Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
| Descritores: | ERRO NA FORMA DO PROCESSO EXTINÇÃO DE SOCIEDADE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE RESPONSABILIDADE DO SÓCIO POR DÍVIDAS DA SOCIEDADE RESPONSABILIDADE DO LIQUIDATÁRIO PERANTE OS CREDORES SOCIAIS LIQUIDAÇÃO SUBSEQUENTE À DELIBERAÇÃO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE FALSA AFIRMAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE PASSIVO SOCIAL RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I. A questão da propriedade ou impropriedade do processo escolhido pelo autor é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo (comum ou especial); e, por isso, é em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor (definida pelo pedido e pela causa de pedir) que se deve apreciar a propriedade da forma do processo por ele escolhida, II. Após a extinção da sociedade, caso subsista passivo não satisfeito ou acautelado, os credores sociais têm ao seu alcance dois regimes de protecção distintos: a responsabilidade dos liquidatários, caso se verifiquem os requisitos do art.º 158.º do CSC; ou a responsabilidade dos antigos sócios, caso se verifiquem os requisitos do art.º 163.º do mesmo diploma. III. Pedindo o autor, em acção declarativa sob a forma de processo comum, a condenação do réus no pagamento de uma indemnização, devida por falsas declarações por eles dolosamente prestadas sobre a inexistência de passivo de sociedade de que eram únicos sócios, no momento de extinção da mesma (quando ele próprio permanecia seu credor), desse modo lhe causando um dano correspondente ao montante cuja cobrança viu frustrada, e invocando para o efeito o art.º 158.º do CSC, usou da forma de processo adequada a fazer valer em juízo essa sua pretensão. IV. A eventual insuficiência ou deficiência (da alegação) de factos para preencherem os requisitos legais da pretendida responsabilização pessoal dos réus (à luz do art.º 158.º do CSC) é matéria que diz respeito à viabilidade (em termos de ineptidão) ou ao mérito (vício de substância, que contende com a improcedência da acção) da pretensão do autor, e não com a adequação da forma de processo que elegeu para o efeito (vício de forma, que contende com a nulidade a que alude o art.º 193.º do CPC). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade; 2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias. * ACÓRDÃOI - RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. EMP01..., Limitada, com sede na Rua ..., na ... (aqui Autora), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., ..., ..., em ... (aqui Réus), pedindo que · os Réus fossem condenados a pagarem-lhe a quantia global de € 12.596,19, acrescida de juros de mora (vencidos e vincendos), de custas e despesas judiciais. Alegou para o efeito, em síntese e exclusivamente no que tange ao objecto do presente recurso, terem sido os Réus os únicos sócios de EMP02..., Limitada; e ter vendido a esta Sociedade diversos produtos do seu comércio, para que ela os afectasse à sua actividade. Mais alegou que, não lhe tendo sido pago o respectivo preço, intentou contra ela diversas injunções e subsequentes execuções, estas últimas depois declaradas extintas por inexistência de quaisquer bens penhoráveis. Alegou ainda que, face ao exposto, requereu em 16 de Outubro de 2020 a insolvência de EMP02..., Limitad, a qual, sendo declarada, não pode ser registada, por ter sido previamente registado (em 30 de Outubro de 2020) a sua dissolução e o cancelamento da respectiva matrícula (o que levou à declaração de extinção da instância de insolvência, por inutilidade superveniente da lide, em 23 de Março de 2021). Alegou ainda que, sendo titular de um crédito sobre a dita Sociedade, no valor global de € 12.596,19, foi a sua existência omitida pelos Réus, que declararam para a sua extinção não haver bens a partilhar, nem dívidas sociais a acautelar. Por fim, alegou serem estes pessoalmente responsáveis pela satisfação do passivo social não satisfeito, nos termos do art.º 158.º ou do art.º 163.º, ambos do CSC. 1.1.2. Regularmente citados, os Réus contestaram conjuntamente, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo eles próprios absolvidos do pedido. Alegaram para o efeito que, no momento em que deliberaram a liquidação de EMP02..., Limitada (em 30 de Outubro de 2020), a mesma se encontrava inactiva há já cinco anos (uma vez que em 2015 tinha cedido a exploração dos seus estabelecimentos e espaços a diferentes entidades, incluindo os seus débitos e créditos), desconhecendo eles próprios que tivesse então qualquer activo ou passivo. Mais alegaram não terem procedido a qualquer partilha do seu inexistente activo, nada tendo recebido da Sociedade, não podendo, assim, ser responsabilizados pelo pagamento de quaisquer dívidas dela. 1.1.3. A Autora (EMP01..., Limitada), sob convite, respondeu, pedindo que se julgasse improcedente a defesa por excepção apresentada pelos Réus (AA e mulher, BB). Alegou para o efeito, sempre em síntese, não ter ela própria ratificado qualquer transmissão de dívidas por parte de EMP02..., Limitada; e ser irrelevante para a pretendida responsabilização dos Réus (AA e mulher, BB) pelas mesmas o ser, ou não, a Sociedade proprietária de qualquer património. 1.1.4. Foi proferido despacho, convidando as partes a pronunciarem-se sobre eventual erro na forma de processo, com a consequente absolvição dos Réus (AA e mulher, BB) da instância, por se considerar que o pedido formulado pela Autora (EMP01..., Limitada) o deveria ter sido nas acções executivas que instaurou contra EMP03..., Limitada, ao abrigo do disposto no art.º 162.º do CSC. 1.1.5. Ambas as partes vieram fazê-lo. A Autora (EMP01..., Limitada) defendeu inexistir o dito erro na forma de processo, uma vez que, pretendendo a responsabilização pessoal dos Réus (AA e mulher, BB), através do seu património próprio (e não através do património que tivessem recebido com a extinção da Sociedade), a mesma não poderia ser obtida com base no art.º 162.º do CSC, que apenas prevê uma substituição processual (da Sociedade extinta pela generalidade dos sócios), sem qualquer consequência no plano material (o crédito invocado continuará a ter como exclusiva garantia a do património antes social). Os Réus (AA e mulher, BB) defenderam a existência de erro na forma de processo (aderindo ao juízo perfunctório anunciado pelo Tribunal a quo). 1.1.6. Foi proferido despacho saneador, considerando verificado um erro na forma do processo e absolvendo os Réus (AA e mulher, BB) da instância, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Como já tivemos oportunidade de referir no despacho que proferimos em 3.03.2025, da análise da petição inicial decorre que o montante global da dívida cujo pagamento a A. reclama dos RR. assenta em títulos executivos (requerimentos de injunção a que foram apostas fórmulas executórias e cheques) que fundaram a instauração de execuções contra a sociedade “EMP03..., Lda.”, execuções essas que foram declaradas extintas por não se terem apurado bens penhoráveis à executada. É também incontrovertido que os RR., na qualidade de sócios da referida sociedade, deliberaram unanimemente em assembleia geral extraordinária realizada no dia 30.10.2020 proceder à dissolução e liquidação imediata da referida sociedade, ao abrigo do disposto no artigo 141.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais, o que lhes permitiu dissolver e liquidar a sociedade nos termos do procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais previsto no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, uma vez que declararam também, na acta respectiva, não existir activo ou passivo a liquidar. De seguida, na mesma data, foi registado o encerramento da liquidação quanto à sociedade acima identificada. Ora, como se sabe, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação (artigo 160.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais), após o que cessa a sua personalidade jurídica. Face ao regime do artigo 162.