Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1600/24.9T8VRL.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
MOTIVO JUSTIFICADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O motivo justificativo, e o seu nexo de causalidade com o termo de vigência aposto no contrato de trabalho a termo certo, devem estar suficientemente concretizados no texto da respectiva cláusula, sob pena de nulidade da mesma.
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

 AA, com os demais sinais nos autos, instaurou a acção declarativa comum contra EMP01..., S.A., também nos autos melhor identificada, peticionando, a final:

“(…) b. Deve a cláusula que estipulou o termo do contrato de trabalho, celebrado em 18 de Maio de 2023, ser julgada nula, e como tal convertido o contrato de trabalho em contrato sem termo, mais deve ser julgado que a comunicação de caducidade do contrato configura um despedimento ilícito, sendo a Ré condenada a reintegrar a Autora no seu anterior posto de trabalho.
c. Se assim não se entender, deve ser julgada nula a cláusula que estipulou o termo do contrato, celebrado em 20 de Novembro de 2023, e este convertido em contrato de trabalho sem termo, mais deve ser julgado que a comunicação de caducidade configura um despedimento ilícito, sendo a Ré condenada a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho.
d. Atribuir antiguidade ao Autor nos termos do artigo 27.º do Acordo de Empresa CTT, com as alterações n.º 253/2023, de 9 de Junho.
e. Em qualquer dos casos deve a Ré ser condenada a pagar as retribuições desde trinta dias antes de ter sido proposta a acção, até ao trânsito em julgado da decisão final (…)”

Alegou, para o efeito e na síntese que respigamos da decisão recorrida, que em 18/05/2023 celebrou com a ré um contrato a termo certo resolutivo, pelo prazo de 6 meses, com início em 18/05/2023, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Técnica de Negócios e Gestão, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 800,00, para um período normal de trabalho de 39 horas semanais.
Ulteriormente, em 20/11/2023 celebrou com a ré um contrato a termo certo resolutivo, pelo prazo de 6 meses, com início em 20/11/2023, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Carteira, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 765,00, para um período normal de trabalho de 39 horas semanais.
Contudo, o termo aposto no contrato de trabalho de 18/05/2023 deve ser qualificado por nulo (à semelhança do termo aposto no contrato de 20/11/2023), por não conter a indicação do motivo justificativo da contratação a termo, o que implica que se devam considerar as partes vinculadas por um contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Na contestação, a ré refutou que os contratos de trabalho padeçam dos vícios invocados pelo autor, pelo que pugna pela improcedência das pretensões contra si aduzidas.

