Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1341/14.5T8VNF.G2
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO
DECISÕES CONTRADITÓRIAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário;
2) Os despachos de mero expediente são os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo, não sendo suscetíveis de ofender os direitos processuais das partes ou de terceiros;
3) Tais despachos não importam decisão, julgamento, aceitação ou reconhecimento do direito requerido e pelo facto de os emitir, o juiz não vê esgotado o seu poder jurisdicional, podendo, logo a seguir, proferir outro despacho em sentido oposto;
4) Na estrutura dos processos jurisdicionais e, em concreto, dos processos executivos, como decorre do princípio dispositivo, em geral, recai sobre as partes interessadas, no caso, os exequentes, diligenciarem no sentido de serem praticados os atos necessários, à satisfação do fim que a execução visa, seja o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa, ou a prestação de facto positivo ou negativo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) Nestes autos de execução para prestação de facto que os exequentes AA e BB, moveram contra os executados EMP01..., Limitada e EMP02..., Limitada, foi proferido despacho em 20/01/2025 (referência ...15), do seguinte teor:
“Conforme resulta do disposto no artigo 871º, do C.P.C., “mesmo antes da avaliação”, que até já aconteceu, “pode o exequente fazer, ou mandar fazer sob a sua orientação e vigilância, as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto, com a obrigação de prestar contas ao juiz do processo”.
É, pois, indiscutível que são os exequentes e não o Sr. Oficial de Justiça, mesmo que este último assuma as vestes de “agente de execução”, quem tem a competência para impulsionar a execução da obra em apreço.
Dito isto, aguardem os autos o impulso processual dos exequentes.”
*
B) Inconformados com a decisão constante do referido despacho, vieram os exequentes AA e BB interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (ref. ...57).
*
Nas alegações de recurso dos apelantes AA e BB, são formuladas as seguintes conclusões:

1. Nestes autos com data de 13/09/2018 e sob as ref. ...60, foi elaborado um, aliás douto despacho em que foi decidido:
“Em segundo lugar, não cabe ao tribunal incumbir o terceiro de realizar a obra, cabendo antes aos exequentes fazê-lo, de modo extrajudicial, devendo apenas prestar depois as competentes contas, como decorre dos art.ºs 871º e 872º do NCPC. Assim sendo, deverão os exequentes incumbir o terceiro por si escolhido para a realização da obra, obtendo as licenças que se mostrem devidas.
Nestes termos, indefere-se o requerido pelos exequentes e executados, mantendo-se suspensa a penhora de bens e consignando-se que compete aos exequentes incumbir o terceiro da realização da obra exequenda já avaliada, prestando subsequentemente as competentes contas no processo.”
2. O Tribunal da Relação de Guimarães elaborou o acórdão de 21/03/2019 - Ref.ª ...24 que decidiu:
“Em face do exposto decide-se:
Conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, na parte impugnada (a parte impugnada é a reproduzida na conclusão nº 1).
3. Dentre várias considerações a decisão é, também, justificada porque:
“No atual regime de execuções, a realização de quaisquer diligências materiais do processo executivo não é competência do juiz. Essa competência cabe ao agente de execução, como se extrai do artigo 919º do CPC de 1961 e art.º 719º e seguintes do CPC”.
4. Este acórdão transitou em julgado às 00 (zero) horas do dia 8/05/2019.
5. Nestes autos com data de 30/06/2021 sob as Referências ...08 foi elaborado no aliás douto, despacho em que foi decidido:
“Compulsados os autos, resulta assente que:
1. A obra a que alude a douta sentença apresentada à execução não foi realizada no prazo fixado e concedido aos executados;
2. Foi efetuada a avaliação da prestação de facto;
3. Foi penhorado um imóvel.
Neste contexto, atento o disposto no art.º 871º, nº 1 do CPC, deverão os exequentes proceder à execução da obra, prestando, depois, contas e obtendo o respetivo pagamento pelo produto da venda do imóvel.
É o que nos apraz constatar, atento os vários requerimentos antecedentes.”