º do Código das Sociedade Comerciais, no que concerne às acções/execuções pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, isto sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação (cfr., entre muitos outros, os Acs. do TRL de 12.06.2014 e de 27.01.2022, processos 20802/07.6YYLSB.L1 e 12382/17.0T8LSB.L1-2, respectivamente, acessíveis em www.dgsi.pt). São estes últimos que passam a ser parte na acção/execução, representados pelos liquidatários, o que não se pode estranhar pois os sócios da sociedade executada não poderiam desconhecer a existência da dívida litigiosa aquando da dissolução da sociedade, pelo que se justifica que sejam responsáveis pela mesma enquanto sucessores da extinta sociedade, embora apenas até ao montante do que tenham recebido em partilha, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código das Sociedade Comerciais. Por este motivo é que tivemos o cuidado de referir no despacho proferido em 3.03.2025 que o pedido que a A. formula nestes autos deveria ter sido formulado nos autos de execução identificados na petição inicial nos termos do disposto no artigo 850.º, n.º 5, do CPC, que refere que a instância só pode ser renovada se o exequente indicar os concretos bens a penhorar, já que incumbe ao credor respectivo o ónus de alegação e de prova de que os ex-sócios da, no caso, sociedade executada, receberam em partilha bens da titularidade desta última, pelo que a sua responsabilidade pessoal não poderá exceder, por conseguinte, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais. Cremos ser jurisprudencialmente maioritário o entendimento de que a existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respectiva alegação e prova (cfr., entre outros, o Ac. do TRL de 9.03.2010, processo 4777/06.1TVLSB.L1-1; o Ac. do STJ de 15.11.2017, processo 07B3960; o Ac. do TRP de 22.10.2018, processo 582/15.2T8PRT.P1; e o Ac. do TRL de 13.10.2022, processo 4632/09.3TBMTS.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt). É claro que tal ónus de alegação e prova recai sobre o credor no caso de ter existido procedimento de liquidação com partilha, pois que, se assim não tiver acontecido, deverá o credor alegar que, na data do registo do encerramento da liquidação, existia activo, ou seja, bens da sociedade que não foram partilhados. Em face do expendido, não é correcto afirmar, como faz a A., que só conseguiria obter a responsabilização pessoal dos RR. pelo pagamento da dívida da sociedade “EMP03..., Lda.” através da instauração de uma acção declarativa comum e que o disposto no artigo 162.º do Código das Sociedade Comerciais a tanto obsta, desde logo porque, como nos parece ser evidente, a amplitude da responsabilidade pessoal dos ex-sócios da sociedade devedora não depende da natureza da acção a instaurar, que é igual em todas elas – sejam acções declarativas ou executivas –, já que estará sempre restringida, como vimos, às importâncias que aqueles hajam recebido em partilha dos bens sociais, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do citado diploma legal. Note-se que o n.º 2 deste preceito refere explicitamente que as acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito. As “acções necessárias” serão não só aquelas que ainda não foram instauradas, mas também as que já foram propostas pelos credores da sociedade entretanto extinta, como sucede no caso concreto, dado que está alegado que a dívida cujo pagamento a A. reclama nos presentes autos já foi executada. Assim sendo, temos para nós que a pretensão formulada pela A. deveria ter sido dirigida aos processos de execução que a mesma instaurou contra a sociedade “EMP03..., Lda.”, ou seja, requerendo que os mesmos prosseguissem contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, e mais alegando que, na data do registo do encerramento da liquidação, existia activo, ou seja, bens da sociedade que não foram partilhados, uma vez que está assente que não houve qualquer partilha, cuja identificação teria que efectuar nos termos do disposto no artigo 850.º, n.º 5, do CPC, para efeito de renovação das execuções, já que as mesmas se encontram extintas. (…) Em face do exposto, no caso dos autos ocorre uma excepção dilatória, que é o erro na forma do processo, importando por isso anular os actos que não possam ser aproveitados e praticar os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei – artigo 193.º do CPC –, sendo que no caso em apreço é patente não ser possível aproveitar nenhum dos actos praticados. A anulação de todo o processo constitui excepção dilatória insuprível e determina a absolvição do réu da instância, nos termos do disposto no artigo 278.º, n.º 1, alínea b), do CPC. Pelo exposto e ao abrigo do disposto nos artigos 193.º, 278.º, n.º 1, alínea b), 576, n.ºs 1 e 2, 577.º, alínea b), e 578.º, todos do CPC, decide-se absolver os RR. AA e BB da instância. Custas pela A., fixando-se o valor da causa em 12.596,19 € (artigos 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). (…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Autora (EMP01..., Limitada) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a mesma e se ordenasse o prosseguimento dos autos. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção): 1. O presente recurso respeita ao despacho saneador que absolveu os Recorridos da instância com fundamento na existência de uma exceção dilatória inominada; 2. Sendo invocada a existência de dívidas sociais não satisfeitas de uma sociedade liquidada, a presente ação visa obter a condenação pessoal dos Recorridos, antigos sócios e liquidatários da sociedade, pelo pagamento daquelas dívidas sociais; 3. A pretensão deduzida nestes autos, pela sua natureza e alcance, é insuscetível de ser deduzida numa ação executiva, pelo que a presente ação declarativa é a via própria para a Recorrente, exercendo o direito inerente, obter a condenação pessoal dos Recorridos; Sem prescindir, 4. A instauração de ações executivas em 2016, extintas em 2017, por parte da Recorrente, contra uma sociedade comercial extinta em 2020, não impede que, em 2024, seja instaurada ação declarativa contra os Recorridos, antigos sócios e liquidatários da sociedade, peticionando a sua condenação pessoal no pagamento de dívidas sociais não satisfeitas; 5. A presente ação declarativa é o meio próprio para a Recorrente, exercendo o direito inerente, obter a condenação pessoal dos Recorridos; Continuando sem prescindir, 6. A circunstância de a Recorrente desconhecer património social da sociedade extinta impede a aplicabilidade prática do n.º 5 do artigo 850.º do CPC, pelo que a instauração da presente ação declarativa era o único meio ao dispor da Recorrente; Finalmente, 7. Mesmo que se entenda que a Recorrente, porque munida de título executivo, deveria ter deduzido a pretensão formulada nos presentes autos em sede executiva, a instauração da presente ação declarativa não constituiu uma exceção dilatória inominada; 8. A instauração da presente ação, quando muito, poderia originar a aplicabilidade do artigo 535.º do CPC, o que implicaria, na pior das hipóteses, a responsabilidade da Autora - aqui Recorrente - pelo pagamento das custas processuais. 9. Assim sendo, a decisão de absolvição da instância sempre será errada; 10. Mostra-se, assim, violado o previsto nos artigos 158.º, 162.º e 163.º, todos do CSC, bem como os artigos 535.º, 577.º, 850.º, todos do CPC. * 1.2.2. Contra-alegações Os Réus (AA e mulher, BB) não contra-alegaram. * 1.2.3. Processamento ulterior do recurso O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como «de apelação (artigo 627.º, n.º 2 e 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC), tem efeito meramente devolutivo (artigo 647.º, n.º 1, do CPC), com subida imediata e nos próprios autos (artigo 645.º, n.º 1, alínea a), do CPC)», o que não foi alterado por este Tribunal ad quem. * Foi proferido despacho pela Relatora, convidando a Autora (EMP01..., Limitada) a esclarecer «qual a concreta norma jurídica onde alicerça a alegada responsabilidade pessoal dos ex-sócios da sua anterior sociedade devedora, por tanto não resultar inequívoco dos autos (nem da sua alegação de facto, nem da sua alegação de direito); e contender com o fundamento do recurso em apreciação (a verificação de um alegado erro na forma de processo por ela usada para o efeito)».A Autora (EMP01..., Limitada) veio fazê-lo (sem posterior reacção dos Réus), afirmando que «alicerça a responsabilidade pessoal dos ex-sócios da sociedade devedora no artigo 158.