Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | CARLA OLIVEIRA | ||
| Descritores: | DIREITO DE PROPRIEDADE USUCAPIÃO FRACIONAMENTO DE PRÉDIOS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I – Sendo a usucapião uma forma de aquisição originária que surge “ex novo” na titularidade do sujeito, unicamente em função da posse exercida por certo período temporal, é, por isso, absolutamente autónoma e independente de eventuais vícios que afectem o acto ou negócio gerador da posse. II - A aquisição da propriedade, designadamente por usucapião, precede a aplicação das normas de direito do urbanismo ou, ainda que não preceda, prevalece sobre a aplicação das normas de direito do urbanismo relativas à divisão, ou ao fraccionamento, dos prédios. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA e BB instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo a condenação dos réus: a) a reconhecer que os autores são proprietários do prédio descrito nos artigos 1º e 2º da petição inicial; b) a restituir a faixa de terreno ocupada, livre de pessoas e bens, retirando a malha sol que colocaram, demolindo o anexo, o tanque, deslocalizando o poço, na parte norte do prédio dos autores; c) a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte dos autores do referido prédio; d) a abster-se de invadir o prédio dos autores; e) a pagar aos autores, uma indemnização de € 1.400,00, pelos danos não patrimoniais causados; f) no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento da decisão proferida nos presentes autos, devendo o respectivo montante ser fixado de acordo com o estabelecido no art.º 829º-A do CC, mas nunca em quantia inferior a € 25,00 € (vinte e cinco euros) por cada dia de incumprimento. Alegaram, para tanto e em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, parcela de terreno para construção, correspondente ao lote nº ..., aprovado pelo Alvará de Loteamento nº ...8, emitido em ../../1998, pela Câmara Municipal ..., situado no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...74/... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...83, com a área de 776,70 m2 e confronta do Norte com EE, do Sul com caminho público, do Nascente com ... e do Poente com o lote .... Mais alegaram que adquiriram o referido prédio através de documento particular autenticado, de compra e venda, outorgada, em 26.12.2022, e que, por si e por seus antepossuidores, sempre estiveram na posse do identificado prédio por mais de 1 e 25 anos, contínua e ininterruptamente, suportando os respectivos encargos, nomeadamente os de natureza fiscal, praticando todos estes actos com animo de verdadeiros proprietários, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia de sua situação, sem oposição de ninguém. Dizem ainda que os réus são proprietários do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, andar, dependência e logradouro, situado na rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., que se localiza a norte do prédio dos autores e que, em 11.02.2023, os réus vedaram este seu prédio, do lado Sul, com malha sol, não respeitando os limites do lote dos autores, uma vez que ocuparam 48m2 deste lote, incluindo a área ocupada pelo tanque, pelo anexo e pelo poço, provocando aos autores danos não patrimoniais por verem o seu prédio devassado. Os réus contestaram, impugnando a matéria alegada na petição inicial e deduziram reconvenção, na qual pediram que: a) os autores sejam condenados a reconhecer que os réus são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no artigo 1º da contestação; b) seja declarado que o referido prédio tem a extrema a sul com a configuração constante do levantamento topográfico junto à contestação com o nº 6, nele se incluindo não só a habitação propriamente dita, mas também o anexo, o tanque e o poço; c) os autores sejam condenados a abster-se de praticar todos os actos que possam lesar ou ofender a posse e o direito de propriedade que os réus detêm sobre aquele prédio assim caracterizado; d) os autores sejam condenados a pagar-lhes indemnização por danos não patrimoniais em quantia não inferior a € 1.000,00, bem como os juros à taxa legal contados deste a notificação da contestação/reconvenção sobre aquele valor até efectivo e integral pagamento. Alegaram, para tanto e em síntese, que celebraram contrato de compra e venda em 12.01.2023 do prédio urbano, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., descrito na CRP ... sob o registo ...28 e inscrito na respectiva matriz pelo art.º ...62, com a área total do prédio é de 1000m2 e que é composto por casa de rés-do-chão, ... andar, dependência e logradouro, contrato que foi celebrado com as mesmas pessoas que venderam o prédio dos autores, já que ambos os prédios formavam um único prédio misto, pertencente ao falecido pai dos vendedores, EE; que, por altura do loteamento do lote nº ..., agora propriedade dos autores, no prédio dos réus já se encontravam edificadas todas as construções nele presentes, ou seja, com anexo, com poço e com tanque; que a parcela que os réus vedaram faz parte do prédio que lhes pertence; que esta parcela é usada pelos réus, por si e antepossuidores, há mais de 10, 20 ou 30, de forma pacífica, à vista de todos, sem oposição de ninguém que não os autores, na convicção de a ninguém prejudicarem. Igualmente invocaram que a interposição da presente demanda lhes provocou danos não patrimoniais que computaram na quantia acima assinalada. Os autores/reconvindos replicaram, impugnando a matéria alegada na contestação/reconvenção. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador e procedeu-se à identificação do objecto do litígio, à selecção dos temas de prova e à admissão dos meios de prova. Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, constando do respectivo dispositivo o seguinte: “V- DECISÃO Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedentes a acção e a reconvenção e, em consequência: a) Declaro que os Autores, AA e BB, são proprietários do prédio urbano composto de parcela de terreno para construção, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...74/... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...83, com a área total de 728m2; b) Declaro que os Réus/Reconvintes, CC e DD, são proprietários do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, andar, dependência e logradouro, situado na rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28 e inscrito na respectiva matriz pelo art.º ...62, com a área total de 977m2; c) Declaro que o prédio referido em b) tem a extrema a sul com a configuração constante do segundo levantamento topográfico junto com o requerimento com a refª ...18, de 21.06.2023, fls. 63 do suporte físico, nele se incluindo a habitação referida no ponto 9 dos Factos Provados, bem como o anexo, o tanque e o poço referidos no ponto 14 dos Factos Provados; d) Condeno os Autores/Reconvindos a absterem-se de praticar todos os actos que possam lesar ou ofender a posse e o direito de propriedade que os Réus detêm sobre o prédio referido em b) e c); e) Absolvo os Réus e os Autores/Reconvindos do restante peticionado. * As custas da acção e da reconvenção serão suportadas pelos Autores/Reconvindos e pelos Réus/Reconvintes na proporção de 9/10 e de 1/10, respectivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que aos últimos foi concedido – Cfr., art.º 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.”. Inconformados com a referida decisão, os autores interpuseram recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: «I) Foi dado como provado o facto 8, “os Autores, por si, com exclusão da faixa de terreno referida em 21, e por seus antecessores, sempre estiveram em poder do prédio referido em 1 por mais de 1 e 25 anos, contínua e ininterruptamente, com animo de verdadeiros proprietários, sem oposição de ninguém”, quando deveria ter sido dado como provado o facto, na totalidade, ou seja, que “os Autores, por si, e por seus antecessores, sempre estiveram em poder do prédio referido em 1 por mais de 1 e 25 anos, contínua e ininterruptamente, com animo de verdadeiros proprietários, sem oposição de ninguém”. II) De facto, a faixa de terreno em discussão, nestes autos, situa-se no lote ..., pertencente aos Recorrentes. III) Ora, todas as testemunhas dos Recorridos, não sabem esclarecer, a quem ficou a pertencer a parcela, (onde se integra o poço e o tanque), aqui em discussão, após a operação de loteamento. IV) Para além disso, as testemunhas FF, GG, HH e II, afirmaram que foi demolido um tanque que existia, antes do loteamento, por estar situado no prédio dos Recorrentes (lote ...), e que foi construído um novo tanque. V) Ora, tais declarações violam as regras da experiência e do normal acontecer, uma vez que se verificou (ver ponto 14) que o suposto novo tanque continuou a situar-se no prédio dos Recorrentes (lote ...). VI) Foi dado como provado que “o que fizeram à vista de todos, sem oposição de ninguém que não os Autores, na convicção de a ninguém prejudicarem” (facto 40), quando deveria ter sido dado como não provado, uma vez que todas as testemunhas dos Recorridos, não sabem esclarecer, a quem ficou a pertencer a parcela, (onde se integra o poço e o tanque), aqui em discussão, após a operação de loteamento. VII) Com a alteração da matéria de facto, aqui sugerida, deve ser julgada procedente a acção (com excepção do pedido de indemnização) e improcedente a reconvenção. VIII) A parcela de