6. No entanto ao elaborar este despacho, o Meritíssimo Juiz, não respeitou a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/03/2021 – Ref.ª ...24, já que em 30/06/2021 elaborou um despacho decisório no qual repetiu (por algumas diversas palavras) o teor do despacho de 13/09/2018 (assim ignorando que o Tribunal da Relação de Guimarães em recurso de apelação havia revogado este último) (conf. art.º nº 1 do art.º 4º da Lei 4/85 de 30/07) (Estatuto dos Magistrados);
7. Deste modo e pelo motivo indicado o referido despacho decisório de 30/06/20 - Referências ...08 deve ser considerado nulo e de nenhum efeito jurídico.
8. Não obstante foi interposto recurso do referido despacho decisório de 30/06/2022 para o Tribunal da Relação de Guimarães que elaborou o acórdão de 07/04/2022 - Ref.ª ...00 decidindo que: “Nos termos expostos, e muito embora, por distintos fundamentos, se julgando procedente a apelação quanto ao segmento da decisão recorrida que ao abrigo do disposto no artigo 871.º do CPC determina a obrigação de, após a realização da obra, os exequentes prestarem contas e como pressuposto de obrigação do pagamento pelo produto da venda do imóvel, segmento que se revogará, julgando-se inaplicável a previsibilidade do art.º 871.º do CPC com referência ao contexto factual em referência na decisão”.
9. Elaborado que foi um sumário contém (tal sumário) um nº 3 que vem resumir a decisão tomada quanto à prestação de contas, afastando a obrigação de as prestar (os exequentes).
10. Mais determina, o acórdão de 07/04/2022 - Ref.ª ...00 no seu sumário que:
“2. Os ulteriores atos de execução de obra constituem atividade extraprocessual”.
11. Assim não sendo, pois que há a considerar que, sendo a atividade a desempenhar pelo agente de execução a de:
a) porfiar na prática das “Diligências necessárias à realização da prestação do facto” (Anexo VI da Portaria n.º 282/2013, 29/08);
b) e porfiar na prática de todos os “atos necessários à realização do facto (facto ou conjunto de factos) (conf. Anexo VII da Portaria nº 282/2013, 29/08);
c) bem frisando que tanto as diligências como os atos necessários à realização da prestação do facto são da competência do agente de execução.
12. As indicadas práticas de diligência e práticas de atos necessários à realização da prestação de facto (no caso a sobras não consistem em atividade extraprocessual nem em atividade judicial mas, pela via do agente de execução (e da sua intervenção nos autos) são atividade processual. Assim devendo ser declarado.
13. Para além do mais vem o nº 1 do sumário resumir o determinado no acórdão que sumaria dizendo que “se o exequente optar pela prestação de facto por outrem…nos termos do art.º 870.º do CPC, sendo o facto prestado por outrem sob a direção do exequente…”
14. Ocorre que não há qualquer preceito legal que suporte esta asserção, que aliás até aparentemente, salvo melhor opinião, ser desajustada.
15. Pois que a tarefa de “direção” é diversa da tarefa de “realização, construção” pelo que aparentemente a determinação é inútil porque os exequentes teriam de “dirigir” o que ninguém se prestou, até agora a realizar ou construir.
16. Além do mais ocorre que o acórdão de 07/04/2022 que transitou em julgado em 15/02/2024 vem contrariar o acórdão de 21/03/2019 que transitou em julgado em 08/05/2019.
