Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
| Descritores: | DESPEDIMENTO DEDUÇÕES ÀS RETRIBUIÇÕES INTERCALARES EMBARGOS DE EXECUTADO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I - Compete à empregadora o ónus da alegação e prova de que o trabalhador recebeu rendimentos laborais que não receberia caso não fosso o despedimento, a serem deduzidos ao valor das retribuições intercalares. II - Caso não tenha cumprido tal ónus na acção declarativa, fica precludido o direito de o fazer posteriormente, ressalvados os rendimentos reportados a período posterior ao encerramento da audiência de julgamento e enquanto fundamento de oposição à execução baseada em sentença- 729º, g, CPC. III - O percebimento de retribuições intercalares sem dedução de rendimentos laborais auferidos posteriormente ao despedimento motivada na falta da sua arguição tempestiva pela empregadora não constitui abuso de direito, nem enriquecimento sem causa, porque: (i) tal direito é expressamente conferido por lei ao trabalhador ilicitamente despedimento (ii) bastando ao empregador, em momento oportuno, excecionar e provar que o trabalhador os recebeu, em equilíbrio de partes. IV - Devem ser abatidos às retribuições intercalares os rendimentos laborais auferidos pelo trabalhador ao serviço de empresa terceira que só o admitiu após o despedimento, o que evidencia que se não fosse este evento não os receberia, tanto mais se estamos perante contratações a tempo completo. | ||
| Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO O recurso tem por objecto decisão que julgou improcedente a oposição à execução por embargos de executado, em que é exequente/embargado AA (patrocinado pelo Ministério Público) e executada/embargante e ora recorrente “EMP01..., Lda“. Circunstâncias da acção declarativa: O título que serve de base à execução é a sentença judicial proferida em 13-03-2023 (posteriormente rectificada por erro de cálculo), decisão essa que foi totalmente confirmada pelo acórdão desta RG proferido em 28-09-2023. Consta do dispositivo da 1ª instância o seguinte: «Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, decide condenar a Ré EMP01..., Ldª a pagar ao Autor as seguintes quantias: a) a indemnização por despedimento ilícito calculada com base nos 30 dias por cada ano ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgado desta sentença, sendo neste momento o montante de tal indemnização de €3.667,63..(valor rectificado por despacho subsequente à sentença para 3.949,92); b) as retribuições que deixou de auferir desde 1/5/2022 até ao trânsito em julgado da presente acção, sendo devida, a este título e nesta data, a quantia de €9.287,82 ... (valor rectificado por despacho subsequente à sentença para €10.439,72); c) a quantia ilíquida €1.030,22 (mil e trinta euros e vinte e dois cêntimos) a titulo de retribuição do mês de Abril de 2022; d) a quantia líquida de €787,66 (setecentos e oitenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos) a titulo de férias vencidas em 01/01/2022 e não gozadas; e) a quantia ilíquida de €82,66 (oitenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos) a titulo de diferenças no subsídio de férias relativo ás férias vencidas em 01/01/2022; f) a quantia líquida de €262,55 (duzentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) a titulo de proporcionais de férias pelo tempo de serviço em 2022; g) a quantia ilíquida de €70,28 (setenta euros e vinte e oito cêntimos) a titulo de diferenças nos proporcionais de subsídio de férias pelo tempo de serviço em 2022; h) a quantia liquida de €448,40 (quatrocentos e quarenta e oito euros e quarenta cêntimos) a titulo de a título de formação que não lhe foi proporcionada; i) juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento. ** Mais se decide absolver o 2º e 3ª Réus do pedido contra os mesmos formulado pelo Autor. Custas pela 1ª Ré.”A audiência de julgamento que precedeu a prolação de sentença encerrou em 13-02-2023. Na acção declarativa a então ré, ora embargante/recorrente, não requereu, mormente na contestação, que às retribuições intercalares fossem deduzidos eventuais rendimentos que o trabalhador tivesse auferido após o despedimento. * Circunstâncias da fase executiva:Em 5-11-2024, foi apresentado requerimento executivo, sendo indicado 14.969,04€ como valor global exequendo. No requerimento executivo foram