terreno, aqui em discussão, pertence ao prédio dos Recorrentes (lote ...), que foi constituído, por via do loteamento, que definiu, “o objecto e os limites do direito real de propriedade sobre cada lote”, que corresponde ao que ficou definido na respectiva operação de loteamento. IX) A partir daí, a posse exercida sobre essa parcela de terreno é uma posse precária ou mera detenção. X) Numa tal situação, a posse dos Recorridos, em termos do direito de propriedade, apenas poderia ser fundada em inversão do título de posse, o que não foi sequer invocado. XI) Assim, nunca os Recorridos poderiam ter adquirido a parcela de terreno por usucapião, por falta de requisitos. XII) “As normas de natureza administrativa referentes ao loteamento urbano e ao destaque são imperativas, prosseguindo fins e interesses públicos relevantes”. XIII) “As regras do loteamento impõem-se quer ao loteador, quer aos adquirentes dos lotes, que não podem alegar o respetivo desconhecimento”. XIV) “A produção de efeitos da usucapião não poderá efectivar-se em caso de “disposição legal em contrário” XV) “Por violar disposições legais de carácter imperativo, não pode, considerar-se verificada a aquisição do direito de propriedade sobre uma parcela que envolva aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos em alvará de loteamento, sem que dos autos conste a prova de que «a alteração dos lotes é lícita face às normas imperativas que regem o procedimento e a execução do loteamento»” XVI) Desta forma, não pode haver usucapião da faixa de terreno pertencente aos recorrentes, que corresponde ao lote ..., por violação de normas de natureza imperativa. XVII) A douta decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 280º, 285º e 294º, todos do Código Civil.». Foram apresentadas contra-alegações, nas quais os réus pugnaram pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal). No caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões de recurso formuladas pelos recorrentes é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na decisão da matéria de facto e em errónea subsunção dos factos ao direito, ao ter concluído que os réus adquiriram a parcela de terreno em discussão por usucapião. * III. Fundamentação* 3.1. Fundamentação de facto Com interesse para a decisão relevam as incidências fáctico-processuais que se evidenciam no relatório supra e ter-se-á ainda em consideração a factualidade dada como provada e como não provada nos autos, nos seguintes termos: «a) Factos provados. 1- Pela Ap. ...09 de 2022/12/27, o Autor, no estado de casado com a Autora segundo o regime da comunhão de adquiridos, tem inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade do prédio urbano composto de parcela de terreno para construção, correspondente ao lote nº ..., sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...74/... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...83. 2- Por documento particular autenticado outorgado em 26 de Dezembro de 2022, no qual foram primeiros outorgantes JJ e mulher, KK, FF, LL, GG e mulher, MM, HH e marido, NN, e II e mulher, OO, e foi segundo outorgante o Autor, AA, pelos primeiros foi declarado vender ao segundo, que declarado aceitar, pelo preço de sessenta mil euros, o prédio referido em 1. 3- Pelo Alvará de Loteamento nº ...8, emitido em ../../1998, pela Câmara Municipal ..., foi licenciado, em nome de EE, o loteamento e as respectivas obras de urbanização a incidir sobre o prédio sito no lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18/... (parte) e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ...7, da respectiva freguesia, do qual faz parte o lote .... ...... Do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...90 foi desanexado o prédio urbano descrito na mesma conservatória sob o n.º ...04, composto por terreno para construção, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho .... 5- Pela Ap. ...98 foi desanexado do prédio referido em 4 o prédio referido em 1, correspondente a “Autorização de Loteamento” pelo Alvará de 32/98, de 22 de Julho. 6- Do loteamento referido em 3 faz parte o lote ..., aí descrito como “lote nº ..., com área de 776,70m 2, a confrontar do Norte com terreno sobrante (EE), do Sul com caminho público (separado por baia de estacionamento), Nascente com ... e do Poente com lote .... Este lote destina-se a um edifício com 2 pisos, para habitação unifamiliar, isolada. As áreas de implantação, construção e volume de construção, mínimos e máximos, incluindo o anexo são de 183,80m2/198,80m2, 333,80m2/363,80m2 e 977,74m3/968,84m3, respectivamente”, com a implantação que consta da planta que constitui o anexo 1 ao Alvará n.º ...8, junta aos autos com a Petição Inicial como “Doc. 3”, ref.ª ...57, fls. 10 do suporte físico. 7- O prédio referido em 1 consta da respectiva descrição predial e do Alvará Loteamento referido em 3 como tendo a área de 776,70 m2 e como confrontando, do Norte, com EE, do Sul, com caminho público, do Nascente, com ... e do Poente, com o lote .... 8- Os Autores, por si, com exclusão da faixa de terreno referida em 21, e por seus antecessores, sempre estiveram em poder do prédio referido em 1 por mais de 1 e 25 anos, contínua e ininterruptamente, com animo de verdadeiros proprietários, sem oposição de ninguém. 9- Pela Ap. ...39 de 2023/01/13, os Réus têm inscrita em seu nome no registo predial a aquisição da propriedade são do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, andar, dependência e logradouro, situado na rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28 e inscrito na respectiva matriz pelo art.º ...62. 10- Por documento particular autenticado outorgado em 12 de Janeiro de 2023, no qual foram primeiros outorgantes JJ e mulher, KK, FF, LL, GG e mulher, MM, HH e marido, NN, e II e mulher, OO, e foram segundos outorgantes os Réus, CC e DD, pelos primeiros foi declarado vender aos segundos, que declararam aceitar, pelo preço de € 150.000,00, o prédio referido em 9. 11- O prédio referido em 9 localiza-se a Norte do prédio referido em 1. 12- Ambos os prédios estavam por vedar. 13- Em Fevereiro de 2023, a Autora deslocou-se ao prédio referido em 1, acompanhada por um topógrafo, para proceder à delimitação do mesmo. 14- Tendo-se verificado que a quase totalidade de um tanque, de um anexo e parte de um poço se localizam dentro da área referida em 7. 15- Nessa altura, a Autora mulher falou com a Ré mulher, que se encontrava presente, alertando-a para esse facto. 16- A Autora disse, ainda, que esta teria que demolir o tanque, o anexo e recuar o poço. 17- A Ré comunicou que também iria vedar o seu prédio. 18- A Autora voltou a lembrar à Ré que deveria respeitar os limites do seu prédio, incluindo a ocupação indevida do tanque, do anexo e do poço. 19- Além disso, os Autores também comunicaram aos Réus, em 8 de Fevereiro de 2023, através do seu mandatário, que deveriam respeitar os limites do seu prédio. 20- No dia 11 de Fevereiro de 2023, os Réus vedaram o seu prédio, do lado Sul, com malha sol. 21- Com o referido em 20, os Réus vedaram uma faixa de terreno compreendida na área referida em 7, com 32 metros de comprimento por 1,50 metros de largura, num total de 48m2. 22- Incluindo a área ocupada pelo tanque, pelo anexo e pelo poço referidos em 14. 23- Os Autores estão impedidos de utilizarem esse trato de terreno. 24- Ao agir da forma descrita em 20 a 22, os Réus provocaram aos Autores desgosto, desânimo, angústia e tristeza. 25- O prédio referido em 9 consta da respectiva descrição predial e da legenda da planta referida em 6 como tendo a área total de 1.000m2. 26- Pela Ap. ...12 de 2022/10/28, foi inscrita no registo predial, em nome de JJ e mulher, KK, FF, LL, GG e mulher, MM, HH e marido, NN, e de II e mulher, OO, a aquisição da propriedade do prédio referido em 9, por sucessão hereditária de EE, pai daqueles, o qual, por sua vez, tinha inscrita em seu nome a aquisição da propriedade do mesmo pela Ap. ...5 de 1990/11/28. 27- Na data referida em 6, já existia edificada a casa mencionada em 9, bem como o anexo e o poço aludidos em 14 e um tanque. 28- Os Réus, por altura das negociações para aquisição do prédio referido em 9, solicitaram a JJ que procedesse ao levantamento topográfico desse prédio, pois este não se encontrava vedado e era intenção dos Réus fazê-lo logo que consumada a compra. 29- O que foi feito em Junho de 2022, ou seja, antes dos Autores e Réus comprarem os seus respetivos prédios. 30- Foram feitos três levantamentos topográficos: a) No primeiro, a área do prédio referido em 9 consta como sendo de 1000,00m2, sendo a extrema Sul afastada do tanque referido em 14, com possibilidade de o contornar pedonalmente; b) No segundo, a área do prédio referido em 9 consta como sendo de 977,00m2, sendo a extrema Sul junto ao limite do tanque referido em 14, sem possibilidade de o contornar; c) No terceiro, a área do prédio referido em 1 consta como sendo de 705,00m2, sendo a extrema Norte igual à representada no primeiro. 31- Os Réus vedaram o prédio referido em 9 pelo limite que consta do segundo levantamento topográfico referido em 30. 32- A água do poço referido em 14 serve apenas a casa referida em 9. 33- O poço, o tanque e o anexo referidos em 14 já existiam na data da referida em 2. 34- Na ocasião referida em 15 a Autora mulher disse que podiam juntar-se as duas, ela e a Ré, para instaurar acção no tribunal contra os vendedores dos prédios referidos em 1 e 9. 