Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
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| Relator: | MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS ACTIVIDADES PERIGOSAS COMITENTE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I – Para que o Tribunal possa dar como provado um determinado facto não tem que se convencer da certeza absoluta da sua verificação, mas apenas, com alguma segurança e alto grau de probabilidade suficiente, de que determinados factos ocorreram. II – A obrigação de indemnizar implica que entre o acto ilícito e culposo e o prejuízo exista uma relação causal, o mesmo é dizer que o primeiro possa ser considerado a causa jurídica do segundo. III – O requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar. IV - Não define a lei, é certo, o que se considera actividade perigosa, deixando a sua determinação para cada situação concreta. V - A noção de actividade perigosa deve ser aferida segundo as regras da experiência, sendo, assim, apelidada de perigosa aquela actividade que, segundo aquelas regras, envolve uma grande propensão para ocorrência de danos. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – Relatório AA, casada, empresária, contribuinte fiscal número ...72, residente na Rua ..., ..., ..., em ..., instaurou acção comum contra EMP01..., Unipessoal Lda., NIPC ...19, com sede na Rua ..., ..., em ..., ..., formulando o seguinte pedido: - Condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de € 5.422,52 (cinco mil, quatrocentos e vinte e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida de juros moratórios contados à taxa legal aplicável às operações comercias, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. Para tanto, no essencial, alegou ter contratado com a Câmara Municipal ... a prestação de serviços para manutenção de espaços verdes, loteamentos e propriedades do município. Por contrato de prestação de serviços celebrado em 2 de Maio de 2022, a Ré obrigou-se a prestar à Autora serviços de manutenção e limpeza de bermas, ruas e terrenos, de forma autónoma e independente, garantindo a Ré a boa execução dos serviços prestados. No dia 9 de Junho de 2022, no âmbito do contrato celebrado entre as partes, a Ré procedeu à limpeza de infestantes e espaços contíguos à via pública, na Calçada ... – ..., da União de Freguesias ... e ..., usando, para o efeito, moto-roçadora operada por um trabalhador ao seu serviço e, enquanto operava a moto-roçadora, o trabalhador ao serviço da ré manuseava aquela máquina sem evitar a projecção de pedras pela parte rotativa do equipamento, sem ter o cuidado ou a preocupação de evitar a possibilidade de embater em pequenas pedras susceptíveis de serem projectadas, nem tão pouco de proteger o perímetro da zona dos trabalhos com meios de contenção que impedissem que essa projecção pudesse atingir. O operador da moto-roçadora actuava distraidamente sem focar a atenção nas pequenas pedras existentes no pavimento que foram atingidas pelas partes rotativas da máquina e projectadas contra o portão de acesso e vidros que constituem o guarda corpos da varanda daquela habitação. Por imperícia, descuido e desatenção do seu operador, a utilização da moto-roçadora provocou a projecção de pedras contra o portão de acesso ao nº ... da Calçada ... e contra vidros que constituem os guarda corpos da varanda daquela habitação, levando a sua proprietária a participar a ocorrência à Câmara Municipal ..., tendo esta instado a Autora a assumir a responsabilidade pelos danos, que inspeccionou e avaliou, cuja soma ascendeu a € 4.408,55., acrescida de IVA à taxa legal de 23%, num total de € 5.422,52. * A Ré EMP01..., Lda apresentou a sua contestação, invocando a ineptidão da petição inicial e a caducidade do direito da Autora, aceitando parte da factualidade, mais requerendo a intervenção principal provocada da Seguradora EMP02..., S.A.. * A Autora apresentou a sua resposta às excepções invocadas pela Ré.* Foi proferido despacho de admissão da intervenção principal provocada requerida e chamada EMP02... – Companhia de Seguros, S.A. que veio apresentar articulado, admitindo ter sido celebrado o contrato de seguro do ramo da responsabilidade civil-exploração subscrito pela Ré e titulado pela apólice nº ...80, mas sustentando que os danos reclamados pela Autora estão excluídos das garantias da apólice, nos termos das alíneas l) e n) da cláusula 3ª. No mais, impugnou a factualidade alegada pela Autora. * Pronunciou-se a Autora quanto à matéria de excepção invocada pela chamada. * Após, foi proferido despacho de aperfeiçoamento, tendo a Autora apresentado petição inicial aperfeiçoada, tendo a Ré mantido a posição assumida na contestação apresentada. * Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial, relegando-se para momento ulterior a apreciação das demais excepções. Atento o valor da acção e a simplicidade da causa, dispensou-se a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova. * Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.* II- Objecto do recursoNão se conformando com a decisão proferida veio a A. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: A-Quanto aos factos dados como provados 1ªO facto dado como provado sob o nº 1, embora correspondendo ao facto alegado no artº 1º da PI, face à remição que faz para os termos e condições constantes do documento junto à PI sob o nº 1, podendo e devendo nos termos do artº 5º a) e b) do CPC considerar o concreto conteúdo do clausulado daquele documento, não o fez, omitindo, designadamente, a referência ao gestor do contrato designado pela Câmara Municipal ... com a função de acompanhamento permanente da execução do contrato. 2ªImpondo-se para a boa decisão da causa e prevalência da verdade material, a alteração do teor daquele item nº 1, para “ Em 11 de Abril de 2022 a Autora contratou com a Câmara Municipal ... a prestação de serviços para manutenção de espaços verdes, loteamentos e propriedades do município sendo gestor do processo o técnico BB com a função de acompanhamento permanente da sua execução, nos termos e condições constantes do documento número 1 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por reproduzido” 3ªO depoimento das testemunhas arroladas pela A., único meio de prova invocado na motivação da decisão quanto ao nº 7 dos factos provados, não demonstra aquele facto, antes o infirma, impondo a análise crítica dos depoimentos produzidos conjugada com o documento junto à PI sob o nº 2, a reformulação da resposta dada aquele facto, sendo manifesta a divergência entre o número de trabalhadores previsto no contrato e o número de trabalhadores que efectivamente o executavam. 4ªDevendo ser alterada a redacção daquele item nº 7 dos factos provados, considerando como provado “ Devendo a execução material dos trabalhos por parte da Ré ser assegurada por quatro trabalhadores da por esta contratados e ao seu serviço actuando simultaneamente era executada por um número de trabalhadores não apurado, sendo no mínimo 2 e no máximo 3” pois é efectivamente isso mesmo que resulta da análise crítica da prova produzida. 5ªA mesma ordem de razões é aplicável ao item nº 9 dos factos provados, uma vez que embora contratualmente estivesse previsto que a equipa seria composta por 4 trabalhadores, apenas estava prevista a operação de uma única moto-roçadora, tendo resultado provado estarem a trabalhar em simultâneo 2 moto-roçadoras. 