discriminados os seguintes valores parcelares: “1. € 4.428,82 de indemnização por despedimento ilícito; 2. € 18.480,06 relativos aos salários intercalares (desde 01/05/2022 até 02/11/2023): sendo € 7.876,64 no ano de 2022 e €10.603,42, no ano de 2023; 3. € 2.681,77 a título de créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato (retribuição de abril de 2022, retribuições de férias e proporcionais de férias, subsídio de férias e formação profissional); 4. € 1.511,26 a título de juros contados até ao dia 23/11/2023 (data em que a executada pagou € 6.365, 28, seguido de um pagamento de € 4.747,00, num total de € 10.798,26, equivalente ao montante de € 12.132,87); 5. juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4%, desde o dia 04-11-2024 até integral pagamento.”- negrito nosso. Foram deduzidos embargos de executado, onde foi excepcionado o pagamento integral da quantia exequenda. Refere-se que a liquidação foi feita em 23-11-2023, através de duas transferências, uma de 4.432,98 correspondente ao valor da indemnização, outra de 6.365,28 correspondente a créditos vencidos e retribuições intercalares até ao trânsito da decisão, deduzidos os rendimentos auferidos a título de actividade remunerada que perfazem €16.189,40 ao abrigo do art. 390º, 2, CT). Em contestação o embargado refere que, ao valor dado à execução, já foi abatido o anteriormente pago pela embargante correspondente às duas transferências acima mencionadas. Não foi impugnado que tivesse auferido outros rendimentos no valor de €16.189,40 conforme extracto de remunerações da SS, doc. 3 junto com a oposição por embargos. Realizado o julgamento, foi proferida decisão ora alvo de recurso julgando os embargos totalmente improcedentes. * Apelação:A embargante recorreu com os seguintes fundamentos (extração de segmentos das conclusões): “-O recurso é interposto da sentença na parte em que concluiu no sentido de não ser dedutível da quantia de €18.480,06 devida a título de salários intercalares o valor de €16.189,42 auferida pelo Embargado/Exequente/ recorrido por conta da atividade remunerada prestada a favor da empresa EMP02... UNIPESSOAL, LDA. e 3.ª Ré no processo principal. -Andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedentes os embargos de executado com o fundamento de que a referida dedução apenas seria admissível mediante alegação e prova de que a mesma foi recebida por força da cessação do contrato de trabalho anterior e que não o teria sido caso o referido contrato se tivesse mantido. - A sentença incorre em manifesto erro de julgamento, tanto ao nível da apreciação da prova produzida como na errónea aplicação do direito. -Durante a audiência de julgamento, a Recorrente solicitou a notificação da Segurança Social para saber se o Recorrido havia recebido subsídio de desemprego ou outros rendimentos. A Segurança Social informou que o Recorrido esteve vinculado à empresa EMP01... até 31/03/2022, sem vínculos entre 01/04/2022 e 30/06/2022, e que ele começou a trabalhar em EMP02... em 22/07/2022. Não foram declarados rendimentos nem subsídios de desemprego entre 01/05/2022 e 30/06/2022. -Consta da factualidade dada como provada nos autos de ação executiva que a partir de 01.05.2022 o trabalhador apresenta remunerações declaradas pela entidade empregadora EMP02..., UNIPESSOAL, LDA. a partir de julho de 2022; que o trabalhador não regista qualquer remuneração declarada de 01.05.2022 a 30.06.2022 e que o trabalhador não recebeu qualquer prestação de doença, desemprego ou outro subsídio do Instituto da Segurança Social. -O processo principal e os autos da ação executiva contêm elementos factuais e prova clara que permitem concluir que o Recorrido auferiu com a cessação do contrato importâncias que não receberia se não fosse o seu despedimento (o mesmo é dizer, totalmente incompatível com o vínculo laboral que o trabalhador veio a ter com a empresa EMP02..., UNIPESSOAL, LDA.). -A interpretação teleológica e sistemática do disposto no artigo 390.