Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7931/15.1T8VNF-B.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
EXCESSO DE PENHORA
ACORDO DE PAGAMENTO
CONDIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A noção de “condição” é-nos dada pelo art. 270º, do C. Civil que dispõe que “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:
           
No âmbito do processo executivo acima identificado, em que são Executados AA e EMP01..., Lda e Exequente EMP02..., SA, vieram aqueles opor-se à penhora com os seguintes fundamentos:
A 24 de março de 2025, foram penhorados quatro distintos depósitos bancários, junto do Banco 1..., S.A., da Banco 2..., S.A., do Banco 3..., S.A., conforme auto de penhora que aqui se junta sob o Doc. n.º 1.
No presente caso, sendo o valor em dívida de apenas 1.500,00€, a penhora de depósitos bancários no valor global de 13.608,25€, constitui evidente excesso e uma clara violação do principio da proporcionalidade.
Pedem que seja ordenado o levantamento da penhora, ao abrigo do disposto no artigo 785.º, n.º 6.º do Código de Processo Civil e ordenada a prossecução da execução e extinção da mesma por pagamento apenas quanto ao montante de 1500.00 € em débito, tudo com as legais consequências mormente quanto a custas na respetiva proporção.

A exequente contestou dizendo o seguinte:
O Banco 4... deu entrada em 8/10/2015 de Requerimento Executivo nos termos do qual, peticionou a quantia de 10.167,92€, sendo devido a título de capital 8.537,25€ a que acrescem juros de mora vencidos calculados à taxa legal de 12,152%, contabilizados desde 22-09-2014, no montante de 1.253,39€ e ainda imposto de selo de 377,28€, bem como demais juros vincendos e despesas a contabilizar até integral pagamento.
O referido valor peticionado teve por base, o incumprimento do contrato de mútuo de e fiança celebrado em 22-02-2012, entre a Banco 4... e a Executada EMP03..., Lda na qual o executado AA intervém na qualidade de fiador, sendo, portanto, este o título dado à execução.
A EMP04... STC, foi, entretanto, habilitada no crédito peticionado pela Banco 4..., por despacho de 9/12/2020, prosseguindo os autos na posição de Exequente.
Posteriormente, conforme referido pelos executados/opoentes, o Executado AA e a Exequente, chegaram a acordo, tendo o mesmo sido celebrado nos termos do disposto no artigo 806º do CPC, e junto aos autos em 21.03.2022.
Com efeito, e conforme documento junto aos autos a 21.03.2022 e apresentado como documento nº 2 em sede de oposição dos executados, o referido acordo consistiu na redução da quantia em dívida para 9.500€, na condição, de tal valor ser liquidado da seguinte forma: a) Pagamento de 4.000€ aquando da celebração do referido acordo e; b) O remanescente da quantia de 5.500€ seria liquidado em 22 prestações mensais e sucessivas de 250€ cada até ao dia 8 de cada mês a iniciar em Maio de 2022 até integral pagamento.
Não obstante, o Executado procedeu apenas com o pagamento à exequente da quantia de 8.000€, valor este, pago até outubro de 2023.
O Executado desde outubro de 2023 que não efetuou mais qualquer pagamento por conta do referido acordo.
Os próprios executados, em sede de oposição admitem terem efetuado apenas o pagamento dos tais 8.000€ e não dos 9.500€ que tinha sido acordado, entre as partes.
Em face do incumprimento do referido acordo, a Exequente, em 6/03/2025, requereu a renovação da instância executiva ao abrigo do disposto no artigo 808º do CPC.
A referida conta do processo, data de 21-03-2025 e da mesma resulta que, não obstante os pagamentos efetuados pelo executado diretamente à exequente, de 8.000€, remanescia naquela data, em dívida a quantia total de 14.719,41€.
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Foi proferida decisão que julgou procedente a oposição à penhora dos saldos bancários dos executados, determinando-se a imediata liquidação a imediata liquidação da quantia exequenda e respetiva restituição do excesso aos executados.
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Inconformado veio a Exequente recorrer, formulando as seguintes Conclusões:

A. A ora Recorrente não se conforma com a decisão proferida em 11-09-2025 com a refª ...23, que julgou procedente a oposição à penhora, por considerá-la excessiva/ilegal, determinando a imediata liquidação da quantia exequenda e respetiva restituição do excesso penhorado, aos executados.

Isto porque,
B. Considera o Recorrente, que, o Tribunal “a quo”, incorreu em erro sobre os factos e consequentemente sobre o direito.

