Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
655/24.0T8VVD-A.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
FORMULAÇÃO DO PEDIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O artigo 552º, nº 1, alínea e), do CPC apenas exige que o pedido seja formulado na petição inicial.
II – Embora seja conveniente a formulação do pedido na conclusão da petição inicial, nada obsta a que o pedido seja deduzido na parte narrativa da petição inicial, desde que seja expresso e suficientemente individualizado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. AA propôs ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, formulando os seguintes pedidos:

«a) Serem os réus condenados a pagar ao Autor a quantia de 6.000,00 € (seis mil euros) respeitante ao valor do trespasse que o A. não conseguiu concretizar a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
b) Serem os réus condenados a pagar ao A. a quantia de 234,97 € (duzentos e trinta e quatro euros e noventa e sete cêntimos), que corresponde ao valor pago pelo equipamento arca ..., nos termos do instituto do enriquecimento sem causa;
c) Serem os réus condenados a pagar ao Autor o valor correspondente à coluna de som que ficou no interior do estabelecimento, no valor de 295,00 € (duzentos e noventa e cinco euros), o que se requer, nos termos do instituto do enriquecimento sem causa;
d) Serem os réus condenados a pagar ao A. o valor das bebidas e consumíveis que ficaram no interior do café e de que os réus se apropriaram, valor que se vier a apurar e que resultar das faturas que os réus deverão juntar pois também elas se encontravam no interior do estabelecimento;
e) Serem os réus condenados a pagar ao A. o valor de 103,75 € (cento e três e setenta e cinco euros) correspondente ao material de iluminação de que os réus igualmente se apropriaram e não permitiram sequer que o A. os retirasse;
f) Dos pedidos feitos em a, b, c, d e e., devem os réus pagar ao A. a quantia de 16.633,72 € (dezasseis mil seiscentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos).
g) Devem os réus ser condenados a pagar ao A. a quantia de 500,00 € (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais causados, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
h) Serem os réus condenados em custas e condigna procuradoria.»
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1.2. Na parte relevante para a apreciação do objeto do recurso, o Autor alegou e requereu nos artigos 18º a 20º da petição inicial:
«18. O Autor fez no locado várias obras para melhoria do espaço, nomeadamente, instalou no mesmo um balcão novo, pintou todo o espaço e colocou papel de parede a gosto, bem como prateleiras e dois espelhos, tudo no valor de 10.000,00 € (dez mil euros) – cfr. doc. 4 a 9.
19. As obras foram feitas pelo pai do Autor, o senhor DD.
20. Tais obras constituem benfeitorias úteis que, nos termos da lei, não podem ser levantadas e conferem ao Autor o direito ao valor das benfeitorias, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273º, nº 2, do Código Civil), pelo que devem os réus ser condenados a restituir ao A. tal quantia, o que se requer, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a notificação até efetivo e integral pagamento.»
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O Réu BB contestou e deduziu reconvenção.
O Autor apresentou réplica.
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1.3. Em 28.03.2025, por requerimento com a referência ...13, o Autor expôs e requereu o seguinte:
«Por lapso, o Autor não mencionou no pedido o pedido vertido nos artigos 18 a 20 da petição inicial, pelo que vem requerer a V. Exa. que se digne admitir o pedido devidamente aperfeiçoado.»
