concluir que o autor circulasse em excesso de velocidade, desatento ou em violação de qualquer regra estradal, também se verificou pelo Google Maps que o réu tinha visibilidade suficiente para se aperceber da aproximação do autor, e evitar a travessia fora da passagem de peões.». O réu/recorrente, na sua impugnação à matéria de facto, pediu que o facto julgado provado em 3 fosse se julgasse não provado, alegando como fundamento: que nem do auto de notícia, nem dos depoimentos das testemunhas, decorre que o autor conduzia com respeito pelos limites de velocidade; que, se o autor circulasse com esse limite, teria visto com o réu com antecedência e não apenas a 1 ou 2 metros antes do embate (por si reconhecido nas declarações prestadas), antecedência esta que este não consegue explicar no seu depoimento (conclusões 5 a 9, 15 a 20, 37 e 38). O autor/recorrido opôs-se à impugnação. Impõe-se apreciar a impugnação. Por um lado, verifica-se que o recorrente não contestou os meios de prova indicados e a análise realizada pelo Tribunal a quo para julgar provado o ponto de facto 3, sendo que a sua argumentação (quer a falta de registo dos factos no auto de notícia, quer a falta de depoimentos de testemunhas, quer o reconhecimento do autor que viu o motociclo a 1 ou 2 metros) é totalmente irrelevante para infirmar o juízo probatório do Tribunal a quo, com base numa análise global da prova não discutida (sendo que o reconhecimento do autor de ter visto o motociclo do réu a 1 ou 2 metros de distância nada infirma quanto à velocidade, caso o réu se atravessasse nessa altura na sua hemi- faixa, como, aliás, foi julgado provado no ponto de facto 8 e não foi impugnado pelo réu). Por outro lado, verifica-se que a impugnação desta matéria é totalmente irrelevante para a decisão do recurso, pelas seguintes razões: a) Mesmo que se julgasse não provado que o autor conduzia na hemi-faixa respeitante ao seu sentido de trânsito ou a uma velocidade concreta inferior ao limite de velocidade que, naquele caso, se aplicasse, esta falta de prova não permitira provar que praticou os factos contrários. b) De acordo com as regras de repartição do ónus de alegação e prova (art.5º/1 do CPC; art.342º/1 e 2 do CC): cabe ao autor/lesado, apenas, alegar e provar os factos constitutivos do direito que invoca- os factos integrativos da prática pelo réu de um facto ilícito e culposo, causador do dano, cujo ressarcimento é pedido (art.5º/1 do CPC; arts.342º/1, 483º, 487º e 562º ss do CC) e não lhe cabe alegar e provar, prima facie, a sua observância das regras estradais e os factos negativos de falta de prática de atos ilícitos e culposos e/ou de falta de nexo de causalidade entre estes e os danos; cabe ao réu/demandado como responsável civil pelos danos, alegar e provar os factos de exceção que forem impeditivos, modificativos ou extintivos da sua obrigação- factos estes que integram a alegação e a prova da prática pelo lesante de atos ilícitos e culposos, que contribuíram ou foram decisivos para a produção do dano (art.570º do CC). Por fim, não obstante e para além disto, verifica-se que o ponto de facto 3 integra matéria totalmente conclusiva em relação à velocidade («O autor conduzia a motorizada dentro (…)do limite de velocidade permitida»), uma vez: que a conclusão que a condução do autor estava a ser feita dentro dos limites da velocidade apenas poderia ser extraída na apreciação jurídica dos factos alegados e provados, nomeadamente, a velocidade concreta em Km/hora e o local da condução (nomeadamente, como dentro de localidade ou fora), em face do regime dos arts.1º, 14º, 25º e 27º do C. Estrada; que o autor/recorrido não alegou esses factos na sua petição inicial. Pelo exposto: a) Determina-se oficiosamente a expurgação do ponto de facto 3 da menção conclusiva e de direito que o autor conduzia dentro «do limite de velocidade permitida», passando o facto a manter apenas a seguinte redação «O autor conduzia a motorizada dentro dos limites da sua hemifaixa». b) Improcede a demais impugnação do facto 3. 