6ªA motivação invocada para a prova daquele item nº 9, testemunhas da A., é uma vez mais manifestamente inadequada e desajustada face à prova efectivamente produzida e que acima foi elencada, resultando da prova produzida pelas testemunhas da R, designadamente CC e DD e EE, a intervenção de 2 trabalhadores operando a moto-roçadora, devendo aquele item nº 9 dos factos ser reformulado no sentido de “ Usando para o efeito moto-roçadora operada por dois trabalhadores ao serviço da Ré” 7ªO nº 10 dos factos dados como provados merece igualmente reparo, porquanto remetendo para o documento nº 3 junto à PI, com expressa menção de ali se dar como integralmente reproduzido o seu teor, todavia omite os factos a que respeita, sendo destituído de conteúdo dar como provado ter sido feita uma participação cujos concretos factos se omitem, dando embora por integralmente reproduzido o teor do documento que os indicam. 8ªReportando-se os factos constantes daquele documento aos alegados nos artºs 12, 13, 14, 18, 19 e 20, da PI e não tendo sido impugnado o documento junto à PI sob o nº 3, a análise crítica e conjugada da prova produzida impõe a alteração da redacção daquele item nº 10 no sentido, que se sugere, em síntese “ A proprietária da habitação nº ...9 da Calçada ... fez uma participação à Câmara Municipal ... e à Guarda Nacional Republicana alegando que no dia 9 de Junho de 2022 o embate de pequenas pedras projectadas contra os vidros das varandas e os portões de acesso, estes também raspados pelo fio cortante das moto-roçadoras usadas.” 9ªA fundamentação dada pela mª Juiz recorrida para a resposta dada ao quesito 17º padece damesma deficiência de fundamentação apontada ao nº 10, contrariando, além disso, de forma clamorosa as regras da experiência comum, verosimilhança e lógica, sendo evidente, manifesto, que a aba plástica referida apenas protege a projecção de detritos na direcção do operador, não produzindo esse efeito para o sentido oposto nem lateralmente. 10ªDevendo ser reformulada a redacção daquele item nº 17 no sentido da sugestão “ As moto-roçadoras em questão, de modelo ... dispõem de um protector de projecções constituído por uma aba plástica fixada na cabeça da engrenagem e que cobre parcialmente o sector de corte, protegendo o operador das projecções de detritos” 11ªA resposta dada ao item nº 18, padece exactamente das mesmas deficiências apontadas ao nº17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, transcrito e integrado. 12ªImpondo-se a alteração da redacção deste nº 18 no sentido de “ Assim as possíveis projecções na direcção do operador ficam resguardadas, sendo travadas por essa aba”, em conformidade com as regras da lógica, verosimilhança e experiência comum e a prova produzida. 13ªA prova produzida, designadamente aquela em que a mª Juiz recorrida se louva, contraria frontalmente a resposta dada ao item nº 19º, o qual deverá ser pura e simplesmente eliminado dos factos provados e incluído no rol dos factos não provados. 14ªQuanto ao item nº 20 dos factos provados, a mª Juiz motiva a resposta dada no doc 1 junto à contestação, oportunamente impugnado, cujo conteúdo, porém, não demonstra a realidade dos factos e das conclusões nele vertidas. 15ºValorando como se de um relatório se tratasse, um mero email de comunicação, supostamente enviado pela chamada seguradora, para destinatários desconhecidos, no qual declina assumir a responsabilidade pelo sinistro. 16ªAlém de que a resposta dada é em si mesma ambígua e obscura, nela não se concretizando o que se dá como provado – se a realização de uma inspecção da qual resultou um relatório com o teor dele constante, se o teor do dito relatório, que como acima se referiu, não o é. 17ªDevendo ser dado como provado, precisamente o inverso, ou seja, que os danos reclamados (vidros picados, portões picados e riscados) resultaram da projecção de pequenas pedras tipo brita, causada pela operação da moto-roçadora sem estar em uso a lona de protecção que constitui o meio adequado para impedir que as pedras projectadas atinjam o que se encontrar no seu alcance. 18ªNo que respeita ao facto elencado sob o nº 21 dos factos provados, dá-se aqui por reproduzido, integrado e transcrito o teor das conclusões 14ª e 15ª. 19ªOmitindo a d. Sentença recorrida que o documento em que se “fundamenta” aquela decisão a identificação do equipamento utilizado, além de impugnado e do demais acima referido, não indica as medidas de protecção utilizadas, não quantifica a quantidade de gravilha nem justifica o motivo da impossibilidade de projecção de gravilha 20ªA d Sentença recorrida, uma vez mais, fundamenta a decisão sobre um facto, num documento que valora como se de um relatório se tratasse – sem o ser – sem atentar que esse documento estava impugnado, dando-se aqui por integralmente reproduzido, transcrito e integrado o teor das conclusões nºs 7, 9, 14, 15, 16, 21ªA que acresce a circunstância de a prova produzida infirmar aquele facto que, deverá assim transitar para o elenco dos factos não provados. B-Dos factos não provados 22ªSendo os factos referidos como não provados na d Sentença recorrida, o primeiro erro de julgamento em que incorre a mª Juiz consiste em desconsiderar que a situação dos autos, tal como aliás se encontra configurada pela A é subsumível na responsabilidade objectiva desta no âmbito da relação de comissão estabelecida com a R. e que, por conseguinte, encontra-se esta onerada com uma presunção de culpa, conforme antes se alegou a e adiante concluirá. 23ºNo que respeita ao facto acima referenciado na motivação do recurso quanto aos factos não provados, identificado como 1a), em conformidade com os fundamentos invocados na Conclusões produzidas em sede de matéria de Direito, deveria ser dado como provado, não obstante tratar-se de facto negativo por via dos artºs 344º-2 CC conjugado com os artºs 414º.2 e 607º- 4,ambos do CPC, mais a mais por beneficiar a A. da inversão do ónus da prova resultante do artº 417 – 2 CPC aditando- se esse número ao rol dos factos provados. 24ªDe igual modo se sustenta, quanto aos factos enumerados na motivação do recurso da matéria de facto sob os itens 2, b), c), d), g), h), i) dos factos dados como não provados, aqui se dando o seu teor por reproduzido e integrado, deverão ser dados como provados e aditados ao número dos factos provados, uma vez que incidiu sobre tais factos prova suficiente para serem dados como provados, com base na ponderação crítica de toda a prova produzida, e regras da experiência comum que permitem, dir-se-ia, impõem ao abrigo dos citados preceitos do artº 414º e 607º CPC essa presunção judicial, pelo que decidindo em contrário a mª Juiz incorreu em manifesto erro de julgamento. 25ªAinda que assim não fosse, tais factos, enquanto elementos integradores da culpa dos funcionários da R. emergente do emprego de uma máquina perigosa como é a moto-roçadora, estão abrangidos pela presunção de culpa imposta pelo artº 493º - 2, CC, com a consequente inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º - 1 CC , impondo-se que transitem para o rol dos factos provados. 