º do Código do Trabalho impõe que as retribuições intercalares apenas compensem o tempo de inatividade forçada do trabalhador despedido ilicitamente, visando tal compensação repor a estabilidade da sua situação laboral, não devendo converter-se numa via para o enriquecimento à custa do empregador. -A dedução está condicionada à prova de que tais rendimentos não seriam auferidos se o trabalhador mantivesse o vínculo, sendo suficiente a demonstração da incompatibilidade material entre as funções exercidas. -Existe prova documental e factual clara e suficiente, pois consta dos autos as declarações do próprio trabalhador na ação declarativa, onde reconhece a dedicação exclusiva e o regime de turnos, validadas por decisão judicial transitada em julgado; informação da Segurança Social que detalha o vínculo do trabalhador à empresa EMP02... a partir de julho de 2022; e contrato de trabalho com cláusula de exclusividade. -Estes elementos, aceites pelo Tribunal a quo como provados, são suficientes para operar a dedução prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho. A exigência de uma demonstração adicional representa um formalismo excessivo e desproporcional, vedado pelo princípio da razoabilidade e da efetividade do processo. -O abuso de direito é uma figura reconhecida no direito civil, nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, e tem uma aplicação direta na análise de pedidos claramente inadequados ou que, por si só, indicam uma má-fé do requerente. -O Recorrido admite que foi contratado em 01/01/2018, por tempo completo, e que exercia funções em regime de turnos rotativos de 8 horas, com a exigência de trabalho noturno, o que, pela sua natureza, impunha limitações adicionais à sua disponibilidade para trabalhar noutra empresa. Além disso, nos termos do contrato de trabalho celebrado, estava o Recorrido sujeito a um dever de exclusividade, tornando incompatível o vínculo laboral do trabalhador Recorrido com outra atividade remunerada. -A partir de julho de 2022, o trabalhador passa a exercer funções na EMP02..., UNIPESSOAL, LDA.. -Ao peticionar, como o fez, o pagamento de retribuições intercalares durante o período em que exerceu atividade remunerada por conta da EMP02..., UNIPESSOAL, LDA., é importante observar que o Recorrido está, de alguma forma, ciente de que esses valores não correspondem a uma perda efetiva de rendimentos, uma vez que passou a trabalhar para outra entidade após a cessação do vínculo com a Recorrente. -Ao fazê-lo, ele contraria a própria lógica do instituto das retribuições intercalares, que visa compensar a perda de rendimentos quando não há uma atividade remunerada alternativa, e não quando o trabalhador encontra outra fonte de rendimento incompatível com o seu vínculo original., o que configura um claro caso de abuso de direito. -Por outro lado, a recusa de dedução dos rendimentos obtidos pelo Recorrido, no contexto das retribuições intercalares, conflita diretamente com os princípios gerais do direito civil, nomeadamente o princípio da proibição do enriquecimento sem causa, conforme dispõe o artigo 473.º do Código Civil. -Permitir que o Recorrido perceba, de forma cumulativa, os rendimentos provenientes de um novo vínculo empregatício e as retribuições intercalares, resulta numa violação da função compensatória destas últimas, convertendo-as num ganho indevido. -O enriquecimento sem causa é uma categoria jurídica autónoma no ordenamento jurídico português, com fundamento no princípio de que ninguém deve locupletar-se à custa alheia. - Este princípio resulta da função corretiva que o direito atribui à restituição do valor que foi indevidamente obtido, sem qualquer justificação válida. A proibição do enriquecimento sem causa é uma manifestação do princípio da equidade e da boa-fé no tráfego jurídico. “ -Para que o enriquecimento seja lícito, deve haver uma justificação legal ou contratual que legitime a transferência patrimonial. -Face a tudo o que antecede, a douta sentença deve ser revogada na parte em apreço, substituindo-se a decisão proferida por outra que consigne a necessidade de dedução da quantia de €16.189,42 auferida pelo Recorrido por conta da atividade remunerada prestada a favor da empresa EMP02... UNIPESSOAL, LDA....” CONTRA-ALEGAÇÕES- propugna-se pela manutenção da decisão recorrida O recurso foi apreciado em conferência – 659º, do CPC. QUESTÕES A DECIDIR[1] : saber se às retribuições intercalares em que a ré foi condenada devem ser abatidos os rendimentos de trabalho auferidos pelo exequente após o despedimento. I.I. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS: Serão tidos em conta os factos que resultam do relatório e, ainda, os constantes da decisão recorrida que são os seguintes: ii Por sentença proferida na sentença proferida nos autos principais de acção comum n.