Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | VERA SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL AGENTE DE EXECUÇÃO EXAME PERICIAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | I – Por força do esgotamento do poder jurisdicional, proferida uma decisão, sem prejuízo dos casos de retificação, reforma ou suprimento de nulidades, fica vedada a possibilidade dessa decisão ser alterada pelo tribunal que a proferiu, só sendo possível a sua modificação ou revogação através de recurso que dela venha ser interposto. Retornando ao caso em apreço teremos de dizer que não resultando do despacho em causa (despacho proferido a 10.03.2023) qualquer decisão relativa ao deferimento ou indeferimento da perícia requerida, designadamente dele não consta qualquer anuição à realização da perícia, não se pode, assim, considerar que tivesse esgotado o poder jurisdicional quanto a esta matéria, designadamente quando o tribunal a quo proferiu despacho a indeferir a perícia. II - A prova pericial destina-se à apreciação ou percepção de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando não seja admissível inspecção judicial – cfr. art.º 388.º do C.C. Este meio de prova visa a produção de um relatório ou a resposta a questão direta ou indireta ligada à matéria de facto controvertida para posterior apreciação pelo juiz segundo as regras da livre convicção (cfr. art. 389.º do CC. e 607.º nº 5 do CPC. III – A elaboração da conta faz parte da actividade processual, incumbindo a sua elaboração ao agente de execução, que é a pessoa que tem formação própria, razão pela qual, o facto da conta ser mais ou menos complexa, não significa e muito menos justifica, que o agente de execução não a possa elaborar, quando é ele próprio que está munido de conhecimento especiais e formação adequada para o efeito. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Em sede de execução de sentença que AA instaurou contra EMP01... – INDUSTRIA TRANSFORMADORA DE PAPEL, S.A., o Tribunal a quo determinou que se procedesse à elaboração da conta final (despacho proferido no apenso E, em 3.09.2021), a qual foi apresentada em 17.09.2021 (apenso B). A executada/recorrente reclamou dessa conta e a agente de execução, em 10.12.2021, procedeu à alteração da conta final apresentada. A executada/recorrente voltou a apresentar reclamação dos cálculos da conta final apresentada pela agente de execução e em 8.06.2022 foi proferido despacho que deferiu parcialmente a reclamação apresentada e determinou a reforma da conta apresentada pela agente de execução. Em 18.10.2022 a agente de execução notificou a executada das novas alterações aos cálculos da conta final. Em 27.10.2022 o exequente reclamou da conta e em 31.10.2022 a executada também reclamou da nova conta. Em 21.11.2022 foi proferido o seguinte despacho: “Antes de mais, dê conhecimento à AE do teor das reclamações apresentadas para, em 10 dias, se pronunciar e/ou rectificar a conta. Mais notifique a agente de execução para explicar pormenorizadamente cada um dos cálculos por si efectuados, com discriminação das respectivas datas / valores amortizados considerados e sua respectiva afectação. ** Sem prejuízo, considerando as sucessivas reclamações apresentadas quanto às várias contas que têm sido elaboradas pela AE, oficie à Câmara de Solicitadores para, em 10 dias, informar se é exequível que procedam à nomeação de agente de execução/liquidatário ad hoc apenas para elaboração da conta de custas destes autos.”Em 30.11.2022 a agente de execução apresentou nova conta consignando o seguinte “devido à complexidade do processo, pode ter ocorrido porventura algum lapso, quer no cálculo efectuado, quer no entendimento dos valores considerados.” Em 5.12.2022 a executada veio requerer a nomeação de um contabilista ou TOC para proceder à elaboração da conta. Em 9.01.2023 foi proferido o seguinte despacho: “Antes de mais, dê conhecimento à A. E. do teor da reclamação apresentada pela executada (pontos I. e II req. refª ...21) e resposta da exequente, para, em 10 dias, se pronunciar, nomeadamente, se assim entender, reformulando a conta de custas.” Em 6.02.2023 a OSAE informou os autos que o requerido pelo tribunal não é da sua competência, mas que poderá ser solicitado ao Conselho Profissional dos Agentes de Execução a emissão de um laudo sobre honorários. Em 