Prosseguindo os autos, e após despacho a dispensar a realização de audiência prévia, veio a proferir-se sentença com o seguinte diapositivo:
Em face do exposto, nos presentes autos de acção declarativa comum, decide-se:
a) Declarar a nulidade da cláusula quarta do contrato de trabalho de 18/05/2023, na qual foi aposto o termo certo resolutivo – cfr. artigos 147.º, n.º 1, al. c), do C.T. e 220.º do Código Civil;
b) Declarar que o contrato de trabalho de 18/05/2023 se considera celebrado por tempo indeterminado – cfr. artigo 147.º, n.º 1, al. c), do C.T.;
c) Declarar que a comunicação de caducidade do contrato de trabalho, contida nesse negócio jurídico, constitui um despedimento ilícito - cfr. artigo 381.º, al. c), do C.T.
d) Condenar a ré EMP01..., S.A. a reintegrar a autora AA sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (a reconhecer em consonância com a cláusula 27.ª do acordo de empresa aplicável à relação laboral) – cfr. artigo 389.º, n.º 1, al. b), do C.T.
e) Condenar a ré EMP01..., S.A. a pagar à autora AA a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto às remunerações previstas no artigo 390.º, n.º 1, do C.T., deduzidas das importâncias estabelecidas no artigo 390.º, n.º 2, al. a), b) e c), do C.T., sendo tal quantia acrescida de juros de mora, calculados nos termos supra referidos – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C.
f) Condenar a ré EMP01..., S.A., no pagamento das custas da acção – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“I. A justificação do contrato foi a necessidade de recrutamento precário resultante do Projecto de Reestruturação Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística, e das Lojas.
II. Este Projecto consubstancia uma necessidade temporária da empresa objetivamente definida pela entidade empregadora, conforme resulta do art. 140.º, n.º 1 e é considerado como um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, nos termos da alínea g) do n.º 2 do art. 140.º.
III. O contrato, prorrogado por adenda, só durou o período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade, como exige o art. 140.º, n.º 1.
IV. O motivo foi circunstanciado de modo a permitir aferir a justificação e o termo do contrato porque a trabalhadora percebeu que foi contratada para um Projecto de reestruturação e que a duração do seu contrato estava incluída na duração prevista do Projecto.
V. O Projecto foi devidamente explicado no contrato como um serviço precisamente definido e não duradouro, pelo que a descrição do motivo foi feita com menção de todos os factos e referências ao termo e ao motivo justificativo do contrato.
VI. A lei prevê expressamente que cabe ao empregador definir a necessidade temporária que justifica o termo dos contratos, o que a Empresa concretizou com este Projecto exercendo o seu direito fundamental de livre iniciativa económica.
VII. São, por isso, adquiridas como verdadeiras e insindicáveis, duas realidades essenciais:
a) A criação do Projecto pela Empresa (nem interessam as razões, nem a adequação empresarial das mesmas, mas a Recorrente considerou importante registá-las no contrato)
b) Que o Projecto exige a contratação do trabalhador.
VIII. O motivo da contratação é verdadeiro (a trabalhadora foi contratada por causa do Projecto).
IX. Se a questão reside, apenas, na forma de referenciar esse motivo, não vislumbramos outra maneira de melhor descrever os factos que integram o Projecto enquanto motivo, visando estabelecer a relação entre a justificação e o termo do contrato - para além da que consta do contrato.
X. A justificação do contrato está suficientemente determinada pois a Autora foi contratada para o CDP de ... no âmbito de um Projecto de reestruturação que estava em vigor nos Centros de Distribuição Postal que tinha por duração estimada.
XI. Existe uma perfeita relação entre a justificação e o termo do contrato: o contrato teve a duração de 6 meses, integrando-se na duração do Projecto.
XII. É manifesta circunstanciação factual do Projecto enquanto motivo do contrato e a Recorrente até teve o cuidado de particularizar diversos elementos, arriscando eventualmente o acesso a informação interna sigilosa da Empresa.
XIII. Como se trata de um Projeto geral da Empresa que abrange vários Centros em todo o território, as consequentes implicações na gestão de RH não se podem explicar à escala de um local, mas apenas em articulação com o contexto de toda a Empresa, pese embora os dados trazidos ao processo, do CPLN, demonstrem essa necessidade de adequação.
XIV. O fundamento encontra-se devidamente detalhado e explicado, cumprindo as exigências legais (definição suficiente à prossecução do objectivo da mesma).
XV. Donde se conclui que o contrato é válido e legalmente motivado, tendo cessado nos termos legais.
XVI. A sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto 140.º e 147.º, 390.º do C.Trab.. Da mesma forma violou o n.º 2 do art. 9.º do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência na norma putativamente violada.
Nestes termos, e nos mais de Direito, sempre do douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue a total improcedência da acção, como é de inteira JUSTIÇA!”
A autora respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

A título de questão prévia, a autora na resposta ao recurso, acompanhada pelo Ministério Público nesta Relação, suscita a questão de não ser admissível no presente caso – em que a 1.ª instância condenou, além do mais, a ré a reintegrar a autora – a atribuição, como consta do respectivo despacho de admissão, de efeito suspensivo ao recurso, entendendo a recorrida, no que já não é acompanhada pela Exma. PGA, que caso se entenda ser admissível tal efeito suspensivo deverá depender da fixação de caução em valor superior ao fixado pelo tribunal de 1ª. instância.
Vejamos.
Não vem indicado, nem se descortina, norma legal que, numa acção deste jaez – em que que houve condenação da recorrente a reintegrar a recorrida -, afaste a aplicação da regra (geral) prevista no art. 83.º n.º 2 do CPT - “O recorrente pode obter o efeito suspensivo se no requerimento de interposição de recurso requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado” – menos exigente do que a correspondentemente prevista no n.º 4 do art. 647.º do CPC, em que se exige ainda que a execução da decisão cause prejuízo considerável ao recorrente.
 Aliás, o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2006, de 24 de Outubro, debruçou-se sobre o recurso de uma sentença que havia condenado a empregadora/recorrente em (além do mais - pagar-lhe valores pecuniários) dar ocupação efectiva ao trabalhador/recorrido, atribuindo-lhe funções compatíveis com a sua categoria profissional (situação que, para este efeito, se afigura comparável à condenação na reintegração), sendo que não foi aí questionada a admissibilidade do efeito suspensivo ao recurso, sim o âmbito da caução a prestar para a obtenção de tal efeito.
Por outro lado, no despacho em que determinou o valor a caucionar o Mm.º Juiz a quo observou as normas legais pertinentes, pelo que o mesmo se mostra adequado.
Assim, nada a alterar neste particular.