17. Como se demonstrou ambos se debruçam sobre a aplicação ao caso concreto dos art.ºs 868º, 870º e 871º do Cód. Proc. Civil;
18. E divergem fundamentalmente um do outro na medida em que:
a) o tribunal de 1ª Instância entende que “compete aos exequentes incumbir o terceiro da realização da obra exequenda já avaliada, prestando subsequentemente as contas no processo” (conf. sentença de despacho de 13/09/2018)”;
b) mas o TR Guimarães no acórdão de 21/03/2019 revogou nesta parte o despacho recorrido, também porque entende que “No atual regime das execuções, a realização de quaisquer diligências materiais do processo executivo não é competência do juiz. Essa competência cabe ao agente de execução, como se extrai do arrigo 919º do CPC de 1961, art.º 719º e seguintes do CPC”;
c) enquanto o acórdão do TRGuimarães de 07/04/2022, revoga parcialmente o despacho decisório do Tribunal de 1ª Instância de 30/06/2021, mas mantém que “atento o disposto no artigo 871º, nº 1 do CPC, deverão os exequentes proceder à execução da obra”;
d) sendo que o acórdão de 21/03/2019 transitou em julgado em 8/05/2019, enquanto o acórdão de 07/04/2022 transitou em julgado em 15/02/2024;
e) assim sendo, sendo estas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão cumpre-se a decisão que transitou em primeiro lugar que é o acórdão do TRGuimarães de 21/03/2019 (conf. nº 1 do art.º 625º do Cód. Proc. Civil);
f) Em consequência deve ser declarado o acórdão de 07/04/2022 afetado de ineficácia (conf. Ac. TRGuimarães-3/05/2018-Proc. n.º 322/15.dgsi.Net);
g) Mais sendo declarado que é ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/03/2019 que devem obediência todos os intervenientes processuais.
19. Nestes autos com data de 20/01/2025 sob as referências ...41 foi elaborado um despacho decisório (o despacho aqui recorrido) que considera:
a) indiscutível que são os exequentes e não o Sr. Oficial de Justiça…que tem competência para impulsionar a execução da obra em apreço”;
b) “Conforme resulta do disposto no artigo 871.º do C.P.C. “mesmo antes da avaliação” que até já aconteceu, “pode o exequente fazer ou mandar fazer sob a sua orientação e vigilância a sobras e trabalhos necessários para a prestação do facto, com a obrigação de prestar contas ao juiz do processo”.
20. E de facto a afirmação constante no despacho recorrido (o de 20/01/2025) e referido na al. b) da anterior conclusão nº 19 corresponde à realidade.
21. É o texto legal que o determina no nº 1 do art.º 871º do Cód. Proc. Civil, só que tal preceito legal não se aplica ao caso concreto pois que:
a) o texto invocado pelo Sr. Juiz da 1ª Instância destina-se a prever a provar para o caso de:
I) antes de terminada a avaliação;
II) para o exequente fazer ou mandar fazer sob a sua orientação e vigilância as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto;
III) com a obrigação de prestar contas ao Juiz do processo.
22. Ora no caso concreto:
a) considerando que, sendo as executadas, obrigadas a prestar um facto em prazo certo;
b) não cumpriram;
c) os exequentes, no exercício de um poder que lhes é conferido pelo nº 1 do art.º 868º do Cód. Proc. Civil requereram que o facto (a obra em causa) fosse prestado por outrem;
d) no mais é a lei em vigor que determina o desenlace.
23. Mas desde logo se verifica que a decisão recorrida o despacho de 20/01/2025 vem cometer dois erros a saber:
a) como resulta “do disposto no artigo 871º do C.P.C. antes da avaliação pode o exequente fazer ou mandar fazer sob a sua orientação e vigilância, as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto, com a obrigação de prestar contas ao juiz do processo”;
b) mais acrescenta “são os exequentes quem tem competência para impulsionar a execução da obra em apreço”.
24. Ao decidir assim o despacho em causa aplica à situação concreta o disposto no art.º 871º do Cód. Proc. Civil, quando não é neste preceito legal, que se enquadra a situação fáctica em apreço, antes o é (a situação fática) enquadrada no disposto no nº 1 do art.º 868º, 719º e seguintes do Cód. Proc. Civil; art.ºs 36º e seguintes, art.º 59 e Anexo VI e VII da Portaria nº 282/2013, 29/08.
25. Ou seja, já por este motivo deve o despacho decisório de 20/01/2025- Ref.ª ...41 ser revogado e substituído por acórdão que determine
26. Além disso, o despacho decisório de 20/01/2025 (despacho em causa) vem repetir a determinação do despacho decisório de 13/09/2018 que foi revogado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/03/2019, o que corresponde à criação de uma situação de não acatamento por um tribunal de 1ª Instância de uma decisão do Tribunal da Relação de Guimarães.