26ªQuanto aos itens 3 e), f) e k), dos factos tidos por não provados, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado, a análise crítica da prova testemunhal produzida, à luz das regras da experiência comum, impõe a alteração da decisão da matéria de facto no sentido de serem dados como provados aqueles factos, com a sua consequente inclusão no segmento decisório dos factos provados . 27ªDe forma lacónica a mª Juiz recorrida deu como não provado os factos alegados nos artºs 24 e 25 da PI, para os quais remete, verificando-se que a prova produzida referente aos factos contidos nos citados artigos da PI, foram objecto de prova, documental e testemunhal, que demonstra categoricamente a verificação de tais factos, impondo-se que tais factos, ou seja, o teor daqueles artigos 24 e 25 da PI, cujo teor aqui se dá por transcrito e integrado, transitem para os factos provados, assim sanando o erro de julgamento em que se traduz a sua inclusão nos factos tidos como não provados. 28ªErra novamente a mª Juiz recorrida quando julga não estarem comprovados os factos consubstanciadores do nexo de causalidade entre o serviço prestado pela R. (limpeza da via e passeio com recurso a moto-roçadora) e os danos apurados (vidros e portões picados pela projecção de pequenas pedras tipo gravilha e portões riscados por terem sido raspados pelo fio da moto-roçadora), C- DIREITO 29ªNos termos do artº 682º CPC, deve esse venerando Tribunal da Relação alterar a decisão sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa, incumbindo ao apelante especificar os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, especificando os meios de prova que determinem decisão diversa da recorrida. 30ªConforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a d. Sentença recorrida violou ainda os artºs 342º -1 CPC, e do artº 493 -2 CPC quando não atenta à presunção de culpa decorrente da actividade perigosa, simultaneamente pela sua própria natureza e quanto ao meio empregue, em que se traduz a limpeza de bermas, arruamentos e passeios por meio de moto-roçadora. 31ªConforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a d. Sentença recorrida viola o artº 5º - 2 a) CPC e 412 – 1 CPC, não considerando, factos instrumentais resultantes da prova testemunhal produzida. 32ªConforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a d. Sentença recorrida, viola os artºs 5º - 2 c) e 412º - 1 CPC, designadamente ignorando factos notórios acessíveis a qualquer pessoa de acordo com a diligência medianamente exigível. 33ªConforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a d. Sentença recorrida incorre em erro de julgamento quando confunde a comprovação do teor de um documento, com a comprovação dos factos a que ele alude, violando o artº 362º CC 34ªConforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a análise crítica da totalidade das provas produzidas à luz das regras da experiência comum, impunham decisão diversa da constante da d. Sentença recorrida, que assim viola os nºs 4 e 5 do artº 607º CPC 35ªConforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a d. Sentença recorrida, incorreu em errado enquadramento jurídico da questão sub juditio, desatendendo à relação de comissão existente, violando os nºs 1 e 3 do artº 500 CC 36ªConforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a d Sentença recorrida desconsidera a responsabilidade civil objectiva que incide sobre a A. e o direito que a esta assiste enquanto comitente de exigir ao comissário o reembolso da indemnização dos danos sofridos pelo lesado, violando os nºs 1 e 3 do artº 500 CC 37ªConforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a d. Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando considera não ter ficado demonstrado o nexo de causalidade, entre a actuação dos trabalhadores do comissário e os danos causados à lesada, violando os artºs 483º e 500 -1 e 2, CC 38ª Conforme acima invocado em sede de fundamentação que aqui se dá por reproduzido e integrado, a d. Sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando considera não ter ficado demonstrada a ilicitude da actuação dos trabalhadores do comissário, no exercício da actividade cometida, violando os artºs 483º e 500º - 1 e 2, CC. Nestes termos e nos melhores de Direito Doutamente supridos roga-se a V. Exªs se dignem conceder provimento à presente apelação, revogando a d. Sentença recorrida, com as legais consequências, designadamente condenando a R. no pedido, de modo a ser feita JUSTIÇA * A Ré veio apresentar as suas contra-alegações ao recurso apresentado pela A., concluindo pela sua improcedência.* Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais. * III. O DireitoComo resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Face às conclusões das alegações de recurso, cumpre apreciar e decidir, sobre o alegado erro de julgamento sobre a apreciação da prova e matéria de facto apurada e, subsequentemente, sobre o erro da decisão proferida. * Fundamentação de factoFactos provados 1- Em 11 de Abril de 2022, a Autora contratou com a Câmara Municipal ... a prestação de serviços para manutenção de espaços verdes, loteamentos e propriedade do município nos termos e condições constantes do documento número 1 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá aqui por integralmente reproduzido; 2- Por contrato de prestação de serviços celebrado em 2 de Maio de 2022, no exercício da respectivas actividades comerciais, a Ré como segunda outorgante obrigou-se a prestar à Autora como primeira outorgante, “serviços de manutenção de espaços verdes, de loteamentos nomeadamente, limpeza de bermas, ruas e terrenos, sempre que previamente solicitados” pelo prazo de 12 meses, nos termos constantes do documento número 2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 3- Convencionando que “todas as despesas para o correcto desempenho dos serviços da 2ª outorgante correm por sua conta, nomeadamente os inerentes à limpeza de bermas, ruas e terrenos, manutenção de espaços verdes, de loteamentos e de propriedades no concelho ..., bem como aqueles a que der causa, por conta da prestação dos serviços” – cfr. Cláusula terceira do acordo constante do documento nº 2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 4- Os serviços eram prestados pela Ré de forma autónoma e independente; 5- A Ré garantiu a boa execução dos serviços prestados. – cfr. Cláusula quarta do acordo constante do documento nº 2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 6- Como contrapartida pelos serviços prestados, a Ré recebia da Autora o valor de 16,00€/hora contra recibo; 7- A execução material dos trabalhos por parte da Ré era executada por quatro trabalhadores por esta contratados e ao seu serviço, actuando simultaneamente; 8- Em 9 de Junho de 2022, no âmbito do contrato celebrado com a Autora, a Ré encontrava-se por intermédio dos seus trabalhadores, a proceder à limpeza de infestantes e espaços contíguos à via pública, designadamente na Calçada ... – ..., da União de Freguesias ... e ..., em ...; 9- Usando para o efeito moto-roçadora operada por um trabalhador ao serviço da Ré; 10- A proprietária da habitação nº ...9 da Calçada ... fez uma participação à Câmara Municipal ..., nos termos constantes do documento número 3 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 11- A Autora procedeu à inspecção do local para verificação e avaliação