º do CSC e, subsidiariamente, no artigo 163.º do CSC», uma vez que «os Réus prescindiram de forma deliberada da liquidação da sociedade, bem sabendo a existência do crédito da Recorrente», impondo-se «em primeira linha, a aplicação do artigo 158.º do CSC, precisamente porque estes ignoraram propositadamente a existência do crédito da Recorrente»; e, em «último caso, sempre será de aplicar o artigo 163.º do CSC, conforme alegado nos artigos 44.º a 48.º da PI.». * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1]. Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciarMercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Autora (EMP01..., Limitada), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao considerar verificado nos autos um erro na forma do processo (desconsiderando para o efeito o efectivo pedido formulado, e a causa de pedir invocada, pela Autora, de responsabilização pessoal - com o seu património próprio - dos Réus a indemnizá-la pelos prejuízos que lhe causaram com falsas declarações, dolosamente por eles prestadas, sobre o passivo de sociedade sua devedora, no momento de extinção a mesma) ? * III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOCom interesse para a apreciação da questão única enunciada, encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos (nessa reprodução se incluindo o teor integral das peças do processo referidas). * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1. Erro na forma de processo 4.1.1. Excepção dilatória de erro na forma de processo Lê-se no art.º 546.º, n.º 1, do CPC, que o «processo pode ser comum ou especial»; e lê-se no art.º 548.º, do CPC, que o «processo comum de declaração segue forma única». «Consagra-se deste modo o princípio da especialidade das formas processuais. Por esse motivo, para saber qual é a forma do processo adequada à pretensão a deduzir, o caminho passa por determinar se esta se ajusta ao objecto de algum dos processos especiais previstos na lei, cabendo-lhe a forma de processo especial cuja finalidade seja precisamente essa pretensão ou a forma do processo comum se a pretensão não estiver compreendida nas finalidades específicas de nenhum processo especial» (Ac. da RP, de 08.03.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 7829/17.9T8PRT.P1, com bold apócrifo). Mais se lê, no n.º 2 do mesmo art.º 546.º, do CPC, que o «processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei», enquanto que «o processo comum é aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial». Vigora, assim, «no nosso sistema o princípio da legalidade das formas processuais, de maneira que a tramitação processual não está sujeita ao livre alvedrio das partes, antes deve corresponder àquela que o Estado, enquanto detentor do poder soberano de decidir litígios emergentes das relações de direito privado, entende fixar, sintetizando em determinadas formas de processo comum ou de processo especial, consoante a natureza ou o valor da acção». «Deste modo, perante a invocação de um determinado direito subjectivo (direito de propriedade, posse, direito de crédito, direito potestativo) ou interesse juridicamente tutelável, escolhida pelo autor, livremente, a pretensão que contra o réu pretende deduzir (condenação, simples apreciação, constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, cumprimento coercivo de uma obrigação inserta em título executivo), deve ajustar a sua estratégia aos instrumentos processuais criados e, de entre eles, indicar aquele que for legalmente o mais adequado» (Abrantes Geraldes, Temas da reforma do processo civil, Volume I, Almedina, págs. 216 e 217, com bold apócrifo) [3]. Pode, assim, afirmar-se que a forma «de processo é o modo específico como o legislador definiu o modelo e os termos dos actos a praticar e dos trâmites a observar pelas partes e pelo tribunal com vista à aquisição adequada dos elementos de facto e de direito que permitem decidir uma determinada pretensão», sendo, por isso, «a configuração da estrutura de actos e procedimentos a que deve obedecer a preparação e julgamento de determinado litígio» (Ac. da RP, de 08.03.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 7829/17.9T8PRT.P1). * Logo, a «questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial» (Professor José Aberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, pág. 288). Enfatiza-se, porém, que é em face da pretensão de tutela jurisdicional deduzida pelo autor (definida pelo pedido e pela causa de pedir) que se deve apreciar a propriedade da forma do processo por ele escolhida, e não em face das razões que se ligam ao fundo da causa [4]. Com efeito, «quando o autor pede aquilo que, segundo a lei, não pode pedir a consequência é a improcedência da acção: a acção naufraga, por o autor não ter o direito que se arroga. Que o pedido seja apresentado através de processo especial ou processo comum, o efeito é o mesmo, porque o que está em causa não é um vício de forma, mas um vício de substância». Melhor precisando com um exemplo, tome-se a celebração de «um contrato de arrendamento por 12 anos, sem outorga da mulher do senhorio», em que se pediu, «com base neste facto, o despejo do prédio e empregou-se para esse efeito o processo especial de despejo regulado no art.71.º do decreto n.º 5:411»; e em que a «Relação anulou o processo, declarando que se verificava a nulidade insuprível do n.º 5 do art.130.º». Dir-se-á, porém, que a «confusão é manifesta. O que estava errado era o pedido; e não a forma de processo. Nos têrmos dos artigos 10.º e 27.º do decreto n.º 5:411, o arrendamento em questão era nulo, por falta de outorga da mulher do senhorio; de modo que, em vez de o marido propor acção de despejo, devia a mulher propor acção de anulação do arrendamento; pediu-se a cessação do arrendamento, quando devia pedir-se que o arrendamento fosse declarado nulo. Sendo assim, a consequência a tirar era esta: a acção improcedia, pois que o marido não tinha o direito de fazer cessar o arrendamento e obter o despejo. (…) Desde que se pediu o despejo o processo a empregar era o processo especial de despejo; se, em vez desse processo, se tivesse empregado o processo ordinário, então é que havia erro na forma de processo» (Prof. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2.º Volume, Coimbra Editora, Coimbra 1945, págs.472, 474 e 475) [5]. * Verificando-se um erro na forma de processo, estar-se-á perante uma excepção dilatória, que implicará a absolvição da instância (art.ºs 193.º, 278.º, n.º 1, al. b), 576.º, n.º 1 e n.º 2, e 577.º, al. b), todos do CPC); mas apenas poderá ser conhecida até ao despacho saneador ou, inexistindo, até à sentença final (art.º 200.º, n.º 2, do CPC). * 4.1.2. Extinção de sociedade4.1.2.1. Constituição de sociedade - Princípio da separação de patrimónios Lê-se no art.º 980.º do CC que o contrato de sociedade é «aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade». Logo, em qualquer sociedade encontramos os seus quatro elementos de definidores: «(i) Elemento pessoal: pluralidade de sócios; (ii) Elemento patrimonial: obrigação de contribuir com bens ou serviços; (iii) Elemento finalístico (fim imediato ou objecto): exercício em comum de certa actividade económica que não seja de mera fruição; (iv) Elemento teleológico (fim mediato ou fim stricto sensu): repartição dos lucros resultantes dessa actividade» (Miguel Pupo Correia, Direito Comercial - Direito da Empresa, 9.ª Edição, Lisboa, 2005, pág. 117). Mais se lê, no art.