Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO EXECUTIVO PERSI | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. O art. 20º,2 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que dispõe que “as instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo da adopção dos procedimentos do PERSI” não interfere no ónus da prova da integração do devedor em PERSI. Findo o prazo legal da duração do dever de conservação dos processos individuais, a instituição de crédito continua a estar onerada com o ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI. 2. Nos termos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, só as instituições de crédito estão incumbidas de promover as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito artigo 1º). No entanto, de modo a não permitir que sejam contornados os princípios e regras que se impõem às instituições de crédito, vem sendo entendido na jurisprudência que continua a cessionária do crédito obrigada a fazer a demonstração que o procedimento de PERSI foi cumprido, se quiser fazer valer agora o seu direito de crédito. 3. Quando a execução tem como título executivo uma livrança, que ainda não prescreveu, o exequente pode limitar-se a invocar a obrigação cambiária decorrente de tal título de crédito, omitindo por completo a relação subjacente, e não tem de se confrontar com decorrências ligadas a essa relação, como o cumprimento do PERSI. Porém, quando é o próprio exequente que, no requerimento inicial de execução, menciona o contrato de crédito subjacente, juntando cópia do mesmo, o Tribunal, que tem o dever de conhecer oficiosamente das excepções dilatórias (art. 578º CPC), podia e devia indagar do cumprimento das regras do PERSI. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório Na execução ordinária que EMP01..., S.A. move contra AA, foi proferido despacho a mandar notificar o exequente para se pronunciar quanto à falta de PERSI e de válido título executivo, pois não foi comprovado o integral cumprimento do regime jurídico-PERSI, aprovado pelo DL n.º 227/2012, de 25/10, alterado e republicado pelo DL n.º 70-B/2021, de 06/08. A Exequente veio dizer que, enquanto cessionária, não dispõe dos elementos solicitados, mormente das Cartas que comprovam a integração do Executado em PERSI. Mais veio dizer que solicitou as Cartas de Integração e de Extinção PERSI ao Banco Cedente, e recebeu como resposta que: “Quanto às cartas persi, é possível que o sistema não retenha as cartas enviadas, tendo em conta a disposição específica do nº 2, do artº 11º C (PARI) do nº 2, do artº 20º (PERSI) do DL 227/2012, quanto ao dever de conservação dos processos individuais por um prazo de 5 anos, período esse já esgotado, face ao facto de o cliente em questão ter sido integrado em PERSI e o processo ter sido extinto pelo decurso do prazo em 09/02/2018.” Junta cópia dos registos internos do Banco Cedente. Foi então proferido despacho que explicou que o credor tem de apresentar a documentação comprovativa da sujeição do devedor a PERSI, juntamente com a demais para iniciar a acção, sendo irrelevante que já tenham decorrido (ou possam ter decorrido) os tais cinco anos. Se, entretanto, a não preservou, sibi imputet. Por isso, considerou que estava perante uma excepção dilatória inominada insuprível, nos termos do disposto nos artigos 576º,1,2, 577º, 578º, 726º,2,b), do Código de Processo Civil, e indeferiu o requerimento executivo. Inconformada com esta decisão, a exequente dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a, 647º,1 CPC). Termina com as seguintes conclusões: A ré apresentou as suas contra-alegações. Termina-as com as seguintes conclusões: A. A Recorrente deu entrada com Requerimento Executivo contra o Recorrido, tendo como Título Executivo uma Livrança, nos termos do artigo 703.º do Código de Processo Civil. B. Veio o Tribunal a quo indeferir liminarmente tal Requerimento Executivo, invocando para tal que se encontra verificada a excepção dilatória inominada de falta de cumprimento das obrigações decorrentes do PERSI e, em consequência, absolve o Executado da instância. C. Após ser notificada para o efeito, a Exequente procedeu à junção de documento interno bancário, fornecido pelo Banco Cedente, comprovando as datas de integração em PERSI, uma vez que não dispunha de mais meios de prova da sua integração. D. As comunicações de integração em PERSI apenas têm de ser conservadas pelo Banco Cedente durante um período de 5 anos, conforme resulta claro do n.