Apresentou no ato nova petição inicial, na qual o petitório passou a ser o seguinte:
«a) Serem os réus condenados a pagar ao Autor a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) respeitante ao valor das benfeitorias úteis realizadas pelo A., nomeadamente instalação de um balcão novo, pintura de todo o espaço e colocação de papel de parede a gosto, bem como prateleiras e dois espelhos, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento;
b) Serem os réus condenados a pagar ao Autor a quantia de 6.000,00 € (seis mil euros) respeitante ao valor do trespasse que o A. não conseguiu concretizar a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
c) Serem os réus condenados a pagar ao A. a quantia de 234,97 € (duzentos e trinta e quatro euros e noventa e sete cêntimos), que corresponde ao valor pago pelo equipamento arca ..., nos termos do instituto do enriquecimento sem causa;
d) Serem os réus condenados a pagar ao Autor o valor correspondente à coluna de som que ficou no interior do estabelecimento, no valor de 295,00 € (duzentos e noventa e cinco euros), o que se requer, nos termos do instituto do enriquecimento sem causa;
e) Serem os réus condenados a pagar ao A. o valor das bebidas e consumíveis que ficaram no interior do café e de que os réus se apropriaram, valor que se vier a apurar e que resultar das faturas que os réus deverão juntar pois também elas se encontravam no interior do estabelecimento;
f) Serem os réus condenados a pagar ao A. o valor de 103,75 € (cento e três e setenta e cinco euros) correspondente ao material de iluminação de que os réus igualmente se apropriaram e não permitiram sequer que o A. os retirasse;
g) Dos pedidos feitos em a, b, c, d, e e f., devem os réus pagar ao A. a quantia de 16.633,72 € (dezasseis mil seiscentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos).
h) Devem os réus ser condenados a pagar ao A. a quantia de 500,00 € (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais causados, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.
i) Serem os réus condenados em custas e condigna procuradoria.»
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Em resposta, no requerimento com a referência ...13, o Réu BB opôs-se ao pedido de aperfeiçoamento, argumentando que, embora o Autor tenha manifestado na causa de pedir o propósito de requerer uma indemnização pelas pretensas benfeitorias, nos pedidos não foi formulado qualquer valor relacionado a esse tópico. O Réu sustentou, ainda, que tal pedido não se constitui como desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, sendo ilegal, razão pela qual requereu a respetiva declaração de inexistência.
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1.4. No despacho saneador decidiu-se «indefer[ir] a requerida junção da petição inicial com aperfeiçoamento do pedido.»
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1.5. Inconformado, a Autor interpôs recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:

«1. Veio o Recorrente requerer ao tribunal a quo a junção aos autos da petição inicial com o pedido devidamente aperfeiçoado (requerimento com referência citius 17590713), juntando, para o efeito, nova petição inicial aperfeiçoada, visto que, meramente por lapso, não mencionou no pedido final, aquando da elaboração da petição inicial, o pedido vertido nos artigos 18 a 20 da respetiva petição inicial.
2. Após, o douto tribunal proferiu decisão, indeferindo a requerida junção da petição inicial com aperfeiçoamento do pedido (cfr. despacho com referência citius 96299810).
3. Na medida em que a decisão recorrida se consubstancia no indeferimento da junção da petição inicial com aperfeiçoamento do pedido que o Recorrente aduz, tão pouco pode a decisão deixar de ser conhecida, em sede de recurso (cfr. artigo 644.º, n.º 2, al. h), do Código de Processo Civil).
4. Assim, vem o Recorrente requerer a V. Exas. a apreciação da decisão recorrida, por entender que a mesma não respeita as regras de direito aplicáveis in casu, designadamente o artigo 590.º do Código de Processo Civil e, acima de tudo, o direito constitucionalmente consagrado da tutela jurisdicional efetiva (cfr. artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa).
5. Entende, por conseguinte, o Recorrente, nos termos que infra se explanarão, que jamais deveria o seu pedido ter obtido o sentido decisório que obteve, pelo que vem requerer a V. Exas. a correção daquela injustiça, através da prolação de despacho que determine a admissibilidade do requerimento da junção da petição inicial com o aperfeiçoamento do pedido.