dos danos reclamados; 12- Foram apresentados orçamentos, nos termos constantes dos documentos números 5 e 6 juntos com a petição inicial (fls. 14v e 15 dos autos) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no valor global de € 5.422,52 (cinco mil, quatrocentos e vinte e dois euros e cinquenta e dois cêntimos); 13- A Ré dedica-se à actividade de serviços de preparação de povoamentos florestais, nomeadamente limpezas, desbaste, desramações e ordenamento florestal; 14- No âmbito da actividade a que se dedica, celebrou com a Autora um contrato de prestação de serviços para a manutenção de espaços verdes, loteamentos e propriedade do concelho ..., nomeadamente, a limpeza de bermas, ruas e terrenos, nos termos constantes do documento número 2 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 15- A Autora foi notificada da denúncia da proprietária da habitação nº ...9 em 20 de Dezembro de 2022 – cfr. documento número 3 junto com a petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 16- O serviço foi realizado pelos trabalhadores FF e EE, contratados pela Ré; 17- As moto-roçadoras em questão, de modelo ..., dispõem de um protector de projecções constituído por uma aba plástica fixada na cabeça da engrenagem e que cobre o sector de corte, protegendo das projecções de detritos; 18- Assim, as possíveis projecções ficam resguardadas, sendo travadas por essa aba; 19- Os trabalhadores, quando operam junto à habitações e estradas, como sucedeu nesta situação, trabalham sempre posicionados de costas para as habitações, evitando com esse modo operatório que ocorram quaisquer projecções nessa direcção; 20- Da inspecção realizada pela Seguradora da Ré resultou a elaboração de relatório, tendo concluído que “os elementos recolhidos permitem concluir que não ficou demonstrado que os danos reclamados tivessem resultado da intervenção realizada pelos colaboradores da firma segurada”. – cfr. documento número 1 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 21- Mais se concluindo que “foi possível constatar que, face ao equipamento utilizado pelo segurado e medidas de proteção utilizadas, não era possível a projeção da quantidade de gravilha em causa”; 22- O relatório referido em 20- dos factos provados faz ainda menção que “na data da ocorrência, se encontrar a laborar no local um tractor da firma EMP03...”. – fls. 23v dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 23- A Ré celebrou com a companhia de seguros EMP02... Seguros, S.A. um contrato de seguro, sob a apólice ...80, e que se rege pelas condições particulares juntas sob o documento nº 2 com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 24- A Ré transferiu para a seguradora a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros no exercício da sua actividade; 25- Vigora na chamada o contrato de seguro do ramo responsabilidade civil-exploração subscrito pela Ré e titulado pela apólice nº ...80, ao qual é aplicável uma franquia a cargo da segurada de 10% sobre qualquer indemnização, num mínimo de € 250,00 em geral e de € 500,00 para as actividades de corte e abate de árvores, nos termos constantes dos documentos números 1 e 2 juntos com a peça processual apresentada pela chamada e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; 26- Nos termos das alíneas l) e n) da Cláusula 3ª, constante da Condição Especial 001 (cfr. pag.69 das CGA) de Máquinas em Laboração, encontram-se excluídos os l) Danos decorrentes de trabalhos que, pela sua natureza e forma de execução, tenham como consequência inevitável a ocorrência de um sinistro; e n) Danos decorrentes de deficiente sinalização demarcação e proteção dos locais onde as máquinas operam. * Factos não provadosO operador não detinha os conhecimentos e a formação necessária para operar uma moto-roçadora. Enquanto operava a moto-roçadora, o trabalhador ao serviço da ré manuseava aquela máquina sem evitar a projecção de pedras pela parte rotativa do equipamento. Sem ter o cuidado ou a preocupação de evitar a possibilidade de embater em pequenas pedras susceptíveis de serem projectadas, nem tão pouco de proteger o perímetro da zona dos trabalhos com meios de contenção que impedissem que essa projecção pudesse atingir. O operador da moto-roçadora, actuava distraidamente sem focar a atenção nas pequenas pedras existentes no pavimento que foram atingidas pelas partes rotativas da máquina e projectadas contra o portão de acesso e vidros que constituem o guarda corpos da varanda daquela habitação. A Ré não usou, na execução do trabalho, barreiras verticais a circunscrever a área de trabalhos e impedir a projecção de pedras ou outros materiais para o exterior. Podendo e devendo isolar com barreiras físicas o local do trabalho, o operador da máquina não o fez. Podendo e devendo detectar a existência de pequenas pedras no pavimento, o operador não as viu, ou desprezou a sua existência. Podendo e devendo evitar que as partes rotativas da moto-roçadora embatessem nas pedras existentes no pavimento o operador da máquina não o evitou. A utilização da moto-roçadora provocou a projecção de pequenas pedras contra o portão de acesso ao nº ... daquela Calçada ... e contra uns vidros que constituem o guarda corpos da varanda daquela habitação. Tendo ainda raspado com o fio cortante daquela máquina no portão de acesso à garagem e daquela habitação, provocando riscos na pintura daqueles portões. Não se apurou a causa dos danos alegados em 24º e 25º da petição inicial. * A Ré nunca recebeu até então, queixa de qualquer ordem, por danos provocados na realização dos serviços no âmbito da sua actividade. * Fundamentação jurídicaA A. começou por apontar ter ocorrido um erro por parte do tribunal a quo ao ter dado como provada a factualidade constante dos pontos 1, 7, 9, 10, 17, 18, 19, 20 e 21, dos factos provados, nos termos retratados. Vejamos, então, qual a prova produzida e a factualidade posta em causa, por forma a apurar se se verifica o alegado erro de julgamento que se aponta à elencada matéria factual. Para tal, importa, efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de toda a prova, por forma a proceder a uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Apreciação da prova que deve levar em conta as máximas da experiência, o princípio da livre apreciação da prova, com a devida conjugação e avaliação de todos os meios de prova, e com base nas presunções naturais ou judiciais possíveis de serem retiradas, baseadas nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana, enquanto processo mental e forma de raciocinar, por meio da qual o juiz parte da prova de um facto indiciário para, por dedução, chegar a uma conclusão sobre o facto principal. Ora, in cau, para além da prova documental que se analisará, produzida foi a prova testemunhal, tendo-se ouvido as partes. Concretamente, o ponto 1, como a recorrente o reconhece, corresponde ao facto alegado no art. 1.º, da p.i., tendo por base o respectivo documento junto sob o n.º 1, cujo teor foi dado como reproduzido. Pretende agora a recorrente que seja aditada a referência ao gestor do contrato, com base nos poderes de cognição do tribunal, ao abrigo do disposto no art. 5.º, do Cód. Proc. Civil. Ora, para além de não se mencionar qual a relevância jurídica para o caso proveniente desse acrescento factual, o facto é que da cl.