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a única questão que cumpre apreciar:
- Saber se é válida a cláusula feita constar do contrato de trabalho em causa nos autos para justificar a aposição do termo que do mesmo consta.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam da decisão recorrida (pois que não houve recurso da matéria de facto nem se vislumbra fundamento para alterar oficiosamente a decisão proferida sobre essa matéria), e que aqui se dão por reproduzidos (cf. art. 663.º, n.º 6, do CPC).
Transcreve-se apenas, por mais directamente contender com a controvérsia em análise, a cláusula 4.ª do contrato de trabalho a termo celebrado por autora e ré em 18/05/2023, e a que se reporta o ponto 2. dos factos provados:
           

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
O contrato de trabalho sujeito a um termo certo resolutivo deve observar a forma escrita (cfr. artigo 141.º, n.º 1, do C.T.), mas tais exigências de forma abrangem a necessidade de o negócio conter a duração previsível do contrato e do respectivo motivo justificativo (cfr. artigo 141.º, n.º 1, e), do C.T.), com menção expressa dos factos que o integram e estabelecendo-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (cfr. artigo 141.º, n.º 3, do C.T.), o que se compreende, pois o artigo 140.º, n.º 1, do C.T., impõe que o contrato de trabalho a termo resolutivo só possa ser celebrado “para a satisfação de necessidades temporárias, objectivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”.
Da conjugação dos artigos 140.º, n.ºs 1 e 2 e 141.º, n.ºs 1, al. e) e 3, do C.T., extrai-se que “(…) tem que constar expressamente no contrato escrito, não só o motivo justificativo com a menção expressa dos factos que o integram, como também a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado (…) para além de se impor que sejam verdadeiros os concretos factos invocados como motivo justificativo, apenas esses podem ser atendidos na aferição da validade do termo e da efemeridade da situação (…)”, como se propugna no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/2019, relator Ribeiro Cardoso2, sendo ainda de relevar que “(…) o nexo de causalidade entre o motivo justificativo e o termo aposto no contrato de trabalho deve transparecer dos factos inseridos no texto do acordo, sob pena de nulidade da cláusula contratual (…) o motivo não pode ser vago ou obscuro, nem pode limitar-se à transcrição das fórmulas legais, nem ao uso de expressões abstractas e não sindicáveis. Em suma, do texto tem de transparecer com suficiente clareza porque motivo foi o trabalhador contratado só por um determinado período de tempo e não segundo o regime geral de contrato indeterminado (…)”, conforme se conclui no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/02/2023, relatora Maria Leonor Barroso3.
“In casu”, resulta do contrato de trabalho outorgado em 18/05/2023 que a ré apresentou uma extensa contextualização das circunstâncias em que recorria aos préstimos da autora:
 pretendia-se a satisfação das necessidades temporárias da empresa resultantes da execução de um serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que não se encontra integrado nos programas normais de exploração ou conservação da empresa;
 esse serviço determinado consiste no Projecto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística e das Lojas;
 o Projecto de Reestruturação foi criado em resposta às exigências urgentes e extraordinárias da actual conjuntura social, económica e geopolítica mundial e dos inerentes reflexos destas na dinâmica do comércio postal nacional e internacional, que se estima durar até, pelo menos, 31/01/2024;
 as necessidades de recurso à contratação temporária pela empresa resultam da instabilidade da actual conjuntura social, económica e geopolítica mundial, e da consequente inconstância do mercado do sector postal, que se reflectem na manifesta volatilidade do tráfego de correio em geral, dependente e moldado aa sabor das ocorrências excepcionais que condicionam o comércio de hoje conhecidas de todos, mas absolutamente exteriores alheias e não manipuláveis por qualquer entidade privada;
 a instabilidade acusa uma elevada intensidade e uma acentuada frequência nas movimentações dos valores, do sentido e das características do fluxo de objectos postais e inviabiliza qualquer previsão da quantidade, da qualidade e da duração dos postos de trabalho que devem ser mantidos, terminados ou modificados, após uma estabilização consolidada, que se estima ocorrer num futuro não próximo;
 a empresa não consegue prever o respectivo impacto sobre a economia portuguesa, sobre o mercado postal global e sobre o negócio em concreto, de modo a aferir as necessidades do tipo, das modalidades, do número e da duração dos vínculos que precisa manter, alterar ou outorgar — quadro que demonstra a existência de uma fase organizacional de contingência, o que, por sua vez justifica o confinamento das opções de contratação às variantes temporárias, porquanto nenhuma necessidade surge como duradoura e todas as necessidades assumem natureza precária;
 as circunstâncias descritas adivinham a prioridade de antecipação da transformação da empresa e anunciam modificações na organização, na estrutura e no negócio, com impacto significativo nos recursos humanos e fortes implicações no recrutamento, envolvendo aspectos relativos à integração funcional e departamental e à distribuição geográfica, que se revelam mudanças incertas perante tantas variáveis;
 a volatilidade do tráfego postal foi provocada e contínua a ser mantida pela actual conjuntura mundial, caracterizada por ocorrências de força maior de carácter económico e geopolítico, destacando-se, conforme relatado por autoridades competentes, a pandemia e a guerra na Ucrânia, a que se soma o específico contexto nacional;