6. No entendimento do tribunal recorrido, o requerimento da junção da petição inicial com o aperfeiçoamento do pedido apresentado pelo Recorrente foi indeferido em virtude de: 1.º Apesar de o Autor, ora Recorrente mencionar na causa de pedir a intenção de requerer uma indemnização pelas benfeitorias, tal não se traduz num pedido expresso e formalmente articulado, uma vez que não foi especificado um valor correspondente a esse pedido; 2.º O aperfeiçoamento é uma medida processual que se destina a esclarecer ou a completar pedidos que, embora formulados, careçam de maior clareza ou precisão; 3.º O aperfeiçoamento não é uma medida adequada para corrigir falhas substanciais na formulação do pedido, em que a ausência do valor da indemnização constitui uma lacuna essencial e substancial no pedido. 4.º A omissão do valor da indemnização pelas benfeitorias configura uma falha substancial que impossibilita a análise e o acolhimento do pedido na sua forma original. Tal falha não pode ser corrigida por meio de aperfeiçoamento, sob pena de desvirtuar as normas processuais aplicáveis; 5.º A alteração de pedidos deve corresponder ao desenvolvimento ou à consequência do pedido primitivo. A inclusão do valor da indemnização pelas benfeitorias representa uma alteração substancial ao pedido inicial, e não uma mera evolução ou consequência do pedido já formulado.
7. Ora, não pode o Recorrente conformar-se com a douta fundamentação e decisão.
8. Está explícito e formalmente expresso nos artigos 18.º a 20.º da petição inicial o seguinte:
18. O Autor fez no locado várias obras para melhoria do espaço, nomeadamente, instalou no mesmo um balcão novo, pintou todo o espaço e colocou papel de parede a gosto, bem como prateleiras e dois espelhos, tudo no valor de 10.000,00 € (dez mil euros) – cfr. doc. 4 a 9.
19. As obras foram feitas pelo pai do Autor, o senhor DD.
20. Tais obras constituem benfeitorias úteis que, nos termos da lei, não podem ser levantadas e conferem ao Autor o direito ao valor das benfeitorias, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273º, nº 2, do Código Civil), pelo que devem os réus ser condenados a restituir ao A. tal quantia, o que se requer, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
9. Pelo supra exposto, o mesmo traduz-se num pedido expresso e formalmente articulado, tendo sido especificado o valor correspondente a esse pedido, isto é, 10.000,00 € (dez mil euros) (cfr. artigo 18.º da petição inicial e supra descrito).
10. Apenas, o Recorrente, por mero lapso, não indicou o pedido do valor das benfeitorias no pedido final da respetiva petição inicial, mas expressou formalmente a sua vontade e o valor correspondente pelas benfeitorias como se pode comprovar por todo o supra descrito.
11. O Recorrente, inicialmente, no pedido final, requereu, por lapso, apenas o constante da petição inicial supra mencionado.
12. Todavia, no pedido constante da alínea f) do petitório, o Recorrente somou o valor de todos os pedidos, estando também concretizada nesse montante global a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de benfeitorias, pelo que se denota que a não concretização deste pedido foi apenas um mero lapso do Recorrente.
13. O Recorrente requer na alínea f) o seguinte: “Dos pedidos feitos em a, b, c, d e e., devem os réus pagar ao A. a quantia de 16.633,72 € (dezasseis mil seiscentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos).”
14. Portanto, a quantia de 16.633,72 € (dezasseis mil seiscentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos) diz respeito a: 6.000,00 € pelo valor do trespasse que o Recorrente não conseguiu concretizar; 234,97 € pelo valor da arca horizontal; 295,00 € pela coluna de som; 103,75 € pelo material de iluminação; e, por fim, 10.000,00 € pela valor das benfeitorias realizadas. Todos estes valores somam a quantia de € 16.633,72, quantia essa requerida na alínea f) do pedido, pelo que se encontra quantificado e concretizado o valor das benfeitorias que, por lapso, o Recorrente não mencionou numa alínea separadamente.
15. Ainda, no valor da causa indicado pelo Recorrente, este último tem também em consideração o valor das benfeitorias realizadas.
16. Pelo exposto, nunca poderia ser considerado uma falha substancial, como fundamentado pelo tribunal a quo, mas apenas uma irregularidade, insuficiência, imprecisão da petição inicial, a qual tem lugar a aperfeiçoamento, nos termos do artigo 590.º do Código de Processo Civil, o que o Recorrente requereu ao douto tribunal.
17. Face ao vindo de dizer, destinando-se o Direito Processual Civil a servir de instrumento ao serviço do direito, não pode o mesmo constituir obstáculo à realização da Justiça que este expõe.