35- Neste seguimento, a Ré mulher referiu que nada iria fazer contra os vendedores do seu prédio. 36- O anexo e o poço referidos em 14 existem há mais de 10, 20 e 30 anos e o tanque há mais de 10 e 20 anos. 37- Os Autores nunca utilizaram a parcela referida em 21 nem o tanque, o poço ou o anexo referido em 14. 38- Os Réus, por si e antecessores, há mais de 10, 20 ou 30 anos usaram e fruíram quer da parcela referida em 21, quer das suas utilidades, bem como do anexo e do poço referidos em 14. 39- Os Réus, por si e antecessores, há mais de 10 ou 20 anos usaram e fruíram do tanque referido em 14. 40- O que fizeram à vista de todos, sem oposição de ninguém que não os Autores, na convicção de a ninguém prejudicarem. 41- Aproveitando da água do poço, habitando a casa de habitação, guardando coisas no anexo, aproveitando as utilidades do tanque. 42- Os Réus, quando receberam a citação para a presente demanda ficaram nervosos e inquietos. 43- Como consequência do referido em 42, os Réus passaram a dormir mal, o que lhes causa angústia e sofrimento. b) Factos não provados. Artigo 6.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “suportando os respectivos encargos, nomeadamente os de natureza fiscal (…) com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia de sua situação”. Artigo 11.º da Petição Inicial – “Os Autores pretendiam vedar o seu prédio”. Artigo 13.º da Petição Inicial – “Para isso, o topógrafo colocou estacas na extrema do prédio dos Autores, depois de conferir os limites do mesmo”. Artigo 34.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Os Autores sentiram-se humilhados e desrespeitados, pelos Réus”. Artigo 35.º da Petição Inicial – “Os Réus, bem sabiam, que não podia agir da forma descrita”. Artigo 31.º da Contestação – Na parte em que se diz “pela Ré mulher também foi referido na ocasião que não iria demolir nada, pois que por altura da compra lhe foi assegurado pelos vendedores, nomeadamente pelo JJ, que o tanque e o poço eram pertença do seu terreno”. Artigo 32.º da Contestação – Na parte em que se diz “Mais foi referido então pela Ré mulher que o terreno dela também não tinha os 1000m2 que vinham descritos nos documentos”. Artigo 33.º da Contestação – Na parte em que se diz “pois existia o levantamento topográfico que aqueles tinham feito e que era demonstrativo das extremas de cada um dos prédios”. Artigo 34.º da Contestação “Confrontada com esta informação, a Autora mulher referiu que só existia uma única solução e que era: a. Ou os Réus vedavam o terreno e os Autores instauravam acção no Tribunal; b. Ou os Autores deitavam abaixo o tanque e o poço, vedando o terreno até perfazer os 776,50m2 e os Réus instauravam acção no Tribunal contra eles”. Artigo 59.º da Contestação – Na parte em que se diz “e o pagamento dos respectivos impostos”. Artigo 73.º da Contestação – Na parte em que se diz “os Réus (…) gozam de uma boa imagem perante a vizinhança”. Artigo 74.º da Contestação – Na parte em que se diz “sentindo-se profundamente nervosos, humilhados e envergonhados pelo facto de dizerem que estão a ocupar abusivamente uma parcela de terreno que não lhes pertence, como quisessem significar que estão a tentar “esbulhar” coisa que não lhes pertence”. Artigo 75.º da Contestação – Na parte em que se diz “a comer mal e a lembrarem-se constantemente destes factos (…) dor”.». * 3.2. Fundamentação de direito3.2.1. Da impugnação da matéria de facto Como decorre do acima exposto, os recorrentes vieram impugnar a decisão da matéria de facto, invocando ter o tribunal a quo incorrido em erro de julgamento quanto aos pontos 8. e 40. do elenco dos factos provados. A modificação da decisão de facto não só é legalmente permitida, como é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão (art.º 662º, nº 1 do NCPC). De todo o modo, impugnando a decisão da matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição (vide, art.º 640º, nº 1 do NCPC): “a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. No caso de prova gravada, incumbe ainda ao recorrente [vide nº 2, al. a) deste art.º 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. No caso vertente, os recorrentes cumpriram adequadamente os identificados ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Assim - sendo de admitir a impugnação da matéria de facto -, a Relação pode e deve reapreciar a prova que se lhe afigurar pertinente para decidir da concreta pretensão recursória e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (excepto, como é evidente, se se tratar de uma situação que contenda com a apreciação de prova vinculada). Com efeito, tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do CC e 607º, nos 4 e 5 e ainda 466º, nº 3 (quanto às declarações de parte) do NCPC], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Mas uma vez que o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância e quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto (cfr. ac. da RL de 5.12.2024, processo nº 559/20.6T8LSB.L1, acessível in www.dgsi.pt). Por fim, é de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide, art.º 607º, nº 4 do NCPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram. Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos art.ºs 414º do NCPC e 346º do CC. Isto posto, passemos então a apreciar os motivos da discordância dos recorrentes quanto à decisão da matéria de facto. Vejamos. Insurgem-se os recorrentes contra a decisão proferida pelo tribunal a quo no respeita aos pontos 8 e 40 do elenco dos factos provados, mormente, na parte atinente ao período temporal e às características dos actos materiais praticados pelos réus/recorridos sobre a parcela de terreno de terreno em questão nos autos e a intenção dominial subjacente a tal prática; alegando, em suma, que todas as testemunhas dos recorridos não souberam esclarecer a que prédio ficou a pertencer a referida parcela de terreno – onde se integra um poço e um tanque –, após a operação de loteamento. Procuraram ainda descredibilizar o depoimento das testemunhas FF, GG, HH e II, quando afirmaram que foi demolido um tanque que existia, antes do loteamento, por estar situado no prédio dos autores/recorrentes, e que foi construído um novo tanque; dizendo serem contrárias às regras da experiência e do normal acontecer tais declarações, dado que o suposto novo tanque continuou a situar-se na área abrangida pelo lote dos autores/recorrentes. Porém, perscrutados os depoimentos prestados na audiência final - nomeadamente, os identificados nas alegações de recurso e aí parcialmente transcritos - e analisados os mesmos à luz da prova pericial e documental coligida nos presentes autos, afigura-se-nos que o tribunal recorrido apreciou adequada e criteriosamente os referidos elementos probatórios, não se vislumbrando ocorrer qualquer razão substancial para divergir do decidido em 1ª instância. Com efeito, e muito embora as referidas testemunhas não tenham sabido esclarecer qual a área atribuída a cada um dos prédios em consequência do processo de loteamento – e consequentemente se a área atribuída ao lote ... abrangia ou não a parcela em questão -, a verdade é que não tiveram dúvidas em afirmar que a dita parcela de terreno foi sempre utilizada como parte integrante do logradouro do prédio urbano ora pertencente aos réus. Bem como nenhuma das testemunhas teve qualquer escrúpulo em asseverar que a água do poço situado em parte no dito trato de terreno sempre serviu a casa de habitação do prédio dos réus. Aliás, esta circunstância, a nosso ver, explica a construção pelos anteriores proprietários de um novo tanque mais ou menos no enfiamento de tal poço (cfr. ponto 14 do elenco dos factos provados e registos fotográficos juntos aos presentes autos com os articulados). Os antecessores dos réus mudaram o tanque para aquele local – nas imediações do poço – porquanto estariam convictos que o faziam para área abrangida pelo prédio que, entretanto, foi adquirido pelos réus, aqui recorridos. Isso mesmo é o que o ressuma da motivação da sentença recorrida, na qual a este propósito, pode ler-se o seguinte: “Apreciando criticamente o conjunto da prova, afigura-se que os depoimentos das testemunhas JJ, GG, HH e II, bem como as declarações de parte da Autora, permitiram, conjugados com o levantamento topográfico junto aos autos pelos Autores com o requerimento com a ref.ª ...53, de 20.03.2023, acima referido em II), v), e junto a fls. 28v.