Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
87/24.0T8VRL.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ÂMBITO DA SINDICÂNCIA DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
STANDARD DE PROVA
VARIABILIDADE
ESPECIFICIDADES DO CASO CONCRETO
CONTA BANCÁRIA SOLIDÁRIA
PRESUNÇÃO LEGAL
ILISÃO DA PRESUNÇÃO
TITULARIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser concretizado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, nomeadamente por os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, imporem uma conclusão diferente.

II. Para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida.

III. O standard de prova deve operar como uma pauta móvel, que tem de ser permanentemente concretizada ao ser aplicada ao caso concreto, variando nomeadamente em função da matéria concreta que esteja em litígio e da maior ou menor dificuldade de produção de prova que onera cada uma das partes, aferida face à normalidade dos casos de idêntica natureza.

IV. Os co-titulares de uma conta bancária solidária beneficiam da presunção legal de que metade do respectivo saldo pertence a cada um deles; mas podem elidi-la, demonstrando que o dito saldo pertence exclusivamente a um deles, ou lhe pertence numa proporção diferente da presumida metade.

V. Estando em causa uma conta bancária, a elisão da presunção legal referida será expectavelmente feita por meio de prova documental, reportada à autoria de cada um dos provisionamentos nela realizados e da propriedade dos fundos usados para o efeito (por meio de ordens de transferências, depósitos, ou congéneres operações); e esta prova será expectavelmente acessível à parte que não beneficia da dita presunção, já que lhe bastará pedir à Instituição Bancária onde a conta solidária tenha sido aberta (por intermédio do Tribunal, atento o sigilo bancário que àquela cumpre salvaguardar) informação documentalmente suportada sobre ela.

VI. Face a uma relevante e acrescida dificuldade de prova (nomeadamente, por impossibilidade de obter a prova documental expectável para a generalidade das situações congéneres), para a qual a parte prejudicada em nada contribuiu, continuar a exigir-lhe o mesmo tipo de prova próprio das demais e normais situações de elisão da presunção legal em causa (v.g. prova documental directa de transferências e depósitos que perfizessem, exacta e contemporaneamente, o saldo em discussão) redundaria numa insensibilidade ao standard de prova próprio das especificidades do caso concreto.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Avenida ..., no ... (maior acompanhada, representada por sua mãe, BB, com ela residente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Herdeiros de CC (DD, residente na Rua ..., Clube Residencial ..., em ..., ..., e EE, residente no Lugar ..., ..., ..., em ...), pedindo que

· os Réus fossem condenados a entregarem-lhe a quantia de € 130.056,12 (sendo € 105.415,00 a título de capital e € 24.641,12 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva legal, de 4% a ano, contados desde ../../2018 até à data de propositura da acção), acrescida de juros de mora vincendos, calculados à mesma taxa supletiva legal, contados desde ../../2018 até integral e efectivo pagamento.

Alegou para o efeito, e em síntese, que, sendo filha de FF (sendo a sua única e universal herdeira), veio o mesmo a falecer em ../../2018; e ser aquele então exclusivo proprietário da quantia de € 210.762,56, não obstante depositada numa conta bancária solidária (que identificou), co-titulada pelo respectivo pai, CC (dela própria avô paterno).
Mais alegou que, no dia 2 de Março de 2018, o seu avô paterno (o dito CC) transferiu metade da quantia depositada na dita conta solidária (isto é, € 105.415,00) para uma conta bancária exclusivamente titulada por ele próprio, desse modo se apropriando dessa metade, sem o seu conhecimento e/ou consentimento.
Alegou ainda que, mercê destes mesmos factos e na sequência de queixa-crime apresentada por si em Maio de 2018, contra CC e outro seu filho (EE), veio aquele primeiro a ser condenado por um crime de furto qualificado e o segundo absolvido desse mesmo crime; e ter ela própria, como assistente (nomeadamente, por pretender a condenação de ambos por outros factos - apropriação de mobílias e adicionais bens móveis - e distinto crime de furto qualificado), e o ali arguido condenado (por pretender a respectiva absolvição) interposto recurso.
Por fim, alegou que, já após a morte de CC, ocorrida em 19 de Junho de 2023 (o que levou à extinção do procedimento criminal respectivo), veio a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, confirmando a sentença recorrida na parte criminal por ela recorrida (isto é, a absolvição de EE pelo crime de furto qualificado de bens móveis que lhe tinha imputado).
 
1.1.2. Regularmente citados os Herdeiros de CC (DD e EE) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente, por não provada.
Alegaram para o efeito, em síntese, partilhar FF, com o pai (CC) e eles próprios (DD e EE), seus irmãos, vários negócios, investimentos e aplicações; e ser CC titular de um significativo património e de várias poupanças de valores elevados.
Mais alegaram que CC entregou ao filho FF parte dessas poupanças, para que as investisse, usando para o efeito precisamente a conta solidária dos autos.
Defenderam, por isso, ser metade do saldo ali constante propriedade do mesmo, só por isso o tendo levantado após a morte do outro co-titular (pai da aqui Autora).
 
1.1.3. Em sede de audiência prévia foi proferido despacho: fixando o valor da acção em € 130.056,12; saneador (certificando a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio («a) Direito da A. a que os R.R. lhe entreguem a quantia peticionada» e «b) Litigância de má fé») e enunciando os temas da prova («1 - Se o dinheiro existente na conta e aplicações financeiras/depósitos a prazo identificados nos arts. 16.º e 17.º d, da p.i., com os saldos aí mencionados, foram aí aprovisionados com capitais próprios de FF (ou se metade desses capitais foram aí aprovisionados com capitais próprios e CC)» e «2 - Se CC entregou tal quantia aos R.R., que sabiam da sua proveniência»); apreciando os requerimentos probatórios das partes; e agendando a realização da audiência final.

1.1.4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Decisão:

Julgamos a ação parcialmente procedente e, em consequência:
Condenamos os R.R. a entregarem à A. a quantia de € 30.033,72 (trinta mil e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde 05-06-2018 até integral pagamento.

Custas pela A. e pelos R.R., na proporção dos respetivos decaimentos - art. 527º, do C.P.C.

Registe - art. 153º, n º 4, do C.P.C.
Notifique - art. 220º, n º 1, do C.P.C.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com esta decisão, a Autora (AA) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença recorrida e se substituísse a mesma por decisão: (a título principal) a julgar a acção totalmente procedente, condenando os Réus (Herdeiros de CC) a restituírem-lhe a quantia de € 105.415,00, acrescida de juros de mora, contados desde 05 de Junho de 2018 até integral pagamento; ou (a título subsidiário) a julgar a acção parcialmente procedente, condenando os Réus (Herdeiros de CC) a restituírem-lhe a quantia de € 46.005,47, acrescida de juros de mora, contados de 05 de Junho de 2018 até integral pagamento.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I - Na douta Sentença recorrida, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento quanto à apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, pelo que se impugna a decisão da matéria de facto, à qual se impõe a integração de factualidade comprovada da maior relevância nos Factos Provados, e, consequentemente, da sua conjugação, resulta imperativo alterar o único Facto Não Provado para o elenco dos Factos Provados.

II - A Autora é portadora de paralisia cerebral e padece de 99% de incapacidade permanente global, sendo a única e universal herdeira de FF, que à data do seu decesso, ocorrido em 12/02/2018, era titular de uma Conta à ordem e aplicações financeiras no Banco 1... SA, no valor global de 210.762,56 € em regime de contitularidade com o avô da Autora, CC, o qual sem o conhecimento e contra a vontade de FF e da sua universal herdeira, em 02/03/2018, transferiu metade daquela quantia para si.

III - A presente Acção emergiu do processo penal n.º 7694/18.9T9PRT, que correu termos no Juízo Local Criminal do Peso da Régua, no âmbito do qual e pela apropriação daquele valor, CC foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado e condenado ao pagamento da quantia de 105.415,00 €, acrescido de juros de mora à Autora, decisão que Venerando Tribunal da Relação de Guimarães considerou nula, em virtude da falta de competência material daquele Tribunal Criminal para a apreciação do pedido cível.

IV - A questão essencial do julgamento e do presente recurso delimita-se ao 1.º tema da prova do Despacho Saneador - “Se o dinheiro existente na conta e aplicações financeiras/depósitos a prazo identificados nos arts. 16º e 17º, da p.i., com os saldos aí mencionados, foram aí aprovisionados com capitais próprios de FF (ou se metade desses capitais foram aí aprovisionados com capitais próprios de CC).”