18. No entender do Recorrente, a fundamentação e decisão do tribunal a quo não corresponde ao verdadeiro propósito do instituto jurídico do aperfeiçoamento dos articulados.
19. Trata-se, no fundo, a apreciação solicitada ao Venerando Tribunal ad quem, de uma pura questão de Justiça material.
20. Veja-se, neste sentido, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”.
21. O poder-dever que incumbe ao juiz, no âmbito do princípio da cooperação consagrado no artigo 7.º do Código de Processo Civil, não é um poder ilimitado que se sobreponha ao princípio da autorresponsabilidade das partes e aos ónus de alegação e de prova que incumbem a cada uma das partes.
22. Porque, como refere o (Autor supracitado, no mesmo local), “o princípio da cooperação envolve duas vertentes: a cooperação das partes com o tribunal; a cooperação do tribunal com as partes”.
23. O douto despacho recorrido violou os artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º do Código de Processo Civil, que consagram princípios basilares do Direito Processual Civil, bem como o artigo 590.º do mesmo diploma legal, pelo que deve, consequentemente, ser revogado e no seu lugar proferido outro que admita a petição inicial com o pedido devidamente aperfeiçoado.
24. Pelo que deve a decisão recorrida, por falhar ao que se encontra vertido nos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º e 590.º do Código de Processo Civil e nos artigos 13.º e 20.º da Constituição da Republica Portuguesa, ser substituída por outra que determine, sem qualquer limitação, o reconhecimento do Recorrente em apresentar o requerimento de junção da petição inicial com o aperfeiçoamento do pedido, por via da admissão da petição inicial com o pedido devidamente aperfeiçoado.»
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.6. Questão a decidir

Atentas as conclusões do recurso interposto pelo Autor, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, incumbe decidir da admissibilidade da correção da conclusão da petição inicial quanto ao pedido.
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
Relevam para a apreciação do objeto do recurso as incidências processuais mencionadas em I.
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2.2. Do objeto do recurso
Em consonância com a necessidade do pedido a que alude o artigo 3º, nº 1, do CPC[1], impõe o artigo 552º, nº 1, al. e), que na petição o autor formule o pedido, entendido como a pretensão deduzida pelo autor junto do tribunal para tutelar um alegado direito ou interesse. Recorrendo à caracterização constante do artigo 581º, nº 3, do CPC, o pedido corresponde ao efeito jurídico que o autor pretende obter.
O pedido é um dos elementos do objeto da causa. Por um lado, conforma o objeto do processo e, por outro, condiciona o conteúdo da decisão de mérito.
O pedido deve ser objeto de pronúncia por parte do juiz na decisão de mérito e circunscreve o thema decidendum. Como o juiz não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 609º, nº 1, do CPC), sob pena de nulidade da decisão (art. 615º, nº 1, alíneas d) e e), do CPC), o pedido tem de reunir determinadas características que permitam ao julgador observar a referida regra quanto aos limites da decisão.
Segundo Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe P. Sousa[2], o pedido deve «Ser expressamente referido na petição inicial» e «apresentado de forma clara e inteligível».
Porém, conforme preconiza Miguel Teixeira de Sousa[3], «O dever de esclarecimento do tribunal (art. 6.º, n.º 2) justifica que se faça uma interpretação extensiva do disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), e 4, e se aplique ao pedido deficiente o convite ao aperfeiçoamento estatuído neste preceito.»

No caso em apreciação, o Autor alegou na petição inicial a causa de pedir que lhe permitiria requerer uma indemnização pelas benfeitorias por si realizadas no imóvel. Isto porque se mostra alegado que «O Autor fez no locado várias obras para melhoria do espaço, nomeadamente, instalou no mesmo um balcão novo, pintou todo o espaço e colocou papel de parede a gosto, bem como prateleiras e dois espelhos, tudo no valor de 10.000,00 € (dez mil euros) – cfr. doc. 4 a 9.» (art. 18º da p.i.,) e que «Tais obras constituem benfeitorias úteis que, nos termos da lei, não podem ser levantadas e conferem ao Autor o direito ao valor das benfeitorias, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273º, nº 2, do Código Civil)» (art. 20º).