º do suporte físico, permitiu a demonstração da matéria vertida nos pontos 8, 13 e 14 dos Factos Provados. Veja-se, neste sentido, que as testemunhas GG, HH e II relatam a utilização, pelos seus pais, do terreno que dizem corresponder ao lote vendidos aos Autores, explicando que aí existiu um tanque que, na ocasião do loteamento, foi demolido – tudo traduzindo o exercício de poderes de facto sobre essa parcela de terreno. Por sua vez a testemunha JJ relata que foi ao terreno com os Autores e indicou onde se localizava a parcela de terreno que diz corresponder ao lote que lhes foi vendido. E a Autora relata ainda, em termos que são corroborados pelo documento acima referido, que, após a compra, em Fevereiro de 2023, se deslocou ao prédio e procedeu à sua medição. O que corresponde, por um lado e como melhor se verá em sede de fundamentação jurídica, à tradição da coisa e, por outro lado, ao início do exercício de poderes de facto sobre a mesma por parte dos Autores. (…) Acresce que, em face dos depoimentos das testemunhas JJ, FF, LL, GG, HH e II, impõe-se concluir que a parcela referida no ponto 21 não pode ser incluída no âmbito da tradição material da coisa ou do exercício de poderes de facto por parte dos Autores, razão pela qual se efectuou a restrição que consta da parte final do ponto 8 dos Factos Provados. Desde logo, a testemunha JJ relata uma deslocação ao terreno com os Autores, na qual lhes disse que o terreno objecto da venda a estes era “da cabine do poço para cima”, excluindo, por isso, a faixa de terreno em questão. Embora se constatem algumas fragilidades neste depoimento – sendo a maior dessas fragilidades a falta de memória no que se refere à realização, relativamente recente, dos levantamentos topográficos juntos pelos Réus –, certo é que as testemunhas FF, LL, GG, HH e II relatam que o poço, o tanque e o anexo existentes na faixa de terreno em questão sempre serviram a casa construída no terreno vendido aos Réus, referindo as três últimas que, inclusivamente, aquando do loteamento, foi demolido um tanque que se situava no lote a fim de construir outro tanque mais próximo da casa. No mesmo sentido, veja-se que a Autora, em depoimento e declarações de parte, reconheceu que o poço apenas fornece água para a casa adquirida pelos Réus, mais referindo que só constatou que o mesmo e, bem assim, o tanque e o anexo se situavam dentro da área do lote que comprou depois de ter sido realizado o levantamento topográfico acima referido, daí resultando que nunca utilizou essas construções, que também reconhece já existirem aquando da compra do aludido lote. Pelas razões acima referidas, resultou também demonstrado o que consta dos pontos 32, 33 e 37 dos Factos Provados – que não são contrariados pelo Autor, no seu depoimento, na medida em que o mesmo confirmou a pré-existência do tanque e do poço e admitiu como possível que os mesmos sirvam a casa aí referida. (…) Os depoimentos das testemunhas JJ, FF, LL, GG, HH e II permitiram a demonstração da matéria vertida nos pontos 27 e 36 dos Factos Provados, bem como o que consta dos pontos 38 a 41, na parte em que se refere ao aproveitamento das construções aí referidas pelos antecessores dos Réus, todos relatando que as mesmas serviam a casa que foi comprada por estes, explicando as três últimas testemunhas que o tanque actualmente existente foi construído após a demolição, na ocasião do loteamento, de um tanque mais antigo. (…) Os Réus relataram a matéria referida nos pontos 38 a 41 dos Factos Provados, na parte que a si respeita, em termos que são coerentes com a restante matéria de facto provada, mormente quanto à circunstância de as construções aí referidas servirem a casa pelos mesmos adquirida, como foi relatado pelas JJ, FF, LL, GG, HH e II – e confessada pela Autora, no que se refere ao poço –, nunca tendo sido utilizadas pelos Autores, tal como a parcela em litígio, e terem todas sido por aqueles vedadas, nos termos que resultam das fotografias juntas aos autos com o requerimento com a ref.ª ...53, de 20.03.2023, acima referidas em II), iv), intituladas “Docs. 17 e 18” e correspondentes a fls. 27v.º e 28 do suporte físico. De resto, como melhor se verá em sede de fundamentação jurídica, a realização pelos antepossuidores, antes da venda, de um levantamento topográfico, nos termos que constam dos pontos 28 a 30 dos Factos Provados, e a posterior vedação, pelos compradores, aqui Réus, da área representada, permite considerar verificada tradição simbólica da coisa.”. Tudo visto, não podemos, pois, deixar de aderir à apreciação que o tribunal recorrido efectuou da assinalada prova testemunhal, sendo esta inequivocamente justificativa da factualidade ora em apreço, designadamente, quanto à intenção dominial com que os réus e seus antecessores sempre agiram sobre o trato de terreno objecto da disputa entre as partes. Importa ainda colocar em evidência que os depoimentos das supra aludidas testemunhas em nada de relevante foram contrariados pela prova pericial e documental produzida nos autos. Veja-se que, conforme resulta dos documentos nºs 3 e 4 juntos com a petição inicial, para além do poço e do tanque não se encontrarem assinalados na planta anexa ao processo de loteamento, neste encontra-se assinalado que o terreno sobrante após a constituição dos lotes – terreno sobrante esse que corresponde ao prédio dos réus - teria a área de 1.000m2 e não apenas a área de 977m2 que os réus efectivamente ocupam, desde que vedaram o prédio. Por outro lado, visto o relatório pericial constante dos autos, verifica-se que à questão: “É o próprio loteamento que determina que essa faixa faz parte do lote dos Autores?”, os peritos responderam, por unanimidade: “Não. No entanto, para que o lote nº ... possua a área registada de 776,50m2 e considerando que face à materialização física dos limites por muros de vedação do lote ... e o prédio confrontante a nascente a área em falta apenas poderia ser obtida pela “ocupação” de 48m2 da parcela doa Ré (correspondendo a uma faixa de 32mx1,5m de terreno)”. Ou seja, dos elementos probatórios ora descritos retira-se que a área que ficou balizada no processo de loteamento, quer para o lote ..., quer para o prédio dos réus (como parte sobrante do loteamento), não tem correspondência na materialidade física do local, tendo certamente ocorrido erro nas medições efectuadas à época. Na realidade, a área existente é insuficiente para delimitar ambos os prédios em obediência ao que ali ficou definido. Destarte, e porquanto os prédios ficaram por vedar, acabou o trato de terreno em discussão por ser sempre utilizado, como já vimos, como parte integrante do prédio que actualmente pertence aos réus, desde logo em face da localização do poço que sempre serviu a casa de habitação. Entendemos, pois, que o Sr. Juiz a quo fundamentou a sua decisão da matéria de facto provada (e não provada) de forma rigorosa, bem sistematizada, não contornando as questões que se colocavam, invocando sempre com ponderação as regras da experiência comum e o juízo lógico-dedutivo. Todas as observações feitas aos depoimentos prestados e à prova documental coligida nos autos são, pois, pertinentes e em sintonia com as regras da lógica e da experiência comum. Não esqueçamos, ainda, que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida, sendo certo que o Sr. Juiz a quo – ao contrário do que afirmam os recorrentes - conjugou bem a avaliação global da prova produzida com recurso a deduções, regras da experiência e juízos de bom senso e racionalidade. Afigura-se-nos, por isso, não existirem motivos que justifiquem a alteração requerida pelos recorrentes, devendo manter-se as respostas dadas aos referidos pontos da matéria de facto provada. Ou seja, a matéria de facto em definitivo julgada provada e não provada é a atrás enunciada. Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto [conclusões de recurso I) a VI)]. * 3.2.2. Da reapreciação da decisão de direito A presente acção tem por objecto aferir do direito de propriedade sobre determinado trato de terreno (e se o mesmo se integra no prédio dos apelantes ou no prédio dos apelados). O tribunal recorrido concluiu que a parcela de terreno em discussão faz parte integrante do prédio dos réus, por ter sido adquirida por estes através do instituto da usucapião. Os recorrentes começaram por invocar que o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento no respeita ao decidido quanto ao direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão, em virtude de errada apreciação da prova e julgamento da matéria de facto. Neste conspecto, a alteração da decisão jurídica no sentido pretendido pelos recorrentes pressupunha, em primeira linha, a alteração da decisão de facto [cfr. conclusão VII)], pelo que, não tendo procedido a sua pretensão de ver alterada a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, teria de se manter, em princípio, a decisão por este proferida. Ainda assim, importa apreciar se deve manter a decisão jurídica da causa, pois, os apelantes vieram ainda defender no recurso que a aquisição da aludida parcela de terreno por usucapião nunca poderia proceder a) por não estarem reunidos os respectivos requisitos e b) por ser violadora de regras imperativas relativas ao loteamento urbano. Vejamos, então. a) Como é sabido, a usucapião mais não é do que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, desde que se revista de determinadas características e durante certo período temporal – cfr. art.º 1287º do CC. Na verdade, a usucapião tem em vista a resolução do conflito de interesses que surge entre o titular inerte do direito de propriedade, que dispõe apenas de um poder jurídico simples (ou tão só formal-jurídico), porque desprovido da correspondente posse (causal) – e o sujeito activo – ou seja, o possuidor formal ou autónomo e acima de tudo, satisfazer a exigência de que, após um certo lapso de tempo, a situação de direito se adeque à situação de facto, que a posse é de harmonia com o «ordo ordinatus querido pela lei», assim se visando almejar a «ordenação dominial definitiva», ou seja que se conjuguem na mesma pessoa a titularidade do direito (maxime de propriedade) e a correlativa posse causal, com a disponibilidade fáctica ou empírica que a caracteriza como «faculdade jurídica secundária» englobada no conteúdo desse direito, consagrando-se a posse como um caminho para a autêntica dominialidade, assim acabando com a indesejada discrepância entre o direito real, v.g. de propriedade e o poder de facto a que o mesmo tende, que por vezes pode ser conflituosa – neste sentido, veja-se Vassalo de Abreu, Titularidade Registral Do Direito De Propriedade Imobiliária Versus Usucapião (“Adverse Possession”), Coimbra Editora, Março de 2013, p. 145 a 147. Assim, a posse, nos termos do art.