2.1.2.2. Quanto ao ponto de facto 11: O Tribunal a quo julgou provado em 11 que «(«11) Por força do embate, a motorizada do autor careceu das reparações identificadas no orçamento junto a fls. 6v, cujo teor integralmente se reproduz, cujo valor ascende a €2.797,61.»)», considerando, na sua motivação, «O facto 11) demonstrou-se pelo teor das declarações de parte do autor, e pela documentação junta a fls. 6v.». O réu/recorrente, na sua impugnação à matéria de facto, pediu que o facto julgado provado em 11 se julgasse não provado, por considerar: que não foram alegados danos, cuja alegação cabia ao autor; que o orçamento de fls.6/v não está assinado, nem identifica a motorizada, pelo que não pode comprovar que se destine à mesma; que as declarações de parte não são legalmente admissíveis nem idóneas para provar o que a própria parte alegou na sua petição inicial, sendo que o autor não concretizou sequer o valor do orçamento nas suas declarações; que a mulher do autor (conclusões 10 a 14, 21 a 36, 37 e 38). Impõe-se apreciar. Por um lado, o facto 11 foi julgado provado em referência à alegação prévia do autor dos danos da motorizada que conduzia e das necessidades de reparação («30º. Como resultado do acidente, a motorizada ficou com muitos danos. 31º. Para a sua total reparação serão necessários cerca de 2.797,61€ - tudo conforme orçamento. (doc 1 que se junta e se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais)»). Não obstante esta alegação ter sido feita de forma parcialmente conclusiva, e que poderia ter sido objeto de despacho de aperfeiçoamento (art.590º/2-b) e 4 do CPC), a mesma remeteu para o orçamento junto com a petição inicial, onde se encontram discriminadas as peças a substituir e a mão de obra. O facto provado em 11, nos mesmos termos, julgou provada a necessidade de reparação da motorizada e o valor da mesma, com remissão para o referido orçamento de fls.6/v, que foi julgado reproduzido na sentença, onde se encontram discriminadas as peças necessárias e que se presumem judicialmente estragadas (que são compatíveis com peças de motorizada) e mão de obra. Por outro lado, não existe qualquer obstáculo legal para o Tribunal valorar declarações de parte do autor, em relação a matéria que lhe seja favorável e não possa ser confessada, uma vez: que as declarações de parte são um meio de prova (art.466º CPC), distinto da prova por confissão em depoimento de parte (arts.456º a 465º do CPC); que estas declarações de parte ficam, assim, sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova do Tribunal, baseado num princípio da imediação; que, ainda que não haja consenso sobre o lugar desta prova na livre apreciação da prova- sintetizando António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa «(…) três posições essenciais: tese do carácter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; tese do princípio de prova; e tese da autossuficiência ou do valor autónomo das declarações de parte.»[vii]- o Tribunal a quo julgou provado o facto com base na conjugação entre as declarações de parte e o orçamento de fls.6/v. Por outro lado, ainda, conjugando as declarações de parte do autor com o orçamento de fls.6/v (invocadas como suporte da convicção do Tribunal a quo), com os argumentos sobre os mesmos e o meio de prova indicado pelo recorrente na sua impugnação, tal como a apreciação de todos os factos provados, verifica-se que não existe razão para infirmar o juízo de prova do Tribunal a quo. De facto, nos meios de prova indicados pelo Tribunal a quo, verifica-se: a) Que o autor referiu que a motorizada deixou de poder andar, que a garagem onde a comprou lhe disse que havia perda total da mesma e que havia um orçamento de «€ 2000 e muitos euros», declarações estas que não perdem valor probatório por o autor não ter especificado o valor aritmético exato orçamentado para a reparação dos danos, uma vez: que o valor indicado está na mesma medida de unidade do valor do orçamento; que não é exigível que o autor se lembrasse em 2025 do valor aritmético exato do orçamento de 2021, que não desencadeou ainda qualquer reparação do veículo; que o autor não foi confrontado em audiência com o orçamento junto aos autos, nomeadamente o mandatário do réu em contra-instância. b) Que o orçamento junto aos autos pelo autor a fls.6/v: foi lavrado em suporte informático e escrito, identifica o emitente (com timbre da EMP01..., com indicação de morada, de contactos e de NIF) e o destinatário (foi dirigido ao autor, corretamente identificado com nome completo e morada), está numerado como «Orçamento N.