º 1989/22.4T8VCT, já transitada em julgado, foi a embargante condenada a pagar ao embargado as seguintes quantias: - a indemnização por despedimento ilícito calculada com base nos 30 dias por cada ano ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgado desta sentença, sendo neste momento o montante de tal indemnização de €3.667,63 (três mil seiscentos e sessenta e sete euros e sessenta e três cêntimos); - as retribuições que deixou de auferir desde 1/5/2022 até ao trânsito em julgado da presente acção, sendo devida, a este título e nesta data, a quantia de €9.287,82 (nove mil duzentos e oitenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos); - a quantia ilíquida €1.030,22 (mil e trinta euros e vinte e dois cêntimos) a título de retribuição do mês de Abril de 2022; - a quantia líquida de €787,66 (setecentos e oitenta e sete euros e sessenta e seis cêntimos) a título de férias vencidas em 01/01/2022 e não gozadas; - a quantia ilíquida de €82,66 (oitenta e dois euros e sessenta e seis cêntimos) a título de diferenças no subsídio de férias relativo ás férias vencidas em 01/01/2022; - a quantia líquida de €262,55 (duzentos e sessenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) a título de proporcionais de férias pelo tempo de serviço em 2022; - a quantia ilíquida de €70,28 (setenta euros e vinte e oito cêntimos) a título de diferenças nos proporcionais de subsídio de férias pelo tempo de serviço em 2022; - a quantia líquida de €448,40 (quatrocentos e quarenta e oito euros e quarenta cêntimos) a título de formação que não lhe foi proporcionada; - juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento.” ii - À data da apresentação do requerimento executivo o cálculo das referidas quantias acrescidas de juros ascendia aos seguintes montantes: - € 4.428,82 de indemnização por despedimento ilícito; - € 18.480,06 relativos aos salários intercalares (desde 01/05/2022 até 02/11/2023): sendo € 7.876,64 no ano de 2022 e € 10.603,42, no ano de 2023; - € 2.681,77 a título de créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato (retribuição de Abril de 2022, retribuições de férias e proporcionais de férias, subsídio de férias e formação profissional); - € 1.511,26 a título de juros contados até ao dia 23/11/2023. iii - Através de transferência bancária realizada a 23/11/2023, a embargante pagou ao embargado as quantias de € 6.365,28 e de €4.432,98. iv - A embargante deduziu à quantia de €18.480,06, relativa aos salários intercalares, a quantia de €16.189,40 auferida pelo embargado a título de actividade remunerada prestada a terceiro (EMP02..., Unipessoal, Ldª). v - A partir de 01/05/2022, o embargado: - só apresenta remunerações declaradas pela entidade empregadora “EMP02..., Unipessoal Ldª” a partir de 07/2022; - não regista qualquer remuneração declarada de 01/05/2022 a 30/06/2022; - não recebeu qualquer prestação de doença, desemprego ou outro subsídio do ISS. B ) DIREITO Importa saber se às quantias reclamadas no requerimento executivo a título de retribuições intercalares (€18.480,06[2]) devem ser deduzidos os rendimentos de trabalho auferidos pelo ora embargado a partir de 07/2022 ao serviço da empresa “EMP02..., Unipessoal Ldª”. Na primeira instância denegou-se o direito a deduções com o fundamento de que o embargante não terá logrado provar que o embargado não teria recebido os rendimentos laborais (que recebeu) caso não fosse o despedimento. * Analisando:Da sentença que serve de base à execução consta que o embargado foi impedido de continuar a trabalhar para a embargante (“despedimento de facto”) desde o final de março/2022. Ao abrigo do disposto no art. 390º, CT, na sentença foi-lhe reconhecido, além do mais, o direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde 1-05-22 até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento. Nada foi mencionada na sentença quanto a dedução de importâncias que o trabalhador auferisse com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento ao abrigo do disposto no art. 390º, 2, a), CT. Quer o dispositivo da sentença, quer a fundamentação de direito, são totalmente omissos sobre a dedução de rendimento de trabalho. O título executivo, no caso uma sentença, delimita tanto o que pode ser pedido, como o que pode ser invocado para extinguir