º 1251º do CC é o poder que se manifesta (exercício de poderes de facto) sobre uma coisa, em termos equivalentes ao direito de propriedade ou de outro direito real, traduzindo-se no corpus: elemento material, que mais não é do que a assunção de poderes de facto sobre a coisa e no animus: o exercício de tais poderes de facto como titular do respectivo direito de propriedade ou de outro direito real. O nosso Código Civil, consagrou uma concepção subjectiva da posse, no sentido de que não basta o exercício de poderes de facto, de dominialidade sobre a coisa, exige-se, também, a intenção de os exercer pela forma correspondente à do direito real invocado. A usucapião traduz-se numa forma originária de aquisição do direito, ou seja, em que o titular recebe o seu direito independentemente do direito do anterior titular, pelo que para a mesma poder ser eficaz necessário se torna avaliar se existem actos de posse e se os mesmos foram exercidos em moldes conducentes à aquisição do direito, isto é com a intenção de corresponder ao direito real invocado, no caso, o direito de propriedade, durante um certo lapso de tempo e com determinadas características. No que às características da posse tange, de acordo com o disposto nos art.ºs 1258º a 1262º, do CC, pode a mesma ser titulada/não titulada, de boa ou má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, o que tem relevância para a quantificação do prazo reputado de suficiente para que se verifique a usucapião – cfr. art.ºs 1294º a 1296º, CC, sendo que o prazo para que a usucapião se possa iniciar não se conta enquanto permanecer uma situação de posse violenta ou tomada ocultamente – cfr. o art.º 1297º do CC. Pois bem, revisitada a factualidade dada como provada, dúvidas não restam que neste caso estão plenamente demonstrados actos de posse (actos materiais característicos do direito de propriedade) por parte dos réus e antepossuidores sobre a parcela de terreno em causa, por período superior a 20 anos. Convém dizer que tal posse que os réus e antepossuidores vêm exercendo é feita à vista de toda a gente, realizando actos materiais aparentes e observáveis, o que significa que essa posse é exercida publicamente (art.º 1262º do CC). E também há que referir que ela foi adquirida e é exercida sem violência, pelo que se tem de considerar a posse como sendo exercida de forma pacífica (art.º 1261º, do CC) e por tempo mais que suficiente para, nos termos do art.º 1296º, do CC, os réus poderem usucapir. Aqui chegados, temos, contudo, de nos debruçar sobre a questão colocada pelos autores/recorrentes, ou seja, a da (im)possibilidade de os réus adquirirem, por usucapião, o direito de propriedade sobre a parcela em questão por se tratarem de meros detentores ou possuidores precários. Também aqui claudica a argumentação dos apelantes. Da matéria de facto que vem dada como assente, colhe-se que o propalado trato de terreno, há mais de 10, 20 e 30 anos, vem sendo utilizado e fruído pelos réus e pelos anteriores possuidores do prédio urbano entretanto adquirido pelos réus, fazendo-o de forma contínua e repetida, à luz do dia (ou seja, à vista de todos), ignorando estarem a lesar o direito de outrem. Deste modo, esse poder de facto sobre a dita parcela, exercido quer antes, quer após a operação de loteamento (aprovada em 1998), pelos anteriores proprietários e depois pelos réus, não pode haver-se como mera posse precária ou detenção. É verdade que, por força do disposto no art.º 1253º, deve qualificar-se como simples detenção (e não como posse) todo o poder de facto que se exerça sobre as coisas sem o dito animus possidendi. Porém, sendo necessário o corpus e o animus possidendi, o exercício daquele faz presumir a existência deste (art.º 1252º, nº 2 CC). O animus é inferível. Exprime-se pelo poder de facto. A intenção de domínio não tem de explicitar-se e muito menos por palavras. O que importa é que se infira do próprio modo de actuação ou de utilização, doutrina da qual o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de uniformização de jurisprudência, de 14.05.96 (publicado no DR II SÉRIE de 24.06.1996), fez aplicação, ao extrair a seguinte conclusão: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre a coisa”. Assim sendo, para efeito de haver posse usucapiente, bastava apenas aos réus demonstrar que exercem o poder de facto sobre a coisa de forma pública e pacífica e durante o prazo necessário para a aquisição da propriedade por usucapião, cumprindo aos autores ilidir a presunção decorrente do exercício do poder de facto sobre a parcela, ou seja, demonstrar que, não obstante a prática de diversos actos materiais sobre a parcela que ocupam e sobre as construções nela existentes, nunca os réus (ou antepossuidores) agiram ou se consideraram como donos ou proprietários, mas sim como utilizadores precários. Com efeito, “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (art.º 350º, nº 1 do CC), ou seja, “havendo uma presunção legal, provar o facto que serve de base à presunção equivale a provar o facto presumido. Por conseguinte, sempre que haja uma presunção legal a favor da pretensão de alguma das partes em litígio, incumbe a essa parte apenas alegar e provar o facto que serve de base à presunção. À contraparte compete, para destruir a prova feita através da presunção, fazer a prova do contrário. (a) – ou do facto que serve de base à presunção (legal); (b) – ou do próprio facto presumido.” (vide, Antunes Varela, RLJ, nº 122, p. 217/218, citado no ac. do STJ de 19.06.2014, processo nº 7363/07.5TBSTB.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt e que aqui seguimos de perto). No caso, tendo ficado demonstrado que foram os réus e os antepossuidores que praticaram actos materiais característicos do direito de propriedade sobre a aludida parcela, presume-se o animus possidendi, ou seja, que agiram com a intenção de agir como titulares do direito correspondente aos actos realizados, como titulares do direito de propriedade sobre a dita parcela. Nesta conformidade, no caso, os requisitos da usucapião mostram inequivocamente provados, como flui da matéria de facto acima enunciada. Improcedem, assim e também, os argumentos recursórios vertidos nas conclusões VIII a XI. b) Vieram, por fim, os recorrentes defender que, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, no caso, não pode ser reconhecida a aquisição da discutida faixa de terreno por usucapião, por contender com normas de natureza imperativa, mormente as previstas no regime legal do urbanismo e dos loteamentos urbanos. Para a resolução e melhor enquadramento desta questão cumpre, pois, começar por analisar, ainda que brevemente, tal regime. E com vista a alcançar tal desiderato, julgamos que se justifica que nos detenhamos no ac. do STJ de 5.05.2016 (proferido no processo nº 5562/09.4TBVNG.P2.S1 e acessível in www.dgsi.pt), na parte em que disserta sobre a evolução do regime legal do urbanismo e dos loteamentos urbanos no nosso ordenamento jurídico e a conjugação de tal regime com as normas relativas à aquisição da propriedade por usucapião e que passamos a transcrever: «Coexistem no nosso ordenamento jurídico disposições de natureza jurídico-administrativa – de direito público – que disciplinam o ordenamento do território e condicionam a utilização dos solos, estendendo-se os seus efeitos, em muitos casos, aos actos e negócios jurídicos que os particulares praticam relativamente a bens imóveis. Tais normas integram o denominado Direito do Urbanismo, entendido, em sentido lato, como o “conjunto de normas e de institutos respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo”, o qual, apesar de recente, tem vindo já desde há algum tempo a ser reconhecido, por alguns como um ramo autónomo do direito e, maioritariamente, como uma área especial do direito administrativo – FERNANDO ALVES CORREIA, in Manual do Direito do Urbanismo, I, 2006, pp. 58 e 63, sendo certo que este direito se mostra constitucionalmente reconhecido, embora sujeito a restrições impostas pelo princípio da igualdade (artigos 9.º, 13.º, 62.º, 65.º, n.º 2, 66.º, 82.º, n.º 1, 83.º, 165.º, n.º 1 al. z, 227.º, al. b) e 266.º, n.º 2, da CRP). A nível infra-constitucional esta função pública do urbanismo está devidamente reflectida, prevendo a anterior Lei de Bases da Política do Ordenamento do Território e de Urbanismo o dever do Estado de ordenar o território (artigo 4.º da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto), o que está igualmente consagrado na actual Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio). Constituem, assim, fins da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, designadamente, “racionalizar, reabilitar e modernizar os centros urbanos, os aglomerados rurais e a coerência dos sistemas em que se inserem” (artigo 2.º, alínea d) da citada Lei), o que deve ser feito subordinando as políticas públicas e as actuações administrativas a princípios gerais como o “da concertação e contratualização entre interesses públicos e privados” (artigo 3.º, n.º 1, alínea h) do mesmo diploma). No que importa aos direitos dos particulares, e em concreto, a propósito da conciliação entre estes e as políticas de ordenamento do território, prevê o artigo 4.