10.03.2023 a Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “Entende este tribunal que tendo a reclamação quanto à conta de custas sido deduzida pela executada o custo da realização de prova pericial é da sua responsabilidade exclusiva. Assim sendo, notifique a exequente para esclarecer se pretende que o tribunal avance com a realização da mesma, nomeadamente procedendo à nomeação de perito.” Em 27.03.2023 a executada/recorrente apresentou requerimento nos autos no qual esclarece que pretende a realização da perícia/nomeação de perito, requerimento esse, que passamos a transcrever, no que aqui releva: “Ora, face às inúmeras contas já apresentadas pela agente de execução e sucessivos erros que vem apresentando e à sua reconhecida dificuldade para proceder à elaboração da conta destes autos, afigura-se absolutamente imprescindível a nomeação de um contabilista ou técnico oficial de contas para o efeito. Assim, a executada, ora requerente, esclarece que pretende que o tribunal avance com a realização da referida perícia, com nomeação do competente perito. Assim e pelo exposto requer: - se nomeie um contabilista ou técnico oficial de contas para proceder à elaboração da conta.” Em 14.04.2023 foi proferido pela Mmª Juiz a quo o seguinte despacho: “Não obstante a posição assumida pela executada em relação à peritagem e ponderando devidamente a questão, concluímos que inexiste fundamento legal para a realização da perícia, pois que é ao agente de execução que incumbe elaborar a conta de custas (art. 25º, nº 1 do RCP). Sem embargo, ainda diligenciou este tribunal junto da Câmara dos Solicitadores pela colaboração/nomeação de outro AE que pudesse auxiliar a nomeada nestes autos na elaboração da conta, o que não foi concretizável. Por conseguinte, decide-se indeferir a perícia requerida. Notifique.” Inconformada com este despacho veio a Recorrente/Executada interpor recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1.ª) Do teor do douto despacho de 10.03.2023 resulta que o tribunal a quo entendeu justificar-se a realização da perícia requerida pela aqui recorrente, deferindo-a, tanto mais que, em consequência, ordenou a notificação da executada, ora recorrente, para esclarecer se pretendia que o tribunal avançasse com a realização da mesma e, pois, com a nomeação do respectivo perito. 2.º) Este despacho não foi objecto de recurso pelas partes, tendo, assim, transitado em julgado, e em consequência, esgotou-se, o poder jurisdicional da Mma. Juiz a quo quanto a essa matéria, não sendo por isso admissível proferir agora decisão contrária, e, pois, indeferir a aludida perícia. - vd. n.º 1 e n.º 3 do art.º 613.º e art.º 628.º CPC 3.ª) De resto, atentos os manifestos erros nas diversas e sucessivas contas e rectificações elaboradas pela Sra. Agente de Execução e face à complexidade dos cálculos a efectuar, que requerem conhecimentos técnicos especiais que a Sra. Agente de Execução reconhecidamente evidencia não possuir, não pode a executada nem este Tribunal aceitar que a elaboração de um tal cálculo fique a cargo da agente de execução, afigurando-se, pois, no caso sub judice, absolutamente imprescindível a nomeação de perito para elaboração da conta final. O Exequente respondeu às alegações de recurso, apresentando as conclusões: I. O despacho de 10.3.2023 (Refª Citius ...84) não deferiu qualquer perícia, ao contrário do que afirma a recorrente, o que aliás esta bem entendeu e é bem patente pelo teor do seu II. O douto despacho ora recorrido não violou, por conseguinte, qualquer decisão constante do anterior despacho nem o poder jurisdicional se encontrava esgotado. III. A recorrente, ao reclamar da nota de custas, deveria ter juntado e indicado as provas que suportassem essa reclamação, o que não fez. IV. A elaboração da conta em processo executivo é uma competência do agente de execução, que tem formação específica para a sua profissão. V. Um “contabilista ou técnico oficial de contas” não tem conhecimentos do processo executivo que lhe permitam substituir o agente de execução na elaboração da conta. VI. A recorrente requereu a “perícia” sem fundamentar os motivos concretos da sua discordância. O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo. Neste Tribunal foram os autos presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta, para efeitos do artigo 87.