º 5º do CSC, que as «sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras». Logo, as sociedades comerciais «não se limitam a constituir um mero corpo unitário de bens, um património autónomo, uma unidade objectiva, mas são verdadeiramente uma unidade subjectiva, um novo sujeito de direito, em si, uma individualidade diferente de cada um dos seus sócios» (Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª Edição, Coimbra, 2004, pág. 24). Ora, esta «personalização das sociedades comerciais tem seis consequências: (a) as sociedades têm direitos e deveres próprios, irrepercutíveis nos sócios; (b) os actos dos administradores, praticados nessa qualidade, sejam eles lícitos ou ilícitos, são imputados, apenas, à sociedade; (c) pelas dívidas da sociedade respondem os bens desta; (d) os credores individuais do sócio não podem responsabilizar os bens da sociedade: só a participação social; (f) os credores da sociedade preferem sobre os bens sociais, no confronto com os credores individuais dos sócios» (António Manuel Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Almedina, 2014, pág. 87). Compreende-se, ainda, que o «princípio da separação de patrimónios e de atribuição da personalidade jurídica às sociedades constitui uma solução de compromisso, um ponto de equilíbrio entre interesses, pelo menos aparentemente oposto: - o interesse do sócio que, visando prevenir-se contra os riscos inerentes ao exercício de uma actividade comercial, pretende afectar a esta apenas uma parte delimitada do seu património, salvaguardando a restante; - o interesse de terceiros, futuros e potenciais parceiros comerciais da sociedade, e portanto, a necessidade de incutir no comércio em geral um sentimento de confiança, credibilidade e de segurança nas transacções comerciais – v. Amílcar Brito de Pinho Fernandes, “Responsabilidade dos Sócios por Actos da Sociedade”, Textos do CEJ “Sociedades Comerciais”, 1994/1995, pág. 62» (Ac. da RP, de 25.10.2005, Henrique Araújo, Processo n.º 0524260, com bold apócrifo). * 4.1.2.2. Processo de extinção (de sociedade)Lê-se no art.º 141.º, n.º 1, als. a) a e), do CSC que «a sociedade dissolve-se nos casos previstos no contrato e ainda: pelo decurso do prazo fixado no contrato (al. a); por deliberação dos sócios (al. b); pela realização completa do objecto contratual (al c); pela ilicitude superveniente do objecto contratual (al. d); pela declaração de insolvência da sociedade (al. e). Logo, entre as causas legais imediatas de dissolução previstas no CSC encontramos a deliberação dos sócios, que deve ser tomada observando requisitos específicos, exigidos em cada tipo de sociedade (nomeadamente, de quórum deliberativo [6]); e, uma vez ocorrida, cabe à administração e aos liquidatários o dever de proceder ao seu registo, e cabe qualquer sócio o direito o promover (art.º 145.º, n.º 2, do CSC). Precisa-se, porém, que a dissolução é «uma mera modificação da situação jurídica da sociedade que se caracteriza pela sua entrada em liquidação; trata-se de uma modificação e não da sua extinção. É que, não obstante a sua dissolução, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao encerramento da liquidação (ut artº 160º, nº 2)». Logo, «a dissolução da sociedade é coisa completamente diferente da sua extinção. Trata-se, como reforça Pinto Furtado, da cessação, mas progressiva, da sua existência, acompanhada de liquidação do seu património, satisfação do passivo e destinação do resíduo»: «“A sociedade dissolvida não está extinta desde logo, mas começa tão-somente a extinguir-se, como numa lenta agonia, segundo a conhecida metáfora de José Tavares”», citado por Pinto Furtado (Ac. da RP, de 27.03.2008, Fernando Baptista, Processo n.º 0831264, com bold apócrifo). * Impondo a verificação de qualquer das causas de dissolução de sociedade a sua entrada imediata em liquidação (conforme art.º 146.º, n.º 1, do CSC), esta constitui, por via de regra, um processo, isto é, um conjunto de actos disciplinados, quer na lei (no CSC, nos seus art.ºs 149.º e seguintes), quer no estatuto ou pacto social respectivo, em tudo o que aquela não regular (conforme art.º 146.º, n.º 5, do CSC) [7]. A liquidação em causa consubstancia, precisamente, «um conjunto de actos que visam pôr termo ao modo colectivo de funcionamento do Direito, perante uma pessoa colectiva. Em termos práticos, a liquidação implica o levantamento de todas as situações jurídicas relativas à sociedade em liquidação, a resolução de todos os problemas pendentes que a possam envolver, a realização pecuniária (se for o caso) dos seus bens, o pagamento de todas as dívidas e o apuramento do saldo final, a distribuir pelos sócios» (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, I - Das Sociedades em Geral, Almedina, 2004, pág. 803). Contudo, «a sociedade continua, durante a fase de liquidação, a manter a personalidade jurídica e a reger-se pelas regras da lei e do contrato, no que for incompatível com o regime processual da liquidação (art. 146º, nº 2, do CSC)» (Miguel J. A. Pupo Correia, Direito Comercial, 2.ª edição, Universidade Lusíada, 1992, pág. 590). * A extinção da sociedade só ocorrerá com o registo de encerramento da sua prévia liquidação, lendo-se no art.º 160.º, n.º 2, do CSC que «a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162º a 164º, pelo registo do encerramento da liquidação» [8].Logo, «o liquidatário ou outro requerente não pede que seja inscrita a extinção da sociedade, mas sim o encerramento da liquidação; a extinção da sociedade não é um facto anterior a esse requerimento, cuja inscrição possa ser pedida, mas, ao contrário, um efeito legal do registo do encerramento da liquidação». Por isso se afirma que «extinção da sociedade resulta da inscrição no registo do encerramento da liquidação, “mesmo entre os sócios”. Não se trata, pois, de, pelo registo, tornar esse facto oponível a terceiros; mesmo entre os sócios, a sociedade mantém-se (incluindo a respectiva personalidade) até ser efectuada aquela inscrição. Na terminologia usual, o registo tem neste caso eficácia constitutiva». Ora, este «sistema estabelecido no CSC justifica-se por motivos teóricos e práticos. Por um lado, está em correspondência com o sistema estabelecido para a aquisição de personalidade pela sociedade e a existência desta como tal (art. 6º). Por outro lado, consegue-se a certeza quanto ao momento em que a sociedade se extingue e além disso evitam-se as dificuldades de a sociedade se extinguir pelo que respeita aos sócios, sem no entanto estar extinta pelo que respeita a terceiros». Contudo, precisa-se que a «extinção opera-se “sem prejuízo do disposto nos arts. 162º a 164º”, ou seja, do disposto quanto a acções pendentes, activo e passivo supervenientes. Isto não significa que, para os efeitos desse artigo, a sociedade não se considera extinta, mas sim que o facto de a sociedade se extinguir, nos termos referidos, não prejudica as soluções que o legislador criou, nos arts. 162º a 164º, para as acções pendentes e para a superveniência de activo ou de passivo» (Raul Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 1987, págs. 435 e 436). * 4.1.3. Responsabilização dos sócios por dívidas da sociedade (extinta) Lê-se no art.º 162.º do CSC que as «ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, nos termos dos artigos 163.º, nºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5» (n.º 1), sendo que a «instância não se suspende nem é necessária habilitação» (n.º 2). Logo, as acções que já se encontrassem pendentes em juízo no momento em que ocorre a extinção de sociedade que nelas era parte (activa ou passiva) prosseguirão, uma vez que aquela passará a ser substituído pela generalidade dos seus sócios (ocorre uma efectiva substituição processual); mas para o efeito nem a instância inicial se suspende, nem os sócios terão de ser habilitados (a dita substituição processual dá-se ope legis, de forma automática [9]). Previnem-se, deste modo, quaisquer demoras ou delongas, quer no prévio processo de liquidação da sociedade, quer nas próprias acções em causa. Mais se lê, no art.º 163.º do CSC, que, «encerrada a liquidação, e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada» (n.º 1); e as «ações necessárias para» este fim «podem ser propostas conta a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação» (n.º 2). Logo, e procedendo à necessária adaptação deste normativo (editado para débitos supervenientes à extinção da sociedade, isto é, ainda não exigidos em juízo quando ela ocorreu) aos casos prevenidos no anterior (de débitos já exigidos judicialmente quando ocorreu a referida extinção), a substituição processual da sociedade pela generalidade dos sócios, em princípio representados pelos liquidatários [10], não tem efeitos (substantivos) ao nível da garantia do crédito, isto é, o mesmo continuará a ser satisfeito apenas por força do anterior património social (no pressuposto de que o mesmo foi partilhado pelos sócios, que responderão pelas dívidas sociais exclusivamente - e tão só - na medida do que tenham recebido dela [11]). Recorda-se, a propósito, que nos termos do art.