º, n.º 2 da actual Lei de Bases, que: “o direito de propriedade privada e os demais direitos relativos ao solo são ponderados e conformados no quadro das relações jurídicas de ordenamento do território e de urbanismo, com princípios e valores constitucionais protegidos, nomeadamente nos domínios da defesa nacional, do ambiente, da cultura e do património cultural, da paisagem, da saúde pública, da educação, da habitação, da qualidade de vida e do desenvolvimento económico e social.”. A actuação da Administração realiza-se através da emissão de normas que determinam os tipos ou modalidades de utilização dos solos as quais podem ter como fonte a lei ou planos territoriais, também designados de instrumentos de gestão territorial, de âmbito intermunicipal ou municipal em vigor e em conformidade com a respectiva classificação e qualificação (artigo 9.º da Lei n.º 31/2014, de 30-05). Um dos principais instrumentos de que o legislador se tem servido para conformar e conjugar estes dois interesses – públicos e privados – tem sido desde há muitos anos a legislação sobre loteamentos urbanos. A primeira regulamentação global dos loteamentos urbanos ocorreu com a publicação do Decreto-Lei n.º 46.673, de 29-11-1965, vigorando anteriormente, apesar de algumas medidas esparsas que procuraram evitar a desorganizada ocupação urbanística do solo, um regime de liberdade – cfr. JOSÉ OSVALDO GOMES, Manual dos Loteamentos Urbanos, 2.ª Edição, Coimbra, 1983, p. 37. No respectivo preâmbulo o legislador salienta o seu propósito de impedir o aproveitamento indiscriminado de terrenos para a construção urbana e evitar a criação de núcleos habitacionais contrários ao racional desenvolvimento urbano do território. Nos termos e para os efeitos desse diploma, entendia-se por loteamento urbano a “operação ou o resultado da operação que tenha por objecto ou tenha tido por efeito a divisão em lotes de um ou vários prédios fundiários, situados em zonas urbanas ou rurais, para venda ou locação simultânea ou sucessiva, e destinados à construção de habitações ou de estabelecimentos comerciais ou industriais.” (artigo 1.º). A partir do inicio da vigência do Decreto-Lei n.º 46.673, o loteamento urbano passou a estar sujeito a licenciamento municipal prévio, sendo a respectiva licença titulada por alvará, estipulando-se, desde logo, que qualquer forma de anúncio de venda, venda ou promessa de venda de terrenos, com ou sem construção, só poderia efectuar-se depois de obtida a respectiva licença e desde que observados os condicionamentos nela estabelecidos (artigos 2.º, 6.º e 10.º). A propósito desta última disposição entendia a doutrina, em contraposição do que era entendimento da Direcção-Geral dos Registos e Notariado, que o carácter proibitivo do artigo 10.º implicava a nulidade de qualquer venda ou promessa de venda de terrenos sem que fossem observadas as disposições relativas às operações de loteamento urbano por efeito do disposto nos artigos 280.º, 285.º e 294.º do Código Civil – cfr. JOSÉ OSVALDO GOMES, ob. cit., pp. 459 e ss. Saliente-se, porém, que, relativamente, a este diploma o STJ proferiu um Assento publicado no DR, 1.ª Série, n.º 250/1987, de 30.10.87 que estabeleceu a seguinte doutrina: “A falta de licença de loteamento não determina a nulidade dos contratos de compra e venda de terrenos com ou sem construção compreendidos no loteamento”. O regime acabado de expor foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, que revogou tacitamente o diploma anterior, reconhecendo-se no respectivo preâmbulo que as normas então publicadas não lograram o acréscimo de eficiência pretendido, tendo-se assistido mesmo a uma deterioração, resultante do desenvolvimento urbanístico, em especial nas grandes áreas urbanas, devido aos loteamentos clandestinos. Neste diploma alargou-se o conceito de loteamento urbano, de modo a abranger todas as situações que, embora não se concretizando através de contratos de venda ou de divisão de lotes, logravam, na prática, os mesmos efeitos (artigo 1.º), impondo, em qualquer dos casos, o respectivo licenciamento. Em simultâneo, cominou-se, expressamente, com o vício da nulidade os títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como os instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por operações de loteamento urbanos, que não indicassem o número e data de alvará em vigor (artigo 27.º, n.º 1 e 2), acrescendo à referida nulidade dos actos a inadmissibilidade de registo e diversas outras sanções. A respeito da mencionada nulidade gerou-se acesa polémica a propósito da validade da promessa de venda de um terreno nas condições subsumíveis ao referido diploma. Ainda aqui, por Assento de 19-11-1987, deliberou o STJ que: “Na vigência do Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho, é valido o contrato-promessa de compra e venda de terreno compreendido em loteamento sem alvará, a menos que no momento da celebração desse contrato haja impossibilidade de obtenção do alvará, por haver lei, regulamento ou acto administrativo impeditivo da sua emissão.” O Decreto-Lei n.º 289/73, de 6 de Junho foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, que procedeu à actualização do regime jurídico dos loteamentos urbanos, definindo as atribuições da administração central e local. De acordo com este diploma ficaram sujeitas a licenciamento municipal, designadamente, “as acções que tenham por objecto ou simplesmente tenham por efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, destinados, imediata ou subsequentemente, à construção” (artigo 1.º, n.º 1, alínea a), estando as mesmas condicionadas a uma operação de loteamento a aprovar pela Câmara Municipal competente (artigo 1.º, n.º 3). O licenciamento das operações de loteamento continuou a ser titulado por alvará que especifique as condições e elementos do licenciamento (artigo 47.º), mantendo-se, igualmente, a proibição relativa a operações de loteamento e a celebração de quaisquer negócios jurídicos relativos a terrenos, com ou sem construção, abrangidos por tais operações, sem que seja obtido o respectivo alvará, sendo obrigatória a menção nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais a referência à data do alvará de loteamento, sob pena da sua nulidade e proibição de registo (artigos 57.º, n.º 1 e 60.º). Diferentemente, o mesmo diploma não considera operação de loteamento, e, por isso, não impõe o respectivo licenciamento, a celebração de negócio jurídico que tenha como efeito a transmissão, através do seu destaque, de uma única parcela do prédio inscrito ou participado na matriz (artigo 2.º, n.º 1). Mas esse destaque, só está dispensado de licenciamento (alíneas do n.º 1 do mencionado artigo 2.º) “desde que, cumulativamente: a) O prédio se situe dentro do aglomerado urbano; b) A parcela a destacar confronte com arruamento público existente; c) O interessado disponha de projecto para a construção de edifício com o máximo de 2 fogos, a erigir na parcela a destacar, aprovado pela câmara municipal; d) A licença de construção expressamente mencione as situações referidas nas alíneas a) e b).” Foi depois publicado o Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29-11, que revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 400/84, de 31-12, procedendo a uma simplificação das formas de processo de loteamento até aí existente. Na sua vigência, manteve-se idêntico o regime referente às operações de loteamento urbano e ao destaque, não tendo as normas relevantes a esse propósito sido modificadas pela Lei n.º 25/92, de 31-08, pelo Decreto-Lei n.º 302/94, de 19-12, nem pelo Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro, que procedeu à republicação integral do referido Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos (RJLU). Nessa medida, manteve-se, no essencial, a definição do que se entende por operação de loteamento e a obrigatoriedade da sua sujeição a licenciamento municipal (artigos 1.º e 3.º, alínea a)), bem como a cominação com a sanção de nulidade dos actos jurídicos praticados em violação dessas disposições, incluindo, os títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como os instrumentos notariais relativos a actos e negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, essa divisão em lotes, sem a menção ao número e data do alvará (artigos 53.º, n.º 1 e 56.º, n.º 3). Em relação ao destaque de que resulte uma única parcela manteve-se a exclusão da necessidade de sujeição a licenciamento municipal, distinguindo-se, contudo, as condições para tal dispensa consoante a parcela destacada se situe ou não em aglomerados urbanos e em áreas urbanas (artigo 5.º). Assim, no primeiro caso, será suficiente para tal dispensa que sejam cumpridas “as seguintes condições: a) Do destaque não resultem mais de duas parcelas que confrontem com arruamentos públicos; b) A construção a erigir na parcela a destacar disponha de projecto aprovado pela câmara municipal”. Finalmente, este regime foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16- de Dezembro (em vigor desde 02-10-2001), que aprovou o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), diploma que já foi objecto de várias alterações. Nos termos da regulamentação originalmente aprovada, a realização de operações urbanísticas dependia de prévia licença ou autorização administrativas, distinguindo-se entre operações de loteamento em área não abrangida por plano de pormenor em que é exigida licença administrativa e operações de loteamento em área abrangida por plano de pormenor em que é suficiente a autorização administrativa (artigo 4.