27. Será um caso de ineficácia da decisão do tribunal de 1ª Instância, de modo que se não for, o despacho decisório de 20/01/2025 (recorrido) considerado nulo e de nenhum efeito jurídico deverá ser considerado ineficaz.
28. Revogado que seja o despacho recorrido (o que se pede nestas conclusões) deverá o mesmo ser substituído por, aliás douto acórdão que:
a) considerando que na execução para a prestação de facto fungível 8como a dos autos) as tarefas do agente de execução são desempenhadas pelo oficial de justiça e dentre elas:
I) as diligencias necessárias à realização da prestação de facto;
II) todos os atos necessários à realização do facto (facto ou conjunto de factos);
b) considerando que o oficial de justiça não tem, até ao momento realizado qualquer ato necessário à realização da prestação de facto que consubstancia a finalidade destes autos,
c) considerando que exceto a breve e sucinta notificação de 30/03/2022 titulada “suspensão da instância - art.º 269º nº 1 al. d) do CPC” bem como a notificação de 21/05/2024 em que o senhor oficial de justiça/agente de execução pede para o exequente “no prazo de 10 dias requerer o que tiver por conveniente sem prejuízo do disposto no art.º 281º nº 5 do C.P.C., nenhuma outra notificação foi comunicada aos exequentes;
d) considerando que o oficial de justiça/agente de execução não responde aos requerimentos dos exequentes, não obstante as várias interpelações (requerimentos que lhe são dirigidos e se encontram autuados no processo) dos quais se enumeram os últimos, a saber:
I) requerimento de 04/03/2022 – Ref.ª ...34;
II) requerimento de 18/05/2022 – Refª ...86;
III) requerimento de 21/11/2022 – Ref.ª ...82;
IV) requerimento de 19/09/2024 – Refª ...88;
v) requerimento de 15/01/2025- Ref.ª ...87.
29. Que seja, complementarmente, determinado que o Sr. Agente de Execução (neste caso o Sr. Oficial de Justiça),
a) proceda às diligencias necessárias à realização da prestação de facto (conf. 719º e seguintes do Cód. Proc. Civil e art.º 59º e Anexo VI da Portaria nº 282/2013, 29/08), bem como,
b) proceda à concretização de todos os atos necessários à realização da prestação de facto (ou conjunto de factos) que corresponda a “retirar do local onde a implantaram, a vala para a qual mudaram o leito do ribeiro em causa, repondo este a correr pelo seu leito anterior”.
30. Assim que seja determinado que o Sr. Oficial de justiça, no exercício das suas funções de agente de execução, notifique (dê conhecimento em termos processuais) aos exequentes (na pessoa do seu mandatário) das diligências que vai efetuando e dos atos que vai praticando, para realizar o conjunto de factos que em que consiste a prestação de facto objeto desta execução.
31. O, aliás douto despacho recorrido violou o disposto nos art.s 152º, 719º; 720º, 722º, 868º; 870º, 871º e 872º, todos do Cód. Proc. Civil; art.º 35-A da Lei nº 34/2004 de 29/07; art. 162 e 168 da Lei nº 154/2015, de 14/09; dos art.ºs 59º e Anexo VI e VII da Portaria nº 282/2013 de 29/08 e art.º 4º da Lei nº 21/85 de 30/07.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável:
a) deve ser revogada a, aliás douta, decisão recorrida bem como declarados ineficazes os: despacho decisório de 30/06/2021 - Refª ...08 e o acórdão de T.R. de Guimarães de 07/04/2022 – Ref.ª ...00, sendo pelas razões explicitadas nestas alegações;
b) sendo a decisão recorrida substituída por, aliás douto, acórdão que contemple as conclusões aqui expressas;
c) Pois que assim será feita INTEIRA JUSTIÇA
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Não foi apresentada resposta.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir no recurso é a de saber:
1) Se a decisão impugnada é recorrível;
2) Sendo, se deverá ser revogado a decisão recorrida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) Relativamente à recorribilidade da decisão impugnada, importa notar que o artigo 630º nº 1 NCPC estabelece que “não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário.”
