Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARGARIDA PINTO GOMES | ||
| Descritores: | APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS EM RECURSO AUTORIDADE DE CASO JULGADO AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I. A admissibilidade de junção de documentos na fase processual de recurso é excepcional e apenas poderá ter por fundamento a impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo artº 423º do Código de Processo Civil e a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância. II. A junção, em sede de recurso, de documentos já constantes dos autos e de cópias de Acordãos proferidos nas mais diversas Relações não respeita os requisitos de admissibilidade dos documentos em fase de recurso. III. O efeito positivo do caso julgado conferido pela figura da autoridade assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida IV. Tendo em ação de reivindicação sido decidido que determinada parcela de terreno não pertence ao autor, não pode a mesma parte em ação de demarcação querer demarcar o prédio, onde enviesadamente inclui a parcela - por esta não lhe pertencer, por violação do caso julgado. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório: AA e BB, melhor identificados nos autos propuseram ação de demarcação contra CC, peticionando que se proceda à demarcação entre os terrenos confinantes dos autores e da ré, na sua confrontação Nascente/Poente, com colocação de marcos ou muro de vedação e ainda que a ré seja condenada a pagar aos Autores uma indemnização por danos morais no valor de 6.000,00 euros. Para tanto, alegaram, em suma que são legítimos proprietários do prédio urbano, com quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...49 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...44, sendo a Ré proprietária do prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatório ... sob o n.º ...65 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...74, sendo os prédios confinantes. Mais alegaram não se encontrar definida de forma visível e permanente a linha divisória entre o terreno dos autores e o terreno da ré na sua confrontação Nascente / Poente. Em sede de contestação, a ré pugnou pela ineptidão da petição inicial, bem como pela verificação do caso julgado, seja como exceção, seja como autoridade do caso julgado, defendendo ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé. Notificados, os autores pugnaram pela improcedência das exceções invocadas pela ré. Em sede de despacho saneador julgou-se improcedente a invocada exceção dilatória de ineptidão da petição inicial, inexistentes nulidades que invalidassem todo o processo, as partes dotadas de personalidade judiciária e capacidade, legítimas e regularmente patrocinadas. Julgou-se improcedente, por não verificada, a exceção do caso julgado mas procedente o caso julgado na sua vertente positiva, isto é, a autoridade do caso julgado, em consequência, improcedentes os pedidos formulados pelos Autores AA e BB, absolvendo-se a Ré CC dos mesmos. Julgou-se improcedente o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé. Inconformados com a decisão vieram da mesma recorrer os autores formulando as seguintes conclusões (corrigidas): […] Contra alegou a ré formulando as seguintes conclusões: […] Colhidos os vistos cumpre apreciar. * II. Objeto do recurso:O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito. Assim sendo, tendo em atenção as alegações/conclusões apresentadas pelos recorrentes importa aos autos, primeiramente, aferir da admissibilidade da junção, em sede de recurso, dos documentos por parte dos recorrentes e ainda da (in)verificação da autoridade do caso julgado. * III. Fundamentação da matéria de facto Com relevo para a decisão são os seguintes os factos apurados: 1. Por sentença proferida a 20 de abril de 1982 no processo que, sob o nº 53/81 correu termos no ... juízo, ... secção do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, foram DD e EE, condenados a reconhecerem que os pais da ora ré e recorrida eram “donos, senhores e possuidores de prédio rústico constituído por um campo e um cortelho, de lavradio, com uma casa demolida, árvores (…) e ramadas, descrito na CRP sob o n.º ...65 e inscrito na matriz rústica sob o artº ...74. 