Em consonância com o exposto, concluiu que «devem os réus ser condenados a restituir ao A. tal quantia, o que se requer, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a notificação até efetivo e integral pagamento.»
Sucede que no final da petição inicial não exprimiu tal pedido nesses concretos termos, o que seguramente configura um mero lapso, percetível na circunstância de na alínea f) do petitório constar que «Dos pedidos feitos em a, b, c, d e e., devem os réus pagar ao A. a quantia de 16.633,72 € (dezasseis mil seiscentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos)»[4], quando a soma dos pedidos aí indicados (a., b., c., d. e e.) perfaz apenas € 6.633,72, e de o valor da causa indicado pelo Autor contemplar o valor do pedido relativo a € 10.000,00 a título de benfeitorias.
Portanto, tendo expressamente requerido na petição inicial, aquando da narração dos factos que constituem a causa de pedir, a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora, a questão que desde logo se suscita é a de saber se isso corresponde à formulação de um pedido nos termos exigidos pelo artigo 552º, nº 1, al. c), do CPC.
Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, no seu Manual de Processo Civil[5], sustentam que «O pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do seu arrazoado, dizer com precisão o que pretende do tribunal – que efeito jurídico quer obter com a ação.»
Embora seja comum referir-se que o pedido deve ser formulado na conclusão da petição, a letra da lei em lado algum exige que a petição inicial contenha uma “conclusão” e que a mesma corresponda ao pedido[6]. A lei, no artigo 552º, nº 1, al. e), do CPC, apenas impõe a obrigação de «formular o pedido» na petição inicial. Repare-se que a lei apenas comina com a nulidade de todo o processo a petição inepta por falta ou ininteligibilidade do pedido (art. 186º/2-a) do CPC) e não por o pedido ter sido formulado na parte narrativa. A lei não considera inepta a petição por o pedido não constar no final daquela. Mais, a própria ineptidão considera-se suprida, nos termos do nº 3 do artigo 186º do CPC, quando «se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial».
Por isso, por exemplo, nada impede que o Autor, antes de narrar os factos concretos que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido, comece por formular a sua pretensão. Pode perfeitamente, depois de cumpridas as exigências formais constantes das alíneas a) a c) do nº 1 do artigo 552º do CPC, começar por deduzir o pedido e a seguir «expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação» (art. 552/1-c).
Sendo apenas exigível que o autor formule o pedido na petição inicial, mesmo que se entenda como conveniente a sua dedução no final da petição, ao jeito de uma conclusão, o que representa apenas uma questão de forma e não de conteúdo (questão substancial é a expressa formulação do pedido, que é insubstituível), sempre o autor deveria ser convidado a aperfeiçoar a estrutura formal da petição, indicando na conclusão da petição o pedido que havia formulado na narração.
No nosso entender, nada obsta a que o pedido seja deduzido na parte narrativa da petição inicial, desde que seja expresso e suficientemente individualizado. Não pode é deixar de se exigir que seja perfeitamente percetível para o declaratário que o autor deduziu uma concreta pretensão de tutela jurisdicional. A petição configura uma declaração de vontade tendente a obter um determinado efeito jurídico, pelo que deve ser interpretada segundo o critério estabelecido nos artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do CCiv.
Com efeito, como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 10.09.2013 (relator Jorge Arcanjo), proferido no processo 6/07.9TBPNH.C1, «O pedido formulado pelo autor na petição inicial (art. 467º, nº 1, e) do CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos.»[7]. No mesmo sentido, os acórdãos daquela Relação de 27.01.1987[8], de 03.02.1993[9], de 20.03.2007 e de 03.12.2013. Neste último acórdão, relatado por Teles Pereira e proferido no processo 217/12.5TBSAT.C1, conclui-se: «No percurso expositivo de uma petição inicial (contendo a identificação das partes e da acção, a narração e a conclusão) podem existir pedidos expressamente formulados como tal na conclusão do articulado e pedidos deslocalizados dessa conclusão final, formulados ao longo do articulado na exposição dos factos e das razões de direito, mas com suficiente individualização em termos de propiciarem a sua detecção e compreensão com essa natureza: a de pedidos».