Sobre o que sejam despachos de mero expediente e despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, refere o artigo 152º nº 4 NCPC que “os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.”
Importa, por isso apurar se o despacho recorrido se deve qualificar como de mero expediente, não interferindo no conflito de interesses entre as partes.
Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 16 de setembro de 2021, no processo 1386/21.9T8VNF-A.G1, relatado pela Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira e subscrito pelo ora relator, disponível em www.dgsi.pt, “ensina José Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil anotado, 1999, vol. 1º, pág. 277) que os despachos de mero expediente compreendem:
- Os despachos internos, proferidos no âmbito das relações hierárquicas estabelecidas com a secretaria, de que são exemplo as ordens que o juiz a esta dirija;
- Os despachos que digam respeito à mera tramitação do processo, não tocando em direitos das partes ou de terceiros, de que são exemplo os que se limitem a fixar datas para a prática de atos processuais.
Refere, por sua vez, o Il. Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Volume V, págs. 259, que os despachos de mero expediente, “são os que o juiz profere para assegurar o andamento regular do processo”, não sendo suscetíveis de ofender os direitos processuais das partes ou de terceiros.
E em nota 2 ao então anterior art.º 679º do mesmo Código, a dado passo, é referido que: “...se trata de despachos banais, que não põem em causa os interesses das partes, dignos de proteção...” – A. dos Reis in C.P.C. anotado, V, pg. 249.
Também in Manual dos Recursos em Processo Civil de Fernando Amâncio Ferreira – Cons.º Jubilado – 3ª edição – 2002 – pág. 111, refere-se o seguinte: “... Advirta-se, contudo, que estes despachos só são irrecorríveis se forem proferidos de acordo com a lei; se o não forem, por admitirem, em determinado processo, atos ou termos que a lei não prevê para ele, ou sendo previstos, se forem praticados com um condicionalismo diferente do legalmente previsto, já esses despachos admitirão recurso.”.
Tais despachos não importam decisão, julgamento, aceitação ou reconhecimento do direito requerido. Pelo facto de os emitir, o juiz não vê esgotado o seu poder jurisdicional, podendo, logo a seguir, proferir outro despacho em sentido oposto. Não fica necessariamente vinculado ao despacho que proferiu; o despacho não dá lugar à formação de caso julgado, tal como o afirma o Prof. A. dos Reis, in Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, 1984, pg. 218 e 248 a 250.
Por sua vez, diz-se no citado preceito, 2ª parte, que se consideram proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador.
Quanto a este tipo de despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, esclarece igualmente José Lebre de Freitas (ob. cit., pág. 278) que são aqueles que o juiz livremente profere ao abrigo de uma norma que, perante determinado circunstancialismo, lhe confere “uma ou mais alternativas de opção entre as quais o juiz deve escolher no seu prudente arbítrio e em atenção aos fins do processo civil”.
São aqueles que se caracterizam por estarem dependentes da ponderação da necessidade que sobre a oportunidade da sua prolação o Juiz faça e, ainda, por não contenderem com qualquer juízo sobre a questão jurídica da causa, a prescrição que deles emana em nada afeta o posicionamento das partes na lide, dos interesses em debate na ação se distanciando - livre determinação quer dizer determinação que não está sujeita a limitações ou qualquer condicionalismo (Prof. Alberto dos Reis; Código de Processo Civil Anotado; Volume V; pág. 252).
O Juiz executa um despacho discricionário quando é livre de o fazer ou não e quando o seu conteúdo se não imiscui na apreciação jurisdicional de eventuais interesses postos em litígio pelos litigantes no pleito - poder discricionário quer dizer poder absolutamente livre, subtraído a quaisquer limitações objetivas ou subjetivas (Revista de Legislação, 79º, pág. 107).”