º n.º 3 do CPT., tendo esta emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. A recorrente veio responder, manifestando a sua discordância e concluindo em conformidade com a sua alegação de recurso. Cumprido o disposto na 1ª parte do n.º 2 do artigo 657.º do CPC foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões: - se o despacho de 10/03/2023 deferiu a requerida perícia e consequentemente esgotou-se o poder jurisdicional quanto a essa questão. - se se justifica a realização de exame pericial. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos com relevo para a apreciação do recurso são os que constam do relatório supra. IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO 1. O despacho de 10/03/2023 deferiu a requerida perícia e consequentemente esgotou-se o poder jurisdicional quanto a essa questão. Antes de mais importa ter presente o despacho em causa proferido pelo tribunal a quo, do qual consta o seguinte: “Entende este tribunal que tendo a reclamação quanto à conta de custas sido deduzida pela executada o custo da realização de prova pericial é da sua responsabilidade exclusiva. Assim sendo, notifique a exequente para esclarecer se pretende que o tribunal avance com a realização da mesma, nomeadamente procedendo à nomeação de perito.” Bem como, o requerimento formulado pela executada/recorrente na sequência de tal despacho, do qual se fez constar o seguinte: “Ora, face às inúmeras contas já apresentadas pela agente de execução e sucessivos erros que vem apresentando e à sua dificuldade para proceder à elaboração da conta destes autos, afigura-se absolutamente imprescindível a nomeação de um contabilista ou técnico oficial de contas para o efeito. Assim, a executada, ora requerente, esclarece que pretende que o tribunal avance com a realização da referida perícia, com nomeação do competente perito. Assim e pelo exposto requer: - se nomeie um contabilista ou técnico oficial de contas para proceder à elaboração da conta”. Ora, basta atentar no teor quer do despacho, quer do requerimento formulado pela recorrente em resposta a tal despacho para facilmente se concluir não ter o Tribunal a quo deferido qualquer perícia. Acresce dizer, que nem sequer tal, foi assim entendido pela recorrente, como melhor resulta do seu requerimento, no qual manifesta o seu interesse na realização de um exame pericial fundamentando de novo o seu pedido de realização de perícia, requerendo a nomeação de perito para o efeito. Na verdade, em momento anterior à tomada de uma decisão sobre a admissibilidade da realização da perícia, pela Mmª. Juiz a quo, esta decidiu advertir a executada sobre a responsabilidade do custo da perícia e determinou que aquela esclarecesse se pretendia a realização da perícia, designadamente com a nomeação de um perito. É nesse seguimento, que vem a executada reforçar a fundamentação do pedido, nomeadamente insistindo nos argumentos, precisamente, para que o Tribunal a quo deferisse o pretendido exame pericial. O despacho em causa não se pronunciou nem pelo deferimento, nem pelo indeferimento da realização de exame pericial, não podendo deixar de ser considerado um despacho de mero expediente, que por si só não admite recurso – cfr. art.º 630.º n.º 1 do CPC. Tenha-se presente que o despacho de mero expediente é “aquele que se destina a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes” (artigo 152.º, n.º 4 do C.P.Civil) ou, como é entendimento jurisprudencial, é aquele que, proferido pelo juiz, não decide qualquer questão de forma ou de fundo, ou se destina principalmente a regular o andamento do processo, tal como sucede no caso. Cabe ainda salientar, a propósito da prova pericial que este é um dos meios de prova previstos no nosso ordenamento jurídico que tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial. A este propósito prescreve o art.º 475º, do CPC, que quando a parte requerer a perícia deverá logo indicar, sob pena de rejeição, o respetivo objeto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência, podendo a perícia reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária. Esta exigência da lei processual destina-se precisamente a aferir da admissibilidade deste meio de prova à luz dos pressupostos de admissibilidade prescritos no art.