Senão vejamos,
C. No processo principal foram penhorados, em 24-03-2025, 4 saldos bancários no montante total 13.608,25€.
D. À data da referida penhora, foi junto pelo Exmo. Senhor Agente de Execução uma conta corrente do processo, que apresentava um saldo devedor por parte dos Executados de 14.719,41€.
E. Esse valor foi determinado com base no cálculo da quantia peticionada pela exequente acrescida dos juros e demais custas do processo, que à data perfaziam a quantia de 22.719,41€, F. À qual foi deduzido o montante de 8.000€, valor este, que foi entregue diretamente ao Exequente por parte dos Executados.
G. Permanecendo em divida 14.719,41€.
H. Por despacho de 2/07/2025 foi o Exmo. Senhor Agente de Execução, notificado para informar os autos do valor da quantia exequenda em dívida e dos montantes totais penhorados.
I. Em cumprimento do referido despacho, em 3-07-2025 o Exmo. Senhor Agente de Execução juntou aos autos, a conta corrente atualizada.
J. De acordo com a conta do processo de 03-07-2025, foi recuperado o montante de €8.00,00 (supra mencionado), bem como, o montante de €576,85 através de penhora de IRS e vencimento do Executado AA.
K. Pelo que, o valor total em dívida ascendia nessa data à quantia de 14.505,03€ (23.081,88€- 8.576,85€).
L. Do valor devido em 03-07-2025, já se inclui, portanto, a contabilização do valor recuperado de 8.576,85€,
M. Pelo que, mal andou o doutro tribunal quando deduziu novamente a quantia de €8.576,85 ao valor em dívida de 14.505,03€, concluindo assim pela penhora excessiva/ilegal, que na realidade não se verifica!
N. Uma vez que, e transcrevendo o teor da sentença “Perante este quadro legal e considerando que já foi penhorado, sem levar em atenção aos quatro saldos bancários em crise nos presentes autos, o valor de 8.576,85 euros de uma dívida do montante total de 14.505,03 euros, é indiscutível que a recente penhora de saldos bancários no montante total de 13.608,25€ é manifestamente excessiva.
O. Assim, o valor em dívida é de 14.505,03€!
P. Montante em dívida, que é superior ao montante penhorado a título de saldos bancários (13.608,25€).
Q. Concluindo-se que a penhora, não é excessiva/ilegal!
R. De harmonia com o princípio da proporcionalidade devem ser penhorados apenas os bens suficientes para satisfazer a prestação exequenda e das despesas previsíveis da execução (vide artigos 735º/3 do CPC e 784º/1/a) do CPC).
S. Logo, sendo o valor penhorado de saldos bancários de 13.608,25€ insuficiente para pagamento da quantia exequenda e demais custas do processo, s.m.o, deveria o douto Tribunal “a quo” ter concluído pela improcedência da oposição à penhora deduzida pelo Executado/opoente.
T. Em face do supra exposto e, salvo douto e melhor entendimento, deveria o Tribunal “a quo” ter decidido pela improcedência da oposição à penhora e não pela procedência da mesma.
U. O Tribunal “a quo” efetuou, pois, uma errada interpretação da prova.
V. Violando consequentemente os art. artigos 735º/3 do CPC e 784º/1/a) do CPC.) ambos do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve julgar-se procedente o presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que determine a improcedência da oposição à penhora e em consequência o prosseguimento dos autos, seguindo a presente execução os seus termos até liquidação total da dívida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!
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Factos considerados provados na decisão recorrida:

1 - No âmbito da ação executiva apensa, procedeu-se à penhora de 4 depósitos bancários no montante total de 13.608,25€, conforme Auto de Penhora junto aos autos em 24-03-2025.
2 - Na presente data, o valor em dívida corresponde a 14.505,03€ e até ao momento foi recuperado o total de 8.576,85 €, sendo que 8.000,00€ foram pagamentos diretos ao Exequente no âmbito do acordo celebrado e 576,85€ correspondem a penhora de vencimento e IRS do executado BB.
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Quanto a esta última matéria, trata-se a mesma, não de um facto, mas de um juízo conclusivo.
Ora, na matéria de facto provada deveriam estar os factos concretos que resultam da análise da causa e não juízos conclusivos.
Assim, elimina-se da matéria de facto o ponto 2 dos factos considerados provados.
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Além do facto elencado sob o nº 1, há ainda a considerar os seguintes:
           