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o vertido nos artigos 18º a 20º da petição inicial consubstancia um pedido expresso e formalmente articulado. Ao contrário do referido na decisão recorrida, foi especificado o valor correspondente a esse pedido, isto é, € 10.000,00, conforme resulta do confronto dos artigos 18º e 20º da petição inicial.
O Recorrente apenas não indicou, de forma discriminada, o pedido de indemnização correspondente ao valor das benfeitorias na conclusão da petição inicial, mas aludiu-lhe expressamente no pedido aí formulado sob a alínea f). Isto porque nessa alínea do petitório somou o valor de todos os pedidos, englobando no montante global de € 16.633,72, cujo valor reclamou dos Réus, a quantia de € 10.000,00 a título de benfeitorias.
Finalmente, verifica-se que o Réu contestante identificou o vertido pelo Autor nos artigos 18º a 20º da petição inicial como um pedido, qualificou-o como tendo essa natureza – a de pedido expresso – e exerceu o contraditório quanto a essa pretensão e respetivos fundamentos.
Isso resulta perfeitamente claro do articulado nos artigos 34º a 39º da contestação do Réu BB, cujo teor se passa a transcrever:
«34.º- Aqui chegados, se refere que embora não seja verdadeiro que o Autor tenha efetuado várias obras de melhoria, por desnecessárias,
35.º- o certo é que nos termos previstos na clausula quinta do contrato de arrendamento,
36.º- O Autor obrigou-se a não fazer na loja arrendada quaisquer obras sem o prévio consentimento do Réu,
37.º- situação que nunca aconteceu, obviamente por desnecessárias e inexistentes,
38.º- mais, caso se prove a sua feitura, o mesmo contrato refere que as mesmas farão parte integrante do locado, sem direito a pagamento, indemnização ou retenção, seja a que titulo ou natureza for.
39.º- Por conseguinte, tal pedido, para além de indevido é concretizado em clara má fé processual.»
Aliás, o Réu contestante requereu a condenação do Autor como litigante de má-fé, em indemnização no valor de € 5.000,00, precisamente por ter deduzido, entre outros, o aludido pedido, com fundamento em que o demandante «pretende convencer o Tribunal de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida.»
Pelo exposto, tendo o Autor exprimido nos artigos 18º a 20º da petição a pretensão expressa e especificada de condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 10.000,00, a título de benfeitorias feitas no locado, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a notificação até efetivo e integral pagamento, e tendo o Réu contestante, assim como o Tribunal, apreendido essa manifestação de vontade, o ato tem o sentido correspondente àquela que era a intenção do Autor: a formulação de um pedido. Esse pedido mostra-se formulado expressamente na petição inicial e foi apresentado de forma clara e inteligível.

Termos em que procede a apelação.
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2.3. Sumário
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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição, admite-se a requerida correção da petição inicial, integrando-se na sua conclusão o pedido vertido nos artigos 18º a 20º.
Custas, na vertente de custas de parte, a suportar pelo Recorrido BB.
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Guimarães, 02.10.2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Maria Luísa Duarte Ramos
Ana Cristina Duarte


[1] São do Código de Processo Civil todas as normas que se citarem sem indicação da respetiva fonte.
[2] Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 609.
[3] CPC online, em anotação ao art. 186º, acessível em https://blogippc.blogspot.com.
[4] O que, em rigor, não deixa de ser um pedido expressamente formulado na conclusão da petição inicial. Quando muito, poderia constituir um pedido deficiente, suscetível de aperfeiçoamento.
[5] 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 245, em nota de rodapé.
[6] A formulação de uma conclusão na petição inicial é apenas uma questão de boa técnica e não uma imposição legal.
[7] Disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais citados no presente acórdão sem indicação da sua fonte e suporte.
[8] BMJ 363, pág. 612.
[9] BMJ 424, pág. 748.