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, a páginas 197, “o despacho de mero expediente tem uma finalidade (prover ao andamento regular do processo) e um pressuposto (sem interferir no conflito de interesses entre as partes). É de notar, porém, que esta irrecorribilidade supõe a observância da lei, sendo já possível impugnar o despacho, nos termos gerais, com fundamento na sua ilegalidade (cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, página 80). Ou seja, será de admitir a recorribilidade de tais despachos se a mesma se fundar no facto de o despacho admitir atos ou termos que a lei não prevê ou, sendo previstos , se forem praticados com um condicionalismos diferente do legalmente previsto.”
E acrescentam a páginas 569, ibidem, que “note-se que decidir sob a égide de um poder legal discricionário não significa atuar fora ou para além da lei (cfr. “Rodrigues Bastos, notas ao CPC, vol. III, 3ª edição, páginas 217-218. O uso de um poder legal discricionário é sempre sindicável quanto à verificação dos pressupostos definidos por lei para a prolação de tal tipo de despacho, a determinar se o julgador extravasou o quadro das possibilidades legais de atuação ou se ocorreu desvio de poder. Arguindo a parte alguns destes vícios, o despacho é suscetível de recurso com este objeto precípuo. Assim, e a título exemplificativo, é recorrível o despacho que, sem fundamentação, recuse a inspeção judicial.”
No caso que nos ocupa, conforme decorre implicitamente do despacho liminar proferido, que o mesmo admite recurso, uma vez que embora se destine a prover ao andamento do processo,  interfere no conflito de interesses entre as partes e é suscetível de ofender os direitos processuais das partes, em função da devida interpretação dos preceitos e princípios legais em apreço, motivo pelo qual se passa a apreciar o mérito do mesmo.
*
Antes do mais, importa que se tenha em consideração que a apelação foi interposta do despacho datado de 20/01/2025 (com a referência ...15), do seguinte teor:
“Conforme resulta do disposto no artigo 871º, do C.P.C., “mesmo antes da avaliação”, que até já aconteceu, “pode o exequente fazer, ou mandar fazer sob a sua orientação e vigilância, as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto, com a obrigação de prestar contas ao juiz do processo”.
É, pois, indiscutível que são os exequentes e não ao Sr. Oficial de Justiça, mesmo que este último assuma as vestes de “agente de execução”, quem tem a competência para impulsionar a execução da obra em apreço.
Dito isto, aguardem os autos o impulso processual dos exequentes.”
A propósito do disposto no artigo 871º NCPC, referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo em A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2016, 2ª Edição, a páginas 596, que “apesar do regime estipulado no artigo anterior que determina a conversão da execução para prestação de facto em execução para pagamento de quantia certa, pode o exequente, mesmo antes de terminada a avaliação do custo da prestação ou da conversão, fazer ou mandar fazer, sob a sua orientação e vigilância (e ainda à sua custa), as obras e trabalhos necessários para a prestação do facto, estando, contudo, obrigado a prestar contas. Na prestação de contas visa-se avaliar se o exequente efetuou a obra de acordo com o que foi fixado e se a quantia que despendeu decorre da sua realização. De facto, a obra em causa terá sempre de se nortear pelos contornos fixados no título executivo em termos de não poder exceder os limites aí fixados, estando o exequente impedido de realizar ou mandar realizar obra em excesso, quer em quantidade, quer em qualidade.
Aprovadas as contas, o exequente deverá ser pago pelo produto da venda dos bens penhorados ao executado.”
Também referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa no Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, a páginas 306-307, que “a realização  da prestação tem sempre natureza extrajudicial, sendo assegurada pelo próprio exequente ou por terceiro por si contratado para o efeito, assim se realizando as obras ou trabalhos necessários. Em qualquer dos casos, o exequente deverá prestar contas no processo, deduzindo  o incidente  respetivo, que é processado por apenso (artigos 946º nº 1 e 947º). É nesse contexto que o exequente, quando pretenda obter indemnização moratória, deve formular a respetiva pretensão (nº 2). ( … )
Conforme resulta do nº 1, o exequente pode tomar a iniciativa de realizar  ou mandar realizar  a prestação, com as inerentes obras e trabalhos, sem aguardar pela conclusão da avaliação do custo da prestação ou pela obtenção coerciva do valor definido na avaliação.”