 o conflito bélico na Ucrânia, ainda sem prevista resolução, tem provocado alterações na dinâmica do comércio internacional e no quadro macroeconómico causando grande incerteza sobre a evolução económica futura mundial: das taxas de crescimento comerciais; redução da criação de emprego e aumento do desemprego; agravamento da volatilidade do mercado financeiro e dos custos financeiros; reforço da ruptura das cadeias de abastecimento e das interrupções do transporte marítimo; aumento da inflação já observado nos preços dos produtos básicos dependentes da energia; aumentos nas taxas de juros dos países desenvolvidos, e oneração da capacidade de financiamentos;
 permanecem como factores interruptores nas cadeias de abastecimento e desaceleradores do comércio internacional, não apenas o contexto da pandemia Covid-19, que continua a constituir uma preocupação de saúde pública, atingindo pontos críticos, e os vários cenários de crise que se sucedem em diferentes geografias;
 em Portugal, a esta situação soma-se o crescendo da incerteza em relação à economia, atenta a vulnerabilidade ao ambiente internacional. a elevada dependência energética externa e o aumento dos preços internos; a diminuição do volume de tráfego postal; o crescimento do salário mínimo acima da inflação; a transformação tecnológica no sector postal e a exigência de investimento forte num mercado cada vez mais competitivo; e a imprevisibilidade dos efeitos das alterações da legislação laborai no mercado de trabalho;
 a presente contratação é precária e não visa perdurar (para além da data em que o referido projeto atingir os seus objectivos); tem como finalidade satisfazer as necessidades de contratação temporárias e transitórias (delimitadas pela duração do projecto delineado pela conjuntura excepcional acima descrita); objectivamente definidas pela Empresa (no contexto particular do negócio postal atenta a conjuntura actual); pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades (até ao termo do Projecto que dependerá da estabilização da conjuntura actual);
Contudo, apesar de enunciar todas estas razões, não se divisa uma efectiva menção expressa dos factos que integram o motivo justificativo de a ré contratar a autora por um prazo inicial de 6 meses, para exercer as funções de Técnica de Negócios e Gestão nos vários estabelecimentos indicados na cláusula 1.ª do contrato.
Com efeito, nesta descrição do contrato de trabalho não se divisa uma caracterização em concreto do Projecto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística e das Lojas (v.g. quais as intervenções preconizadas no âmbito do projecto, as fases de implementação e as áreas intervencionadas) e, em concreto, não se esclarece em que termos os estabelecimentos indicados na cláusula 1.ª do contrato seriam abrangidos por tal projecto de reestruturação (v.g. quais os segmentos intervencionados, os objectivos visados e os prazos de implementação no C.D.P. em concreto), para se poder compreender se o recurso à contratação da autora, por seis meses, para exercer as funções de Técnica de Negócios e Gestão nesses estabelecimentos, se revela justificado (v.g. por exemplo, não são sequer afloradas as circunstâncias aventadas na contestação, ora veiculadas para melhor compreensão da dinâmica do projecto de reestruturação, o que retira relevo à discussão encetada pela ré nesse articulado acerca do pretenso cumprimento do projecto de reestruturação e à harmonia dessa implementação com a vigência do contrato de trabalho celebrado com a autora).
Pelo contrário, indica-se de forma genérica que existe um Projecto de Reestruturação e que este se justifica pela grande incerteza da actividade económica prosseguida pela ré (elencando os conflitos bélicos, a pandemia, a crise do serviço postal e quase todos os outros possíveis focos de incerteza para o negócio da distribuição postal), procurando-se explicar a contratação da autora por razões tão vagas e difusas que no limite permitem enquadrar toda e qualquer contratação (seja um trabalhador em ..., ..., ..., ..., ou noutra localidade onde a ré exerce a sua actividade): é como se tivéssemos um pronto-a-vestir que disponibilizasse roupas que poderiam ser usadas por pessoas altas, baixas, magras, corpulentas, servindo a todas essas pessoas embora as roupas não se ajustassem adequadamente a nenhuma pessoa em concreto.
Adicionalmente, cumpre salientar que a justificação apresentada pela ré para a contratação a termo da autora desconsidera que:
 a contratação a termo não pode ser justificada como forma de evitar o normal risco associado à prossecução da actividade desenvolvida pelo empregador fora dos casos legalmente previstos (v.g. as hipóteses previstas nas alíneas e), f), g) e h) do n.º 2 e na alínea a) do n.º 4 do artigo 140.º do C.T., não convocáveis no caso concreto), mas parece ser essa a intenção da ré ao apelar a todas as contingências em que desenvolve a sua actividade para justificar o recurso ao contrato a termo certo;
 “(…) a execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, enquanto motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo refere-se à execução de tarefa que não corresponde à normal actividade da empresa ou, em alternativa, a situações que podendo ou não ser estranhas a tal actividade, têm, no entanto, uma duração transitória pré-determinada, um serviço de duração limitada (…)”,como se salienta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/12/2023, relatora Maria Luzia Carvalho4, pressuposto que não se verifica com o serviço invocado pela ré, pois este prende-se com a reestruturação da sua actividade principal, o seu “core business” (v.g. distribuição do serviço postal);
Em suma, conclui-se que no contrato de 18/05/2023, outorgado pela autora, não consta uma efectiva menção ao motivo justificativo para a ré recorrer ao contrato a termo, ao contrário do que se impunha.
Como a indicação do motivo justificativo deve constar de documento escrito, a falta ou insuficiência de tal indicação implica a invalidade do termo (cfr. artigos 147.º, n.º 1, al. c), do C.T. e 220.º do Código Civil) sendo essa nulidade absoluta susceptível de conhecimento oficioso (cfr. artigos 286.º do Código Civil e 579.º do C.P.C.), conforme se conclui no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/05/2016, relator José Eduardo Sapateiro5.” (sublinhado nosso)