2. DD e EE, intentaram acção ordinária que correu termos sob o nº 1431/13.1TJVNF na Secção Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão contra CC, peticionando o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o terreno que identificam como parcela de terreno que se situa a sul do seu prédio inscrito na matriz urbana sob o artº ...44º, freguesia ..., no exterior de um muro que ali existe, com a área de 800 m e a condenação da ré a abster-se de “comportamento abusivo” sobre tal prédio. 3. Alegaram, para fundamentar a sua pretensão, e em síntese, serem proprietários de um prédio urbano, o qual é formado por duas áreas distintas, muradas entre si, que vêm sendo utilizadas pelos AA., à vista de todos, sem oposição, há mais de 20 anos, na convicção de que são proprietários, a saber, uma área norte com 1.200 m2, destinada a habitação e uma área sul com 800 m2, destinada a agricultura. Alegam, ainda que desde agosto de 2013 a R. os vem impedindo de usar a parte mais a sul do seu prédio, queimando as plantações ali existentes e abrindo um buraco que impede os AA. de ali entrar. 3. Por sentença já transitada em julgado julgou-se a acção totalmente improcedente, assim se absolvendo a ré dos pedidos formulados; julgou-se improcedente o pedido de condenação dos AA. e Intervenientes como litigantes de má fé, sendo as custas, na íntegra, a cargo dos AA. e Intervenientes (art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos AA. 4. Resulta de tal sentença, a saber, na apreciação do direito que “Vertendo ao caso em apreço, temos que não lograram os Intervenientes provar a aquisição da parcela pelo usucapião, na medida em que não ficaram demonstrados os factos atinentes à prática pelos mesmos ou pelos antepossuidores, os AA., na convicção de serem os proprietários, de actos reveladores da posse sobre parcela de terreno que se situa a sul do seu prédio, no exterior de um muro que ali existe, com a área de 800 m2. Igualmente, pelos mesmos fundamentos, não demonstraram os AA. ter adquirido qualquer direito real sobre a parcela.--- Nessa medida, terá de improceder o primeiro pedido – do reconhecimento de propriedade e usufruto – e, consequentemente, por pressuporem a declaração do direito de propriedade ou outro direito – no caso dos AA. de usufruto - da parcela a favor dos Intervenientes, o pedido de condenação da R. a respeitar esses direitos, abstendo-se de os perturbar.” 5. AA e BB, melhor identificados nos autos propuseram ação de demarcação contra CC, peticionando que se proceda à demarcação entre os terrenos confinantes dos autores e da ré, na sua confrontação Nascente/Poente, com colocação de marcos ou muro de vedação e ainda que a ré seja condenada a pagar aos Autores uma indemnização por danos morais no valor de 6.000,00 euros. 5. Para tanto, alegaram, em suma que são legítimos proprietários do prédio urbano, com quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...49 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...44, sendo a Ré proprietária do prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatório ... sob o n.º ...65 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...74, sendo os prédios confinantes. Alegam que o prédio tem a área inscrita de 1600 m2 foi adquirido pelo pai da Autora, sendo que a casa de habitação dos Autores foi edificada em parte do referido terreno adquirido para construção urbana tendo os Autores afetado parte do terreno para o cultivo de hortícolas e tendo os Autores construído um muro a separar a parte do terreno destinado a cultivo de hortícolas da parte do terreno destinado a pasto, nomeadamente de uma cabra, a jardim e à implantação de um cato aloé vera medicinal. E tendo os Autores incorporado necessariamente nesse muro um cancelo para terem acesso à parte restante do terreno que adquiriram, pela escritura pública celebrada no dia 29-06-1960 no então 1.º Cartório Notarial de .... Assim a Norte do referido muro ficou o terreno dos Autores com a área de cerca de 1250 m2, e a restante área de cerca de 350 m2 ficou desenvolvida para Sul do referido muro – área esta acrescida ainda de outros 800 m2 de terreno, (metade do terreno constante na primeira aquisição), que também o pai da Autora, EE, adquiriu cerca de seis meses após a realização da escritura pública de 29-06-1960, por contrato verbal, celebrado com o mesmo vendedor, e que incorpora uma zona penedia a Poente, por onde em tempos havia um caminho por onde passavam bois e cavalos dos condes de ..., terreno acrescentado à área constante na referida escritura pública de 29-06-1960, e contíguo ao adquirido pelo pai da Autora, EE, pela referida escritura pública celebrada no dia 29-06-1960 no então 1º Cartório Notarial de ..., terreno que os Autores