º 2, do artigo 20.º (PERSI) do DL 227/2012. E. Pelo que, volvidos cinco anos do incumprimento, não dispõe a Exequente, nem o Banco Cedente de tais comunicações. F. Alega o Tribunal a quo que tal nada tem que ver com o facto de não terem sido apresentadas tais comunicações e que tal se verifica fundamental para a procedência da acção. G. A lei é clara, a Exequente não é obrigada a conservar tais comunicações por período superior a cinco anos. H. Pelo que, não pode a Exequente conceber que lhe seja vedado o acesso à cobrança judicial dos valores que lhe são devidos, tendo ficado claro, pelos elementos juntos, que o procedimento foi cumprido, tão só não dispondo das comunicações, por delas não ter de dispor. I. Pelo que, resta concluir que a junção do quadro de registo interno bancário, considerando o circunstancialismo legal, e tendo a Exequente e o Banco Cedente, cumprindo todos os deveres a que estavam adstritos, será o bastante para a prova da integração do Executado em PERSI. J. Pois caso contrário, estaremos a caminhar no sentido de todos os contratos de crédito que se vejam Executados volvidos cinco anos do seu incumprimento, tenham o desfecho apresentado, em prejuízo claro dos Exequentes. K. Concluindo- assim, que, foram cumpridos todos os requisitos quanto ao procedimento PERSI, não estando em causa a excepção dilatória inominada de falta de cumprimento das obrigações decorrentes do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, pelo que deverá prosseguir a presente Execução retomando os seus normais trâmites. L. Ainda assim, se ressalva que, o procedimento PERSI apenas obriga as instituições bancárias a integrar em PERSI os clientes bancários, sendo essa condição para a admissibilidade de acção executiva que tenha como título o contrato de crédito, com vista a que seja encetada uma fase de negociação, de modo a ajudar o seu cliente com o incumprimento. M. Não sendo o cessionário uma instituição de crédito e, assim, não estando sujeito às proibições ou impedimentos elencados no artigo 18.º do Procedimento PERSI, pode obter de imediato a satisfação do crédito cedido. N. O Procedimento PERSI é aplicável aos chamados clientes bancários, na óptica de consumidores de produtos bancários, posição essa que o Executado perdeu, pelo que o procedimento PERSI não seria a este aplicável. Sendo tal reforçado, após, com a cessão de créditos em Junho de 2023. O. Acresce ainda que, estamos perante uma execução que se funda e tem como título executivo um título de crédito, no caso uma Livrança. E sendo o título executivo uma livrança, nesta há que distinguir duas realidades: o negócio cartular e o negócio subjacente. P. Na acção executiva a Exequente, portador do título, pode limitar-se a invocar a obrigação cambiária, cartular, que é literal e abstracta, sem necessidade de alegar quer os factos pertinentes a caracterizar o negócio subjacente e suas vicissitudes, quer a integração do devedor no PERSI no âmbito desse negócio subjacente. Q. No regime do PERSI previsto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o seu artigo 21.º não abrange os avalistas de títulos de crédito com função de garantia de contratos de crédito que se encontrem em situação de incumprimento. (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2019 (6470/14.2T8ALM.L1-6). R. Resta concluir que a Exequente não estava obrigada a integrar o Executado em PERSI, tanto pela primeira não ser uma instituição de créditos, como pelos segundos não serem clientes bancários; como pelo Título Executivo se tratar de um título de crédito, in casu, uma livrança. II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a única questão a decidir consiste em saber se foi correcta a decisão de indeferir o requerimento executivo com base na verificação de uma excepção dilatória inominada insuprível (PERSI). III Todas as decorrências processuais necessárias para conhecer da questão suscitada estão elencadas supra. IV Apreciando e decidindo. O “PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento” foi criado pelo DL n.