A fundamentação é exaustiva e tem-se por inteiramente correcta, não suscitando a alegação da recorrente a necessidade de novas abordagens ou sequer a necessidade de quaisquer complementos.
Resta-nos, pois, confirmar o entendimento sufragado pelo Tribunal recorrido, adiantando algo mais a propósito apenas para sublinhar o acerto da posição.

Assim, o artigo 140.º do CT estabelece:

Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo
1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:
a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;
b) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento;
c) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição;
d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado;
e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;
g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do número anterior.
4 - Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para:
a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos;
b) Contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração.
5 - Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto em qualquer dos n.os 1 a 4.” (realce nosso)

Resulta claro da lei – em cumprimento, aliás, de um princípio constitucional, inscrito no art. 53.º da CRP -, pois, que a contratação a termo constitui uma excepção ao carácter tendencialmente duradouro do contrato de trabalho.
Como em acórdão da RG desta mesma data em que o ora relator intervém como adjunto (e é relatora a ora 2.ª adjunta) se diz:
Relembramos o carácter excepcional da contratação a termo e a imperatividade do seu regime que, de todo, não pode ser afastado por vontade das partes e que apenas em aspectos restritos o pode ser por instrumento de regulamentação colectiva  -139º CT.  A opção do legislador visa a estabilidade e segurança no emprego, princípios que gozam de protecção constitucional e internacional. A contratação a termo significa precaridade laboral que, por atentar contra tais valores, só se justificará em estritos casos de necessidades temporárias - 53º CRP, Convenção nº 156 da OIT e Directiva 1999/70/CE do Conselho de 28/60/1999. Numa outra vertente, a contratação a termo, fora do circunstancialismo que a justifica, ao permitir o fim do contrato sem invocação [1]de causa, colide com a proibição do despedimento que requer um motivo válido para a cessação do contrato.”