ª 8.ª já consta a designação pelo 1.º contraente da pessoa indicada como gestor do contrato, pelo que, tendo-se dado esse contrato como integralmente reproduzido, entende-se ser desnecessário fazer constar do ponto 1, todo o teor das cláusulas nele consignadas. O mesmo se diga em relação ao ponto 10, que remete para a participação efectuada pela lesada que foi dada como reproduzida. Também aqui se julga desnecessário estar a reproduzir todo o documento que não somente a factualidade relevante e objectiva resultante do respectivo documento, tal como consta desse ponto, na medida em que depois os factos aí descritos sempre dependiam de prova a ser produzida nos autos, por se tratar de matéria controvertida. No tocante à matéria vertida nos pontos 7 e 9, dos factos dados como provados, aponta a recorrente divergências entre a prova efectivamente produzida e aquela que é indicada na motivação como suporte dos factos vertidos nesses pontos. Vejamos Quanto ao número de pessoas que se encontravam no local a trabalhar, os depoimentos prestados em audiência de julgamento não foram coincidentes. Enquanto a testemunha GG referiu que lhe pareceu ter visto 3 pessoas, a testemunha HH apesar de enumerar também entre 2 ou 3 pessoas, especificou que duas se encontravam com as moto-roçadoras junto à casa da vizinha da frente. Por sua vez, a testemunha CC, como funcionário da Ré e filho do dono da empresa, referiu que trabalham com 4 pessoas, 2 nas máquinas e 2 na lona, num mínimo de 3. Já a testemunha EE, que trabalha para a Ré há 3 anos e se encontrava no local a laborar com a moto-roçadora, afirmou que se encontravam mais 3 pessoas a trabalhar, tendo procedido de acordo com o que é habitual, ou seja, com 2 funcionários a segurar a lona, mais 1 a fiscalizar o trabalho. Certo é que, para além da testemunha CC, que passou pelo local, e EE que se encontrava a executar o trabalho utilizando para o efeito a moto-roçadora, mais ninguém foi identificado como estando a prestar os serviços de limpeza no local, embora pudesse encontrar-se eventualmente mais uma pessoa, como fiscal ou a trabalhar, dado que as testemunhas da A. referem 2 a 3 pessoas. Se conciliarmos estes elementos, com o facto da testemunha II mencionado no ponto 16, dos factos provados, que não foi posto em causa, se encontrar a realizar os trabalhos contratados pela Ré, e que só não foi ouvido pelo facto de se encontrar no ..., tal como consta da acta de audiência final de 29.1.25, tem de se atender também a esse elemento. Se estavam mais, também podiam não estar no preciso momento e local em que as testemunhas relataram os factos. Assim, a certeza que temos é que, pelo menos, 2 funcionários da Ré se encontravam a trabalhar no local. Como tal, a redacção da factualidade constante do ponto 7 deve passar a ser a seguinte: - A execução material dos trabalhos por parte da Ré era executada, pelo menos, por dois trabalhadores por esta contratados e ao seu serviço, actuando simultaneamente. Já relativamente à factualidade vertida no ponto 9, dúvidas não temos que a limpeza de infestantes e espaços contíguos à via pública, designadamente na Calçada ... – ..., da União de Freguesias ... e ..., em ..., estava a ser levada a cabo pela testemunha JJ, que usava para o efeito moto-roçadora, tal como foi pelo mesmo integralmente confirmado. Já quanto às características da máquina que estava a ser utilizada, a testemunha KK referiu tratar-se de uma máquina com potência a mais para ser utilizada nesse serviço, como, aliás, já tinha referido à Ré, tendo a testemunha CC mencionado, por sua vez, a protecção existente na ´cabeça’ desse tipo de equipamento que ocupa todo o espaço onde o fio gira, confirmando que esse modelo é dos mais fortes que existe. Face às dúvidas e falta de cabal esclarecimento sobre esse equipamento acabamos por proceder a pesquisas no Google quanto a essa máquina, apurando-se que, possuindo uma serra de limpeza muito potente, a mesma é utilizada em trabalhos profissionais de manutenção florestal e paisagística e, em geral, em trabalhos de corte em grande escala, permitindo um trabalho particularmente eficiente mesmo em condições difíceis, graças à sua faca de corte que permite rapidez quando se trabalha na silvicultura e na manutenção de estradas, podendo desbastar ou remover eficazmente até a vegetação mais difícil, como a relva emaranhada e as ervas daninhas, mais sendo mencionado que a protecção optimizada na extremidade inferior da ferramenta eléctrica permite uma boa visão da superfície de trabalho e também facilita o armazenamento seguro da sua roçadora. Visualizando várias imagens referentes a esse equipamento constata-se que a aba plástica fixada na cabeça da engrenagem e que cobre o sector de corte, que alguns apelidam de ‘saia de protecção da lâmina’, não a cobre totalmente, mas apenas parcialmente, julgando-se que assim é para proteger o trabalhador de projecções na zona em que se situa a pega, permitindo, na zona descoberta, visualizar a zona a intervencionar. Aliás, a testemunha DD referiu que, por isso, se torna necessário a colocação das lonas como meio de impedir que as projecções atinjam o que se encontrar nas proximidades, o que igualmente foi atestado pelos funcionários da Ré quanto à necessidade de utilizar as ditas lonas de protecção. Caso assim não fosse nenhuma necessidade existia de estas terem de ser utilizadas. Como tal, tudo conjugado, a factualidade constante do ponto 17, deve passar a ter a seguinte redacção: - As moto-roçadoras em questão, de modelo ... dispõem de um protector, dispõem de um protector constituído por uma aba plástica fixada na cabeça da engrenagem e que cobre parte do sector de corte, protegendo, nessa parte, as projecções de detritos. Subsequentemente, em consonância com o que é descrito agora nesse ponto, a redacção do ponto 18, deve igualmente passar a ser a seguinte: - Assim, as possíveis projecções, nessa parte da aba, ficam resguardadas, sendo travadas por essa peça. Quanto ao modus operandi, fica-se sem se saber como o tribunal a quo chegou à conclusão vertida no ponto 19, tal como se verifica em relação a outros pontos, dado que apenas é referido de forma muito lacónica e não tão precisa quanto seria desejável, qual o processo lógico, racional, específico e analítico de toda a prova, de forma articulada e conjugada, que permitiram o julgador concluir no sentido de dar a factualidade como provada e não provada. Ora, embora a experiência e normalidade das situações nos permitam perceber como se deve operar com as referidas máquinas, julgamos não se ter apurado como se processou o trabalho executado, na medida em que as referidas projecções de detritos em direcção às casas se verificou. Assim sendo, e por forma a sermos o mais possível fidedignos com a prova produzida no seu todo, o ponto 19, dos factos provados, deve passar a ter a seguinte redacção: - Os trabalhadores, quando operam junto a habitações e estradas, devem trabalhar sempre posicionados de costas para as habitações, evitando com esse modo operatório a ocorrência de projecções nessa direcção. Passando, agora, para a apreciação dos factos atinentes aos pontos 20 e 21, dos factos provados, embora se fique sem perceber o que motivou a diferença de critérios quanto à especificação exaustiva