V - O Tribunal a quo realizou uma incorrecta apreciação da prova ao considerar que a presunção só foi parcialmente elidida, face aos depósitos realizados por FF, comprovados por documentos, no valor de 60.000,00 €  e que o restante saldo, no valor de 150.762,56 € (210.762,56 € - 60.000,00 €) pertencia a ambos os titulares em partes iguais, posto que da restante prova documental se infere que a totalidade dos dinheiros depositados pertenciam em exclusivo ao pai da Autora e, consequentemente, a acção deveria ter sido julgada totalmente procedente.

VI - Exigir da Autora, a prova da totalidade da proveniência de cada depósito efectuado até ao montante de 210.762,56 € é impor-lhe um ónus desproporcional face às circunstâncias concretas do caso sub iudicie e determinar-lhe a obtenção de prova impossível de concretizar, o que se consubstancia numa luta desigual, face à presunção de que beneficiam os Réus e a uma violação do seu direito fundamental à prova e ao acesso efectivo à justiça.

VII - A antiguidade da conta em apreço, aberta no ano 2000 em nome de FF, e o facto da primitiva instituição bancária Banco 2... ter sido alvo de uma resolução, ditou que não fossem disponibilizados os extractos bancários anteriores a 2004, a primitiva ficha de conta depósito, nem os documentos pedidos pela Autora relativos à totalidade das operações bancárias, por impossibilidade do Banco 1... SA que, em 08/10/2024, informou os autos que
“(…) o Banco não localizou a documentação solicitada (…) o Banco não está em condições de explicar o porquê de tal inexistência e a razão do seu eventual extravio.”

VIII - O Tribunal a quo ciente desta dificuldade inultrapassável e de forma a não onerar a Autora com uma exigência desproporcional e impossível, deveria, na sua apreciação e decisão do mérito da causa, conciliar os dados objectivos disponíveis com os juízos de valor à luz de critérios de experiência, lógica e normalidade social, que apontam claramente para exclusiva propriedade de FF daqueles saldos.

IX - Resulta da Ficha de Conta Depósito da conta bancária em apreço, constante das páginas 4 e 5 do documento n.º 10 junto com a PI, que sete anos após a abertura da conta - ou seja, em 08/10/2007 - a conta foi alterada, substituída, com o ingresso como segundo titular de CC, pelo que, face à relevância de tal factualidade para o objecto da Acção, impõe-se aditar aos Factos Provados que:
1 - A conta bancária nº ...20 foi alterada em 08 de Outubro de 2007, com o ingresso de CC, como segundo titular.

X - A este facto aditado impõe-se realizar a sua conciliação com o teor do Extracto bancário n.º 32/2007, de 28/09/2007, cfr. página 101 da Certidão Judicial, junta sob o documento n.º 8 da PI, do qual se constata que, em momento anterior ao ingresso do segundo titular, o saldo da conta se quantificava em 217.438,99 €; e face a relevância de tal factualidade para o objecto da Acção, impõe-se aditar aos Factos Provados que:
2 - Antes da alteração realizada em 08/10/2007, com a inclusão de um segundo titular, a conta bancária nº ...20, em 01/10/2007, encontrava-se aprovisionada com 217.438,99 €.

XI - Uma análise cuidada dos extractos bancários permite apurar o trajecto do capital depositado na conta em apreço, antes e após o ingresso do segundo titular na conta, verificando-se que 185.000,00 € daquele saldo de 217.438,99 €, estava alocado a uma Aplicação Banco 2..., a qual, acrescida de juros, perfazia o valor de 188.299,59 €.

XII - Aquando do vencimento daquela Aplicação Banco 2..., a 01/10/2007, tal montante é transferido para outra conta do titular e, posteriormente, reingressa na conta em análise, sob a forma de duas transferências de 95.000,00 € para depósitos a prazo, respectivamente em 07/01/2010 e 07/01/2011 (Cfr. págs. 101,104, 121, 122, 129 e 130 do documento n.º 8 da PI).

XIII - Tais movimentos revelam que o saldo existente, entre a abertura e o encerramento da conta, sempre foi da propriedade exclusiva de FF, pois se se presume a propriedade do(s) titular(es) nas respectivas quotas, então o saldo, no valor de 217.438,99 €, depositado na conta em análise, antes do ingresso de segundo titular e na ausência de prova em contrário, tem de ser tido como propriedade exclusiva do respectivo e exclusivo primitivo titular.

XIV - O Banco 1... SA juntou ao processo 34 cheques, correspondentes à totalidade dos cheques emitidos desde 2012 até ao encerramento da conta, os quais foram sacados exclusivamente por FF, para pagamentos do próprio, no montante global de 138.926,65 €, valor correspondente a 67% do saldo que a conta apresentava à data do decesso do primitivo titular; e, face a relevância de tal factualidade para o objecto da Acção, impõe-se aditar aos Factos Provados que:
3 - Da conta bancária nº ...20, todos os cheques sacados no total de 34 cheques, foram emitidos por FF, no valor global de 138.926,65 €.

XV - Tal factualidade assume particular relevância, na medida em que desmente frontalmente a narrativa apresentada pelos Réus na Contestação, de que a conta em apreço seria uma conta titulada por FF e o pai, CC, para investimentos e aplicações financeiras conjuntas, pois comprova-se que, contrariamente ao alegado, aquele tanto utilizava a conta para investimentos financeiros, como para realizar diversos pagamentos pessoais do próprio, inclusivamente no período em que realizou avultadas obras de remodelação de um prédio, entre 2012 e 2014.

XVI - Verifica-se igualmente que CC não tem qualquer intervenção activa na conta em discussão e, relativamente ao segmento final do 2º tema da prova - (ou se metade desses capitais foram aí aprovisionados com capitais próprios GG), os Réus não juntaram qualquer prova, por inexistente; e, face à relevância de tal factualidade para o objecto da Acção, impõe-se aditar aos Factos Provados que:
4 - Na conta bancária nº ...20, não existe uma única entrada ou saída de capital, realizada pelo segundo titular CC.

XVII - O facto de a conta ser exclusivamente utilizada por FF, como se entende na decisão recorrida, o qual entre créditos e débitos movimentou cerca de 200.000,00 € (a quase totalidade do saldo que a conta apresentava) e o dispêndio do montante de 138.926,65 € para pagamentos do próprio, não encontra fundamentação nas regras da lógica, probabilidade e da experiência comum, como sendo uma mera “carta branca” do pai ao filho para movimentar a conta.

XVIII - Mais coerente com a realidade, face à grandeza dos montantes despendidos (67% do saldo), em conjugação com os rendimentos que o primitivo titular auferia (3.356,89 €) em relação aos rendimentos do segundo titular (400,00 €), é a circunstância muitíssimo habitual de um titular sendo solteiro e, como no caso dos autos, com uma filha menor e com uma incapacidade global permanente de 99% (ou seja, sem possibilidade de lhe acautelar a respectiva movimentação, em caso de necessidade), instituir o(s) pai(s) como segundo(s) titular(es), como, aliás, sucedeu com outras contas solidárias que o mesmo titulava (vide doc. n.º 10).

XIX - Do documento n.º 11 da PI resulta que FF, engenheiro civil, enquanto Tenente-Coronel na reserva, auferia um rendimento mensal de 3.356,89 €, cerca de 47 mil euros anuais, e da certidão judicial junta sob o documento n.º 8 da PI (Sentença penal) e da confissão dos Réus resulta que CC auferia uma reforma mensal no valor de 400,00 €, cerca de 5.500,00 € anuais; assim, face a relevância de tal factualidade para o objecto da Acção, impõe-se aditar aos Factos Provados que:
5 - FF auferia um vencimento mensal de 3.356,89 € e CC auferia de reforma mensal 400,00 €.

XX - Tal factualidade assume máxima relevância, considerando que, à luz de critérios racionais, da lógica e de máximas da experiência comum, a existência de uma conta bancária com o saldo de 210.762,56 € é coerente com o salário auferido pelo primitivo titular, na medida em que tal importância equivale a 4 anos e meio de rendimentos do próprio; e, em contrapartida, não é justificável com a reforma recebida pelo segundo titular, a qual equivale a 38 anos de reformas.