ou modificar a obrigação -729º CPC. O que decorre do efeito do caso julgado. Transitada que esteja a decisão condenatória a mesma passa a ter força obrigatória, podendo ser executada nos seus precisos termos - 619º e 626º CPC. Assim, o exequente não pode pedir mais do que a sentença lhe concede, nem o executado pode opor factos que poderia/deveria ter apresentado na ação declarativa. Verifica-se que na contestação apresentada na acção declarativa a então ré e ora embargante (focada que estava na defesa da “transmissão de estabelecimento” para a co-ré) não pediu a dedução de rendimentos que o trabalhador/embargado pudesse ter auferido após o despedimento e que não receberia caso não fosse este evento. Consequentemente na sentença não se ordenou a dedução de quaisquer rendimentos laborais, o que não é oficioso, tem de ser excepcionado. Na verdade, como referenciámos, nem tal foi pedido na contestação, nem em algum outro momento. Apenas consta do processo declarativo que numa das sessões de julgamento, em 17-11-2022, a ré, ora embargante, requereu a notificação da Segurança Social para informar os valores eventualmente recebidos pelo Autor, quer a título de subsídio de desemprego, quer de outra atividade remunerada, o que foi deferido. O que não equivale ao pedido de dedução de retribuições intercalares, não tendo aquela solicitação quaisquer consequências ao nível do que tratamos. Alguma jurisprudência configura a dedução nas prestações intercalares de rendimentos percebidos pelo trabalhador como excepção de direito material extintiva/impeditiva, que está na disponibilidade das partes, cumprindo à embargante exercê-la processualmente no tempo oportuno, ou seja, em sede de contestação, sob pena de ficar precludido o direito de ulteriormente suscitar tal questão - 390º, 2, a), CT, 342º, 2, do CC, 571.º, 2, 2ª parte, e 573.º, 1, do CPC. Outra jurisprudência, mormente do STJ, entende que embora “a figura da compensação de vantagens se não subsuma efectivamente ao elenco das verdadeiras e próprias excepções peremptórias... acaba por ter uma relevância decisiva para apurar o valor da indemnização em dinheiro, correspondendo a uma situação factual que interessa ao lesante invocar em seu benefício, com vista a diminuir o montante indemnizatório que seria correspondente aos lucros cessantes futuros”- ac. STJ de 12-02-2025, proc. 2313/23.4T8CBR.C1.S2, www.dgsi.pt Como quer que seja, a jurisprudência conflui em que “o ónus de alegação e prova de obtenção pelo trabalhador de rendimentos a deduzir, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 390.º do CT recai sobre o empregador, não se tratando de matéria de conhecimento oficioso”- STJ, acórdão acabado de citar. Em consonância, no caso ficou, pois, precludido o direito de a ora embargante o fazer posteriormente, ressalvados os rendimentos reportados a período posterior ao encerramento da audiência de julgamento e enquanto fundamento de oposição à execução baseada em sentença. O que tem acolhimento legal no art. 729º, g, CPC, que permite a invocação de “Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento...”. Esta possibilidade de dedução enquanto fundamento de embargos de executado tem sido afirmada pela jurisprudência. Vejam-se: ac.s RG de 2-02-2023, proc. 1500/21.4T8VCT.G1 que se pronuncia sobre a questão no âmbito da acção declarativa; ac. RG de 3-10-2024, proc. 1154/20.5T8BCL-B.G1, redigido pela ora relatora e referente precisamente a questão ocorrida no âmbito de oposição à execução; ac. STJ de 25-03-2010, p. 690/03.2TTAVR-B.C1.S1 que refere “os “rendimentos paralelos”, desde que reportados ao período subsequente àquele encerramento (discussão em 1ª instância), podem e devem fundamentar a oposição à execução ulterior... sendo, neste caso, indiferente que a sentença declarativa lhes dedique, ou não, expressa pronúncia.”- www.dgsi.pt No mesmo sentido, vai o ac. STJ de 17-06-2010, p. 615-B/2001.E1.S1 (s“2. Não tendo a executada suscitado, na acção declarativa, a questão da dedução dos rendimentos de trabalho auferidos pelo exequente em actividades iniciadas após o despedimento, e sendo aí proferida condenação em quantia certa quanto ao valor das retribuições intercalares, em sede de execução, os mencionados rendimentos, desde que reportados ao período subsequente ao encerramento da audiência de discussão e julgamento na acção declarativa, podem fundamentar a oposição, nos termos da alínea g) do artigo 814.