º 156.º do CSC o «ativo restante, depois de satisfeitos ou acautelados, nos termos do artigo 154.º, os direitos dos credores da sociedade, pode ser partilhado em espécie, se assim estiver prevenido no contrato, ou se os sócios unanimemente o deliberarem» (n.º 1), sendo «destinado em primeiro lugar ao reembolso do montante das entradas efetivamente realizadas» (n.º 2); e se «depois de feito o reembolso integral se registar saldo, este deve ser repartido na proporção aplicável à distribuição de lucros» (n.º 4). Reconhece-se, deste modo, que, «por circunstâncias várias, envolvendo ou não culpa (ou dolo) dos liquidatários, pode a sociedade vir a ser extinta sem que estejam satisfeitos todos os credores sociais. Os interesses dos credores e do tráfico jurídico em geral opõem-se fortemente a que a extinção da sociedade acarrete a extinção das dívidas sociais. Ora, permanecendo as dívidas, há que determinar quem responde por elas. A regra geral é a consagrada pelo art. 163.º: a responsabilidade dos antigos sócios, embora limitada pelo montante que receberam em partilha. O fundamento da solução legalmente consagrada radica na ideia de sucessão na titularidade daquela relação jurídica, embora de âmbito limitado pela extensão do direito de cada sócio relativamente ao antigo património social. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação distribuído pela partilha; mas, se houverem recebido mais do que era seu direito porque havia débitos sociais insatisfeitos, terão de ser eles a satisfazê-los, agora à custa dos bens que receberam» (Carolinha Cunha, «Responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente após a extinção da sociedade nos casos de ausência de liquidação», III Congresso do Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Outubro de 2014, págs. 173 e 174, e Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Livro 2, Almedina, pág. 668) [12]. Compreende-se a solução dos art.ºs 162.º e 163.º do CSC, pois de outro modo subverter-se-ia, quer o interesse dos sócios subjacente à constituição da sociedade (de prevenção dos riscos inerentes ao exercício de uma actividade comercial, à qual apenas quiseram afectar uma parte delimitada do seu património), quer o consequente princípio da separação de patrimónios (pessoal do sócio e da própria sociedade, respondendo exclusivamente pelas dívidas desta os bens dela própria), em obediência à autonomia da personalidade jurídica da sociedade e dos sócios. * 4.1.4. Responsabilização dos liquidatários para com os credores sociais Lê-se no art.º 151.º, n.º 1, do CSC que, salvo «cláusula do contrato de sociedade ou deliberação em contrário, os membros da administração da sociedade passam a ser liquidatários desta a partir do momento em que ela se considere dissolvida». Assim, aplicando-se «a regra geral, não haverá qualquer hiato temporal entre o órgão de administração que estava em funções e os membros liquidatários, uma vez que serão exactamente a mesma pessoa. Solução que se afigura saudável em virtude do conhecimento que têm dos problemas da sociedade e a facilidade com que poderão inicial ad continuum os actos de liquidação» (Joana Pereira Dias, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 550). Mais se lê, no art.º 158.º, n.º 1, do CSC, que os «liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para o efeitos do artigo anterior [de deliberação dos sócios sobre o relatório completo da liquidação e o projecto de partilha do activo restante] indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se «efectivar, para com os credores cujos direitos não telham sido satisfeitos ou acautelados». Logo, os requisitos desta responsabilização são: a prestação de falsas declarações sobre uma concreta realidade (a satisfação de créditos sociais), por parte de uma concreta pessoa (o liquidatário); a culpa (de quem as prestou); a efectivação da partilha do activo restante; e os danos que daí resultaram para os credores sociais (que, nessa medida, deixaram de ser pagos) [13]. Precisa-se que as «regras que impõem, aos liquidatários, a declaração de que os credores estão satisfeitos são normas de protecção. Assim, a sua responsabilidade por declarações falsas é do tipo aquiliano (483.º/1, in fine, do CC) razão por que a lei acrescenta o requisito da culpa» (António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 558) [14]. Verificando-se os referidos pressupostos de responsabilização dos liquidatários, os mesmos responderão com o seu património pessoal pelos danos causados aos credores sociais (embora tão só e apenas na medida do activo restante partilhado, por necessariamente ser essa a media do dano dos credores sociais, ao não o terem visto afecto à satisfação dos seus créditos [15]). Contudo, lê-se no n.º 2 do art.º 158.º citado que os «liquidatários cuja responsabilidade tenha sido efetivada, nos termos do número anterior, gozam do direito de regresso contra os antigos sócios, salvo se tiverem agido com dolo». Compreende-se que assim seja, isto é, que, tendo por culposas falsas declarações suas, privado os credores sociais de se ressarcirem (total ou parcialmente) pelo restante (após liquidação da sociedade) activo social, e sido obrigado a indemnizá-los nessa mesma medida, venha, em direito de regresso contra os sócios, a reaver deles o que (afinal indevidamente) estes receberam. Compreende-se ainda que, tendo o liquidatário actuado, não com mera culpa mas com dolo, inexista esse direito de regresso, naquilo que é visto como uma demonstração da proibição de tu quoque (isto é, quem actua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas - sancionatórias - de uma actuação ilícita da contraparte) [16]. * 4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)Concretizando, verifica-se que, no final da sua petição inicial, se pede que os Réus (AA e mulher, BB) sejam «condenados a pagar à Autora a quantia global de 12.596,19 €, a título de capital, custas e despesas judiciais e juros de mora vencidos, bem assim os juros vincendos até efetivo e integral pagamento». Mais se verifica que a Autora (EMP01..., Limitada) alegou para o efeito que, tendo igual crédito contra EMP02..., Limitada, os Réus (AA e mulher, BB), seus únicos sócios, promoveram a extinção da sociedade declarando «não haver bens a partilhar, nem dívidas sociais a acautelar»; e esta «declaração de inexistência de ativo e passivo é, pelo menos, parcialmente falsa», tendo eles «conhecimento da existência do» seu «crédito (…) e, mesmo assim, declararam o oposto». Defendeu, por isso, que essa pretendida responsabilização pessoal dos sócios «apenas é possível de ser obtida por via de uma ação declarativa comum, precisamente como a dos presentes autos». * 4.2.1. Juízo do Tribunal a quo - Art.ºs 162.º e 163.º Face ao exposto, considerando que a responsabilização pessoal de ex-sócios de sociedade devedora entretanto extinta estará sempre restringida às importâncias que os mesmos tenham recebido em partilha de bens sociais restantes, e ponderando a aplicação dos art.ºs 162º e 163.º, ambos do CSC, o Tribunal a quo justificou o seu juízo de verificação nos autos da excepção dilatória de erro da forma de processo empregue pela Autora (EMP01..., Limitada) nos seguintes termos: «(…) Como já tivemos oportunidade de referir no despacho que proferimos em 3.03.2025, da análise da petição inicial decorre que o montante global da dívida cujo pagamento a A. reclama dos RR. assenta em títulos executivos (requerimentos de injunção a que foram apostas fórmulas executórias e cheques) que fundaram a instauração de execuções contra a sociedade “EMP03..., Lda.”, execuções essas que foram declaradas extintas por não se terem apurado bens penhoráveis à executada. É também incontrovertido que os RR., na qualidade de sócios da referida sociedade, deliberaram unanimemente em assembleia geral extraordinária realizada no dia 30.10.2020 proceder à dissolução e liquidação imediata da referida sociedade, ao abrigo do disposto no artigo 141.º, n.