º 227/2012, de 25-10, que veio consagrar um conjunto de medidas destinadas a promover quer a prevenção do incumprimento por parte dos consumidores das responsabilidades por eles assumidas em contratos de crédito, quer a regularização das situações de incumprimento dos contratos de crédito por eles celebrados. Através da implementação de medidas extrajudiciais - de que são exemplo o PERSI e PARI (Plano de Acção para o Risco de Incumprimento), também ele instituído pelo diploma referido, visa-se promover uma actuação responsável por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários bem como a redução dos níveis de endividamento das famílias, numa época de degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e de aumento do incumprimento dos contratos de crédito. Como se sintetiza no acórdão do STJ de 09.02.2017, o legislador do diploma acima referido pretendeu «obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, na acepção que lhe é dada pela Lei do Consumidor (Lei n.º 34/96, de 31.07, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04), salvaguardando através dos mecanismos nele criados aposição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente numa época de acentuada crise económica e financeira». Valendo-nos aqui do que se escreve no Acórdão TRE de 15 de Setembro de 2022 (Cristina Dá Mesquita), “através do PERSI as instituições bancárias, no cumprimento dos deveres de diligência e lealdade que sobre elas impendem (cfr. artigo 4.º, n.º 1, do D/L n.º 227/2012) e como assinalámos supra num quadro de adequada tutela dos interesses dos consumidores em situação de incumprimento deverão aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor (cfr. artigos 1.º, n.º 1, alínea b), 5.º, n.º 2, 12.º a 21.º). Sinteticamente dir-se-á que de acordo com regime previsto no pelo DL n.º 227/2012, o cliente bancário em situação de mora de obrigações decorrentes de contratos de crédito será incluído num PERSI (cfr. artigos 4.º, 5.º, n.º 2, 12.º e 14.º do D/L n.º 227/2012), podendo a regularização da situação de incumprimento passar por várias fases que vão desde uma fase inicial, à fase da avaliação dos motivos da mora e da apresentação de propostas de renegociação das condições do contrato ou de consolidação com outros contratos de crédito; seguidamente, passa-se à fase da negociação entre o cliente bancário e o Banco com vista à obtenção de um acordo de regularização da situação de incumprimento (cfr. artigos 14.º a 16.º); caso o PERSI não termine com um acordo das partes, o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito e manter, em determinadas circunstâncias, as garantias de que beneficiou durante o PERSI (cfr. artigo 22.º). Tem sido entendimento da jurisprudência que a validade e eficácia da integração do devedor bancário inadimplente no âmbito do PERSI, bem como a validade e eficácia da respectiva extinção são condições de admissibilidade da acção declarativa ou executiva que a instituição bancária pretender mover contra esse devedor, incidindo sobre a mesma o ónus de alegar e provar essas condições nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil (v.g. Ac. STJ, de 13.4.2021, proc. nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1; Ac. TRL de 21.10.2021, proc. n.º 12205/18.3T8SNT-A.L1-2; Ac. TRL de 05.01.2021, proc. n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7; Ac. TRL, de 08.10.2020, proc. n.º 4235/15.8T8LRS-A.L1-6; Ac. TRL, de 29.09.2020, proc. n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7; Ac. TRL, de 07.05.2020, proc. n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6; Ac. TRE, de 21.05.2020, proc. n.º 715/16.1T8ENT-B.E1; Ac. TRE, de 16.05.2019, proc. n.º 4474/16.9T8ENT-A.E1). Uma das garantias de que o cliente bancário/consumidor beneficia durante o período compreendido entre a data da sua integração no PERSI e a extinção deste procedimento (cujas causas estão previstas no artigo 17.º) é, justamente, o facto de o Banco credor, entre outras restrições, estar impedido de intentar acções judiciais para obter a satisfação do seu crédito (artigo 18.º. n.º 1, alínea b). Com efeito, da conjugação do artigo 18º,1,b) com o disposto no artigo 14º,1 – que prescreve a obrigatoriedade de integração do cliente bancário no PERSI quando verificados os pressupostos para tal efeito – resulta que o cumprimento da obrigação de integração do cliente bancário no PERSI (obrigação que pressupõe, naturalmente, a reunião dos pressupostos para tal desiderato) constitui uma condição de acção, isto é, uma condição de que depende o exercício da função jurisdicional, de que depende o conhecimento do mérito da causa ou da resolução da causa”. Ora, quanto à questão da comunicação da integração do cliente bancário no PERSI, a lei determina que as comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – artigos 14.