XXI - Enquanto prova complementar, a Autora juntou aos autos Escritura Pública de Compra e Venda de um prédio urbano, sito em ..., outorgada em 17 de Novembro de 2003, pela qual FF arrecadou 114.723,52 € (cento e catorze mil, setecentos e vinte e três euros e cinquenta e dois cêntimos), ou seja, após a abertura da conta em análise e antes da sua alteração, o Pai da Autora, além dos elevados rendimentos, obteve comprovadamente uma quantia pecuniária considerável, com a venda deste imóvel.

XXII - Da conjugação destes factos, cuja integração se requer no elenco dos Factos Provados, com o facto provado n.º 6 da douta Sentença recorrida - o depósito de 60.000,00 € por FF - sob a orientação de critérios de lógica, experiência comum e usos sociais, faz prova suficiente que o saldo depositado na conta em apreço era exclusivamente da propriedade de FF e, como tal, impõe-se alterar o facto não provado “1- Os saldos referidos em 4 e 5 dos factos provados (sem prejuízo do constante de 6) haviam sido exclusivamente aprovisionados por FF, com capitais próprios.”
e julgá-lo provado.

XXIII - Entender-se o contrário, ou seja, que os saldos não foram exclusivamente aprovisionados pelo primitivo titular e que a presunção não é elidida, é incompatível com o resultado probatório e com a decisão de justiça que a Autora merece.

XXIV - Em consequência da alteração da matéria de facto que se expôs e que se espera, respeitosamente, seja considerada por V/Exas., a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente procedente, condenando os Réus a restituir à Autora a quantia de 105.415,00 €, acrescida de juros de mora contados desde 05/06/2018 até integral pagamento.

Sem prescindir,

Caso o prudente arbítrio de V/Exas. entenda que a apreciação da prova produzida não impõe a alteração da matéria de facto nos termos apresentados e a procedência total da acção, subsidiariamente requer-se a alteração do facto provado n.º 6, nos termos e pelos fundamentos seguintes:

XXV - A factualidade resultante do documento n.º 10, ou seja, o ingresso de CC na conta titulada por FF em 08/10/2007, impunha que o Mmº julgador do Tribunal a quo, ao facto provado n.º 6, referente crédito de 60.000,00 € realizado por FF, adicionasse o saldo que a conta apresentava naquela data em que foi alterada, ou seja, 31.943,51 €, julgando provado que FF aprovisionara aquela conta com capitais próprios, no valor de 91.943,51€ (60.000,00 € + 31.943,51 €), proferindo sentença em conformidade e condenando os Réus a restituírem à Autora a quantia de 46.005,48 € [1] acrescida de juros de mora contados desde 05/06/2018 até integral pagamento.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
O recuso foi admitido pelo Tribunal a quo como «de apelação - art. 644º, n º 1, a), do C.P.C.», com subida «nos próprios autos - art. 645º, n º 1, a), do C.P.C.» e «efeito devolutivo - art. 647º, n º 1, do C.P.C.», o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [2].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [3], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
*
2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
Mercê do exposto, 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque  

. impunha que se aditassem cinco novos factos ao elenco dos provados, um primeiro («Em 08 de Outubro de 2007 a conta bancária nº ...20 foi alterada, com o ingresso de CC como segundo titular»), um segundo («Antes da alteração realizada em 08 de Outubro de 2007, com a inclusão de um segundo titular, a conta bancária nº ...20, encontrava-se em 01 de Outubro de 2007 aprovisionada com € 217.438,99»), um terreiro («Da conta bancária nº ...20, todos os cheques sacados, no total de 34 cheques, foram emitidos por FF, no valor global de € 138.926,65») , um quarto («Na conta bancária nº ...20 não existe uma única entrada ou saída de capital realizada pelo segundo titular, CC») e um quinto («FF auferia um vencimento mensal de € 3.356,89 e CC auferia uma reforma mensal de € 400,00»);

. e impunha que se desse como demonstrado o facto único não provado («Os saldos referidos em 4 e 5 dos factos provados - sem prejuízo do constante de 6 - haviam sido exclusivamente aprovisionados por FF, com capitais próprios») ?

2.ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se julgue a acção totalmente procedente (condenando-se os Réus no pedido formulado) ou, subsidiariamente, por forma a que se julgue a acção parcialmente procedente numa proporção diferente da que já o foi (condenando-se os Réus no pagamento da quantia de capital de € 46.005,47, acrescida de juros de mora vencidos, calculados à taxa supletiva legal, de 4% a ano, contados desde 05 de Junho de 2018 até integral e efectivo pagamento) ?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
3.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas reordenados - de forma lógica e cronológica, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [4] -, sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas - próprias apenas dos articulados [5] -, completados nos termos do art.º 607.º, n.º 4, II parte, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, e do art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), todos do CPC [6], e reidentificados):

1 - No dia 9 de Dezembro de 1952 nasceu DD (aqui co-Réu), sendo registado como filho de CC e de HH (conforme assento de nascimento respectivo, junto com a petição inicial e que qui se dá por integralmente reproduzido).
(facto aditado - documento autêntico não arguido de falso)

2 - No ano de 1955 nasceu FF, sendo registado como filho de CC e de HH (conforme assento de nascimento de AA, junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto aditado - documento autêntico não arguido de falso)

3 - No dia 22 de Janeiro de 1967 nasceu EE (aqui co-Réu), sendo registado como filho de CC e de HH (conforme assento de nascimento respectivo, junto com a petição inicial e que qui se dá por integralmente reproduzido).
(facto aditado - documento autêntico não arguido de falso)

4 - Em data anterior a 2004 FF abriu uma conta bancária à ordem no Banco 2..., S.A., a que foi inicialmente atribuído o n.º ...10 (sendo depois renumerada com o n.º ...20, mercê da integração daquela Instituição Bancária no Banco 1..., S.A.), sendo ele então seu único titular.
(facto aditado - extractos bancários que são documentos n.ºs 8 e 10 juntos com a petição inicial, e parcialmente juntos de novo com a contestação e pelo Banco 1..., S.A., não impugnados)
 
5 - No dia 18 de Outubro de 2002 nasceu AA (aqui Autora), sendo registada como filha de FF e de BB (conforme assento de nascimento respectivo, junto com a petição inicial e que qui se dá por integralmente reproduzido).
(facto aditado - documento autêntico não arguido de falso)

6 - Em 01 de Outubro de 2007 a conta bancária à ordem n.º ...10 de Banco 2..., S.A. (depois renumerada com o n.º ...20, do Banco 1..., S.A.), titulada por FF, apresentava o saldo de € 217.438,99.
(facto aditado - extractos bancários que são documento n.º 8 junto com a petição inicial, e parcialmente juntos de novo pelo Banco 1..., S.A., não impugnados)
 
7 - No dia 08 de Outubro de 2007 CC passou a ser co-titular da conta bancária à ordem n.º ...10 de Banco 2..., S.A. (depois renumerada com o n.º ...20, do Banco 1..., S.A.), conjuntamente com FF, passando a mesma a ser solidária.
(facto aditado - extracto bancário que é documento n.º 10 junto com a petição inicial, e parcialmente junto de novo com a contestação e pelo Banco 1..., S.A., não impugnado)

8 - Até ../../2018 todos os cheques sacados sobre a conta bancária nº ...20, do Banco 1..., S.A. (num total de 34) foram emitidos por FF, no valor global de € 138.926,65.
(facto aditado - informação prestada e cheques juntos pelo Banco 1..., S.A., não impugnados)

9 - Até ../../2018, na conta bancária nº ...20, do Banco 1..., S.A., não existe uma única entrada ou saída de capital realizada pelo segundo titular, CC.
(facto aditado - informação prestada e cheques juntos pelo Banco 1..., S.A., não impugnados)

10 - Em ../../2018 FF auferia uma pensão de reforma mensal de € 3.356,89 (como engenheiro/tenente coronel na reserva do Exército Português); e CC auferia uma pensão de reforma mensal de cerca de € 400,00.
(facto aditado - documentos n.ºs 8 e 11 juntos com a petição inicial, não impugnados, e confissão dos Réus)

11 - No dia ../../2018 faleceu FF.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1)

12 - FF deixou como única e universal herdeira a sua filha, aqui Autora (conforme escritura de «Habilitação de Herdeiros» de 19 de Fevereiro de 2018, junta com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2)

13 - À data da sua morte, FF era proprietário de dois prédios urbanos, designadamente uma casa de dois andares e logradouro, sita no lugar ..., freguesia ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...37 e descrito na Conservatória ..., e a sua própria casa de habitação, sita na Avenida ..., no ....
(facto aditado - documento autêntico n.º 8 junto com a petição inicial, não arguido de falso)