Ora, não obstante a validade da motivação não dever ser apreciada em termos rigoristas mas com “razoabilidade e sensatez”, no caso em apreço a justificação apresentada é, apesar de prolixa, tão vaga e genérica que não permite identificar qualquer actividade temporária, concretizada num “serviço precisamente definido e não duradouro” - como pretende a recorrente - que eventualmente permitisse justificar a contratação da autora a termo certo, mais parecendo, atento a justificação consignada, que toda a actividade da recorrente entrou numa fase de precaridade e contingência temporal, sem fim à vista, o que resulta, aliás, expressamente de tal justificação quando aí se fez constar “(…) o que, por sua vez justifica o confinamento das opções de contratação às variantes temporárias, porquanto nenhuma necessidade surge como duradoura e todas as necessidades assumem natureza precária”.

Com efeito, é impossível determinar, face à vaguidade da fundamentação que consta do contrato, em que consiste o aludido Projecto de Reestruturação dos Centros de Distribuição, dos Centros de Produção e Logística e das Lojas, desde logo se abrange todos os Centros e Lojas detidos pela recorrente ou quais em concreto abrange, e do que estamos mesmo a falar quando se usa o termo «projecto de reestruturação», o que é em concreto reestruturado, se é que alguma coisa o é efectivamente, e (se o fôr) atento o projectado fazer, qual o tempo previsível para a sua conclusão.
Se assim é, como claramente é o caso, onde descortinar, então, o serviço determinado a que a recorrente alude?
Que factos pode o julgador averiguar e sopesar para sindicar, quanto ao fundo, a justificação do termo aposto no contrato?[2]
É manifesto que nada de relevante para tal consta do contrato de trabalho a termo certo ora em análise, e não pode agora a ré/recorrente suprir esse vício.

Reafirma-se assim a razão do Tribunal recorrido quando defende que, não obstante a sua extensão, a cláusula aposta no vínculo celebrado entre as partes não permite apreender a que projecto se refere a apelante, nem qual é a associação entre ele e as concretas funções que a apelada foi contratada para exercer, e nem, tão-pouco, o estabelecimento de qualquer nexo entre a contratação a termo e a realidade temporária a cuja satisfação se destina.[3]

Concordamos assim com o parecer do M.º P.º quando nele se expende “Para ser possível aferir-se do motivo justificativo de aposição do termo teriam que ser indicadas circunstâncias concretas em função das quais fosse possível aferir-se qual a atividade que a trabalhadora iria desempenhar e as razões concretas por força das quais tal atividade teria natureza delimitada no tempo (…).
O que releva, conforme estatui o número 1 do artigo em apreço é que a aposição do termo se destine à satisfação de necessidades temporárias da empresa.
Não consta do contrato de trabalho celebrado com a autora, qual seja essa atividade temporária da empresa que tivesse justificado a contratação da mesma a termo certo.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 25 de Setembro de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso


[1] Proc. 5478/24.1T8VNF.G1
[2] Como se sintetizou (cf. ponto II do respectivo sumário) em Ac. da RC de 02.5.2013, Proc. 273/12.6T4AVR.C1, AZEVEDO MENDES, www.dgsi.pt , “A necessidade legal de justificação surge em função da possibilidade de certeza no controlo judicial da realidade do fundamento, isto é importa que a formulação da justificação contenha uma “chave de leitura” precisa e concreta (sem possibilidade de (re)invenção do caso) que permita o controlo judicial”, justificação que, pelo anteriormente dito, não se alcança neste caso tenha – em tais termos – sido feita constar do contrato.”
[3] Incidindo sobre uma situação de facto semelhante, Ac. RL de 10-09-2025, Proc. 9495/24.6T8LSB.L1-4, SUSANA SILVEIRA, www.dgsi.pt, em que, conforme o respectivo sumário, se dicidiu:
III. A indicação dos factos concretos e circunstâncias integradoras do motivo justificativo da celebração de um contrato a termo constitui formalidade ad substantiam insusceptível de suprimento por qualquer outro meio de prova que não seja a do próprio documento onde foi exarado o contrato de trabalho.
IV. Tendo a entidade empregadora, com vista a legitimar a contratação a termo do trabalhador, recorrido a fundamentação que não contém a indicação dos factos concretos e das circunstâncias integradoras do motivo que a justifica e cuja densificação, pela sua generalidade, não permite alcançar a correspondência entre os fundamentos invocados e o termo estipulado, é de concluir que entre as partes vigora um contrato sem termo desde a data da sua celebração.