também vêm possuindo desde pelo menos o ano de 1960, O outorgante da venda a favor do pai da Autora, EE, entretanto falecido, não logrou porém outorgar a escritura pública de anexação da referida parcela de terreno, de 800 m2, a favor do pai da Autora. Tanto a área de 350 m2 como a área contígua de 800 m2 possuídas pelos Autores confrontam a Nascente / Poente com o prédio da Ré. Não obstante, quer o pai da Autora, EE, quer os próprios Autores, sempre possuíram quer a área de terreno de 350 m2 situada para Sul do indicado muro, quer a área de 800 m2 posteriormente adquirida por contrato verbal e anexa a essa área e situada também a Sul do referido muro, destinando tais terrenos com a área total de 1150 m2 a pasto de cabras e cabritos seus e à plantação de diversas qualidades de plantas de flores e ainda de um cato de aloé vera destinado à confeção de remédios medicinais. Os Autores, sempre praticaram desde 1960, possuindo as ditas parcelas de terreno, de 350 m2 e de 800 m2, na convicção de serem seus verdadeiros proprietários e assim sendo tidos, pelo que têm sobre a parcela posse tanto no aspeto material como no psicológico, de boa-fé, contínua, pacífica e pública, por mais de 30 anos, pelo que, quer por si quer pelo anterior possuidor, EE, tem adquirida por usucapião, que aqui expressamente invocam, aquela área de 800 m2 de terreno que adquiriram por contrato verbal, do mesmo vendedor e cerca de 6 meses após a escritura pública celebrada no dia 29-06-1960 no então 1.º Cartório Notarial de .... * IV.Do direito:a)da junção aos autos, em sede de recurso de documentos. Com as alegações de recurso e sem qualquer justificação vem os recorrentes juntar aos autos certidão da Petição Inicial do processo n.º: 1431/13.1TJVNF e cópia da Sentença desta Ação n.º: 1431/13.1TJVNF, (reproduzindo aliás a certidão já junta pela Ré na sua Contestação), Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-07-2024, do processo n.º: 70423/23.9YIPRT, da Relatora Teresa Fonseca, consultado no site: www.dgsi.pt , Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10-07-2023, do processo n.º: 3519/22.9T8VNF.G1, da Relatora: Maria Eugénia Pedro, consultado no site: www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09-03-2023, do processo n.º: 11183/21.6T8PRT-A.P1, da Relatora Isoleta de Almeida Costa, consultado no site: www.dgsi.pt e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28-09-2023, do processo n.º: 753/20.0T8VNF-J.G2 do Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães, consultado no site: www.dgsi.pt. Opõe-se a tal junção a recorrida, porquanto em nenhum momento do requerimento de interposição de recurso ou das alegações, invoquem o que quer que seja quanto à existência dos requisitos de admissibilidade de tal junção, requisitos esses que não se verificam. Vejamos. Da leitura conjugada do nº 1 do artº 651º do Código de Processo Civil, segundo o qual “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artº 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento na 1ª instância” e do 425º, do mesmo diploma legal, segundo o qual “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, resulta que a admissibilidade da junção de documentos na fase processual de recurso é excepcional e apenas poderá ter por fundamento duas situações: a)impossibilidade da sua apresentação em tempo oportuno, nos termos definidos pelo art.º 423.º do Código de Processo Civil e b)a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância. Nesse sentido referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, pág 522, 2ª edição, que “Visando a prova documental a demonstração de factos relevantes para a resolução do litígio, é natural que a sua pertinência cesse, em regra, com o encerramento da discussão da causa, que corresponde ao momento em que terminam as alegações orais dos advogados das partes (artº 604º, nº 3, al. e). Depois de tal momento, apenas se pode congeminar a junção excecional de documentos nos termos previstos no art. 651º, nº 1, em sede de recurso de apelação: para além dos documentos que sejam objetiva e subjetivamente supervenientes (tendo em conta o encerramento da discussão na audiência final), são admissíveis aqueles cuja necessidade se revelar em função da sentença proferida, o que pode justificar-se pela imprevisibilidade do resultado (v.g, quando a sentença se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes ou quando se funde em regra de direito cuja aplicação ou interpretação as partes não previram). Assim, a primeira situação de impossibilidade reconduz-se à superveniência do documento, tendo como referência o momento do julgamento em 1.