º do Código de Processo Civil, sob a iniciativa alegatória da executada.”)- www.dgsi.pt * Sucede, porém, que a senhora juíza, além de não atender ao momento do fecho da audiência de julgamento, socorreu-se de argumentação da qual nos distanciamos, porque claramente não compaginável com a realidade dos factos apurados quer na sentença título executivo, quer na decisão que decidiu os embargos de executado, a cujo conjunto há que atender numa visão que não se quer parcelar, nem tão pouco alheada da vida.A senhora juíza a quo denegou a possibilidade de dedução nas retribuições intercalares dos rendimentos laborais auferido, não por falta da sua reclamação na fase declarativa (problemática jurídica que não se vê abordada), mas porque, conquanto se tenha provado que após o despedimento o embargado recebeu de outrem €16.189,40 de rendimentos laborais, o embargante não terá logrado provar “que tais quantias não seriam recebidas se não fosse o despedimento” Refere-se “Na verdade, não basta para tal que a embargante tivesse remetido para o documento junto pelo ISS aos autos principais, relativo às quantias auferidas pelo embargado. Da análise desse documento pode unicamente extrair-se a quantia que foi paga ao embargado e que efectivamente ascende ao total de €16.189,40. No entanto, o embargante ainda assim tinha de ter alegado e provado que tais quantias não seriam recebidas se não fosse o despedimento – por exemplo, que a realização do trabalho remunerado após o despedimento era totalmente incompatível com o outro, por exemplo em termos de horário. É que poder-se-ia dar a situação de este novo trabalho ser somente complementar e perfeitamente compatível com o anterior, ou seja, sempre seriam recebidas estas quantias ainda que não tivesse ocorrido o despedimento.”- negrito nosso. Como deixámos entrever, uma visão conjunta dos factos provados na sentença da fase declarativa e dos apurados na decisão de embargo de executado, permite concluir de modo diverso, discordando-se da apreciação dos factos e da aplicação do direito. Veja-se o quadro fáctico da acção declarativa: Na acção foi demandada a ora embargante na qualidade de empregadora, bem como o Município ... (cliente) e a empresa EMP02... Unipessoal, a quem foi posteriormente adjudicado o serviço que era prestado pela ora embargante e onde o autor desempenhava funções (ali se colocando a vexata quaestio da transmissão de exploração de estabelecimento); O autor/ora embargado trabalhou para a ora embargante desde 2018 até Março de 2022 ( data em que os serviços foram adjudicados pelo Município à empresa EMP02..., Unipessoal), exercendo funções de vigilante de parque de estacionamento; durante este período e até ao despedimento trabalhou para a embargante a tempo completo recebendo retribuição mensal correspondente (€705,00) e diversos outros complementos mensais, exercendo funções em regime de turnos rotativos de 8 horas, alternando com os restantes três colegas, e todos os meses prestando trabalho nocturno - pontos 4, 5, 7,14, 20, 22, 23, 24, 26, 30 e 31. Veja-se agora o quadro fáctico da decisão de embargos: O embargado recebeu a quantia de €16.189,40 a título de actividade remunerada prestada a EMP02..., Unipessoal, Ldª a partir de julho de 2022 em diante - pontos iv e v. Menciona-se na fundamentação que o meio de prova é o extracto de remunerações provinda da SS. Ou seja, o embargado deixou de trabalhar para a embargante e só depois passou a trabalhar para outra empresa (a quem foi adjudicado o serviço desempenhado pela embargante). E fê-lo em condições de horário de trabalho, intensidade e remuneração (tempo completo, turnos, trabalho suplementar, nocturno, etc) que apontam para a conclusão de que não auferiria esses rendimentos se ainda estivesse ao serviço da antiga empregadora, por tal não se afigurar compatível com outro trabalho de igual intensidade considerando as horas que um dia comporta. Veja-se que ao serviço da empresa EMP02..., Unipessoal, Ldª, apresenta retribuições de horário completo e de serviços extras, conforme extracto da SS. Mas, acima de tudo, temos como incontornável que antes do despedimento o embargado não trabalhava para esta empresa e só depois o passou a fazer e a tempo completo. Nada autoriza especulações de que poderia cumular duas actividades, quando