º 388 do C.C. Exigência essa, que a executada/recorrente não cumpriu, pois não indicou o objecto da perícia, nem enunciou as questões de facto que pretendia ver esclarecidas através da perícia. Por outro lado, em conformidade com o prescrito no art.º 476º, do CPC, se se entender que a diligência não é impertinente, nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição, devendo, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando outras que considere necessárias ao apuramento da verdade. Daqui decorre que incumbe ao juiz formular um juízo liminar sobre a admissibilidade da realização da prova pericial, analisando se a perícia não é impertinente, nem dilatória e concluindo no sentido da sua admissibilidade, compete-lhe, de seguida, agora ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 476.º do CPC., determinar o concreto objeto da perícia, excluindo as questões de facto propostas pelas partes que julgue inadmissíveis ou irrelevantes e/ou acrescentando-lhes outras que considere necessárias, podendo, assim, manter, ampliar ou reduzir o objeto proposto. Por fim, caso a perícia seja determinada, prescreve o n.º 2 do art.º 467.º do CPC. que as partes são ouvidas sobre a nomeação do perito, o que no caso também não se verificou. O deferimento da perícia tem de ser explicito e seguir a tramitação prescrita nos artigos 467.º e seguintes do Código do Processo Civil. Da conjugação da tramitação referente à prova pericial, com os requerimentos apresentados pela recorrente a este propósito e com os despachos que sobre eles incidiram, mais uma vez é de concluir que o despacho proferido pelo Tribunal a quo em 10.03.2023 não admitiu nem indeferiu o exame pericial requerido pela recorrente, não contendo assim, tal como é pretendido pela recorrente a decisão a deferir a perícia. Quanto ao trânsito em julgado de tal despacho e ao esgotamento do poder jurisdicional importa referir que o n.º 1 do art.º 613º, do CPC prescreve que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, norma que é aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações, por força do estatuído no n.º 3 do mesmo artigo. Ora, este princípio do esgotamento do poder jurisdicional justifica-se pela necessidade de evitar a insegurança e incerteza que adviriam da possibilidade de a decisão ser alterada pelo próprio tribunal que a proferiu, funcionando como um obstáculo ou travão à possibilidade de serem proferidas decisões discricionárias e arbitrárias. Daqui resulta que proferida uma decisão, “o tribunal não a pode revogar, por perda de poder jurisdicional. Trata-se, pois, de uma regra de proibição do livre arbítrio e discricionariedade na estabilidade das decisões judiciais. (...) Graças a esta regra, antes mesmo do trânsito em julgado, uma decisão adquire com o seu proferimento um primeiro nível de estabilidade interna ou restrita, perante o próprio autor da decisão” (Rui Pinto in CPC Anotado, Vol. II, pág. 174). Melhor concretizando, da extinção do poder jurisdicional decorre que o tribunal não pode voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada (neste sentido cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 17.4.2012, Relator Henrique Antunes, in www.dgsi.pt). Em suma, por força do esgotamento do poder jurisdicional, proferida uma decisão, sem prejuízo dos casos de retificação, reforma ou suprimento de nulidades, fica vedada a possibilidade dessa decisão ser alterada pelo tribunal que a proferiu, só sendo possível a sua modificação ou revogação através de recurso que dela venha ser interposto. Retornando ao caso em apreço teremos de dizer que não resultando do despacho em causa (despacho proferido a 10.03.2023) qualquer decisão relativa ao deferimento ou indeferimento da perícia requerida, designadamente dele não consta qualquer anuição à realização da perícia, não se pode, assim, considerar que se tivesse esgotado o poder jurisdicional quanto a esta matéria, designadamente quando o tribunal a quo proferiu despacho a indeferir a perícia. Improcede nesta parte o recurso. 2. Da justificação da realização da perícia. Insurge-se a Recorrente quanto ao facto de a perícia ter sido indeferida, defendendo que a conta final deve ser elaborada por um perito – contabilista ou técnico oficial de contas-, por a mesma se revelar complexa e a agente de execução não possuir conhecimentos técnicos para a elaborar. Prescreve o art.º 719.º, n.