º 1, alínea b), do Código das Sociedades Comerciais, o que lhes permitiu dissolver e liquidar a sociedade nos termos do procedimento especial de extinção imediata de entidades comerciais previsto no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, uma vez que declararam também, na acta respectiva, não existir activo ou passivo a liquidar. De seguida, na mesma data, foi registado o encerramento da liquidação quanto à sociedade acima identificada. Ora, como se sabe, a sociedade conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação (artigo 160.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais), após o que cessa a sua personalidade jurídica. Face ao regime do artigo 162.º do Código das Sociedade Comerciais, no que concerne às acções/execuções pendentes em que a sociedade seja parte, as mesmas continuam (após a sua extinção), que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, isto sem que haja suspensão da instância, por não ser necessária a habilitação (cfr., entre muitos outros, os Acs. do TRL de 12.06.2014 e de 27.01.2022, processos 20802/07.6YYLSB.L1 e 12382/17.0T8LSB.L1-2, respectivamente, acessíveis em www.dgsi.pt). São estes últimos que passam a ser parte na acção/execução, representados pelos liquidatários, o que não se pode estranhar pois os sócios da sociedade executada não poderiam desconhecer a existência da dívida litigiosa aquando da dissolução da sociedade, pelo que se justifica que sejam responsáveis pela mesma enquanto sucessores da extinta sociedade, embora apenas até ao montante do que tenham recebido em partilha, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código das Sociedade Comerciais. Por este motivo é que tivemos o cuidado de referir no despacho proferido em 3.03.2025 que o pedido que a A. formula nestes autos deveria ter sido formulado nos autos de execução identificados na petição inicial nos termos do disposto no artigo 850.º, n.º 5, do CPC, que refere que a instância só pode ser renovada se o exequente indicar os concretos bens a penhorar, já que incumbe ao credor respectivo o ónus de alegação e de prova de que os ex-sócios da, no caso, sociedade executada, receberam em partilha bens da titularidade desta última, pelo que a sua responsabilidade pessoal não poderá exceder, por conseguinte, as importâncias que hajam recebido em partilha dos bens sociais. Cremos ser jurisprudencialmente maioritário o entendimento de que a existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respectiva alegação e prova (cfr., entre outros, o Ac. do TRL de 9.03.2010, processo 4777/06.1TVLSB.L1-1; o Ac. do STJ de 15.11.2017, processo 07B3960; o Ac. do TRP de 22.10.2018, processo 582/15.2T8PRT.P1; e o Ac. do TRL de 13.10.2022, processo 4632/09.3TBMTS.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt). É claro que tal ónus de alegação e prova recai sobre o credor no caso de ter existido procedimento de liquidação com partilha, pois que, se assim não tiver acontecido, deverá o credor alegar que, na data do registo do encerramento da liquidação, existia activo, ou seja, bens da sociedade que não foram partilhados. Em face do expendido, não é correcto afirmar, como faz a A., que só conseguiria obter a responsabilização pessoal dos RR. pelo pagamento da dívida da sociedade “EMP03..., Lda.” através da instauração de uma acção declarativa comum e que o disposto no artigo 162.º do Código das Sociedade Comerciais a tanto obsta, desde logo porque, como nos parece ser evidente, a amplitude da responsabilidade pessoal dos ex-sócios da sociedade devedora não depende da natureza da acção a instaurar, que é igual em todas elas – sejam acções declarativas ou executivas –, já que estará sempre restringida, como vimos, às importâncias que aqueles hajam recebido em partilha dos bens sociais, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do citado diploma legal. Note-se que o n.º 2 deste preceito refere explicitamente que as acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito. As “acções necessárias” serão não só aquelas que ainda não foram instauradas, mas também as que já foram propostas pelos credores da sociedade entretanto extinta, como sucede no caso concreto, dado que está alegado que a dívida cujo pagamento a A. reclama nos presentes autos já foi executada. Assim sendo, temos para nós que a pretensão formulada pela A. deveria ter sido dirigida aos processos de execução que a mesma instaurou contra a sociedade “EMP03..., Lda.”, ou seja, requerendo que os mesmos prosseguissem contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, e mais alegando que, na data do registo do encerramento da liquidação, existia activo, ou seja, bens da sociedade que não foram partilhados, uma vez que está assente que não houve qualquer partilha, cuja identificação teria que efectuar nos termos do disposto no artigo 850.º, n.º 5, do CPC, para efeito de renovação das execuções, já que as mesmas se encontram extintas. (…)» Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão, já que desconsidera para o efeito a efectiva pretensão formulada pela Autora (EMP01..., Limitada), isto é, de responsabilização pessoal dos Réus (AA e mulher, BB), com o seu património próprio, pela satisfação do crédito que antes detinha sobre EMP02..., Limitada, e não apenas enquanto representantes, ope legis, da dita Sociedade (entretanto extinta). * 4.2.2. Juízo do Tribunal ad quem - Art.º 158.ºCom efeito, e independentemente do bem ou mal fundado da sua pretensão (que implicará um futuro juízo de mérito, que não constitui objecto do presente recurso), a Autora (EMP01..., Limitada) afirmou na sua petição inicial (e esclareceu-o depois expressamente) pretender, mercê de falsas declarações dolosamente prestadas pelos Réus (AA e mulher, BB) no momento da dissolução/liquidação de EMP02..., Limitada (de inexistência de qualquer passivo da mesma), que os mesmos fossem responsabilizados com o seu património pessoal pela indemnização dos danos que lhe causaram, equivalentes ao seu crédito que ficou por cobrar junto da dita Sociedade; e invocou (igualmente de forma expressa) como principal fundamento jurídico da sua pretensão o art.º 158.º do CSC. Ora, se é pacífico que ao «deliberarem a dissolução da sociedade e procederem à sua imediata liquidação mediante a falsa afirmação da inexistência de passivo social, os sócios podem tornar-se responsáveis pela satisfação do passivo social afinal existente», e que «regra essa responsabilidade terá como fundamento legal o disposto no artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais e como limite, nos termos da própria norma, o montante que os sócios receberam na partilha», certo é igualmente que a sua actuação «pode ainda preencher a previsão da segunda parte do artigo 483.º do Código Civil ou afirmar-se com recurso ao instituto do abuso do direito, à violação do princípio ético-jurídico da proibição da causação intencional de danos a terceiros ou por aplicação analógica do disposto no artigo 158.º do Código das Sociedades Comerciais» (Ac. da RP, de 08.01.2015, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 449/14.1TBMAI.P1) [17]. No que a este último fundamento diz respeito, defende-se que, pelo menos, «existe analogia de situações entre o liquidatário nomeado que não paga ou assegura o passivo social, a que se reporta o art 158º CScom, e o(s) sócio(s) que declara(m) a extinção imediata da sociedade prescindindo intencionalmente da nomeação de um liquidatário para evitar aquele que seria o objectivo legal da actuação deste - proceder à satisfação ou ao acautelamento do passivo social» (Ac. da RL, de 11.05.2017, Teresa Albuquerque, Processo n.º 152292/14.5YIPRT.L1-2) [18]. Compreende-se, por isso, que se afirme que, após «extinção da sociedade, caso subsista passivo não satisfeito ou acautelado, os credores sociais têm ao seu alcance dois regimes de protecção distintos: a responsabilidade dos liquidatários caso se verifiquem os requisitos do 158º, CSC, ou a responsabilidade dos antigos sócios caso se verifiquem os requisitos do artigo 163º, CSC»; e, naquela primeiro caso, a responsabilização do «sócio e/ou liquidatário tem como causa a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito» (Ac. da RG, de 04.03.2021, Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso, Processo n.