º/4 e 17.º/3, do DL 227/2012, de 25/10. Ergo, temos como óbvio que uma mera carta simples, sem aviso de recepção, não demonstra que a carta foi recebida. Apenas demonstra, quando muito, que foi enviada. A intenção desta legislação, como vimos, foi obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, pudessem desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, salvaguardando através dos mecanismos nele criados a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente numa época de acentuada crise económica e financeira. Primeiro argumento do recorrente: O art. 20º,2 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro dispõe que “as instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes ao termo da adopção dos procedimentos do PERSI”. E o recorrente invoca este regime para defender que a execução deveria ter seguido os seus termos, porque já tinha decorrido esse prazo e o Tribunal não lhe podia ter exigido a apresentação do processo individual de PERSI. À primeira vista parece um argumento ponderoso. Porém, a Relação de Évora, por acórdão de 16.01.2025 (Vítor Sequinho dos Santos), decidiu questão semelhante no sentido da agora decisão recorrida. A argumentação ali avançada, em síntese, é a de que “do nº 2 do art. 20º não decorre que, expirado o prazo nela previsto, a instituição de crédito fique dispensada do ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI. Tal interpretação não tem qualquer apoio na letra da lei e parte de uma confusão entre duas questões que devem manter-se distintas: a da duração do dever de conservação dos processos individuais e a do ónus da prova da integração do devedor em PERSI. Findo o prazo legal da duração do dever de conservação dos processos individuais, a instituição de crédito fica desonerada desse dever e apenas dele. Continua, nos termos gerais, a estar onerada com o ónus da prova de que integrou o devedor em PERSI”. Seguindo esta interpretação, afastamos este argumento do recorrente. Segundo argumento da recorrente: Afirma a recorrente que “o procedimento PERSI apenas obriga as instituições bancárias a integrar em PERSI os clientes bancários, sendo essa condição para a admissibilidade de acção executiva que tenha como título o contrato de crédito, com vista a que seja encetada uma fase de negociação, de modo a ajudar o seu cliente com o incumprimento. Não sendo o cessionário uma instituição de crédito e, assim, não estando sujeito às proibições ou impedimentos elencados no artigo 18.º do Procedimento PERSI, pode obter de imediato a satisfação do crédito cedido. Ora, vamos aceitar, para efeitos da argumentação, que a cessionária ora exequente não é uma instituição de crédito. Nos termos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, só as instituições de crédito estão incumbidas de promover as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito artigo 1º). No entanto, de modo a não permitir que sejam contornados os princípios e regras que se impõem às instituições de crédito, vem sendo entendido na jurisprudência que a falta de integração obrigatória do cliente bancário no PERSI, quando reunidos os pressupostos para o efeito, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, ceda o seu crédito a quem não seja uma instituição de crédito; de outro modo, a cedência ou a transmissão poderia importar uma desvirtuação do regime consagrado no DL n.º 227/2012, de 25/10, na medida em que se a cessionária não for uma instituição de crédito abrangida pelo âmbito de aplicação daquele diploma legal não estaria obrigada a dar cumprimento ao PERSI. (Acórdão TRE de 28 de Abril de 2022 -Isabel de Matos Peixoto Imaginário; Acórdão TRG de 30 de Janeiro de 2020 -Alcides Rodrigues, e Acórdão TRC de 15 de Dezembro de 2021 -Luís Cravo). E recordemos que nos termos do disposto no artigo 18º,1, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual; Sabemos que no caso destes autos o contrato de crédito celebrado entre o Banco 1..., SA e o ora executado data de 27/7/2017. Sabemos ainda que por contrato de cessão de créditos celebrado em ../../2023 o Banco cedeu o crédito exequendo à ora exequente. Da documentação junta pela exequente (mera ficha bancária) resulta que o início do procedimento de PERSI terá sido em 9.11.2017, e que o mesmo se extinguiu em 8.2.2018. Simplesmente, como é jurisprudência pacífica, tal ficha bancária não chega para demonstrar que a entidade bancária cedente respeitou o disposto no DL n.