º, n.º 1, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea a)). No que se refere ao destaque o regime então aprovado (artigo 6.º, n.º 4) não era muito diferente do precedente, isentando-se “de licença ou autorização os actos que tenham por efeito o destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano, desde que cumpram, cumulativamente, as seguintes condições: a) As parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos; b) A construção erigida ou a erigir na parcela a destacar disponha de projecto aprovado quando exigível no momento da construção.” Contudo, a referida isenção não dispensava a realização das operações urbanísticas nele previstas das normas legais e regulamentares aplicáveis, designadamente as constantes de plano municipal e plano especial de ordenamento do território e as normas técnicas de construção (artigo 6.º, n.º 8). Manteve-se, em todo o caso, a obrigação de nos títulos de arrematação ou outros documentos judiciais, bem como nos instrumentos notariais relativos a actos ou negócios jurídicos de que resulte, directa ou indirectamente, a constituição de lotes, constar o número do alvará e a data da sua emissão (artigo 49.º). A versão actualmente em vigor do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (com a redacção do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) procedeu a uma distinção entre operações urbanísticas sujeitas a licença administrativa, a comunicação prévia ou a autorização de utilização. Neste sentido, sujeita as operações de loteamento a licença administrativa, enquanto o destaque, desde que reunidas condições semelhantes às supra referidas, passou a estar isento de controlo prévio, sem prejuízo da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis, como sejam as constantes de planos municipais e intermunicipais ou especiais de ordenamento do território (artigo 4.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 1, alínea d) e n.º 8). Fazendo uma síntese, e na esteira do que tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça, o que de mais saliente se pode extrair destas normas legais é a natureza imperativa, não meramente dispositiva dos comandos que as integram. Natureza imperativa que bem se compreende, considerando os fins públicos que a entidade licenciadora prossegue nesta matéria. A relevância das operações de loteamento, das obras de urbanização e o seu reflexo público e social explica a preocupação do legislador nesta matéria. E se bem se reparar as modificações operadas nas leis têm sido sempre no mesmo sentido: por um lado, simplificar e tornar mais claros e céleres os procedimentos a adoptar; por outro, garantir o justo e criterioso equilíbrio entre o interesse individual do proprietário que quer lotear e o dos terceiros que são afectados pela operação, arbitrado pelo município no interesse geral (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-1-2004- 03A3043). A conjugação destas normas de natureza administrativa referentes ao loteamento urbano e ao destaque com as disposições do Código Civil a respeito da usucapião não tem sido pacífica na doutrina. Assim, pode descortinar-se uma tendência que pugna pela irrelevância das referidas disposições, face à natureza originária da aquisição da propriedade (ou de outros direitos reais menores) que decorre do instituto da usucapião. Sustenta-se, para tanto, que a posse é “agnóstica”, não sendo legítimo ou curial distinguir entre posse “justa ou injusta”, consoante exista, ou não, justa causa possessionis, sendo, pois, indiferente o que quer que historicamente estiver para trás dessa posse (cfr. DURVAL FERREIRA, apud “Posse e Usucapião – Loteamentos e Destaques Clandestinos”, in Scientia Juridica, Tomo LII, n.º 295, Janeiro/Abril 2003, p. 100 e ss, sendo este artigo praticamente reproduzido pelo mesmo autor in Posse e Usucapião, 3.ª Edição, pp. 525 e ss). Nesse sentido, no confronto entre o interesse público que as leis referentes ao destaque e ao loteamento visam satisfazer e o interesse público que também é a razão de ser da posse e da usucapião – na medida em que conferem certeza à existência de direitos sobre as coisas e respectiva titularidade –, será de atender a este último, sendo imputável à Administração o facto de não ter actuado atempada e preventivamente por forma a impedir a consolidação de uma situação prejudicial ao ordenamento do território: “dormientibus non sucurrit jus” – DURVAL FERREIRA, ob. cit., p. 102. Defende-se, aí, pois, que, face ao direito constituído, seria violar o conteúdo normativo da usucapião, a sua norma, ajuizar-se sequer que a sua invocação ao abrigo do artigo 1287.º e ss. do Código Civil ou da posse que a causa, possa ser ilícita ou nula, justa ou injusta, ou que contrarie disposições de carácter imperativo, a ordem pública ou os bons costumes, inexistindo norma excepcional que estabeleça, precisamente, que certa e determinada posse não conduz à usucapião. Daí que a questão apenas possa ser levantada de jure constituendo, não contendo os diplomas legais sobre loteamentos, destaques ou fraccionamento de prédios rústicos qualquer disposição que, «“no plano do senhorio de facto”, da realidade empírica, exclua a sua existência ou relevância perante os preceitos legais e normativos (do direito constituído) da posse ou da usucapião», sendo certo que entender o contrário levaria à manutenção de uma ficção jurídica que seria o titular primitivo do direito ou os seus descendentes poderem vir, muito para além dos 20 anos, reivindicar o seu prédio de quem exerce actos de posse sobre o mesmo – ob. cit. pp. 107 e 108. Em sentido diverso, sustenta-se, por um lado, que se as normas relativas ao ordenamento do território proíbem os loteamentos ou destaques ilegais, enquanto resultado, também proíbem os meios indirectos de lá chegar, e por outro, que carecendo a usucapião de invocação, e sendo esta um acto jurídico dependente da manifestação de vontade, esse acto jurídico está ferido de nulidade e não poderá, pois, atento o disposto nos artigos 294.º e 295.º do Código Civil, ter por efeito a aquisição da propriedade, se a posse que se invoca contraria disposições legais imperativas, como as que disciplinam o loteamento, o destaque ou o fraccionamento de prédios. Nesta linha, assinala-se o acolhimento judicial que, muitas vezes, tem merecido a invocação da usucapião ou da acessão como meio de fuga às leis sobre ordenamento do território, e criticam-se os tribunais cíveis que ao analisarem a usucapião e a acessão industrial imobiliária desprezam a legislação sobre loteamentos, esquecendo que o ordenamento jurídico é composto por normas e princípios de diversa origem e tutelando interesses diferenciados que deve visto como um todo harmónico em que a solução passa pela análise de todos os ramos de direito (cfr. ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA, “Loteamento, Acessão e Usucapião: Encontros e Desencontros”, in Revista do CEDOUA, n.º 11, Janeiro de 2003, p. 95 e ss). Para além disso – e rebatendo directamente os argumentos do Dr. Durval Ferreira – defende o referido autor que apesar da lei atribuir, por via do reconhecimento da usucapião como forma de aquisição originária da propriedade, uma importância tal à consolidação de uma situação de facto existente que ultrapassa diversos óbices legais (v.g. necessidade da aquisição ser titulada formalmente), normalmente os interesses subjacentes a essas normas, ainda que de ordem pública, não afectam terceiros, podendo dizer-se que esse interesse se reduz aos próprios interessados, em cada caso concreto. Ao invés, no caso de um loteamento ou de um destaque ilegal, o interesse público em causa é muito mais amplo, vai muito para além das relações entre as partes no processo, abarca inclusivamente toda a população de uma circunscrição territorial, inclusivamente o País, na medida em que numa situação de loteamento ilegal terá de ser a comunidade a pagar as infra-estruturas, primárias e secundárias, correspondentes à regularização da situação. Daí que, para esta tese, no confronto entre os aludidos interesses de ordem pública, o interesse na estabilidade e certeza nas relações jurídicas, por um lado, e o interesse no correcto ordenamento do território e na legalidade urbanística, por outro, deva indubitavelmente prevalecer o segundo por ser de grau superior, sendo a referida colisão resolvida nos termos do artigo 335.º do Código Civil (ob. cit., pp. 100 e 101). Acrescenta-se, ainda, que permitir uma operação urbanística ilegal através da usucapião teria a consequência de se estabelecer um prazo de prescrição para as infracções urbanísticas, quando o vício da nulidade que decorre da legislação sobre loteamentos pode ser invocado a todo o tempo e por qualquer pessoa. Com uma decisão dessa natureza, o juiz estaria a impor prazos para a nulidade de actos e para a tomada de medidas de reposição da legalidade urbanística (ob. cit. p. 100). Por conseguinte, face às limitações impostas à validade destas operações urbanísticas, não podem os actos de posse baseados num facto proibido pelas leis de loteamento permitir uma aquisição por usucapião na medida em que contrários a uma disposição de carácter legal imperativo (artigo 294.