º ...», tem data de emissão de «03-09-2021», discrimina unidades de peças individuais (compatíveis com peças de uma motorizada) e de mão de obra (12 horas), com respetivos preços discriminados e com valor global de € 2797, 61 com IVA. Neste contexto, o orçamento lavrado através de programa informático: não perde valor probatório por não estar assinado, uma vez que o emitente está devidamente identificado e não corresponde a prática usual a assinatura de orçamentos informáticos; não perde valor probatório essencial por não estar indicada a matrícula da motorizada, uma vez que o orçamento foi dirigido ao autor, foi emitido 4 meses após o embate de maio de 2021, descreve peças compatíveis com peças de uma motorizada (como quadro, guiador, selim, etc) e compatíveis com danificação decorrente da queda da motorizada, após o embate (embate este que causou ao autor, com resulta provado, uma incapacidade parcial permanente de quase 10 pontos). Por sua vez, o desconhecimento do valor do orçamento, pela testemunha e mulher do autor CC, invocado também pelo recorrente para contrariar o juízo de prova do Tribunal a quo, não tem qualquer valor, uma vez que não é exigível que a mulher do autor em 2025 tivesse presente o valor exato do orçamento de 2021, respeitante a uma reparação de motorizada que não foi realizada. Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação à matéria de facto. 2.2. Reapreciação de direito: 2.2.1. Em relação à condenação em indemnização de € 2 797, 61 por danos patrimoniais: O réu/recorrente, no seu recurso de apelação, limitou-se a impugnar o facto provado em 11, com base no qual o Tribunal a quo o condenou no pagamento da indemnização de € 2 797, 61, pretendendo que o mesmo não resultasse provado. Tendo improcedido esta sua impugnação de facto, fica prejudicada a necessidade de apreciar as consequências jurídicas da alteração de prova do facto 11. O réu/recorrente, neste seu recurso, não suscitou qualquer erro de direito da decisão nesta parte, nos termos do art.639º do CPC. Assim, nada há a apreciar neste âmbito. 2.2. Em relação à condenação em indemnização de € 2000, 00 por danos não patrimoniais: 2.2.1. Enquadramento jurídico: A indemnização por responsabilidade civil extracontratual deve compensar os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.496º/1 do C. Civil, em referência aos arts.483º e 562º ss do C. Civil). Esta cláusula indemnizatória geral, em consonância com a tutela geral da personalidade física e moral contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça (art.70º do C. Civil), protege «mais amplamente, a tutela da pessoa, na completa expressão do seu ser (Cfr. MENEZES CORDEIRO, 2010: 408-418 e BRANDÃO PROENÇA 217b: 313-388)»[viii], compensando o dano grave, aferido objetivamente, gravidade essa que pode abranger “não apenas o «dano exorbitante ou excecional», mas também aquele que sai da mediania, ultrapassando as fronteiras da banalidade (cfr., v.g., o Ac. STJ 04.03.2008 08A164)»[ix] O dano não patrimonial pode integrar compreensivamente, de acordo com a jurisprudência, nomeadamente «o dano corporal ou à saúde traduzido na diminuição psicossomática da pessoa por lesão à integridade física e psíquica- actualmente designado também como dano biológico; o dano que consiste no sofrimento físico ou psíquico- quantum doloris; o prejuízo estético; o prejuízo sexual; o dano que se traduz no prejuízo da vida concreta e relacional da pessoa, designadamente familiar- que pode ser designado por dano existencial ou à vida de relação ou por prejuízo de afirmação pessoal, e que pode ainda ser particularizado no «prejuízo de distracção ou passatempo», no «pretium juventutis», no «prejuízo da auto-suficiência»»[x] O valor desta indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção: a) O grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifiquem (arts.496º/4 e 494º do C. Civil), como as «flutuações do valor da moeda, etc.» e «E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida»[xi] O valor a arbitrar não deve reconduzir-se apenas a um valor simbólico mas significativo, ainda que baseado em critérios objetivos e não arbitrários[xii]. Esta indemnização: reveste uma natureza compensatória («tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral»[xiii] ) e uma natureza também sancionatória, que pondera a culpa do agente[xiv]; deve ser fixada num valor único, ainda que que pondere diversas categorias de danos - «não se justificando autonomizar as diversas categorias para o efeito de ser atribuída uma distinta parcela indemnizatória a cada uma- cfr. os Acs. STJ 07.07.2009, 25.11.2009, 25.11.2009, 07.5.2014.26.06.2014 e 02.06.2015- solução que se compreende pela necessidade de evitar a dupla reparação do mesmo dano, uma vez que as diversas subespécies podem não revestir autonomia dogmática e são identificadas, sobretudo, com um fim descritivo»[xv]. b) A consideração de todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito (art.8º/3 do C. Civil). De qualquer forma, e de acordo com a jurisprudência do STJ, que se perfilha, o valor indemnizatório por danos não patrimoniais, fixado num juízo de equidade na 1ª instância, não deve ser alterado no Tribunal Superior, pois não se trata de uma aplicação de critérios estritos normativos, passíveis de reapreciar numa estrita questão de direito, salvo se violar razões de segurança jurídica e o princípio da igualdade. Neste sentido, pronunciaram-se, nomeadamente: a) O Supremo Tribunal de Justiça a 25.05.2017: «Ora – como temos entendido reiteradamente (cfr. por ex. o Ac. de 20/5/10, proferido no P. 103/2002.L1.S1) – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade. Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados.»[xvi]. b) Este Tribunal da Relação de Guimarães a 15.02.2018, que conclui «Assim, fixada a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade, o que manifestamente, não sucede no caso. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida.»[xvii] 2.2.2. Apreciação dos pedidos em análise: O Tribunal a quo, depois de um enquadramento jurídico sobre a indemnização por danos não patrimoniais, fixou a indemnização a este título em € 2000, 00, com base nos seguintes fundamentos: «O autor prova que, por força do embate, sofreu danos desta categoria: para além das dores e sofrimento de que padeceu após o acidente (e que ainda perduram), também se viu impedido de realizar atividades desportivas que antes realizava, e viu prejudicada ainda a sua vida doméstica, na relação com a sua filha e com a sua esposa. Tais danos revestem valor e relevância jurídica e devem assim ser devidamente ressarcidos. Por último, no caso, resulta demonstrado que foi a atuação exclusiva do réu, que atravessa a faixa de rodagem, fora de travessia adequada, sem cuidar de verificar da circulação dos veículos na mesma, que resulta no evento de o autor, sem capacidade de reagir face à imprevisibilidade da atuação do réu, embata no corpo deste – concluindo-se que, perante a formulação do referido artigo 563.º que os danos sofridos pelo autor não ocorreriam, não fosse o embate provocado pelo réu. * No que reporta ao quantitativo dos danos, o referido dano patrimonial é de simples cálculo – reporta-se integralmente ao valor necessário para reparação do veículo, dado como provado em 11). Em relação aos danos não patrimoniais, o autor reclama o pagamento de €10.000,00. Na fixação da compensação a atribuir pelo dano não patrimonial, o Tribunal deve agir de acordo com juízos de equidade, podendo considerar elementos como o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que assim o justifiquem (cfr. o artigo 496.º, n.º 4 e respetiva remissão para o artigo 494.º). Considerando os danos que o autor logra demonstrar, e sem desmerecer a sua gravidade, afigura-se excessivo o montante pedido; considerando que a incapacidade atribuída ao autor é reduzida, não se mostram os danos também de gravidade tão considerável que mereçam o ressarcimento ao nível aqui peticionado. Considera-se porém que o autor perdeu alguma mobilidade e capacidade de se movimentar e de exercer atividade física como antes podia, com as consequências demonstradas também a nível da sua integração familiar. Ponderadas assim todas as circunstâncias do caso, o Tribunal entende proporcional e adequada a condenação do réu no pagamento de €2.000,00 a título de dano não patrimonial.». Ambas as partes recorreram desta decisão, em sentido diametralmente oposto: o autor pediu o aumento da indemnização de € 2 000, 00 para o valor pedido de € 10 000, 00 (ou valor aproximado), em face dos factos integrados pelos danos não patrimoniais sofridos (conclusões A a G); o réu pediu a revogação da sentença, considerando que o valor indemnizatório de € 2 000, 00 é desproporcionado, uma vez que o autor não perdeu rendimentos (conclusões 39 a 41). Impõe-se apreciar estas pretensões, em face dos factos provados e do regime de direito enunciado em III- 2.2.1. supra. Por um lado, não assiste qualquer razão ao réu/recorrente para pedir a revogação da condenação no pagamento da indemnização de € 2 000, 00 com os fundamentos invocados e supra enunciados, uma vez que o valor indemnizatório de € 2 000, 00 foi fixado para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo autor e elencados pelo Tribunal a quo na sua decisão e não foi fixado para compensar danos patrimoniais de perda de rendimentos de trabalho ou de capacidade de ganho. Por