ª Instância, superveniência essa que, tanto poderá ser objectiva, se o documento é de data posterior àquela em que ele devia ter sido apresentado, como poderá ser subjectiva se o conhecimento da sua existência só foi adquirido posteriormente ao referido momento. Diga-se que, são os seguintes os “documentos” juntos: a) Petição Inicial do processo n.º: 1431/13.1TJVNF b) Cópia da Sentença desta Ação n.º: 1431/13.1TJVNF, (reproduzindo aliás a certidão já junta pela Ré na sua Contestação), c) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-07-2024, do processo n.º: 70423/23.9YIPRT, da Relatora Teresa Fonseca, consultado no site: www.dgsi.pt , d) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10-07-2023, do processo n.º: 3519/22.9T8VNF.G1, da Relatora: Maria Eugénia Pedro, consultado no site: www.dgsi.pt, e)Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09-03-2023, do processo n.º: 11183/21.6T8PRT-A.P1, da Relatora Isoleta de Almeida Costa, consultado no site: www.dgsi.pt f) Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28-09-2023, do processo n.º: 753/20.0T8VNF-J.G2 do Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães, consultado no site: www.dgsi.pt. Antes de mais se diga, que da leitura das alegações apresentadas pelos recorrentes nada se alega quanto à junção ou necessidade de junção de tais documentos. Acresce que quanto aos documentos juntos e atrás elencados nas alíneas a) e b) não só se mostram anteriores à instauração da presente ação, como constavam já dos autos, não podendo pois, em tese porque o não foi, ser alegado que só agora tiveram os recorrentes dos mesmos conhecimento. Assim, nunca poderiam os mesmos ser admitidos. Relativamente aos demais, apesar das datas deles constantes, nada foi alegado quanto à sua necessidade de junção e, não só aqueles não configuram documentos no sentido de se destinarem a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa, tratando-se sim da reprodução de acórdãos constantes do site www.dgsi.pt, a que este Tribunal tem acesso. Assim sendo, não poderiam também estes ser admitidos. * b) da (não) verificação do caso julgado:Importa aos autos aferir se se verifica nos autos a existência de caso julgado, na vertente de autoridade do caso julgado. Vejamos. Dispõe o nº 1 do artº 580º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Conceitos de litispendência e caso julgado” que “as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado», resultando do nº 2 deste preceito que as referidas exceções tem por fim evitar que o tribunal seja colocado perante a posição de contradizer ou reproduzir decisão anterior. Como referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, pág, 684, 2ª edição “A litispendência e o caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, divergindo quanto ao estado em que ambas se encontram: se numa delas foi proferida decisão final transitada em julgado, verifica-se a exceção do caso julgado; na situação oposta há litispendência”. Estabelece o artº 581º do Código de Processo Civil que, sob a epígrafe “Requisitos da litispendência e do caso julgado que: “1. Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. 2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. 4. há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real;(…)”. Ora, o caso julgado pressupõe, como referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, na obra citada, pág. 685, nota 1, uma tripla identidade crucial entre sujeitos, causa de pedir e pedido, assumindo, como se refere na sentença em crise “um efeito negativo ou excludente, pois que determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva”. Como referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, na obra citada, pág. 685, nota 2 “A identidade de sujeitos não supõe a mera identidade física ou nominal, verificando-se ainda quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, ou seja, não apenas aquelas que intervieram formalmente no processo, mas ainda, designadamente “aquelas que assumiram, mortis causa ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitada em julgado”. Quanto à identidade de causas de pedir, referem os autores citados, na obra citada, pág. 687, nota 7 que “A identidade de causas de pedir verifica-se quando as pretensões deduzidas nas ações derivam do mesmo facto jurídico, analisado à luz da substanciação consagrada no nº 4”. Quanto à identidade de pedidos referem os mesmos autores, na mesma obra, pág. 686, nota 5 que “(…) afere-se pela circunstância de em ambas as ações se pretender obter o mesmo efeito prático-jurídico, não sendo de exigir uma adequação integral das pretensões”. Verificada a exceção de caso julgado que, constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, obsta-se ao conhecimento do mérito da causa e conduz-se à absolvição do réu da instância, conforme resulta dos artºs 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. i) e 578º do Código de Processo Civil. Por outro lado, e tal como refere o D. Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2022, relatado pela Srª Conselheira Maria Clara Sottomayor, in www.dgsi.pt, “a autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da segunda, obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581º do Código de Processo Civil” – ac. do STJ, de 13-09-2018 (Proc. n.º 687/17.5T8PNF.S1). Nas palavras de Lebre de Freitas e de Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, Reimpressão, pp. 599-590), o efeito positivo do caso julgado conferido pela figura da autoridade “assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…) ou o fundamento da primeira decisão, excecionalmente abrangido pelo caso julgado (…) é também questão prejudicial na segunda ação”. Aqui chegados importa aferir se, a questão ora suscitada foi já decidida por sentença transitada em julgado, verificando-se a situação de autoridade de caso julgado. Conforme já atrás se referiu DD e EE, intentaram acção ordinária que correu termos sob o nº 1431/13.1TJVNF na Secção Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão contra CC, peticionando o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o terreno que identificam como parcela de terreno que se situa a sul do seu prédio inscrito na matriz urbana sob o artº ...44º, freguesia ..., no exterior de um muro que ali existe, com a área de 800 m e a condenação da ré a abster-se de “comportamento abusivo” sobre tal prédio, tendo alegado, para fundamentar a sua pretensão, e em síntese, serem proprietários de um prédio urbano, o qual é formado por duas áreas distintas, muradas entre si, que vêm sendo utilizadas pelos AA., à vista de todos, sem oposição, há mais de 20 anos, na convicção de que são proprietários, a saber, uma área norte com 1.200 m2, destinada a habitação e uma área sul com 800 m2, destinada a agricultura. Alegam, ainda que desde agosto de 2013 a R. os vem impedindo de usar a parte mais a sul do seu prédio, queimando as plantações ali existentes e abrindo um buraco que impede os AA. de ali entrar. Por sentença já transitada em julgado julgou-se a acção totalmente improcedente, assim se absolvendo a ré dos pedidos formulados; julgou-se improcedente o pedido de condenação dos AA. e Intervenientes como litigantes de má fé, sendo as custas, na íntegra, a cargo dos AA. e Intervenientes (art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil), sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos AA, sendo cero que resulta de tal sentença, a saber, na apreciação do direito que “Vertendo ao caso em apreço, temos que não lograram os Intervenientes provar a aquisição da parcela pelo usucapião, na medida em que não ficaram demonstrados os factos atinentes à prática pelos mesmos ou pelos antepossuidores, os AA., na convicção de serem os proprietários, de actos reveladores da posse sobre parcela de terreno que se situa a sul do seu prédio, no exterior de um muro que ali existe, com a área de 800 m2. Igualmente, pelos mesmos fundamentos, não demonstraram os AA. ter adquirido qualquer direito real sobre a parcela.--- Nessa medida, terá de improceder o primeiro pedido – do reconhecimento de propriedade e usufruto – e, consequentemente, por pressuporem a declaração do direito de propriedade ou outro direito – no caso dos AA. de usufruto - da parcela a favor dos Intervenientes, o pedido de condenação da R. a respeitar esses direitos, abstendo-se de os perturbar.” Ou seja, pretendeu-se na referida ação o reconhecimento – que não se alcançou - do direito de propriedade dos autores ao prédio sito a sul do muro pelos mesmos construído e com a área de 800 m2, prédio esse que teria sido adquirido por usucapião. Ora, na presente ação de demarcação instaurada por AA e BB, contra CC, vieram aqueles peticionar que se proceda à demarcação entre os terrenos confinantes dos autores e da ré, na sua confrontação Nascente/Poente, com colocação de marcos ou muro de vedação e ainda que a ré seja condenada a pagar aos Autores uma indemnização por danos morais no valor de 6.000,00 euros. Para tanto, alegaram os autores, em suma, serem legítimos proprietários do prédio urbano, com quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...49 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...44, sendo a Ré proprietária do prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatório ... sob o n.