º 227/2012, de 25/10. E assim, continua a cessionária do crédito obrigada a fazer a demonstração que o procedimento de PERSI foi cumprido, se quiser fazer valer agora o seu direito de crédito. E como a primeira instância referiu, essa demonstração não foi feita. E a jurisprudência é uniforme nesta matéria: o entendimento é o de que não tendo a exequente logrado demonstrar, como era seu ónus, que foi observado o regime imperativo consagrado no citado decreto-lei antes de o crédito exequendo lhe ter sido cedido, deve o executado ser absolvida da instância executiva, por verificação de excepção dilatória inominada. Vejam-se, a título de exemplo as seguintes decisões: a) Acórdão do TRL de 29 de Setembro de 2020: numa situação em que a exequente não está abrangida pelo âmbito de aplicação do regime instituído pelo DL 227/2012, de 25 de Outubro, não estando obrigada a promover as diligências necessárias à implementação do PERSI, afirma-se: caso se apurasse que, à data da cessão de créditos, a mutuante (cedente), não tivesse integrado os devedores no PERSI, não tendo dado início ao referido procedimento e, não obstante, procedesse à cessão dos créditos, tal impediria a interposição da presente execução pela cessionária (…).”. b) Acórdão do TRP de 8 de Junho de 2022: “A omissão de integração em PERSI configura uma inobservância dos princípios e finalidades que presidiram à consagração do regime legal e do procedimento em apreço, inviabilizando a possibilidade de obter a regularização do incumprimento verificado, o que, para além de ser do interesse das partes, é de interesse público, por afastar dos Tribunais situações que o legislador entendeu não deverem chegar, sem mais, àquela tutela.” É certo, como refere a Recorrente, que nada impõe, nem decorre da lei, que quando do contrato de cessão de créditos as entidades cessionárias verifiquem se os créditos a ceder estavam ou não integrados no PERSI, a questão é que se não o fizerem correm o risco de só mais tarde constatar que tal procedimento possa não ter sido cumprido quanto a algum devedor relativamente ao qual era obrigatório, com os efeitos inerentes de impedir que seja intentada acção judicial contra o devedor”. c) Acórdão do TRG de 30 de Janeiro de 2020: “Com efeito, de outro modo estaria encontrada uma via expedita para as instituições de crédito se subtraírem à obrigatória sujeição ao regime decorrente do Dec. Lei n.º 227/2012, bastando para o efeito que, em violação do estatuído no citado diploma legal, se abstivessem de integrar obrigatoriamente o cliente bancário no PERSI e cedessem o seu crédito a um terceiro que não é uma instituição de crédito, o que permitiria que este (cessionário) não ficasse sujeito às proibições ou impedimentos elencados no art.º 18º e pudesse obter de imediato a satisfação do crédito cedido, sendo-lhe, por isso, lícito, sem quaisquer restrições, resolver de imediato o contrato de crédito com fundamento em incumprimento (art.º 18.º, n.º 1, al. a)), intentar acções judiciais contra o mutuário, tendo em vista a satisfação dos respectivos créditos (al. b)), ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito em causa (al. c)) ou transmitir a terceiro a sua posição contratual (al. d)). Tal representaria, fácil é de ver, uma autêntica fraude à lei, na medida em que frustraria por completo os objectivos que presidiriam à consagração daquele especial regime que visa tutelar as situações dos clientes bancários que se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, solução essa que deve ser rejeitada. Ora, como se salienta no Ac. da RE de 06/10/2016 (relator José Tomé de Carvalho), in www.dgsi.pt., estamos perante “incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjectivo - com repercussões igualmente no domínio substantivo -, uma condição objectiva de procedibilidade” da própria pretensão, que deve ser enquadrada “com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias. E isto porque, em termos finalísticos, atendendo ao respectivo resultado, a referida falta de condição objectiva de procedibilidade conduz à absolvição da instância e não se reporta ao mérito da causa”, não sendo o vício decorrente de tal omissão sanável no âmbito da acção judicial (execução), conforme emerge com clareza e contundência da própria letra da lei (vg. art.