14 - À data da morte de FF a conta bancária solidária à ordem com o n º ...20, sediada no Banco 1..., S.A., co-titulada por ele e por CC, apresentava um saldo de € 36.638,87.
(factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 3 e 4)

15 - À data da morte de FF, associadas à conta bancária solidária à ordem com o n º ...20, sediada no Banco 1..., S.A., havia as seguintes aplicações financeiras/depósitos a prazo: conta poupança ... I, n.º ...71, com o saldo de € 78.000,00; e conta poupança ... I, n.º ...71, com o saldo de € 96.123,69.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 5)

16 - FF aprovisionara a conta bancária solidária à ordem com o n º ...20, sediada no Banco 1..., S.A., com capitais próprios, no valor de € 60.000,00.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 6)

17 - Em ../../2018, CC transferiu € 105.415,00 da conta bancária solidária à ordem com o n.º ...20, sediada no Banco 1..., S.A., para uma conta titulada por si próprio.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 7)

18 - Em 05 de Junho de 2018, CC transferiu a quantia de € 105.415,00 referida no facto provado anterior para os Réus (DD e EE).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8)

19 - Os Réus (DD e EE) eram sabedores da proveniência da quantia de € 105.415,00 referida nos dois factos provados anteriores.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 9)

20 - Em 12 de Maio de 2022, mercê de prévia queixa crime apresentada pela Autora (AA), foi proferida sentença no Processo Penal n.º 7694/18.9T9PRT (que correu termos no Juízo Local Criminal do Peso da Régua), sendo o aí arguido CC condenado pela «prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. pelo disposto no art. 203.º, n.º1 e 204.º, n.º2, al. a), do C. Penal», sentença essa que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
«(…)
1. Os arguidos CC e EE são, respectivamente, pai e irmão de FF, este falecido em dia não apurado do mês de Fevereiro de 2018, mas anterior ao dia 15.
2. AA, nascida em ../../2002, é filha do mesmo FF e, por sua vez, neta do arguido CC.
3. AA é a única e universal herdeira de FF, sendo que, à data da morte de seu pai, este ex-companheiro de sua mãe, era ainda menor de idade.
4. A mesma AA é portadora de uma deficiência, padecendo de paralisia cerebral, tendo, em 13.01.2017, sido atribuída uma incapacidade permanente global de 99%, sendo 70% motora, necessitando a mesma de cuidados médicos continuados e da assistência permanente de uma terceira pessoa.
5. Por sentença data de 1 de Junho de 2017, devidamente transitada em julgado, FF foi condenado na prestação mensal de 700,00€, a título de alimentos a sua filha, mediante desconto na pensão de reforma que auferia, acrescida de €30,00, por conta das prestações vencidas, até ao total de €5.600,00. Mais adquiriu uma mobília para o quarto da sua filha, adaptada às suas incapacidades.
6. O falecido tinha registado em seu nome o prédio urbano (casa de dois andares e logradouro) sito no lugar ..., freguesia ..., ..., inscrito na matriz sob o art. ...37 e descrito na Conservatória ...) e um prédio urbano (casa de habitação), sito na cidade ..., na Av. ..., ..., bem como os móveis (recheio das mesmas habitações).
7. Era ainda titular da conta à ordem nº ...20 (...), no Banco 1..., possuindo a mesma conta, em 22.02.2018, o saldo de €36.638,87.
8. E, associado à mesma conta, possuía as aplicações financeiras/depósitos a prazo (poupança ... I, n.º ...71, com o saldo total de €78.000,00 e poupança ... I n.º ...71, com o saldo total de €96.123,69, perfazendo tudo o montante global de €210.762,56.
9. Possuía, ainda, carteira de títulos ( Ac. Banco 2... SA) – 154511.
(…)
18. Acresce que, após a morte do filho, concretamente, no dia 02.03.2018, o arguido CC decidiu transferir da dita conta do Banco 1... (conta solidária de que era o mesmo titular e também a sua mulher e os outros filhos, o arguido EE e ainda FF), a qual apenas podia movimentar para fazer levantamentos/transferências com autorização do filho - pois apenas a este o dinheiro pertencia - transferiu para uma sua conta a quantia de €105.415,00 e, para a conta da neta AA, a quantia de €105.394,86.bem sabendo que todo o saldo da conta, e não apenas metade, pertencia à única herdeira do filho, ou seja, à sua neta AA.
(…)
20. Ao actuar da forma descrita em 17, agiu o arguido CC com intenção de se apropriar da dita quantia em dinheiro, que estava depositada na referida conta, o que quis e conseguiu, bem sabendo que lhe não pertencia, mas à herança do filho, da qual é herdeira a mesma AA, e que actuava sem autorização e contra a vontade desta e da assistente, sua representante, causando-lhe prejuízos no referido montante de que se apropriou.
21. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime.
*
Já no que diz respeito à conta bancária, apesar da mesma ter mais do que um titular, dos documentos juntos aos autos, podemos ver que quem aprovisionava a conta era o falecido e, até à sua morte, as movimentações da conta eram todas por si operadas. O que nos permitem concluir que os valores que aprovisionavam a conta lhe pertenciam em exclusividade.
Também da documentação junta aos autos, podemos constatar que, quem fez a movimentação depois do decesso do falecido, foi seu pai, ou alguém a seu mando.
(…)
Na verdade, uma coisa é o direito de crédito de que é titular o depositante numa conta solidária, presumindo-se, por força do disposto no art. 516.º do CC, que os credores solidários comparticipam em partes iguais no crédito. Outra coisa, bem distinta, é o direito de propriedade das quantias depositadas na referida conta. Na verdade, a presunção estabelecida no citado normativo legal de que os credores solidários comparticipam em montantes iguais no crédito é uma presunção ilidível, bem podendo acontecer que sejam distintos os montantes dos respectivos créditos ou até exclusivo de um só dos titulares da conta. Se, designadamente, se provar que o dinheiro do depósito tem origem na propriedade exclusiva de um dos titulares da conta, ilidida fica, necessariamente, a presunção de comparticipação igualitária no crédito consubstanciado no depósito, estabelecida no referido art. 516.º
Com efeito, demonstrado ficou, que o dinheiro depositado na conta, que sempre fora aprovisionada pelo falecido (sendo este quem fazia todas as operações em tal conta) constituía exclusiva propriedade deste. E sendo assim, manifesto é que ao transferir para uma conta da sua exclusiva titularidade determinada quantia depositada na conta que titulava em conjunto com o falecido (no regime de solidariedade), fazendo-o contra a vontade da herdeira deste, agiu em prejuízo desta, apropriando-se de coisa (neste caso quantia monetária) que não lhe pertencia.
Certo é que o arguido CC se apropriou de quantia monetária que não lhe pertencia, e bem sabia não lhe pertencer, fazendo-o contra a vontade da sua legítima dona.
(…)»
(facto aditado - documento autêntico junto como n.º 8 com a petição inicial e não arguido de falso)

21 - No dia ../../2022 faleceu CC, com 92 anos de idade (conforme assento de óbito junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 10)

22 - Mercê da morte de CC foi declarado extinto o procedimento quanto ao mesmo, não chegando a ser apreciado o recurso que interpusera da condenação penal de que fora alvo.
(facto aditado - documento autêntico junto como n.º 8 com a petição inicial e não arguido de falso)
 
23 - Os Réus (DD e EE), conjuntamente com a Autora (AA), são os únicos e universais herdeiros de CC (conforme escritura de «HABILITAÇÃO DE HERDEIROS» de 21 de Abril de 2023, junta com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 11)
*
3.1.2. Factos não provados

Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou não provado:
 
1 - Os saldos referidos em 14 e 15 dos factos provados (sem prejuízo do constante em 16) haviam sido exclusivamente aprovisionados por FF, com capitais próprios.
*
3.1.3. Objecto útil do recurso sobre a matéria de facto
Face ao cumprimento do dever de completude (na decisão recorrida) da matéria de facto julgada como provada, imposto a este Tribunal ad quem pelo art.º 607.º, n. 4, II parte, do CPC (aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma), verifica-se que o objecto útil do recurso sobre a matéria de facto interposto pela Autora (AA) ficou agora reduzido ao facto único não demonstrado na sentença recorrida.
Com efeito, pretendendo a mesma que fossem ainda aditados ao elenco dos factos aí provados cinco novos, que enunciou, verifica-se que os mesmos já foram oficiosamente considerados por este Tribunal ad quem, naquele preciso elenco.
Declara-se, por isso, prejudicado, nesta parte, o conhecimento do dito recurso (sobre a matéria de facto), por inútil.
*
3.2. Modificabilidade da decisão de facto
3.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art.º 389.º (para a prova pericial), art.º 391.º (para a prova por inspecção) e art.º 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art.º 607.º, do CPC citado).

Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
*
3.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova
3.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação
Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art.º 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.).
*
3.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [7] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).
Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).
«É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325).
 «Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).
É, pois, irrecusável e imperativo que, «tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia», não bastando nomeadamente para o efeito «reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo).
Compreende-se que assim seja, isto é, que a «censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não» possa «assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão» (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de Março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. 
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
*
3.2.2.3. Caso concreto (cumprimento do ónus de impugnação)
Concretizando, considera-se que a Autora (AA) recorrente cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, do CPC (conclusão distinta de saber se existe fundamento para a pretendida alteração do facto único julgado como não provado).

Com efeito, a Recorrente (AA) indicou, no corpo das alegações e nas conclusões do seu recurso: os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados (o facto único não provado enunciado na sentença recorrida); os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente (uma diferente ponderação da prova documental que selecionou para esse efeito); e a decisão que, no seu entender, se impunha (o dar-se como demonstrado o facto único não provado na sentença recorrida).

Já relativamente ao juízo crítico próprio da Recorrente (Autora), assentou o mesmo na reclamação de uma diferente valoração a fazer da prova documental que selecionou para esse efeito, nomeadamente mercê das regras da experiência.
Recorda-se, a propósito, que os art.ºs 640.º, n.º 1, al. b), e 662.º, n.º 1, do CPC, afirmam inequivocamente que a matéria de facto previamente julgada deverá ser alterada quando a prova produzida imponha decisão diversa da recorrida, e não apenas quando a admita, permita ou consinta. Ora, para esse efeito, o recorrente terá que contrariar a apreciação crítica da prova realizada pelo Tribunal a quo, demonstrando e justificando por que razão as regras da lógica e da experiência por ele seguidas não se mostrariam razoáveis no caso concreto, conduzindo a um resultado inadmissível, por não sufragado por elas.
Por outras palavras, admitindo-se necessariamente que o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos, e consultou criteriosamente os documentos escolhidos, certo é que fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida e às regras da experiência. Assim, pretendendo o recorrente sindicar este juízo, importará que indique as razões objectivas pelas quais entende que à prova que seleccionou (já antes vista e apreciada pelo Tribunal a quo) deveria ter sido dada outra relevância, o que a simples reiteração do seu conteúdo, e a reclamação conclusiva da respectiva suficiência, é claramente inidónea para este efeito.
Ora, no caso dos autos, a Autora (AA) recorrente fê-lo de forma inteiramente idónea, ao analisar minuciosamente a documentação bancária, e não só, junta aos autos; e ao explicitar as razões pelas quais, mercê das regras da experiência e das vicissitudes de produção de prova do próprio processo, a mesma deveria merecer uma ponderação diferente da realizada pelo Tribunal a quo.
Acresce que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem defendendo que a menor suficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (conforme Ac. do STJ, de 19.02.2015, Tomé Gomes, Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1).   
Está, assim, este Tribunal da Relação em condições de poder proceder, nos termos autorizados pelo art.º 640.º, do CPC, à reapreciação da matéria de facto pretendida pela Autora (AA), aqui recorrente.
*
3.3. Modificabilidade da decisão de facto - Caso concreto
. Natureza dos capitais depositados na conta bancária solidária em causa nos autos.
Veio a Recorrente (Autora) defender no seu recurso ter sido feita prova nos autos que foi exclusivamente com capital próprias de FF que foi provisionada a conta solidária que o mesmo detinha com o respectivo pai.
Esta matéria encontra-se vertida no facto único não provado enunciado na sentença («Os saldos referidos em 14 e 15 dos factos provados (sem prejuízo do constante de 6) haviam sido exclusivamente aprovisionados por FF, com capitais próprios»).

A Autora (AA) recorrente invocou a suficiência da prova produzida, nomeadamente documental, para, face às regras da experiência e às vicissitudes probatórias dos próprios autos, se dar como provado o facto sindicado.

Começa-se por considerar o juízo de prova vertido na sentença recorrida, para depois se aferir da bondade da sindicância que lhe foi feita pela Recorrente (Autora).
Assim, ponderou a mesma para este efeito (com bold apócrifo, aposto nos segmentos que se consideram mais significativos para a sindicância em causa):
«(…)
Não formámos convicção suficientemente segura da veracidade da factualidade constante de 1 dos factos não provados e, por isso, a considerámos não provada - art. 414º, do C.P.C. e 346º, do C.C.
A prova testemunhal, assim como os depoimentos e as declarações de parte produzidas não deram um contributo muito significativo para se ficar a saber quem aprovisionara a conta em questão/de quem eram os fundos em causa.
Ficámos, a este respeito, confinados, essencialmente, à prova documental junta aos autos.
E dela decorre, nomeadamente que, 34 cheques sacados sobre a conta em causa, que foram juntos aos autos, foram sacados apenas por FF.
Fica-se com a ideia de que, quem movimentaria a referida conta seria apenas FF.
Porém, tal não é bastante para nos permitir concluir, com elevado grau de segurança, que os fundos existentes na conta pertencessem apenas a FF.
FF era filho de CC e, da prova produzida, decorreu que teria com este uma relação de grande afetividade/proximidade/confiança.
Era natural que, neste contexto, o pai desse “carta branca” ao filho para movimentar a conta em causa (até porque, quer um quer outro, teriam outras contas bancárias próprias, como decorre, nomeadamente, dos depoimentos dos R.R. e da mãe da A.) e que pudesse ser apenas ele a movimentá-la; sem que de tal se possa extrair, com a devida e necessária segurança, que os capitais ali creditados pertencessem apenas ao filho.
Acresce que, pese embora FF pudesse, muito provavelmente (atenta a sua profissão), ter um salário muito mais elevado do que a pequena reforma auferida por CC, tal também não se mostrou muito relevante para se aferir de quem seriam os capitais em causa, uma vez que também se produziu prova (depoimentos dos R.R. e de várias testemunhas) de que, CC fora uma pessoa que auferira rendimentos ao longo da sua vida, ao ponto de ser a pessoa que, na localidade onde residia, emprestava dinheiro a juros a terceiros.
Importa ainda dizer que, FF terá construído ou reconstruído uma casa, alegadamente entre 2007/2008 e 2013 (como dito pelo R. EE), na qual terá gasto (segundo o R. EE) o montante de € 300.000,00.
Decorre também do depoimento de II que, FF se terá arrependido de investir tanto nessa casa.
Tal ajuda também a criar dúvida sobre se todo o dinheiro em causa nos autos seria de FF.
Efetivamente, com ressalva dos 8 cheques juntos aos autos titulados por FF e, que foram creditados na conta em causa, no valor total de € 60.000,00 (conforme decorre da prova documental), não estamos minimamente seguros de quem (se FF ou o pai) terá creditado a conta com outros valores e quais eles fossem e, daí, havermos considerado não provada, a factualidade constante de 1 dos factos não provados.
(…)»

Ora, ouvida integralmente toda a prova pessoal produzida em sede de audiência de julgamento, e consultados os documentos juntos aos autos, afirma-se desde já que se não se corrobora o juízo probatório do Tribunal a quo.
*
Com efeito, começa-se por recordar (como de alguma forma também o fez a Autora nas suas alegações de recurso) que «o standard de prova deve variar segundo a matéria concreta que esteja em litígio, designadamente em função dos bens ou direitos que se encontram em jogo, em função da importância e necessidade de obter uma decisão célere bem como dos custos expectáveis da produção e análise da informação potencialmente relevante». Assim, «o standard de prova deve ser mais exigente quanto maior for a improbabilidade do evento alegado colhe todo o sentido».
Compreende-se, por isso, que se afirme que «o standard deve operar como uma pauta móvel que tem de ser permanentemente concretizada ao ser aplicada ao caso concreto» (Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 2017 - 3.ª edição, Almedina, Janeiro de 2017, págs. 174 e 175, com bold apócrifo).