º 278/19.7T8BCL.G1). Ora, foi precisamente com base nele que a Autora (EMP01..., Limitada) configurou a presente acção, ao pedir a condenação dos Réus (AA e mulher, BB) no pagamento de uma indemnização, devida pelas falsas declarações por eles dolosamente prestadas sobre a inexistência de passivo de sociedade de que eram únicos sócios, no momento de extinção da mesma, quando ela própria permanecia sua credora, desse modo lhe causando um dano correspondente ao montante cuja cobrança viu frustrada (o que, salvo o devido respeito por opinião contrária, sempre pressuporia que tivesse alegado que a Sociedade sua devedora possuía património para esse pagamento, que, ao invés, foi partilhado pelos seus sócios). Contudo, se os factos que alegou preenchem, ou não, os requisitos legais da pretendida responsabilização pessoal dos Réus (nomeadamente à luz do art.º 158.º do CSC que invocou, a título principal, para o efeito) é matéria que contende com a viabilidade (em termos de ineptidão) ou o mérito (efectivo fundamento, vício de substância) da sua pretensão - , o que deverá ser apreciado após o trânsito em julgado deste acórdão -, e não com a adequação da forma de processo (comum, actuada em acção declarativa de condenação) que elegeu para o efeito (vício de forma). * Deverá, assim, decidir-se em conformidade, julgando totalmente procedente o recurso de apelação da Autora (EMP01..., Limitada). * V - DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora (EMP01..., Limitada) e, em consequência, em · Revogar a decisão recorrida (que julgou verificada a excepção dilatória de erro na forma de processo), ordenando o normal prosseguimento dos autos. * Custas da apelação pela Autora, que dela tirou proveito sem oposição da parte contrária (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).* Guimarães, 20 de Novembro de 2025. O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade; 2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias. [1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [3] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 08.03.2019, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 7829/17.9T8PRT.P1, onde se lê que, na «nossa legislação processual civil o autor não tem liberdade para escolher a forma de processo que julgue melhor servir os seus interesses, pelo contrário, se a sua pretensão couber dentro do âmbito de aplicação de determinada forma de processo é essa e apenas essa a que pode seguir a sua acção». [4] Neste sentido, Ac. da RG, de 05.04.2018, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 75/15.8T8TMC.G1, onde se lê que a «forma de processo adequada tem de ser determinada em função do pedido ou pedidos deduzidos pelo Autor em sede de petição inicial e a(s) causa(s) de pedir que invoca para sustentar esse(s) pedido(s)». O que releva, assim, «para aferir sobre a idoneidade da forma do processo é a pretensão que foi formulada e não a pretensão que deveria ter sido deduzida. O que importa saber neste âmbito é se ao(s) concreto(s) pedido(s) corresponderia uma forma de processo diferente - e se pode adequar-se a ação instaurada à forma prevista na lei - e não se os pedidos são viáveis ou têm fundamento legal». «Esta última avaliação respeitará a um vício de substância e não a um vício de forma, que poderá conduzir, em última análise, à improcedência, total ou parcial, da causa, mas não há nulidade a que alude o art. 193 do C.P.C.». [5] No mesmo sentido, Jacinto Fernandes Rodrigues Basto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, Almedina, Lisboa, 1999, 3.ª edição, págs. 261 e 262, onde se lê que o «erro na forma de processo consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão. Pretende, por exemplo, consignar em depósito uma coisa para cumprimento de uma obrigação, mas se, em vez de usar o processo especial que a lei configurou para tal nos arts. 1024.º e segs., usa do processo comum de declaração, comete aquele vício específico. O mesmo sucede quando o autor devia empregar uma forma de processo comum e empregou outra, ou usou de um processo especial quando devia ter usado de processo especial diverso. É pela pretensão que se pretende fazer valer, e, portanto, pelo pedido formulado que se há-de aquilatar do acerto ou do erro do processo que se empregou, questão inteiramente distinta das razões da procedência ou da improcedência da acção». [6] No caso das sociedades por quotas, o art.º 270.º, n.º 1, do CSC exige «três quartos dos votos correspondentes ao capital social, a não ser que o contrato exija maioria mais elevada ou outros requisitos». [7] Compreende-se, por isso, que se afirme que «o fenómeno jurídico oposto à constituição de uma sociedade é a sua dissolução e liquidação. Tal como a constituição, não se trata propriamente de um facto jurídico, mas de um processo desconstitutivo da instituição societária, traduzido na sequência de actos ou factos jurídicos que determinam a cessação progressiva da sua existência. Realmente, uma vez ocorrido o facto que determina o efeito jurídico da dissolução da sociedade, deve seguir-se a liquidação desta, no termo da qual a sociedade deixa de existir. Não estamos, por conseguinte, perante um facto instantâneo, mas sim em face de um processo, de um conjunto encadeado de actos com duração global mais ou menos demorada. Na verdade, verificada a circunstância de facto ou a decisão que desencadeia a dissolução, a sociedade fica ainda a ter existência jurídica, com vista à liquidação do seu património - apuramento do activo, pagamento do passivo e partilha do saldo. Assim, a dissolução e a liquidação da sociedade definem-se conjuntamente como o processo de cessação da existência da sociedade, desencadeado por um facto jurídico gerador da desconstituição desta, seguido da realização do seu activo patrimonial, satisfação do passivo e determinação do destino do respectivo saldo líquido» (Miguel J. A. Pupo Correia, Direito Comercial, 2.ª edição, Universidade Lusíada, 1992, págs. 582 e 583). [8] Compreende-se, por isso, que se afirme que «só no termo do processo de liquidação, através do registo do seu encerramento, é que a sociedade se considerará extinta (art. 160º do CSC). A “spes refectionis” que informa todo o regime da dissolução e liquidação das sociedades comerciais, está também na base da previsão legal da possibilidade de os sócios deliberarem revivificar a sociedade, restituindo-lhe a pleinitude da actividade e das suas potencialidades institucionais. Questão é que a sociedade ainda exista, isto é, que ainda haja condições materiais e jurídicas de base para que a sociedade possa voltar a funcionar. Assim, não pode retomar-se a actividade, sem margem para dúvidas, após o registo do encerramento da liquidação e, mesmo antes de o registo estar feito, depois de concluídas as partilhas, isto é, após ter sido repartido pelos sócios o activo remanescente do pagamento do passivo. Não o diz o CSC, mas di-lo o art. 1019º, nº 1, do C. Civ., aqui aplicável - quanto a este aspecto - subsidiariamente» (Miguel J. A. Pupo Correia, Direito Comercial, 2.ª edição, Universidade Lusíada, 1992, págs. 590 e 591). [9] Neste sentido: Ac. da RP, de 17.04.2001, Teresa Montenegro, Processo n.º 0120117; Ac. da RL, de 12.06.2014, Teresa Albuquerque, Processo n.º 20802/07.6YYLSB.L1; Ac. da RL, de 11.07.2019, Arlindo Crua, Processo n.º 9148/10.2YIPRT-C.L1-2; Ac. da RL, de 27.01.2022, Carlos Castelo Branco, Processo n.º 12382/17.0T8LSB.L1-2; Ac. da RL, de 13.10.2022, Paulo Fernandes da Silva, Processo n.º 4632/09.3TBMTS.L1-2; ou Ac. da RP, de 18.11.2024, Rita Romeira, Processo n.º 1906/22.1T8VLG.P1. [10] Neste sentido: Ac. da RP, de 03.02.2003, Sousa Peixoto, Processo n.º 0310015; ou Ac. da RL, de l1.02.2021, Laurinda Gemas, Processo n.º 2538/15.6T8PDL-B.L1-2. [11] Neste sentido: Ac. da RL, de 09.03.2010, Afonso Henrique, Processo n.º 4777/06.1TVLSB.L1-1; Ac. da RP, de 08.01.2015, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 449/14.1TBMAI.P1; Ac. da RL, de 22.10.2015, Ondina Carmo Alves, Processo n.º 2096/14.9T2SNT.L1-2; Ac. da RL, de 11.05.2017, Teresa Albuquerque, Processo n.º 152292/14.5YIPRT.L1-2; Ac. do STJ, de 15.11.2017, Salvador da Costa, Processo n.º 07B3960; Ac. da RP, de 22.10.2018, Augusto de Carvalho, Processo n.º 582/15.2T8PRT.P1; Ac. do STJ, de 25.10.2018, Maria da Graça Trigo, Processo n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2; Ac. da RG, de 04.04.2019, Conceição Sampaio, Processo n.