º 1, do CPC. que, “cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”. Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 61) que “o agente de execução pratica atos executivos e profere decisões sobre a relação processual (v.g. art.º 855.º, n.º 2, al. a)) e ainda sobre a realização coativa da prestação (v.g. art.ºs 763.º, n.º 1, 803.º, n.º 1 e 849.º). Os atos executivos podem ser vinculados (v.g. modo de realização da penhora), discricionários (v.g. art.ºs 812.º, n.º 5 e 833.º, n.º 1) ou de mero expediente (v.g. fixação da data da venda) (…)”. Ao agente de execução cabe, pois, a prática de uma multiplicidade de atos, neles se incluindo a elaboração da conta, cujo incumprimento o poderá fazer incorrer em diversos níveis de responsabilidade (exigindo a lei, inclusive, que o agente de execução celebre e mantenha um seguro de responsabilidade civil profissional, tendo em conta a natureza e o âmbito dos riscos inerentes a tal atividade – cfr. artigo 123.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, doravante EOSAE). Como referem Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo, em Ação Executiva, Anotada e Comentada, 2017, 2:ª ed., pág.192, em anotação ao art.º 719.º do CPC “De acordo com a repartição de competências prevista no normativo em análise, cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz. No n.º 1, ao estabelecer a repartição de competências entre o juiz, o agente de execução e a secretaria, o legislador pretendeu afirmar de forma inequívoca que o principal órgão da execução é o agente de execução e que todos os outros intervenientes apenas dispõem das competências expressamente previstas na lei. Esta importante clarificação foi afirmada na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 113/X, aí se salientando ser de esperar que, em definitivo, os intervenientes processuais assumam e observem a reparição de competências fixada na lei, por forma a evitar intervenções ou atos desnecessários, gerando perdas de tempo numa tramitação que se quer célere e eficiente.” Resulta do previsto nos n.ºs. 1 e 3 do artigo 162.º do EOSAE que, “o agente de execução é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, nas notificações, nas citações, nas apreensões, nas vendas e nas publicações no âmbito de processos judiciais, ou em atos de natureza similar que, ainda que não tenham natureza judicial, a estes podem ser equiparados ou ser dos mesmos instrutórios” (n.º 1) e “o agente de execução, ainda que nomeado por uma das partes processuais, não é mandatário desta nem a representa” (n.º 3). A atuação do agente de execução no cumprimento das diligências processuais que lhe competem é uma atuação, nuns casos, relativamente vinculada às indicações de outros intervenientes processuais e, noutros casos, uma atuação relativamente autónoma, de acordo com o impulso processual que ao agente de execução cabe promover. De todo o modo, conforme decorre do disposto no artigo 119.º do EOSAE os agentes de execução, “no exercício das suas funções, mantêm sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livres de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos seus colegas, ao tribunal, a exequentes, a executados, aos seus mandatários ou a terceiros”. De acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 168.º do Estatuto em questão, constituem os principais deveres do agente de execução, designadamente, os seguintes: “a) Praticar diligentemente os atos processuais de que sejam incumbidos, nos termos da lei e das disposições regulamentares aplicáveis; b) Prestar ao tribunal, às partes e a terceiros as informações determinadas nos termos da lei ou das disposições regulamentares aplicáveis; c) Prestar contas da atividade realizada, entregando prontamente as quantias, os objetos ou os documentos de que sejam detentores por causa da sua atuação como agentes de execução; d) Não exercer nem permitir o exercício, no seu escritório ou sociedade, de atividades não forenses ou que sejam incompatíveis com a atividade de agente de execução, nos termos do presente Estatuto; e) Apresentar a cédula profissional no exercício da sua atividade; f) Independentemente dos montantes de receita anual, ter contabilidade organizada nos termos da lei fiscal, sem prejuízo das normas definidas nos regulamentos das contas-cliente; g) Diligenciar no sentido de promover a sua substituição