Mais se recorda que se lê no art.º 516.º do CC (aplicável a uma conta bancária solidária, como a dos autos), que, nas «relações entre si, presume-se que os (…) credores solidários comparticipam em partes iguais (…) no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve (…) obter o benefício do crédito».
Ora, estando aqui consagrada uma presunção legal, resulta do art.º 350.º, n.º 1, do CC que o credor solidário que a tem a seu favor «escusa de provar o facto a que ela conduz», isto é, que metade do crédito lhe pertence; mas a dita presunção pode, todavia, ser elidida mediante prova em contrário, conforme n.º 2 do preceito citado, isto é, demonstrando o outro credor que afinal é a si que pertence todo o crédito, ou uma proporção distinta da sua presumida metade.

Revertendo ao caso dos autos, beneficiando CC, como co-titular de conta bancária solidária igualmente titulada pelo seu filho FF, da presunção de que metade do respectivo saldo lhe pertencia, teria que ser a Autora - enquanto herdeira de seu pai (o dito FF) e após morte deste - a provar que assim não sucedia, isto é, que fora o mesmo quem exclusivamente a provisionara com capitais próprios.
Ora, estando em causa uma conta bancária, esta prova seria expectavelmente de natureza documental (v.g. ordens de transferências realizadas para a dita conta, depósitos nela efectuados); e facilmente acessível à parte não beneficiada com a presunção (isto é, a quem cabe a sua elisão), já que lhe bastaria pedir à Instituição Bancária em causa (por intermédio do Tribunal, atento o sigilo bancário que à mesma cumpre salvaguardar) informação documentalmente suportada sobre ela.
Contudo, e tendo em conta a vetustez da abertura da dita conta (necessariamente anterior a 2004) e, sobretudo, a posterior integração da Instituição Bancária originária (Banco 2..., S.A.) numa outra (Banco 1..., S.A.), veio esta última informar os autos da impossibilidade de fornecer as informações e os documentos desde logo referidos como pretendidos pela Autora no final da sua petição inicial, idóneos a demonstrarem a sua pretensão, ou a falta de fundamento da mesma (v.g. primitiva ficha de assinaturas da conta bancária em causa, extractos bancários anteriores ao ano de 2004, e/ou outros movimentos, como transferências e depósitos).
Com efeito, e na sequência de reiteradas notificações de que foi alvo pelo Tribunal a quo, a pedido da Autora (AA), veio o Banco 1..., S.A., informar que:
. em 08 de Outubro de 2024 - o «Banco diligenciou pela obtenção da documentação em causa.
Após todas as pesquisas efetuadas junto de arquivo que recebeu do Ex Banco 2..., S.A., o Banco não localizou a documentação solicitada, sendo certo que por reportar-se a momento anterior à medida de resolução imposta pelo Banco de Portugal ao ”Banco 2...” em 20 de Dezembro de 2015, nos termos dos artigos 145.º-M e N, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, o Banco não está em condições de explicar o porquê de tal inexistência e a razão do seu eventual extravio».
. e em 14 de Novembro de 2024 - «Relativamente às operações solicitadas, do período de 27.01.2014 a 09.09.2016, e na sequência das anteriores comunicações, informamos que o Banco diligenciou todos os esforços pela obtenção da documentação em causa.
De todas as pesquisas efetuadas junto de arquivo que recebeu do Ex Banco 2..., S.A., o Banco não localizou a documentação solicitada».

Ora, face a esta relevante e acrescida dificuldade de prova (que a de natureza pessoal também dificilmente colmataria, face ao corte de relações entre a Autora e FF e a respectiva família [8]), para a qual a parte assim prejudicada em nada contribuiu, continuar a exigir-lhe o mesmo tipo de prova próprio das demais e normais situações de elisão da presunção legal em causa (v.g. prova documental directa de transferências e depósitos que perfizessem, exacta e contemporaneamente, a quantia de € 105.415,00) redundaria numa insensibilidade ao standard de prova próprio das especificidades do caso concreto.
Dizê-lo, porém, não significa que se esqueça a dita presunção legal, mas sim que, na sua elisão, se terá de atender, não só ao conjunto de toda a prova produzida sobre todos os factos relevantes (essenciais e instrumentais), como ao próprio comportamento processual de cada uma das partes (nomeadamente, à respectiva coerência face à sustentação da sua pretensão); no que tange à prova documental, que deverá a mesma ser reconhecida e valorada (e não desvalorizada e/ou desconsiderada) ainda que não seja específica e directamente reportada à origem de cada um dos provimentos de conta feitos; e que na ponderação global de toda a prova ainda assim disponível, dever-se-á conferir particular importância às regras da experiência, isto é, ao crivo do que é normal acontecer no que à generalidade das pessoas diz respeito.
*
Explicados e justificados (no caso concreto) estes critérios gerais de apreciação da prova, e começando pelo elenco actualizado dos factos provados, verifica-se que, antes de CC se tornar co-titular da conta bancária em causa, em 08 de Outubro de 2007, a mesma (que fora aberta por FF em data anterior a 2004) apresentava um saldo de € 217.438,99; e que o mesmo se tem que ter (face ao teor dos autos) da sua exclusiva propriedade.
Verifica-se ainda, dos extractos bancários juntos aos autos logo com a petição inicial e depois parcialmente repetidos pelos também juntos pelo Banco 1..., S.A. (na sequência de notificações judiciais recebidas para o efeito), que na referida conta havia uma frequente entrada e saída de capitais, que iam sendo alocados a contas a prazo ou a aplicações financeiras.
Assim, parte do saldo de € 217.438,99 referido supra, no montante de € 185.000,00, estava retido numa Aplicação Banco 2..., que se venceu precisamente a 01 de Outubro de 2007; após o respectivo vencimento, essa quantia acrescida de juros perfazia o valor de € 188.299,59, tendo sido transferida para outra conta; e, finalmente, tal valor reingressou na conta em causa, sob a forma de duas transferências de € 95.000,00 cada uma, para depósitos a prazo, em 07 de Janeiro de 2010 e em 07 de Janeiro de 2011 (tudo conforme documento n.º 8 junto com a petição inicial, de fls. 101 a 130).
 Logo, e tal como reconhecido pelos próprios Réus (Herdeiros de CC) na sua contestação, resulta provada, não só a propriedade exclusiva do elevado saldo de € 217.438,99 por parte de FF, com a desenvoltura deste na sua reiterada e bem sucedida aplicação (à semelhança do que sucederia com outros saldos posteriores).
Já quanto ao seu pai, à data já com 77 anos de idade, e mesmo admitindo que tivesse sido comerciante (explorando uma padaria, sendo agricultor e viticultor, e realizando negócios imobiliários), não seria expectável que confiasse na mesma medida em negócios bolsistas, actividade de reprodução de riqueza sem o suporte físico e material próprio daquela que toda a vida tinha exercido; e, talvez por isso mesmo, tradicionalmente exercida por gente mais nova e academicamente diferenciada (como era o caso do seu filho, engenheiro militar com menos vinte e cinco anos do que ele próprio).
Contudo, e ainda que assim não fosse, e tivesse de facto aplicado «valores em vários produtos financeiros, incluindo na bolsa de valores» (conforme igualmente alegado na sua contestação), não se pode deixar de estranhar que essa prova documental, tão acessível e fácil de fazer pelos Réus (Herdeiros de CC), tenha ficado de todo omissa nos autos.
*
Prosseguindo, atende-se ainda à prova dos elevados rendimentos mensais regulares de FF, face ao carácter parco dos auferidos no mesmo período de tempo por seu pai, CC, já que as suas pensões de reforma seriam, em Fevereiro de 2018 e respectivamente, de € 3.356,89 e de cerca de € 400,00; e nada foi alegado ou demonstrado nos autos que faça presumir que, no passado, de outro modo tenha sucedido.