do relatório elaborado pelo perito averiguador da Interveniente Seguradora, quando não se está sequer em face de uma perícia realizada no âmbito destes autos, contrariamente ao que se fez constar noutros pontos em que se remeteu para o teor dos documentos, de qualquer das formas, nesses pontos, o tribunal a quo limita-se a mencionar mais detalhadamente sobre o teor desse relatório, sem que tal signifique ter como certa a conclusão a que se chegou, por forma a vincular o julgador, pois, na verdade, só o que resultar dos factos provados em análise é que pode servir de base à decisão a proferir. Como tal, entende-se ser de manter a reprodução do identificado documento reproduzido nesses pontos. Passando à apreciação quanto à impugnação dos factos dados como não provados, importa, em primeiro lugar, proceder à identificação do bloco de factos aí consignados por via de uma ordem alfabética, dado que assim o fez a recorrente, embora misturando números e letras, de acordo com os respectivos factos o que dificulta a sua análise. Assim, decide-se proceder à sua identificação com base nos vários parágrafos por cada um dos factos, desde a alínea a) a l). Posto isto, importa, então, apurar se, os factos dados como não provados elencados nas als. a) a K), devem, ou não, passar para a factualidade dada como provada. Relativamente ao procedimento seguido na realização dos trabalhos, como já se referiu, pouco ou nada se sabe concreta e objectivamente como foram executados. Pois, para além da divergência quanto ao número de trabalhadores, igualmente se verificou a existência de depoimentos que referiram terem sido utilizadas as protecções/lonas (os funcionários da Ré), como a menção, por parte de outras testemunhas (GG, LL e HH) que afirmaram não estarem a ser utilizadas as lonas de protecção, encontrando-se estas no chão. Ficou, ainda, por apurar de que forma é que o operador da moto-roçadora estaria a executar os trabalhos, qual o estado da zona de intervenção, tempo que se fazia na altura, entre muitos outros factores susceptíveis de permitir concluir de forma segura e cabal sobre a maioria dos factos elencados como não provados. Por outro lado, parece-nos que na limpeza que se estava a efectuar era impossível separar as pedras existentes no pavimento dos demais detritos, pelo que não se pode dar como provado que o operador actuou de forma a não evitar a sua projecção, quando essa decorre da própria natureza dos trabalhos que estavam a ser executados O que é possível atestar é que ocorreram projecções e que em consequência disso os vidros e portões da habitação da queixosa ficaram danificados. Na verdade, a própria proprietária da habitação da habitação nº ...9 da Calçada ..., com data de 30.9.22, fez uma participação à Câmara Municipal ..., nos termos constantes do documento número 3 junto com a petição inicial, queixando-se de, na sequência de limpezas efectuadas nessa rua, terem sido projectadas pequenas pedras que provocaram picadelas nos vidros das varandas e nas janelas da fachada, bem como nos dois portões da casa, tendo, ainda, o maior, de acesso à garagem, ficado também com alguns arranhões provocados pelo fio da roçadora. Juntamente com essa participação foram anexadas fotografias da habitação demonstrativas da situação ocorrida e objecto de queixa. Tal factualidade foi, aliás, atestado pela própria queixosa, HH, ouvida em sede de audiência de julgamento e que relatou o que viu quando chegou a casa. Depoimento esse que foi confirmado pela empregada de limpeza, LL, que, inclusive, mencionou ter ouvido bater no portão, queixando-se que tinha tudo sujo. De igual forma a testemunha MM, que vive na casa ao lado, atestou terem sido salpicadas pedrinhas pequeninas para a casa da sua vizinha para a zona dos vidros de baixo e de cima, mais confirmando que isso também se verificou na sua habitação, mas sem qualquer afectação relevante. Também a testemunha NN confirmou ter detectado, quando chegou a casa, pedaços de terra, mato, pedras de brito, bem como os portões todos picados, o que foi confirmado pela testemunha KK que se deslocou ao local para apurar a situação a pedido daquele. Igualmente as testemunhas OO, sócio gerente da vidraria que procedeu à substituição dos vidros, confirmou o seu estado, e PP o estado dos portões por ter sido ele a repará-los. Aliás, o próprio averiguador da interveniente seguradora, confirmou que o varandim e as janelas se encontravam picotados e ter visto pedras no chão da varanda. Por sua vez, a testemunha CC igualmente confirmou que uma senhora que se encontrava a fazer limpeza se ter queixado do lixo, o que foi atestado pela testemunha JJ, tendo o FF sido chamado para ir ver as pedras que tinha na referida casa. Certo é que, embora se tivesse tentado imputar a culpa por essa ocorrência a quem esteve também a limpar a mata situada nas traseiras dessa casa, o facto é que como é praticamente unânime, no referido dia, o tractor visto na zona não esteve a operar e a zona afectada encontra-se virada para a frente onde os trabalhos foram realizados pela Ré e não nas traseiras. Por último, há que referir não ter sido efectuada a prova do pagamento dos valores orçamentados. Tudo conjugado, devem, assim, os factos constantes das als. i) a k), ser excluídos dos factos dados como não provados e passar para o elenco dos factos provados, com a seguinte redacção e numeração: 27-A utilização da moto-roçadora provocou a projecção de pequenas pedras contra o portão de acesso ao nº ... daquela Calçada ... e contra uns vidros que constituem o guarda corpos da varanda daquela habitação que ficaram picotados, obrigando à sua substituição, suportada pela A. e orçamentada em €3.658,55, mais IVA à taxa legal. 28- Tendo ainda raspado com o fio cortante daquela máquina no portão de acesso à garagem e daquela habitação, provocando riscos na pintura daqueles portões que obrigavam à decapagem, galvanização e lacagem suportadas pela A. cuja reparação foi orçamentada em €750,00, mais IVA à taxa legal. Perante os factos provados agora fixados, cumpre apreciar e decidir quanto ao direito aplicável. Em suma, o tribunal a quo, considerou que, da factualidade que deu como provada, não resultava, contrariamente ao alegado pela Autora, o preenchimento dos pressupostos legais da responsabilidade civil extra-contratual, por não permitir concluir pela existência de nexo de causalidade entre a actividade de limpeza desempenhada pela Ré e os danos surgidos na habitação nº ...9. Considerou, nesse sentido, não se ter apurado ‘que a Ré tenha assumido algum comportamento ou praticado algum acto violador de algum direito, isto é, não resultou provado a prática de um acto ilícito, por parte da Ré, por intermédio dos seus funcionários, no âmbito da actividade por si desenvolvida. A factualidade provada não permite concluir pela existência de nexo de causalidade entre a actividade de limpeza desempenhada no dia 9 de Junho de 2022 e os danos encontrados na habitação nº ...9’. Assim, concluiu não se mostrar verificados os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, nem os enunciados no art. 493.º, n.º 2, do Cód. Civil. Vejamos. Dispõe o art.º 500.º, n.º 1, do Cód. Civil, que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar, esclarecendo o seu n.