outro lado, assiste razão ao autor/recorrente para pedir a ampliação da indemnização de € 2 000, 00, fixada pelo Tribunal a quo para compensar danos não patrimoniais, tendo em conta que os factos provados nos factos 7) e 8) e 12) a 18), lidos de acordo com regime legal aplicável referido em III- 2.2.1. supra, permitem constatar: a) Que o réu agiu com negligência assinalável, ao atravessar a estrada repentinamente, apesar de poder ver o autor a circular na mesma. b) Que o autor sofreu múltiplos danos que afetaram a sua personalidade, não só no momento do embate, mas no período posterior de três e de vinte e dois meses: __ Sofreu dores notórias da altura do embate de 25.05.2021 e dores subsequentes, que ainda se mantinham na data da instauração da ação de 30.03.2023. __ Sofreu limitações sérias na sua autonomia de vida no período de recuperação, e pelo menos durante 3 meses, uma vez que não se podia locomover sem ajuda e precisava de ajuda da mulher para tudo, nomeadamente para se lavar e vestir. __ Ficou com uma incapacidade permanente parcial de 9, 84%, respeitante a lesões consolidadas que limitam o seu uso de corpo numa proporção assinável. __ Ficou com limitações de atividade em áreas desportivas e familiares, muito relevantes p ara a sua vida pessoal, uma vez que deixou de conseguir: jogar futebol e fazer caminhadas como fazia antes, ficando triste e desanimado; correr e brincar com a filha; ajudar a sua mulher nas lides domésticas, com transtornos na vida conjugal. c) Que nada tendo sido alegado e provado quanto às condições económicas do autor e do réu, atender-se-ão a critérios de capacidade normal de cada um auferir, pelo menos, o valor do salário mínimo nacional. d) Que a Jurisprudência, numa apreciação comparada para os efeitos do art.8º/3 do CC, há mais de 15 anos, já fixou indemnizações entre os € 10 000, 00 e os € 20 000, 00 por danos não patrimoniais a lesados que sofrerem diferentes dores e tratamentos e com défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 10% (com repercussão na vida diária independente do trabalho) ou com IPP de 10% (com repercussão no trabalho), por exemplo: _ O Ac. STJ de 24.11.2009, proferido na Revista n.º 455/06.0TCGMR.G1.S1, relatado por João Camilo, fixou a indemnização de € 10 000, 00 (sumariando: «IV - Considerando que o autor tinha 12 anos à data do acidente; que o causador do acidente agiu com culpa exclusiva e acentuada, nada tendo contribuído o autor; que foi de 10 dias o período de internamento e de 1 ano a duração do tempo de doença; que, por causa do traumatismo sofrido, passou a padecer de cefaleias e de insónias, tornando-se uma pessoa mais irritável e ansiosa; que mantém amnésia para o acidente e passou a sentir mais dificuldade em concentrar-se e em memorizar; que as sequelas determinaram uma incapacidade permanente geral de 10% e as lesões causaram ao autor um quantum doloris de grau 4 na escala de 1 a 7, no momento do acidente e no decurso do tratamento; que estas sequelas continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mau estar e que, à data do acidente, o autor era uma pessoa saudável e de constituição física normal, mostra-se adequado o valor de € 10 000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais.». - O Ac. STJ de 15.03.2007, proferido na Revista n.º 4770/06 - 7.ª Secção, relatado por Mota Miranda, fixou a indemnização de € 15 000, 00 (sumariando: «I - O autor, com 14 anos de idade, sofreu ferimentos que lhe afectaram a parte esquerda do corpo, designadamente a perna esquerda, o que obrigou a que fosse sujeito a uma operação cirúrgica para colocação de uma prótese (para auxiliar à recuperação óssea da mesma), podendo ainda ter de ser sujeito, no futuro, a nova operação. II - Resultaram ainda para o autor sequelas que o têm tornado cada vez mais introvertido e que lhe determinam uma incapacidade permanente de 10%. III - Considerando a gravidade destas lesões - que lhe atingiram o membro inferior esquerdo e que lhe acarretam uma limitação e privação que se prolongarão para toda a vida, afectando-lhe a sua qualidade de vida - e as dores sofridas e considerando ainda que se trata de um jovem que viu limitadas as suas actividades lúdicas, para o compensar de todo este sofrimento entende-se adequado, ajustado e equitativo, traduzindo essa gravidade do dano, o montante de 15.000,00 €»). - O Ac. STJ de 28.05.2009, proferido na Revista n.º 411/09 - 2.