Nos termos do artigo 719º NCPC,
“1. Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.
2. Mesmo após a extinção da instância, o agente de execução deve assegurar a realização dos atos emergentes do processo que careçam da sua intervenção.
( … )”

No Código de Processo Civil Anotado, acima referenciado refere-se que “em geral, o agente de execução fica incumbido de todas as diligências de pendor propriamente executivo, com destaque para a penhora, venda e pagamento, e todos os que desempenham uma função instrumental, tal como a citação, as notificações ou as publicações. Ao agente de execução é cometido um poder geral de direção do processo de execução, tendo uma competência ampla e não tipificada, embora com natural exclusão dos atos que apresentam natureza jurisdicional, nos termos definidos no artigo 723º e noutras normas avulsas. Ou seja, compete ao agente de execução a prática da quase totalidade dos atos de execução, com exceção dos materialmente jurisdicionais e especificamente daqueles cuja competência é legalmente deferida ao juiz.”
Em face do exposto não pode haver dúvidas fundadas acerca dos poderes do agente de execução, quanto à matéria que foi objeto de apreciação no despacho recorrido, o qual se limitou a decidir em conformidade com as normas e princípios legais vigentes.
Com efeito decorre do artigo 3º NCPC que “quanto ao princípio dispositivo, podendo as partes dispor dos direitos de natureza privada, sobre as mesmas recai o ónus de promover e de impulsionar os instrumentos de natureza processual destinados a assegurar a respetiva tutela” (ibidem, página 18).
Aliás, no artigo 10º nº 4 NCPC refere-se que são “«ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida.”
Por sua vez, no artigo 281º nº 5 NCPC estabelece-se que “no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”
Na estrutura dos processos jurisdicionais e, em concreto, dos processos executivos, como decorre do princípio dispositivo, em geral, recai sobre as partes interessadas, no caso, os exequentes, diligenciarem no sentido de serem praticados os atos necessários, à satisfação do fim que a execução visa, seja o pagamento de quantia certa, a entrega de coisa certa, ou a prestação de facto positivo ou negativo (cfr. artigo 10º nº 6 NCPC).
Naturalmente que daí se excluem os atos que sejam da competência do tribunal, do agente de execução, ou de terceiro, sendo certo que, no caso, a competência para impulsionar a execução é apenas dos exequentes, dado não pertencer aos demais referenciados.
Referem os apelantes que em 13/09/2018 (ref. ...60), foi proferido um despacho, com o seguinte teor:
“Em segundo lugar, não cabe ao tribunal incumbir o terceiro de realizar a obra, cabendo antes aos exequentes fazê-lo, de modo extrajudicial, devendo apenas prestar depois as competentes contas, como decorre dos art.ºs 871º e 872º do NCPC. Assim sendo, deverão os exequentes incumbir o terceiro por si escolhido para a realização da obra, obtendo as licenças que se mostrem devidas.
Nestes termos, indefere-se o requerido pelos exequentes e executados, mantendo-se suspensa a penhora de bens e consignando-se que compete aos exequentes incumbir o terceiro da realização da obra exequenda já avaliada, prestando subsequentemente as competentes contas no processo.”
Acrescentam que o Tribunal da Relação de Guimarães no acórdão de 21/03/2019 (ref. ...24 decidiu:
Conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, na parte impugnada (que entendem ser a acima transcrita).
Importa notar que o aresto em questão (de 21/03/2019) referiu que “a questão que se essencialmente se encontra submetida à apreciação desta Relação, resume-se em saber se, no caso, ocorre a violação do princípio do caso julgado” concluindo que não ocorre a invocada violação do princípio do caso julgado, sendo certo que a decisão do acórdão consiste em decidir conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido, na parte impugnada.