º ...65 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...74, sendo os prédios confinantes. Alegam que o prédio tem a área inscrita de 1600 m2, sendo que a casa de habitação dos Autores foi edificada em parte do referido terreno adquirido para construção urbana tendo os Autores afetado parte do terreno para o cultivo de hortícolas e tendo os Autores construído um muro a separar a parte do terreno destinado a cultivo de hortícolas da parte do terreno destinado a pasto, nomeadamente de uma cabra, a jardim e à implantação de um cato aloé vera medicinal. Assim a Norte do referido muro ficou o terreno dos Autores com a área de cerca de 1250 m2, e a restante área de cerca de 350 m2 ficou desenvolvida para Sul do referido muro – área esta acrescida ainda de outros 800 m2 de terreno, (metade do terreno constante na primeira aquisição), que também o pai da Autora, EE, adquiriu cerca de seis meses após a realização da escritura pública de 29-06-1960, por contrato verbal, celebrado com o mesmo vendedor, e que incorpora uma zona penedia a Poente, por onde em tempos havia um caminho por onde passavam bois e cavalos dos condes de ..., terreno acrescentado à área constante na referida escritura pública de 29-06-1960, e contíguo ao adquirido pelo pai da Autora, EE, pela referida escritura pública celebrada no dia 29-06-1960 no então 1º Cartório Notarial de ..., terreno que os Autores também vêm possuindo desde pelo menos o ano de 1960, Os Autores, sempre praticaram desde 1960, possuindo as ditas parcelas de terreno, de 350 m2 e de 800 m2, na convicção de serem seus verdadeiros proprietários e assim sendo tidos, pelo que têm sobre a parcela posse tanto no aspeto material como no psicológico, de boa-fé, contínua, pacífica e pública, por mais de 30 anos, pelo que, quer por si quer pelo anterior possuidor, EE, tem adquirida por usucapião, que aqui expressamente invocam, aquela área de 800 m2 de terreno que adquiriram por contrato verbal, do mesmo vendedor e cerca de 6 meses após a escritura pública celebrada no dia 29-06-1960 no então 1.º Cartório Notarial de .... Ou seja, a primeira das ações configura uma ação de reivindicação, prevista nos artºs 1311º e seguintes do Código Civil, segundo o qual “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence”. Como refere a sentença em crise “Assim sendo, a causa de pedir da ação de reivindicação “é complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade de que o autor se arroga titular, como a ofensa desse direito através da ocupação abusiva do imóvel pelo réu, comportando a mesma dois pedidos, que entre si se cumulam: o do reconhecimento daquele direito de propriedade e o da restituição da coisa reivindicada (com os quais ainda pode ser cumulado pedido de indemnização se se mostrarem preenchidos os respetivos pressupostos (cfr. Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de maio de 2012, relatado pela juiz desembargadora Judite Pires, Processo n.º 967/08.0TBALB.C1, disponível em www.dgsi.pt”. A segunda das ações, a dos autos, configura uma ação de demarcação, prevista no artº 1353º do Código Civil, segundo a qual “o proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas”, o que, conforme refere a sentença em crise “quer dizer que a demarcação configura um ato de determinação dos limites de determinado prédio e pressupõe ainda a contiguidade dos prédios”. Ora, temos de concordar com a sentença em crise quando refere que “a ação de demarcação não tem como objeto o reconhecimento da propriedade, no entanto, pressupõe-no. (…) Ou seja, se na ação de reivindicação se pede o reconhecimento da propriedade sobre uma parcela de terreno, assente em factos que comprovem a aquisição, na ação de demarcação peticiona-se a determinação da área de um referido prédio, alegando-se a titularidade e contiguidade dos mesmos”. Como refere o Acordão da Relação do Porto de 12 de setembro de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Maria da Luz Seabra, in www.dgsi.pt “A Jurisprudência consolidada, refere de forma reiterada que, a ação de demarcação supõe uma causa de pedir complexa, integrada por factos tendentes a demonstrar cumulativamente os seguintes requisitos: i)existência de prédios confinantes; ii) pertencentes a donos diferentes; iii) incerteza, controvérsia ou mero desconhecimento sobre a linha divisória entre eles. (neste sentido, Ac STJ de 25.05.2023, Proc. Nº 3346/16.2T8GMR.G1.S1; Ac STJ de 20.11.2019, Proc. Nº 841/13.9TJVNF.S1; Ac RP de 14.11.2022, Proc. Nº 1711/19. 