º 3, que o comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissario o reembolso de tudo o que tiver pago, excepto se houver também culpa da sua parte. Conforme acórdão indicado do STJ (1ª Secção Cível) sufragado pelo Ac. de 13/3/2018 no P.º 940/14.0TBCBRC1.S1, “o[O] regime da responsabilidade objectiva do comitente pelos factos danosos praticados pelo comissário, prevista no art.º 500.º, do Código Civil, tem como pressupostos (1) a existência de uma relação de comissão, (2) a prática de factos danosos pelo comissário no exercício da sua função e (3) a responsabilidade do comissário”. Como ensinam P. Lima e A. Varela in Código Civil anotado, comentário ao n.º 2 ao referido art.º 500.º, do CC, “ o termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso que reveste nos artigos 266.º e seguintes do Código Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrém, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual”. De acordo com Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil, VIII, pg 606/7, “a[A] comissão somente exige esta orientação de tipo geral: não uma verdadeira direcção. Somos assim levados a alargar sensivelmente o alcance da comissão, para efeitos de aplicação do art.º 500.º (…) A ideia é simples: a comissão existe quando alguém encarrega outrem de agir por conta do primeiro. Qualquer outra opção iria colocar o lesado perante a prova impossível do exacto tipo de relação existente entre o comitente e o comissário, permitindo todo o tipo de exonerações de responsabilidade.” Posto isto, importa, então, apurar se os factos apurados de acordo com a reavaliação da prova permitem concluir encontrar-se preenchido o requisito afastado pelo tribunal a quo. Ora, enunciando o princípio geral da responsabilidade civil por facto ilícitos, o n.º 1 do art. 483º do Código Civil (abreviadamente CC) prescreve que, "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação". Trata-se da responsabilidade civil subjetiva, extracontratual, delitual ou aquiliana pela prática de factos ilícitos. São os seguintes os pressupostos que se têm de verificar para que surja, na esfera do lesante, a obrigação de indemnizar: (i) o facto voluntário; (ii) a ilicitude da conduta; (iii) a imputação do facto ao lesante a título de culpa; (iv) o dano; e (v) o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Como primeiro requisito da responsabilidade exige-se que se esteja perante um comportamento humano susceptível de ser controlado ou dominável pela vontade. Este comportamento consiste, em regra, num facto positivo (apropriação ou destruição de coisa alheia, afirmação de um facto injurioso ou difamatório), que importa a violação de um dever geral de abstenção, do dever de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto”. Mas pode também traduzir-se num facto negativo, numa abstenção ou numa omissão - Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, 2018, pp. 527/528. Para tanto é necessário que exista, por força da lei ou de negócio jurídico, um especial dever jurídico de actuar que, com toda a probabilidade, evitaria a consumação do evento (art. 486º do CC). No caso da omissão, e como resulta do referido normativo, a imputação ao agente da conduta omissiva exige que sobre ele recaia o dever de praticar o acto omitido, uma vez que inexiste um dever genérico de evitar a ocorrência de danos. “Daí que para alguém ser responsável por omissão pelos danos sofridos por outrem se exija, para além dos outros pressupostos da responsabilidade delitual, um dever específico, que torne um particular sujeito garante da não ocorrência desses danos” - Cfr. Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. I, 2.ª ed., Almedina, p. 272. Do facto voluntário excluem-se aquelas situações de caso fortuito ou de força maior como sejam as forças naturais invencíveis. Para que exista responsabilidade é, ainda, necessário que o facto do agente seja ilícito, em termos de violar um direito de outrem ou de qualquer norma destinada a proteger interesses alheios. A primeira forma de ilicitude abrange os direitos subjetivos absolutos – direitos reais, direitos de personalidade, direitos de propriedade industrial ou intelectual – oponíveis a todas as pessoas; com a segunda forma de ilicitude a lei visa alargar a protecção delitual a interesses privados, fora do quadro do direito subjectivo. A violação de interesses particulares tutelados pela lei penal, tais como a vida, a integridade física, a honra, a saúde, a intimidade da casa, a liberdade, afecta não só os bens da pessoa lesada ou dos seus familiares, mas também outros interesses coletivos, ligados á paz, à perfeição e à segurança da coletividade - Cfr. Antunes Varela, obra citada, pp. 533/537. Quanto o preenchimento desta segunda variante da ilicitude exige-se (1º) que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal, (2º) que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e (3º) que o dano se tenha registado no circulo dos interesses privados que a lei visa tutelar - Cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 562. Quanto à culpa, como pressuposto da responsabilidade, tem de verificar-se se a actuação do lesante foi em termos de merecer reprovação ou censura do direito em face da sua capacidade e circunstâncias concretas, pois que podia e devia ter agido de outro modo. A culpa pode revestir duas formas diferenciadas: i) o dolo ou ii) negligência ou mera culpa. Nos termos do art. 487º, n.º 2, do CC, a culpa é sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias concretas, cabendo, por regra, ao lesado o ónus de alegação e prova da culpa do autor da lesão - n.º 1 do citado preceito -, sem prejuízo das presunções de culpa que a lei consagra. O critério legal de apreciação da culpa afere-se em abstrato, ou seja, a existência de culpa e a individualização da modalidade de dolo ou de neglicência determinam-se perante o caso concreto, mas atendendo ao critério de uma pessoa normalmente atenta, prudente, capaz e inteligente. Assim, não releva o comportamento que o agente habitualmente mantém, mas antes aquele que deve ou devia observar e este é aquele que, no contexto em consideração, uma pessoa regularmente vigilante deveria ter observado - Cfr. José Alberto González, Direito da Responsabilidade Civil, pp. 371/372. Como pressuposto da responsabilidade civil é também essencial que o lesado tenha efectivamente sofrido um dano. Dano é o prejuízo num bem ou interesse juridicamente protegido. Não a lesão ou ofensa em si, mas o prejuízo resultante desta - Cfr. Rui Alarcão, Direito das Obrigações, Texto elaborado pelos Drs. J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, com base nas lições do Prof. Doutor Rui de Alarcão ao 3.º Ano Jurídico, 1983, p. 270. Já o dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado, que se mede, em princípio, por uma diferença: a diferença entre a situação actual do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria, se não fosse o acto lesivo. Abrange não só o dano emergente – prejuízo causado nos bens ou direitos inseridos na esfera patrimonial do lesado ao tempo da lesão – como também o lucro cessante – benefício que o lesado deixou de poder obter em razão da lesão ao qual, ao tempo dela, ainda não tinha direito - Cfr. Antunes Varela, obra citada, p. 599. O dano patrimonial é susceptível de avaliação pecuniária directamente reparável através de reconstituição específica da situação anterior à lesão ou pela via indirecta da atribuição de uma prestação pecuniária; o dano será não patrimonial quando não seja susceptível de ser avaliado em dinheiro. Por último, a obrigação de indemnizar implica que entre o acto ilícito e culposo e o prejuízo exista uma relação causal, o mesmo é dizer que o primeiro possa ser considerado a causa jurídica do segundo - Cfr. Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, Coordenação de Ana Prata, Almedina, 2017, p. 630. Não há que ressarcir todos os danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que se possam considerar-se pelo mesmo produzidos. O requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha, consequentemente, a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar - Cfr. Mário Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, Almedina, p. 507. Dispõe o art. 563º do CC: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. É entendimento quase unânime na doutrina que o citado normativo acolhe a teoria da causalidade adequada. Verificados que sejam estes pressupostos, nasce a obrigação de indemnizar a cargo do lesante, nos termos dos arts. 483º, n º 1, 562º e 564º, n º 1, do C.C. Posto isto, no caso dos autos, constata-se que na execução dos trabalhos de limpeza por parte da Ré, pela A. contratada, através da utilização da moto-roçadora foram projectadas pequenas pedras contra o portão de acesso ao n.º ... daquela Calçada ... e contra uns vidros que constituem o guarda corpos da varanda daquela habitação que ficaram picotados, obrigando à sua substituição, orçamentada em €3.658,55, mais IVA à taxa legal. Igualmente se apurou que, aquando desses trabalhos de limpeza, a referida moto-roçadora foi raspou, com o fio cortante que dela consta, no portão de acesso à garagem daquela habitação, provocando riscos na pintura daqueles portões que obrigavam à decapagem, galvanização e lacagem, cuja reparação foi orçamentada em €750,00, mais IVA à taxa legal. Daqui resulta verificar-se, como tal, o nexo de causalidade entre os factos praticados e os danos causados. Aponta, complementarmente, a recorrente, a verificação dos pressupostos enunciados no art. 493.º, n.º 2, do Cód. Civil. A previsão desse normativo é cristalina quando referencia uma actividade perigosa, por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados. Não define a lei, é certo, o que se considera actividade perigosa, deixando a sua determinação para cada situação concreta. A noção de actividade perigosa vem sendo elaborada pela doutrina como devendo ser aferida segundo as regras da experiência. É perigosa uma actividade que, segundo aquelas regras, envolve uma grande propensão para ocorrência de danos. Como se considerou no Ac. TRP de 4-11-2013 (Pº 481/09.7TTVRL-A.P1 in www.dgsi.pt), “ainda que uma moto-roçadora seja de venda livre, é uma máquina objectivamente perigosa (…)”. Prosseguindo, diz-se naquele aresto, no que respeita à segurança conferida pela “aba de protecção” : “ A perigosidade da máquina moto roçadora é de tal ordem, (...) a protecção em causa seria sempre inócua para a verificação do sinistro, já que pelas características deste tipo de ferramenta, a protecção apenas serve para evitar que detritos lançados pela actividade do disco cortante sejam projectados na cara da pessoa que a manuseia, ou seja, destina-se apenas a precaver a segurança do próprio utilizador da máquina e não de terceiros, “concluindo a pg 11, “n[N]ão há qualquer dúvida de que, ainda que se aceite que a máquina seja de venda livre e irrestrita, ela é objectivamente perigosa, na exacta medida em que dispõe de um aparelho de corte em rotação elevada”. Assim, estando-se perante uma actividade perigosa, a pessoa que dela se sirva ou que a desencadeia, tem deveres de prevenção e cuidado a seu cargo e quando dela decorram danos, é ao beneficiário que cumpre provar o efectivo cumprimento de tais deveres, face à presunção de culpa que daí decorre e que determina nos termos do artº 344º - 1 CC, a inversão do ónus da prova. Posto isto, in casu, era imposto ao operador da moto-roçadora a obrigação de operar por forma a evitar qualquer lesão no direito de terceiros, o que não se verificou. Pelo contrário, apurado foi que, ao executar os trabalhos de limpeza contratados, foram projectadas pequenas pedras contra o portão de acesso à habitação do n.º ... da Calçada ... e contra uns vidros que constituem o guarda corpos da varanda daquela habitação que ficaram picotados, obrigando à sua substituição, mais se tendo raspado com a moto-roçadora no portão de acesso à garagem dessa mesma habitação, causando, por essa via, riscos na pintura daqueles portões que obrigavam à decapagem, galvanização e lacagem. Julgam-se, assim, verificados todos os requisitos susceptíveis de responsabilizar a Ré pelos actos causadores de dano a terceiro, assumidos pela A. como comitente. Aliás, o embate numa pedra não é uma circunstância absolutamente extraordinária ou imprevista (no trabalho concreto em causa) que exclua a causalidade adequada, supra explicada. Por apurar ficaram, no entanto, os valores concretamente pagos, tendo por base o que foi orçamentado, pelo que, nessa parte, ao abrigo do disposto no art. 609.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, se deve relegar para execução de sentença o montante exacto do que foi efectivamente pago pela A. para ressarcir os danos provocados na habitação da lesada, tanto mais que dos factos provados consta apenas a afectação dos vidros que constituem o guarda corpos da varanda da referida habitação que ficaram picotados e obrigaram à sua substituição e não de outras janelas como foi apontado. Já quanto à exclusão da responsabilidade por parte da seguradora com base no clausulado nas als. I) e n) da cl.ª 3.º, constante da condição especial, constata-se não se ter apurado a forma de execução dos trabalhos como consequência inevitável do sinistro ou de deficiente protecção dos locais onde a máquina operou, na medida em que o facto de se ter dado como não provado o que consta desse elenco não permite concluir, à contrario, pela sua não verificação. Certo é que entre a Ré e a interveniente foi celebrado um contrato de seguro, por forma a ser transferida para a seguradora a eventual responsabilidade assacada ao segurado, com fixação a título de franquia a cargo da segurada em 10% sobre a indemnização devida, num mínimo de 250,00€, devendo, como tal, o aqui decidido vincular a interveniente, constituindo quanto a ela, também o efeito de caso julgado. Deste modo, tem, assim, de proceder a apelação, revogando-se, consequentemente, a decisão proferida. As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrida, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC). * VI. DecisãoPerante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação, revogando consequentemente, a decisão proferida e condenando a Ré a pagar à A. o valor que se vier a apurar em sede de execução de sentença, de montante nunca superior aos valores orçamentados, com força de caso julgado em relação à interveniente. Custas da apelação a cargo da Ré/Recorrida. * Guimarães, 16 de Outubro de 2025 Maria dos Anjos Melo (relatora) Raquel Baptista Tavares(1ª adjunta) Paulo Reis (2.º adjunto) |