antes não as acumulava, e não se afigura que o pudesse fazer. Ademais, perante a oposição de embargos em que se reclama a dedução do rendimento de 16.189.40€, o embargado nem nega que os recebeu, nem objecta que sempre poderia desempenhar as duas funções ao mesmo tempo em regime complementar. É certo que compete ao empregador alegar e provar que o trabalhador recebeu retribuições que caso não fosse o despedimento não receberia. Porém, não podemos tornar esta exigência diabólica. No caso, o ónus de alegação foi cumprido no art. 7º, i, da oposição[3]. Conquanto a alegação seja algo genérica, não deixa de ser simultaneamente fáctica quanto ao ponto de que o autor recebeu €16.189,40 de rendimentos depois do despedimento, sendo o facto apreensível. Donde se conclui que a apelação procede parcialmente devendo ser deduzidos os rendimentos de trabalho percepcionados entre 13-02-2023 (encerramento da audiência de julgamento da fase declarativa) e 2-11-2023 (trânsito da sentença). Recorrendo ao extracto de remunerações da SS em que se alicerçou a sentença de embargos, aqueles ascendem a 8.606,11€. * Quanto à argumentação de “abuso de direito” e de “enriquecimento sem causa” que se coloca relativamente aos pedidos que não obtiveram vencimento (dedução de retribuições auferidas pelo embargado entre o despedimento e a data de encerramento da audiência de julgamento):A propósito destas figuras refere a lei civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” - 334º CC “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.”- 473º CC. Desde logo, esta última hipótese está arredada porque autor tem causa justificativa para o seu pedido, o qual é expressamente concedido pela lei laboral - 390, 1, CT (“o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.”) Já o resto que configuraria abuso de direito (impossibilidade de abater os rendimentos que o trabalhador obteve e que não obteria se não fosse o despedimento) só poderia ser equacionado se inexistisse a possibilidade de a empregadora a isso obstar. Estava na mão da então ré (ora embargante), na acção declarativa principal, arguir e provar que o trabalhador até ao julgamento auferiu tais valores. Não nos parece desajuizado, nem desequilibrado que a ré alegasse a excepção e a provasse. Não podemos, ademais, subverter as regras de direito por via das quais compete ao trabalhador provar apenas a ilicitude do despedimento (o que lhe dá direito a certas compensações) e ao empregador obstar ou diminuir os direitos daquele, sob pena de o autor ter de provar os factos que simultaneamente constituem e obstam ao seu direito. Trata-se de um equilíbrio de forças entre as partes que não causa qualquer alarme social e fácil de cumprir. Neste circunstancialismo invocar figuras como o “abuso de direito” ou “enriquecimento” sem causa é fazê-lo em vão. I.I.I. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e determinar-se que à quantia exequenda (retribuições intercalares) seja deduzida a quantia de 8.606,11 (oito mil, seiscentos e seis euros e onze cêntimos) confirmando-se no mais a decisão recorrida. Custas a cargo de ambas as partes, na proporção vencimento/decaimento. Notifique. 9-10-2025 Maria Leonor Barroso (relatora) Vera Sottomayor Francisco Sousa Pereira [1] Segundo os artigos 635º, 639º e 640% do CPC, o âmbito do recurso e a área de intervenção do tribunal ad quem é delimitado/balizado pelas questões e conclusões suscitadas pelo recorrente. [2] Referentes ao período de 1/5/2022 a 2-11-2023, data de transito em julgado da sentença, e cujo valor liquidado pelo exequente não vem posto em causa. [3]“ 7ºPor sua vez, o valor de € 6.365,28 (seis mil trezentos e sessenta e cinco euros e vinte e oito cêntimos), respeitante à segunda parcela de pagamento, corresponde às quantias em que a Executada foi condenada: (i) a título de retribuições deixadas de auferir pelo Exequente, desde 01.05.2022 até ao trânsito em julgado da sentença2, deduzidas das quantias auferidas pelo Exequente a título de subsídio de desemprego ou atividade remunerada, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, o que, no caso, perfez um valor de dedução de € 16.189,40 (dezasseis mil cento e oitenta e nove euros e quarenta cêntimos) (cfr. cópia do extrato de remunerações da Segurança Social que se junta como Doc. n.º 3 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais); |