º 18º do Dec. Lei 227/2012)”. d) Acórdão do TRC de 15 de Dezembro de 2021; E finalmente, “last but not least”, o art. 585º CC dispõe que “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”. E assim, também este argumento improcede. Terceiro argumento da recorrente: a referência a que o Procedimento PERSI é aplicável aos chamados clientes bancários, na óptica de consumidores de produtos bancários, posição essa que o Executado perdeu, pelo que o procedimento PERSI não seria a este aplicável, sendo tal reforçado, após, com a cessão de créditos em Junho de 2023, salvo o devido respeito, não colhe. Como acabámos de ver a questão é a de que mesmo a cessionária do crédito tem o ónus de demonstrar que antes de o crédito lhe ter sido cedido, e quando o devedor era consumidor de produtos bancários, os procedimentos do PERSI foram cumpridos. Quarto e último argumento da recorrente Estamos perante uma execução que se funda e tem como título executivo um título de crédito, no caso uma livrança. E sendo o título executivo uma livrança, nesta há que distinguir duas realidades: o negócio cartular e o negócio subjacente. Na acção executiva a Exequente, portador do título, pode limitar-se a invocar a obrigação cambiária, cartular, que é literal e abstracta, sem necessidade de alegar quer os factos pertinentes a caracterizar o negócio subjacente e suas vicissitudes, quer a integração do devedor no PERSI no âmbito desse negócio subjacente. Ora, indo directamente à solução, temos que a livrança dada à execução tem como data de vencimento a de 5.01.2025. E o art. 70º LULL dispõe que todas as acções contra o aceitante relativas a letras de câmbio prescrevem em 3 anos a contar do seu vencimento (norma que se aplica às livranças- art. 77º LULL). Donde, a livrança que foi dada à execução como título executivo ainda não prescreveu, e logo é um título de crédito dotado das características que lhes são próprias (literalidade, abstracção e autonomia). Daqui segue-se que é exequível e é autónoma em relação à obrigação subjacente, pelo que a causa de pedir, nesse caso, é enformada pela relação cartular que o próprio título de crédito documenta e evidencia, encontrando-se o Exequente dispensado de alegar e provar a relação subjacente. Consequentemente, na data do vencimento ou nas circunstâncias referidas no artigo 43.º da LULL, o legítimo portador pode exigir dos responsáveis o pagamento do capital inscrito, dos juros de mora e restantes acréscimos referidos no artigo 48.º da LULL ou no artigo 45.º da LUch (cfr. artigo 77.º da LULL quanto às livranças)[1]. O que sucedeu neste caso concreto foi que foi a própria exequente quem, no requerimento inicial de execução, veio referir-se ao contrato de cessão pelo qual adquiriu o crédito exequendo, ao Banco 1..., SA, alegando que a livrança dada à execução foi subscrita pelo executado, no âmbito do contrato de crédito que também vem identificado. E na documentação que junta consta o contrato de crédito pessoal celebrado entre o ora executado e o Banco 1..., SA. Assim, estamos em crer que se a exequente não tivesse feito menção no requerimento executivo da relação subjacente à livrança, o Tribunal não poderia oficiosamente ir indagar do eventual cumprimento do PERSI. Mas a exequente fez essa menção integral. E foi quanto bastou para que o Tribunal, tendo o dever de conhecer oficiosamente das excepções dilatórias (art. 578º CPC), procedesse a esse conhecimento. E assim, improcede integralmente o recurso. Sumário: … V- DECISÃO Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso improcedente, e confirma o despacho recorrido. Custas pela recorrente (art. 527º,1 CPC). Data: 2.10.2025 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto (António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida) 2º Adjunto (Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)
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