º do Código Civil). Tentando fornecer uma solução para as diversas situações concretas que surgem não só nos tribunais, mas também perante os Notários e Conservadores, tem defendido alguma doutrina mais recente o que constitui uma terceira via entre quem exige a concretização de um loteamento ou destaque prévio à ocorrência da acessão ou da usucapião e quem ignora as exigências urbanísticas, pondo em causa a tutela de interesses públicos imperativos. Nesse sentido, defendem MÓNICA JARDIM e a DULCE LOPES que pode haver posse (formal) em termos de direito de propriedade sobre uma parte de uma coisa ainda não autonomizada, pelo que nada obsta a que uma parcela de terreno possa ser objecto de posse e que, uma vez verificados os requisitos legais, seja invocada a usucapião, apesar de não haver prévio destaque (apud “Acessão industrial imobiliária e usucapião parciais versus destaque”, in O Urbanismo, o Ordenamento do Território e os Tribunais, Coordenação de FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Dezembro 2010, Almedina, Coimbra, p. 806). Contudo, a usucapião não poderá valer como válvula de escape para adquirir um direito que de outro modo seria insusceptível de aquisição, sob pena de se deixar entrar pela janela o que se impediu que entrasse pela porta. Como tal, nas situações em que a usucapião seja invocada em relação a partes de prédios nos quais se localiza uma edificação ou em que o interessado vise expressamente ou concludentemente destinar a edificação, será essencial a indagação do respeito pelos ditames jus-urbanísticos, já que um reconhecimento genérico de situações de usucapião parcial, sem averiguação da possibilidade de sujeição a essas regras, implica, com grande probabilidade, a regularização de edificações nelas existentes em desrespeito das exigências urbanísticas aplicáveis (ob. cit. p. 808)». Isto posto, urge analisar o caso em apreço por forma a concluir se, no caso, ocorrem causas legais impeditivas do funcionamento ou da produção dos efeitos da usucapião. Com interesse para a dilucidação da questão, está demostrado nos autos que: do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...90, foi desanexado uma parcela de terreno sobre a qual incidiu uma operação de loteamento devidamente licenciada; desse loteamento faz parte o lote de terreno adquirido pelos autores (lote ...), registado com a área de 776,70m2, e o prédio adquirido pelos réus corresponde à parte sobrante do loteamento e tem a área registada de 1000m2. Mais ficou demonstrado que, previamente a tal delimitação física, provocada pela operação de loteamento, já ali existiam um anexo, um poço e um tanque que serviam a casa de habitação existente no prédio dos réus e que assim continuaram a ser utilizados até aos dias de hoje e que os autores, a partir da compra que fizeram, nunca estiveram, nem estão, na posse da parcela de terreno que ora reivindicam, nem do tanque e do poço que se situam nesse mesmo trato de terreno, apesar destes se situarem dentro da área atribuída ao referido lote .... Por fim, ficou demonstrado que os réus vedaram o seu prédio, englobando a parcela reivindicada pelos autores e que corresponde a uma área de 48m2 (com 32 metros de comprimento por 1,50 metros de largura); e que após terem procedido a tal vedação os réus ocupam uma área total de apenas 977m2. No caso, está, pois, apenas em causa a “ocupação” de uma pequena faixa de terreno situada na confrontação dos prédios dos autores e dos réus (cfr. pontos 20 e 21 do elenco dos factos provados). E, assim sendo, não podemos deixar de acompanhar o tribunal recorrido quando afirma que, “no caso dos autos, há que ter em atenção que o reconhecimento aos Réus/Reconvintes da aquisição, por usucapião, da propriedade de uma faixa de terreno compreendida na área atribuída, em alvará de loteamento, ao lote adquirido pelos Autores não se traduz na criação de novos lotes, no aumento da área edificável ou na diminuição da área prevista para uso colectivo, eventualmente cedida ao domínio público” e que, portanto, “o reconhecimento da propriedade dos Réus/Reconvintes, no caso concreto, é insusceptível de contender com quaisquer normas imperativas destinadas a acautelar o interesse público, afectando apenas os interesses dos Autores.” (o sublinhado é nosso). Ou seja, o reconhecimento da aquisição da parcela em causa por usucapião a favor dos réus nem implica uma alteração do número de lotes previsto no procedimento administrativo em causa, nem contende com as condições de edificabilidade que a dita operação de loteamento admite, não se vislumbrando, deste modo, que tenham sido postos em causa os interesses públicos subjacentes ao processo administrativo de loteamento, mas antes, como se diz na decisão, apenas direitos privados. Reitera-se, pois, a conclusão de que no caso não foram violadas quaisquer normas imperativas do regime legal do urbanismo, que pudessem ferir de nulidade o acto de invocação de aquisição da parcela por usucapião pelos réus. Mas ainda que assim não se entenda e tal como maioritariamente tem sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a usucapião não deixaria de produzir os seus efeitos, porquanto sobrepõe-se ao vicio originário, excepto nos casos em que a lei disponha o contrário (cfr. art.º 1287 do CC). Com efeito, cremos que a aquisição da propriedade, designadamente por usucapião, precede a aplicação das normas de direito do urbanismo ou, ainda que não preceda, prevalece sobre a aplicação das normas de direito do urbanismo relativas à divisão, ou ao fraccionamento, dos prédios. Em abono deste entendimento, podemos citar, designadamente, os acs. do STJ de 4.02.2014, processo nº 314/2000.P1.S1; de 6.04.2017, processo nº 1578/11.9TBVNG.P1.S1; de 1.03.2018, processo nº 1011/16.0T8STB.E1.S2; de 3.05.2018, processo n.º 7859/15.5T8STB.E1; de 12.07.2018, processo nº 7601/16.3T8STB.E1.S1; de 8.11.2018, processo n.º 6000/16.1T8STB.E1.S1; de 21.02.2019, processo nº 7651/16.0T8STB.E1.S3; de 18.06.2019, processo n.º 1786/17.9T8STB.E1.S1; de 18.02.2021, processo n.º 20592/16.1 T8SNT.L1.S1; e de 25.05.2023, processo nº 681/20.9T8TMR.E1.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt. Igualmente neste sentido, na doutrina, ensinam Mota Pinto [in, “Teoria Geral do Direito Civil, p. 470 e Castro Mendes [in, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, p. 291, nota 731], dizendo que a possibilidade de invocação perpétua da nulidade do negócio pode ser precludida pela verificação da prescrição aquisitiva. Também Pires de Lima e Antunes Varela [in, Código Civil Anotado, 4ª edição, vol. I, p. 263] defendem que o não estabelecimento de um prazo para a arguição da nulidade “não afecta os direitos que hajam sido adquiridos por usucapião”. Oliveira Ascenção, por sua vez, afirma que: “A usucapião representa (como aliás a ocupação e a acessão) uma forma de aquisição originária. O novo titular recebe o seu direito independentemente do direito do titular antigo. Em consequência, não lhe podem ser opostas as excepções de que seria passível o direito daquele titular” [in, “Direitos Reais”, Lisboa 1971, p. 337]. Similarmente, Abílio Vassalo Abreu [in, “Titularidade Registral do Direito de Propriedade Imobiliária vs Usucapião”, Coimbra, p. 19] refere que “o direito adquirido por usucapião surge ex novo na esfera jurídica do sujeito, pois não depende geneticamente de um direito anterior, depende tão só, do facto aquisitivo em que o processo de usucapião se analisa”. Por fim, Durval Ferreira [in, “Posse e Usucapião”, 3ª ed., p. 525 e segs] salienta que a aquisição do direito por usucapião é originária, genética e endógena, na medida em que tem por causa, tem na sua génese, apenas a posse; esta e a “aquisição do direito por usucapião são originárias, agnósticas e bastam-se com certo senhorio de facto, tal como é, por certo lapso de tempo.” E ainda que, visando a usucapião satisfazer o interesse público “da certeza da existência dos direitos reais sobre as coisas e da respetiva titularidade e de a conseguir através da respetiva prova – «pela posse» (…)”, o possuidor que invoca a usucapião apenas tem de se preocupar com a posse que alega e respectiva demonstração. Por conseguinte, à luz destes considerandos, no presente caso, uma vez verificados os requisitos da posse conducentes à aquisição do direito de propriedade a que se arrogam os réus sobre a parcela em causa, temos necessariamente de concluir que nada impede a eficácia de tal posse. E, salvo o devido respeito, outra não pode ser a solução, atenta a função, natureza e objectivos da posse que conduz à aquisição de um determinado direito, que nasce na esfera do titular, de forma originária, isto é, independentemente do existente na esfera do anterior(es) titular(es). Consequentemente, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso interposto [conclusões XII) a XVII)]. * Ante todo o exposto, entendemos ser de julgar totalmente improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.As custas do recurso são da responsabilidade dos recorrentes atento o seu integral decaimento (art.º 527º do NCPC). * SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7 do NCPC)* * IV. Decisão* Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pelos recorrentes. * Guimarães, 2.10.2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira 1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Afonso Cabral de Andrade 2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. António Beça Pereira |