em processos para que tenham sido designados, quando ocorra motivo justificativo que impeça a condução normal dos mesmos; h) Não aceitar a designação para novos processos, requerer a suspensão de designação ou a limitação do número mensal de processos em que sejam designados, quando não disponham dos meios necessários para o seu efetivo acompanhamento; i) Manter atualizada a informação relativa ao estado de cada processo no sistema informático de suporte à atividade dos agentes de execução; j) Participar disciplinarmente do agente de execução a quem tenham delegado a prática de atos determinados quando não realizados atempadamente, procedendo à sua substituição após o decurso do prazo para a prática daqueles; k) Pagar atempadamente as taxas e outras quantias devidas à Ordem e à CAAJ; l) Pagar as despesas correspondentes à liquidação dos processos a seu cargo; m) Prestar toda a colaboração necessária ao exercício das atribuições da CAAJ; n) Utilizar o selo de autenticação, no âmbito do processo judicial, na emissão de certidões, nas citações, nas notificações avulsas e nos autos de penhora, com exceção dos emitidos telematicamente”. Conforme se sumariou no Acórdão da Relação de Lisboa de 16.11.2017, Proc. n.º 12597/15.6T8LSB.L1-6, (relatora Cristina Neves) disponível em www.dgsi.pt “A reforma introduzida pelo Decreto-Lei 38/2003 de 08/03, colocando no cerne a figura do solicitador de execução, visou a desjudicialização do processo executivo, conferindo aos agentes da execução, em ligação aos tribunais, um conjunto de funções e competências que pertenciam originariamente a estes. – O agente de execução é um profissional, sujeito a formação própria, bem como a um estatuto deontológico e disciplinar específico, a quem são atribuídos poderes públicos no âmbito da acção executiva, mas prevalecendo no seu estatuto a vertente liberal, não existindo responsabilidade objectiva por actos do solicitador/agente de execução, que responsabilizem o Estado, nem cabendo estes actos no regime previsto na Lei nº67/2007, de 31 de Dezembro de 2007.” Do exposto podemos afirmar que sendo o agente de execução dotado de formação e conhecimentos adequados para poder desempenhar e exercer as funções que lhe são atribuídas por lei, designadamente as respeitantes à elaboração da conta, não se nos afigura que a dificuldade ou complexidade das operações referentes à elaboração da conta sejam fundamento que justifique a realização de uma perícia. Importa ter presente o fim a que se destina a prova pericial, isto é, trata-se da apreciação ou percepção de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, ou quando não seja admissível inspecção judicial – cfr. art.º 388.º do C.C. Este meio de prova visa a produção de um relatório ou a resposta a questão direta ou indireta ligada à matéria de facto controvertida para posterior apreciação pelo juiz segundo as regras da livre convicção (cfr. art. 389.º do CC. e 607.º nº 5 do CPC. Na verdade, a elaboração da conta faz parte da actividade processual, incumbindo a sua elaboração ao agente de execução, que é a pessoa que tem formação própria para o efeito, razão pela qual o facto da conta ser mais ou menos complexa, não significa e muito menos justifica, que o agente de execução não a possa elaborar, quando é ele próprio que está munido de conhecimento especiais e formação adequada para o efeito. A elaboração da conta por quem não tem conhecimentos técnicos no âmbito do processo executivo, como seja um contabilista ou um técnico oficial de contas é que nos parece não ser adequado. Tendo o agente de execução de ser necessariamente dotado dos conhecimentos técnicos e especiais que o habilitam a proceder à liquidação final, no âmbito do processo executivo, já que tal constitui uma das suas incumbências, a nomeação de um intermediário para proceder à elaboração da conta, tal como é pretendido pela recorrente afigura-se-nos de desnecessária, despropositada e inadmissível, razão pela qual é de manter a decisão recorrida. Improcede assim a apelação confirmando a decisão da 1ª instância. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e consequentemente confirma-se a decisão recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Notifique. Guimarães, 26 de Outubro de 2023 Vera Maria Sottomayor (relatora) Francisco Sousa Pereira Maria Leonor Barroso |