Daqui concluem os exequentes que o acórdão em questão ao revogar o teor do despacho de 13/09/2018, quis significar, a contrario sensu, que compete ao agente de execução, no caso o sr. Oficial de Justiça, a execução da prestação de facto, mas não parece que assim seja.
Com efeito, o que se depreende da revogação daquele despacho é que a decisão quanto aos atos a praticar na prestação de facto compete ao agente de execução e não ao juiz da causa e, portanto, o despacho em questão foi revogado com esse fundamento, de incompetência funcional do juiz para a proferir.
Se atentarmos no conteúdo do acórdão em questão, na sua fundamentação, verificamos que é essa a interpretação a fazer e não a que os apelantes fazem.
Com efeito, aí se refere, nomeadamente, que:
“Em segundo lugar, são adotadas medidas destinadas a promover a eficácia das execuções e do processo executivo.
Nesse sentido, por um lado, passa a permitir-se que o exequente possa substituir livremente o agente de execução, no pressuposto que este é o principal interessado no controlo da eficácia da execução.  Esta medida é compensada com um dever de informação acrescido do agente de execução e com o reforço do controlo disciplinar dos agentes de execução através da criação de um órgão de composição plural, apto a exercer uma efetiva fiscalização da sua atuação …
No novo e atual modelo executivo o poder de controlo judicial foi suprimido como regra geral e ficou circunscrito às atuações específicas do agente de execução que a lei subordina a esse controle (artigo 809º do CPC de 1961, atual artigo 723º).
No atual regime das execuções, a realização de quaisquer diligências materiais do processo executivo não é da competência do juiz. Essa competência cabe ao agente de execução, como se extrai do artigo 919º do CPC, de 1961, artigo 719º e seguintes do CPC.  
Por outro lado, cabe notar que nos termos da lei processual, não está legalmente atribuído ao juiz o poder de ordenar ao agente de execução a prática desta ou daquela diligência, mas controlar a legalidade da atuação deste (artigos 808º nº 1 e 809º CPC).
E é com estes fundamentos que o despacho sob recurso não poderá manter-se e terá de ser revogado, pese embora não ocorra a invocada violação do princípio do caso julgado.” (sublinhado nosso)
É esse o alcance da decisão do referido acórdão, o qual não refere em local nenhum que compete ao agente de execução, no caso, o sr. Oficial de Justiça, a execução da prestação de facto.
No que se refere à pretensão de que sejam declarados ineficazes o despacho decisório de 30/06/2021- Refª ...08 e o acórdão de T.R. de Guimarães de 07/04/2022 – Ref.ª ...00, a mesma carece de fundamento legal, dado que o despacho referido foi objeto de recurso (o acórdão indicado), que o decidiu e transitou em julgado, pelo que não pode esta Relação reapreciar uma decisão que já foi apreciada por acórdão desta Relação, transitado em julgado, e menos ainda poderia esta Relação declarar outro acórdão da mesma instância “ineficaz”, dado que tal só seria possível caso fosse admissível recurso para o STJ, que, no caso, entendeu pela sua inadmissibilidade.
De resto, sendo inequívoco que compete aos exequentes o impulso processual da execução e não ao agente de execução, importa esclarecer que o acórdão desta Relação de 07/04/2022 se pronuncia no mesmo sentido.
Importa que se tome em consideração que o despacho recorrido, sobre cuja apreciação recai o presente acórdão, se limita a transcrever um artigo do NCPC e a entender que são os exequentes e não o Sr. Oficial de Justiça, mesmo que este último assuma as vestes de “agente de execução”, quem tem a competência para impulsionar a execução da obra em apreço.
Importa, assim, concluir pela inexistência de qualquer contradição de decisões, ou qualquer nulidade ou violação de quaisquer normas legais, devendo improceder o recurso e confirmar-se a decisão recorrida.
Face ao decaimento da pretensão dos apelantes, sobre os mesmos recai o encargo de suportar o pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão e sumariando:
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 16/10/2025

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Alexandra Rolim Mendes
2º Adjunto: Desembargador Alcides Rodrigues