º 228/16.1T8VNF-A.G1; Ac. da RL, de 11.07.2019, Arlindo Crua, Processo n.º 9148/10.2YIPRT-C.L1-2; Ac. do STJ, de 01.10.2019, Fátima Gomes, Processo n.º 4022/06.0TCLRS.L2.S1; Ac. da RG, de 04.03.2021, Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso, Processo n.º 278/19.7T8BCL.G1; Ac. da RL, de 27.01.2022, Carlos Castelo Branco, Processo n.º 12382/17.0T8LSB.L1-2; Ac. da RL, de 13.10.2022, Paulo Fernandes da Silva, Processo n.º 4632/09.3TBMTS.L1-2; ou Ac. da RC, de 27.06.2023, Luís Cravo, Processo n.º 2529/20.5T8ACB.C1. [12] No mesmo sentido, Raul Ventura, Dissolução e liquidação de sociedades - Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 2.ª reimpressão da 1.ª edição de 1987, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 480. [13] Neste sentido: . Ac. da RP, de 14.06.2017, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 51920/13.0YIPRT.P1 - onde se lê que a «obrigação prevista no artigo 158.º do Código das Sociedades Comerciais de os liquidatários indemnizarem os credores sociais pela não satisfação dos respectivos créditos tem os seguintes requisitos: a qualidade de liquidatário; a apresentação pelo liquidatário à assembleia de documentos onde não conste a indicação do crédito por satisfazer; a falsidade da indicação de que o crédito está satisfeito; a culpa do liquidatário na elaboração do documento com esse conteúdo; que na liquidação tenha havido partilha de bens sociais; o nexo de causalidade entre essa situação e a insatisfação do crédito». . Ac. da RG, de 04.03.2021, Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso, Processo n.º 278/19.7T8BCL.G1 - onde se lê que o «regime de responsabilidade por “falsas declarações” de inexistência de passivo ou de inexistência de activo, exaradas em acta por sócio e/ou liquidatário tem como causa a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito. Por conseguinte, tem o credor de fazer a prova dos pressupostos que são constitutivos do seu direito, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a ilicitude derivada das falsas declarações de inexistência de activo/passivo e o dano de o credor não receber o seu crédito». [14] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 04.03.2021, Maria Leonor Chaves dos Sanos Barroso, Processo n.º 278/19.7T8BCL.G1, onde se lê que a «responsabilidade por “falsas declarações“ é aquiliana por violação de uma norma de protecção dos credores - 157º, 2, 158º, 1, CSC», tendo por isso tal «norma (…) de ser conjugada com o princípio geral de responsabilidade extracontratual por facto ilícito/aquiliana acolhida no artigo 483º, 1 CC». [15] Neste sentido: Ac. da RG, de 18.01.2011, Maria Luísa Ramos, Processo n.º 929/08.8TBCSC.G1; Ac. da RP, de 08.01.2015, Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 449/14.1TBMAI.P1; Ac. da RL, de 11.05.2017, Teresa Albuquerque, Processo n.º 152292/14.5YIPRT.L1-2, ou Ac. da RG, de 04.03.2021, Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso, Processo n.º 278/19.7T8BCL.G1. [16] Neste sentido, António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2.ª Edição, 2014, Almedina, pág. 558. [17] Detalhando os referidos fundamentos de responsabilização, lê-se no acórdão citado que se refere «em primeiro lugar ao instituto do abuso do direito, na eventualidade de se entender, como admitimos, que a declaração falsa da inexistência de passivo constitua um exercício abusivo do direito dos sócios de dissolver e extinguir a sociedade. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 497, defende peremptoriamente que se o exercício abusivo do direito causou algum dano a outrem, haverá lugar à obrigação de indemnização. No mesmo sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, Almedina, 2008, pág. 277, entende que o abuso do direito dá origem a responsabilidade civil. Sinde Monteiro, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, Vol. III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 463, defende igualmente que a conduta do agente é ilícita e gera obrigação de indemnização quando de uma forma ofensiva para os bons costumes se causam dolosamente danos a outrem. O mesmo autor, in Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 551 e seguintes, afirma que a responsabilidade delitual por abuso do direito constitui um sistema móvel ou aberto mas, no mínimo, tem de se considerar que fica obrigado a reparar os danos aquele que de uma forma ofensiva para os bons costumes causa intencionalmente um dano a outrem. A outra fonte de responsabilidade civil que se podia conjecturar no caso é defendida por Carneiro da Frada, in Uma «Terceira Via» no Direito da Responsabilidade Civil?, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 61 e seg., e in Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 167, nota 121, e pág. 250, nota 223. Este autor recusa a ideia de que o abuso do direito possa constituir uma fonte de responsabilidade aquiliana, que o artigo 334.º do Código Civil constitua em si mesmo uma norma de responsabilidade civil relativamente a condutas danosas praticados no exercício de uma liberdade genérica de agir. Todavia, para este autor, deve ser reconhecida a existência no nosso sistema jurídico, fruto de uma exigência indeclinável de justiça, de um limite imposto pelo mínimo ético-jurídico reclamável de todos os membros da comunidade jurídica e que se traduz numa proibição genérica de condutas danosas contrárias aos bons costumes. A entender-se que a actuação dos sócios teve por objectivo não a resolução da situação em que se encontrava a sociedade, mas a intenção directa de impedir os autores de obter a satisfação do seu direito, poder-se-ia equacionar esta via de enquadramento jurídico da pretensão dos autores. Todavia, em qualquer destas duas situações, seria necessário aos autores alegar e demonstrar os restantes pressupostos da responsabilidade civil, entre os quais se conta o nexo de causalidade entre o facto ilícito e os danos, para o que, como já acentuámos, era indispensável alegar ao menos que a sociedade possuía bens que podiam ser afectos à satisfação, total ou parcial, do crédito dos autores, pois só nessa circunstância se poderia considerar que a actuação dos réus foi causa adequada do dano suportado pelos autores[2]. Outra hipótese de eventual responsabilização pelo passivo da sociedade encontra-se no artigo 158.º do Código das Sociedades Comerciais que prevê a responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais. Segundo esta norma, os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente responsáveis, se a partilha se efectivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados. Independentemente da questão de saber se esta norma pode ser aplicada, directamente[3] ou por analogia[4] à situação dos autos, certo é que essa aplicação não pode ser feita sem respeitar os requisitos de responsabilidade civil consagrados na própria norma, isto é, não se pode, a coberto da aplicação analógica, estender a previsão de responsabilidade a terceiros não directamente abrangidos pela norma em condições distintas e mais desfavoráveis do que as pessoas directamente visadas na norma. Significa isso que a aplicação da norma aos sócios que deliberaram a extinção sem proceder previamente às operações de liquidação previstas no Código das Sociedades Comerciais não poderá nunca prescindir do requisito de ter havido distribuição de activos sociais pelos sócios a responsabilizar (se a partilha se efectivar)». [18] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 12.02.2020, José Eduardo Sapateiro, Processo n.º 3/05.9TTALM-B.L1-4, onde se lê que a «extinção jurídica de tal ente societário e devedor originário do crédito laboral de € 15.000,00 assentou em falsas declarações, quer no respeita à inexistência de ativo, como no que concerne à liquidação oportuna de todo o passivo, declarações essas feitas pelos seus únicos dois sócios e gerentes, o que os faz incorrer, desde logo, na responsabilidade pela liquidação da quantia exequente em causa nos autos, quer por força da aplicação direta artigos 162.º e 163.º, número 1 do CSC, quer em função da aplicação analógica do disposto no artigo 158.º do mesmo diploma legal, para quem não aceite aquela aplicação direta». |