Tem-se, porém, presente que, logo em sede de contestação, os Réus (Herdeiros de CC) vieram alegar ser CC titular de «um significativo património que, aliás, em grande parte, doou aos filhos»; e de «várias poupanças de valores elevados».
Contudo, e tendo os Réus (Herdeiros de CC) na mesma ocasião afirmado «protesta juntar comprovativo» (bold apócrifo), certo é que, e novamente, nunca o fizeram, quando esta prova igualmente lhes seria acessível e fácil. Foi antes a Autora (AA) quem, pelo contrário, tendo desde logo alegado na sua petição inicial ser FF titular de elevado património, o viu depois confessado pelos Réus (Herdeiros de CC), quando na sua contestação afirmaram  ascender o património de natureza imobiliária do irmão «a 1(um) milhão de euros»; e somar-se a ele outros bens móveis, depósitos bancários e pensões, sendo o valor deste outro conjunto sempre superior a € 170.000,00.
Concluíram, inclusivamente, os Réus (Herdeiros de CC), face ao valor da herança paterna, que «não tem a A. qualquer carência de natureza financeira», o que não só não consubstancia critério de decisão nos autos, como não nos parece consentâneo com a sua idade actual (fará 23 anos no próximo dia 18 de Outubro) e com uma incapacidade permanente global de 99%, já que nada foi alegado, nem provado, quanto a uma reduzida esperança de vida sua.
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Prosseguindo novamente, e ainda em sede de provimentos realizados na conta bancária solidária em causa, verifica-se ter ficado provada nos autos a transferência para mesma de € 60.000,00 de capitais próprios de FF, mercê de irrefutável prova documental, isto é, conforme extractos bancários e oito cheques por ele depositados.
Ora, e novamente (nunca, porém, esquecendo a presunção legal em causa), certo é que outro tanto não foi feito pelos Réus (Herdeiros de CC), isto é, não foi por qualquer modo demonstrado (nomeadamente, por meio de acessíveis comprovativos de transferências ou depósitos bancários, fáceis de obter por eles) que do mesmo modo tenha procedido CC, quer directamente, quer por intermédio do filho FF (que se limitaria a executar materialmente uma transferência ou depósito com fundos do próprio pai).
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Prosseguindo uma vez mais, e considerando agora a identidade de quem foi movimentando, ao longo dos diversos anos, a conta bancária solidária em causa, verifica-se ter ficado assente nos autos que a totalidade de cheques emitidos sobre ela (34, emitidos desde Março de 2012 até ao seu encerramento, no valor global de € 138.926,65) foram exclusivamente sacados por FF; e nenhum sequer por CC.
Compulsados ainda os ditos 34 cheques (cujo valor global representa cerca de 67% do saldo que a conta apresentava à data da morte de FF), verifica-se que os mesmos foram utilizados para pagamentos indiscutivelmente pessoais (vg. à oficina Garagem Camões, sita no distrito ..., cidade onde residia o Sacador, condomínio... - Administração Condomínio ..., relativo ao prédio onde residia), ou para subscrição de outros produtos financeiros, mercê de transferências feitas para outras contas bancárias tituladas por FF (designadamente, no Banco 3..., S.A.).
Ora, não nos parece crível que, sendo os fundos quer de FF, quer do seu pai, em partes iguais, só aquele movimentasse a dita conta, já que, desde o ingresso deste segundo na mesma, não existe um único cheque emitido ou depositado, nem qualquer outra operação bancária, ordenada por ele; e que FF procedesse a essa exclusiva movimentação de forma tão frequente e desenvolta, e em proveito exclusivo de si próprio, já que nenhuma outra prova (nomeadamente, documental) foi produzida nos autos que o infirmasse (o que, de novo, seria acessível aos Réus e fácil de concretizar).

Acresce que, a ser verdade a tese dos Réus (Herdeiros de CC), também não se compreenderia que sendo eles próprios irmão mais velho e irmão mais novo de FF, este solteiro, e o pai de todos co-proprietário de metade dos fundos existentes na conta solidária em causa, nenhum deles figurasse igualmente na mesma (como, de resto, é habitual suceder em fratrias múltiplas).
Com efeito, se há coisa que a partir de determinada altura os pais receiam, à medida que vão envelhecendo e antecipando a sua morte, é que após esta os filhos (irmãos entre si) se venham a desentender por questões de dinheiro e partilhas. Assim, não raro partilham em vida os seus bens, ou parte substancial dos mesmos, à semelhança do que os Réus (Herdeiros de CC) afirmaram na sua contestação, a propósito do alegado «significativo património» do pai, «que, aliás, em grande parte doou aos filhos»; e quando o não fazem de todo, ou face ao remanescente não partilhado, tentam agir da forma mais transparente possível, por forma a não permitir a futura criação de desconfianças e suspeitas entre os filhos.
Ora, assim sendo (como, atento o teor a contestação, parece ter sido também o caso de CC), não se compreende que o mesmo possuísse tão avultados saldos bancários exclusivamente titulados por um dos seus filhos (e não simultaneamente por um qualquer dos outros dois); e filho cuja única herdeira era menor (e em adulta necessariamente incapaz), sendo representada em caso de morte do pai por uma mãe com a qual não mantinha relações. Logo, para um comerciante de toda uma vida, alegado homem avisado em questões de dinheiro, esta seria, indiscutivelmente, uma péssima opção de salvaguarda do que fosse seu.
Já vendo a questão pelo prisma de FF, e «atenta e relação de grande afetividade/proximidade/confiança» existente entre ele e o pai (atestada pela prova pessoal produzida e conforme afirmado na motivação da decisão de facto na sentença recorrida), compreende-se que, sendo o exclusivo proprietário dos fundos existentes na conta bancária em causa, encontrasse em CC o co-titular de absoluta confiança, por forma a salvaguardar uma eventual e necessária movimentação, em caso de impedimento próprio; e, nestas circunstâncias, conhecidas pelos seus irmãos, nada houvesse a acautelar junto dos mesmos.
*
Pondera-se por fim, face a esta plúrima, indiscutível e coerente prova (sobretudo documental) produzida pela Autora (AA), que não foi de forma inédita em juízo que ficou por produzir qualquer outra em sentido contrário, quer pessoalmente por CC, quer pelos seus Herdeiros, já que um e outros se limitaram, antes e agora, a invocar em seu benefício a presunção legal consagrada no art.º 516.º do CC (já referida supra).
Com efeito, no processo crime de que foi alvo, por denúncia dos mesmos factos aqui em causa, e mesmo incorrendo no risco de condenação por um crime de furto qualificado (como, de resto, viria a suceder), CC remeteu-se ao silêncio total em audiência de discussão e julgamento. Ora, sendo esse um seu indesmentível direito, certo é que o seu exercício não é consentâneo com quem, no final da vida, se vê falsamente acusado de algo que não cometeu; e que naquela sede poderia cabalmente esclarecer, nomeadamente produzindo a acessível e fácil prova documental que prontamente o ilibaria da acusação feita. Repete-se, nada disso  sucedeu no dito processo crime.
Já vendo a questão por outro prisma, da efectiva prática por CC do crime por que era acusado, compreende-se que, tendo sido a «pessoa séria e honrada» que se afirma na contestação destes autos, «assim considerado na comunidade em que esteve inserido», e independentemente das motivações que, no caso concreto, tivessem determinado a sua acção de apropriação, possuísse natural dificuldade, se não mesmo interior aversão, em mentir em juízo. Para o efeito contribuiria decisivamente a sua idade (tinha então mais de 90 anos), tendo crescido e sido formado num regime habituado a reconhecer a autoridade do Estado, de que um Tribunal (nomeadamente, a sua sala de audiências) é exemplo, tal como o era o seu filho decesso, enquanto oficial do Exército Português.
Logo, e não obstante a dita sentença condenatória não tenha chegado a transitar em julgado (por ter falecido antes da apreciação do recurso que dela interpusera), este objectivo comportamento do ali arguido e pai dos aqui Réus (Herdeiros de CC) não pode deixar de ser valorado em favor da elisão da presunção legal em causa, por exuberantemente contrariar o que são as regras do normal acontecer em hipóteses análogas.