192T8PNF.P1; Ac RP de 29.9.2921, Proc. Nº 1229/18.0T8VNG.P1; Ac RP de 13.7.2021, Proc. Nº 500/20. 6T8ALB.P1; Ac RP de 15.12.2021, Proc. Nº 882/12.3TBSJM.P3; Ac RP de 12.9.2022, Proc. Nº 316/13. 6TBAMT.P2, Ac RG 13.6.2019, Proc. Nº 841/13.9TJVNF.G2; Ac RC 13.5.2014, Proc. Nº 3779/10.8TBVIS.C1, todos www.dgsi.pt) A ação de demarcação, prevista no artigo 1353.º do CC, contrariamente à acção de reivindicação, supõe a certeza e indiscutibilidade dos títulos de propriedades dos prédios confinantes, havendo duvidas apenas quanto aos respetivos limites, (…)”. Ora, da leitura dos articulados de ambas as ações e das sentenças que nas mesmas foram proferidas, resulta que, não está em causa a área de 1600 m2 adquirida pelos ora recorrentes (da sentença proferida na ação de reconhecimento dá-se como provado que: “a) Por escritura pública outorgada em 29 de Junho de 1960 os AA. declararam comprar a FF e mulher, que declararam vender, uma parcela de 1600 m2, desintegrada do prédio denominado ..., sita no lugar ... ou ..., freguesia ..., descrito na Conservatória sob o número ...10 e na matriz predial sob o artigo ...78. (artigos 1. a 3. da petição inicial)— b)Da escritura referida em a) consta que a parcela adquirida ficou “ a constituir um prédio distinto e demarcado, a confrontar do nascente e norte com o vendedor, do poente com GG e do sul com Dona HH. (artigo 4. da petição inicial)” mas tão só a área de 800 m2 destinada à agricultura. E sobre tal área pronunciou-se a sentença proferida nos autos que sob o nº 1431/13.1TJVNF correram os seus termos na Secção Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão. Ora, tal sentença conhecendo do mérito da causa, não reconheceu os então autores como titulares do direito de propriedade sobre aquela parcela. Diga-se pois que, salvo o devido respeito por contrária opinião, pretendem os ora recorrentes obter nesta ação de demarcação, como questão prejudicial, o reconhecimento do direito de propriedade que não lograram obter na primeira. Ora, como se refere no último dos Acordãos citados “(…)numa ação de demarcação não se mostra controvertido o direito de propriedade de cada uma das partes sobre cada um dos prédios confinantes, não havendo, por isso, que declarar incluída num daqueles prédios qualquer área em litígio, apenas importará proceder à definição da linha divisória entre os dois prédios confinantes, demarcando as respectivas estremas no ponto onde confrontam, ainda que haja uma área, por pequena que seja, que constitua ponto da discórdia” Daqui termos de concluir, que a invocação da propriedade é pressuposto da ação de demarcação, sendo certo que, relativamente aos 800 m2 (cujo reconhecimento ora se subentende) já recaiu decisão, com trânsito em julgado material – ao contrário do que resulta das conclusões dos ora recorrentes (pressupõe a realização no processo anterior de uma apreciação e decisão de mérito, a que o nº 1 do artº 619º do Código de Processo Civil pretende reportar-se com as expressões “a sentença ou o despacho de saneador que decida do mérito da causa”. Tal relação ou situação jurídica – da propriedade da parcela de 800 m2 – foi já definida na primeira das decisões, sendo pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta ação se pretende regular ou definir, motivo porque, conforme refere a decisão em crise, se verifica uma situação de autoridade do caso julgado. E não se refira que foram invocados factos distintos. Efetivamente, na primeira das ações referiu-se ter sido adquirido, por escritura de compra e venda, um prédio com a área de 1600 m2 e por usucapião os demais 800 m2. Nesta ação vem invocar-se a aquisição dos mesmos 1600 m2 (dividindo-se os mesmos em duas áreas, a saber, de 1250 m2 e 350m2) e a parcela de 800 m2. Nestes termos, julgamos procedente a invocada autoridade do caso julgado. * V. Decisão:Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença proferida. Custas pelos recorrentes. Guimarães, 9 de outubro de 2025 Relatora: Margarida Pinto Gomes Adjuntos: Fernanda Proença Fernandes Luís Miguel Martins |