ª Secção, relatado por Oliveira Rocha, fixou a indemnização em € 15 000, 00 (sumariando: «VI - Demonstrando ainda os mesmos factos que o autor sofreu em consequência do acidente várias intervenções cirúrgicas, internamentos e tratamentos e ficou a padecer de várias sequelas definitivas - cicatriz de cerca de 15 cm num dos antebraços, com um dano estético associado de grau 3, e limitação da mobilidade do ombro e do indicador, a qual lhe provoca um quantum doloris de grau 4 - e que o mesmo era um jovem saudável, bem constituído, dinâmico, alegre e jovial, reputa-se de equitativo o montante de 15.000,00 € destinado ao ressarcimento dos danos não patrimoniais.»). Assim, considera-se: que a indemnização de € 2000, 00 fixada pelo Tribunal a quo erra por manifesto defeito, uma vez que não é capaz de compensar minimamente os danos sofridos e é inferior ao valor normalmente arbitrado na jurisprudência por danos aproximados; que estão preenchidos pressupostos que permitem aumentar a indemnização para o valor pedido neste recurso de € 10 000, 00 (pedido este do recurso que limitou o objeto inicial da ação, no qual o autor havia pedido o valor de € 20 000, 00 para a compensação de danos morais e € 10 000, 00 para a compensação de danos patrimoniais). Desta forma, improcede o recurso do réu e procede o recurso do autor. IV. Decisão: Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam: 1. Julgar improcedente o recurso do réu/recorrente. 2. Julgar procedente o recurso do autor/recorrente, no âmbito do qual: a) Aumentam a indemnização por danos não patrimoniais para o valor de € 10 000, 00. b) Corrigem, em consequência, a condenação global do réu de € 4 797, 61 para o valor de € 12 797, 61 (indemnização de € 2 797, 61 para danos patrimoniais e € 10 000, 00 para danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, vencidos desde a citação e vincendos até efetivo e integral pagamento. * As partes são responsabilizadas em custas na proporção dos seus decaimentos (art.527º do CPC), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao réu:__ Custas da ação na proporção do decaimento: de € 12 797, 61/€ 30 000, 00 pelo réu; e de € 17 202, 39/€ 30 000, 00 pelo autor. __ Custas do recurso do réu, com referência ao valor de € 4 797, 61: pelo réu/recorrente. __ Custas do recurso do autor, com referência ao valor de ampliação pedida de € 8 000, 00: pelo réu/recorrente. * Assinado eletronicamente pelo coletivo de Juízes DesembargadoresGuimarães, 9 de outubro de 2025 Alexandra Viana Lopes (Juiz Relatora) João Peres Coelho (Juiz 1º Adjunto) Susana Raquel Sousa Pereira (Juiz 2ª Adjunta) [i] Neste sentido, respetivamente: António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, Almedina, 1999, págs. 147-148, Ac. RG de 17.02.2022 encontra-se disponível in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/bd1ea2a905306c0e802588000040a0bd?OpenDocument [ii] Abrantes Geraldes, in obra citada, págs.169 e 174. [iii] J. O. Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, atualizado à Luz do CPC de 2013, Coimbra Editora, 6ª Edição, Agosto de 2014,, pág.135. [iv] António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol, I, Almedina 2021, 2ª Edição, Reimpressão, nota 4 ao art.640º, pág.797. [v] Abrantes Geraldes, in obra citada, pág.175 [vi] O AC. STJ de 19.02.2015, proferido no processo nº299/05.6TBMGD.P2.S1, relatado por Tomé Gomes, encontra-se disponível in dgsi.pt. [vii] António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotações ao arr.466º do CPC, págs.549 ss, em aparticular, quanto as teses, anotações 10 e 11, págs.552 e 553. [viii] Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Portuguesa, 2018, Nota I ao art.496º do Código Civil, pág.356. [ix] Obra citada em i, Nota IV ao art.496º do Código Civil, pág. 359. [x] Obra citada em i, Nota III ao art.496º do Código Civil, págs.358 e 359. [xi] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Nota 6 ao art.496º do Código Civil, pá.g.501. [xii] Ac. STJ de 17.01.2008, proferido no processo SJ200801170045382, relatado por Pereira da Silva, in dgsi.pt, entre outros. [xiii] Ac. STJ de 24.04.2013, in dgsi.pt [xiv] Ac. STJ de 19/5/2009, proferido no processo nº298/06.0TBSJM.S1, e acervo de doutrina exposto no ac. RG de 15.02.2018, proferido no processo 3nº037/15.1T8VCT.G1, todos in dgsi.pt. [xv] Obra citada in i, Nota III ao art.496º do Código Civil, pág.359. [xvi] Ac. STJ de 25.05.2017, proferido no processo n.º º 868/10.2TBALR.E1.S1, relatado por Lopes do Rego, disponível in dgsi.pt. [xvii] Ac. RG de 15.02.2018, proferido no processo nº3037/15.1T8VCT.G1, in www.dgsi.pt. |