Do mesmo modo se terá que avaliar o comportamento processual dos próprios Réus (Herdeiros de CC), ao reiterarem nesta acção aquela que foi a postura do pai no processo crime de que foi alvo.
Com efeito, afirmando na sua contestação que «são manifestamente ofensivas da sua [do pai] honra e dignidade as expressões insultuosas» usadas na petição inicial para descrever a alegada apropriação de fundos por parte de CC [9], «o que demandará a instauração de processo crime por ofensa a memória de pessoa falecida», certo é que, não só não demonstraram a concretização dessa sua anunciada intenção, como não acautelaram, em termos de produção efectiva e segura de prova (nomeadamente, documental), acessível e fácil para eles próprios, o seu sucesso (mais uma vez se escudando na mera presunção legal de que beneficiavam, prevista no art.º 516.º do CC, e na antecipada, por si próprios, dificuldade, senão mesmo impossibilidade, da Autora em a contrariar).
Dir-se-á, porém, que, se de acordo com as regras da experiência, o empenho posto pela generalidade das pessoas na defesa do respectivo património é bem mais intenso quando o reconhecem (verdadeira e efectivamente) como seu, face àquele que apenas lhe é imputado como tal (mas que elas próprias sabem que assim não sucede), então o comportamento dos Réus (Herdeiros de CC) nos autos ganha uma outra compreensão; e novamente desfavorável à sua pretensão.
*
Concluindo, por apelo a quanto se deixou já dito - nomeadamente, à efectiva, segura e coerente prova produzida pela Autora (face àquela que lhe era possível e estava disponível), a qual se mostrou absolutamente conforme com as regras da experiência, e ao facto dos Réus se terem praticamente limitado a invocar em seu benefício uma presunção legal, cujo facto presumido resultou, porém, inverosímil face àquela primeira prova (sem qualquer produção adicional de outra que então o robustecesse), tem-se por elidida a presunção legal contida no art.º 516.º do CC; e, em consequência, demonstrado o facto único antes não provado na sentença recorrida.
*
Mostra-se, assim, totalmente procedente o recurso sobre a matéria de facto apresentado pela Autora (AA); e, por isso, altera-se a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo, passando agora a ficar demonstrado, com o número ...7..., o facto único antes não provado enunciado na sentença recorrida - «Os saldos referidos em 14 e 15 dos factos provados (sem prejuízo do constante de 16) haviam sido exclusivamente aprovisionados por FF, com capitais próprios».
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que respeita à interpretação e aplicação do Direito, dependia exclusivamente do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se revestindo de autonomia.
Com efeito, não só o recurso da Autora (AA) se limitou à impugnação da matéria de facto julgada pelo Tribunal a quo, como os Réus (Herdeiros de CC), tendo sido condenados na sentença recorrida a devolvem-lhe a única quantia (de € 30.033,72) que tinha sido dada como provada que pertencia exclusivamente a FF, não recorreram dela, antes se conformaram com o juízo de facto e de direito nela contidos.

Lê-se, a propósito, na sentença recorrida:
«(…)
Os depósitos plurais podem ser conjuntos ou solidários.
O depósito conjunto é aquele que só pode ser movimentado a débito pela atuação conjunta de todos os seus titulares.
No depósito solidário, qualquer dos depositantes ou titulares da conta tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, o reembolso de toda a quantia depositada, liberando a prestação assim efetuada o devedor para com todos os titulares da conta - art. 512º, do C.C.
Sendo o depósito solidário, cada um dos titulares tem liberdade de movimentação a débito e a crédito, não carecendo de autorização ou ratificação por parte dos outros titulares da conta.
Porém, a questão da titularidade da conta e do seu regime de movimentação não se confunde com a da “propriedade” dos respetivos fundos/do dinheiro depositado, antes sendo distintas e independentes.
São inconfundíveis e independentes a legitimidade para movimentar a conta, inerente à qualidade de contitular inscrito no contrato de depósito e dela diretamente decorrente, e a legitimidade para dispor livremente das quantias que a integram, esta indissociável do direito de “propriedade” sobre as quantias depositadas.
Uma coisa é a relação jurídica de obrigação emergente da abertura de conta e outra diferente é a “propriedade” dos bens objeto do depósito.
Designadamente, a abertura de uma conta solidária (como a que está em causa), não pré-determina a “propriedade” dos ativos contidos na mesma, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns dos titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro.
Havendo vários titulares de uma conta, sendo ela conjunta ou solidária, presume-se que as participações dos titulares da conta são iguais, por força da aplicação das regras dos arts. 534º, 1403º e 1404º, do C.C., nas situações de conta conjunta, e do art. 516º, do C.C., nas situações de conta solidária.
Trata-se de uma presunção júris tantum, que pode ser ilidida, nos termos do art. 350º, n º 2, do C.C., com a demonstração de que o dinheiro pertence a um dos titulares ou a dois ou em diferente proporção.

Aplicando as supra referidas considerações teóricas ao caso dos autos, dir-se-á que, sendo o depósito em causa plural, porque titulado por 2 sujeitos (o pai da A. e o seu avô), tal permite presumir que a quantia depositada seria do pai e do avô da A., em partes iguais.
Sucede que, a A. logrou elidir, parcialmente, a referida presunção, demonstrando que € 60.000,00 dos € 210.762,56 que haviam sido depositados na conta bancária em causa, eram do seu pai.
Sucede que, o avô da A. transferiu € 105.415,00 dessa conta para uma outra conta sua.
Ora, se € 60.000,00 eram do pai da A., então comuns só seriam € 150.762,56.
Metade desse valor é € 75.381,28. Como o avô da A. transferiu € 105.415,00, então transferiu € 30.033,72 “a mais”.
E, posteriormente, tal quantia foi transferida para os R.R.
Sendo a A., por sucessão, titular da referida quantia, e estando os R.R. na sua detenção, estão obrigados a proceder à sua restituição.
À quantia em causa acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde 05-06-2018 (data a partir da qual os R.R. estão, ilicitamente, na detenção da quantia em causa) até integral pagamento - arts. 804º, n º 1 e 2, 805º, n º 1 e 806º, do C.C.
(…)»

Face ao reproduzido, que nenhuma censura merece por parte deste Tribunal ad quem, resta apenas decidir em conformidade com a procedência do recurso sobre a matéria de facto, julgando agora a acção totalmente procedente.
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pela Autora (AA), e, em consequência, em

· Revogar a sentença recorrida, substituindo-a por decisão a julgar a acção totalmente procedente e, por isso, condenando os Réus (DD e EE) a entregarem à Autora a quantia de capital de € 105.415,00 (cento e cinco mil, quatrocentos e quinze euros e zero cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal aplicável à generalidade das obrigações, actualmente de 4% ao ano, contados desde 05 de Junho de 2018 até integral pagamento.
*
Custas da apelação pelos Réus (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
*
Guimarães, 09 de Outubro de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.


[1] 210.762,56 € - 91.943,51 € = 118.819,05 € valor que se presume de ambos os titulares;
  118.819,05 € : 2 = 59.409,52 € valor de cada um dos titulares;
  105.415,00 € - 59.409,52 € = 46.005,48 € valor que o segundo titular transferiu a mais.
[2] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[3] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[4] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[5] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[6] Recorda-se que se lê no art.º 607.º - cuja epígrafe é «Sentença» -, n.º 4, II, do CPC que «o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida»; e se lê no art.º 663.º - cuja epígrafe é «Elaboração do acórdão» - n.º 2, in fine, do CPC, «observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Lê-se ainda, no art.º 5.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC, que, para além «dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz» os «factos instrumentais que resultem da instrução da causa» e «os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», o que necessariamente terá sucedido nos vertidos em documentos – autênticos ou particulares - sobre os quais tenham podido exercer o seu direito de contraditório.
[7] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art.º 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
[8] Isto mesmo é expressamente reconhecido pelos Réus na sua contestação, lendo-se nomeadamente na mesma:
. Artigo 34.º - «Na verdade», FF «não mantinha com a representante da A., BB, qualquer proximidade ou relacionamento»;
. Artigo 35.º - «Desconhecendo esta a vida particular» daquele, «nomeadamente, no toante às suas relações pessoais e patrimoniais»;
. Artigo 36.º - «Aliás, estiveram incompatibilizados vários anos, ao ponto da representante da A. ter chegado a intentar» contra ele «uma ação de alimentos a favor da A.»;
. Artigo 37.º - «Ao invés, todas as relações pessoais e patrimoniais de» FF, «concentravam-se junto da sua família, no caso pais e irmãos (aqui RR.)».
[9] Lê-se nos artigos 41.º e 46.º da petição inicial, referidos expressamente pelos Réus:
. Artigo 41.º - «A manifesta intenção de CC, naquela data com 88 anos e que o levou a apoderar-se daquela quantia pouquíssimo tempo após a morte do seu filho FF, foi a de dissipar o património daquele seu falecido filho, em favo os seus outros filhos, aqui RR. o prejuízo de ua neta, a aqui Autora»;
. Artigo 46.º - «Destarte o comportamento de CC, que constituiu, inclusivamente, um crime de furto qualificado, foi desconforme aos mais elementares princípios da boa-fé, conferindo à Autora, herdeira do referido depósito, o direito à restituição do valor que foi ilegalmente desapossada, em resultado da acção daquele».