A - O Banco 4... deu entrada em 8/10/2015 de Requerimento Executivo nos termos do qual, peticionou a quantia de 10.167,92€, sendo devido a título de capital 8.537,25€ a que acrescem juros de mora vencidos calculados à taxa legal de 12,152%, contabilizados desde 22-09-2014, no montante de 1.253,39€ e ainda imposto de selo de 377,28€, bem como demais juros vincendos e despesas a contabilizar até integral pagamento.
B - A EMP04... STC, foi, entretanto, habilitada no crédito peticionado pela Banco 4..., por despacho de 9/12/2020, prosseguindo os autos na posição de Exequente.
C - Posteriormente, o Executado AA e a Exequente, chegaram a acordo, tendo o mesmo sido celebrado nos termos do disposto no artigo 806º do CPC, e junto aos autos em 21.03.2022, com as seguintes cláusulas:
1ª A Exequente e o Executado lograram alcançar acordo nos presentes autos, aceitando a primeira reduzir o valor em dívida, para o valor global de 9.500,00€ (novel mil e quinhentos euros), que inclui o capital em dívida, os juros de mora, juros compulsórios e custas de honorários e despesas com o Exmo Senhor Agende de Execução e demais custas.
2ª O pagamento da quantia supra mencionada, será efetuado pelo executado da seguinte forma:
a) Pagamento de 4.000€ aquando da celebração do referido acordo e;
b) O remanescente da quantia de 5.500€ seria liquidado em 22 prestações mensais e sucessivas de 250€ cada até ao dia 8 de cada mês a iniciar em Maio de 2022 até integral pagamento.
3º (…)
4º A falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento de todas as subsequentes.
5ª (…)
6ª Pela presente as partes põem definitivamente termo ao litígio existente.
7ª Face a tudo o que antecede, requerem a V/Exa. A extinção da instância dos presentes.”.
D – Em face da junção deste acordo a execução foi extinta;
E – Em 6/3/2025, veio a Exequente comunicar ao AE que o executado incumpriu o acordo, tendo pago apenas 8.000,00€ do valor acordado, pedindo a renovação da execução extinta, para efeitos do art. 850º, nº 5, do C. P.Civil.
F – Em 73/2025, o AE renovou a execução.
G – No âmbito dos autos principais, para além dos valores referidos em 1. foi ainda penhorado o valor total de 576,85€ (penhoras de vencimento e crédito de IRS – autos de penhora de 19/5/25 e de 17/6/25).
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre decidir.
Uma vez o objeto do recurso se encontra delimitado pelas suas conclusões, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso, cabe apreciar no presente recurso se existe excesso de penhora.

Vejamos:

A respeito da oposição à penhora, diz o art 784º do C. P. Civil:

Sendo penhorados bens ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.

Na citada al. a), parte final e ainda no art.  735º, nº 3 do C. P. Civil, encontra-se consagrado o princípio da proporcionalidade segundo o qual devem apenas ser penhorados os bens suficientes para satisfazer o valor da quantia exequenda e das despesas previsíveis da execução.

No caso, importa em primeiro lugar, apurar qual é o valor da dívida após a celebração do acordo referido no ponto C. dos factos apurados.
Nesse acordo, estabeleceu-se que a quantia exequenda ficada reduzida ao valor de 9.500,00€.

A Exequente, no seu recurso, refere que tal redução ocorreu na condição de tal valor ser liquidado na forma acordada.
A noção de “condição” é-nos dada pelo art. 270º, do C. Civil que dispõe que “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”
Como se pode ler no Acórdão desta Relação, de 27/5/21 (in www.dgsi.pt ), “A condição é uma cláusula acessória típica por virtude da qual os efeitos jurídicos de um negócio são postos na dependência dum acontecimento futuro e incerto, de forma que só verificado esse acontecimento é que o negócio produzirá os seus efeitos (condição suspensiva) ou só nessa eventualidade é que o negócio deixará de os produzir (condição resolutiva).”
É certo que as partes no mencionado acordo, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (v. art. 405º, do C. Civil), poderiam ter estabelecido no mesmo uma condição resolutiva, para o caso de o executado não cumprir o acordo estabelecido, no entanto, lendo o acordo em causa, vemos que do mesmo não consta qualquer condição.
Assim, não existindo no acordo qualquer condição, o que aí ficou estipulado quanto à redução da quantia exequenda vale mesmo em caso de incumprimento do acordado por parte do executado, sendo a sanção para o incumprimento a aí estabelecida na respetiva cláusula 4ª, que diz que “A falta de pagamento de uma das prestações implica o vencimento de todas as subsequentes.”, que também resulta da Lei (v. art. 781º, do C. Civil).

Em face disto, e estando assente que o valor da dívida ficou reduzido à quantia de 9.500,00€ e que deste montante o Executado pagou 8.000,00€, pelo que, quando a execução foi renovada, tinha de prosseguir apenas para recuperação do valor de 1500,00€ (tal como referem os executados) e respetivos juros moratórios, desde a data do incumprimento (v. art. 703º, nº 2, do C. P. Civil) e ainda as despesas da execução.

Entretanto, no âmbito de penhoras efetuadas nos autos, foi recuperada a quantia de 576,00€, pelo que, a quantia exequenda se encontra reduzida ao montante de 924,00€, a que acrescem juros moratórios vencidos que incidem sobre o valor total da dívida, desde a data do incumprimento e ainda as despesas da execução.

Assim, tendo sido penhorados saldos bancários no valor total de 13.608,25€ (treze mil, seiscentos e oito euros e vinte e cinco cêntimos), cujo valor total é superior ao montante da dívida, juros moratórios e despesas de execução (v. quanto a esta questão o disposto no art. 735º, nº 3, do C. P. Civil), é de concluir que a penhora destes saldos se revela excessiva, ofendendo o princípio da proporcionalidade consagrado na parte final da al. a), do art. 784 e ainda no art.  735º, nº 3, ambos do C. P. Civil.
Ainda que assim não fosse, nunca a Exequente ficaria prejudicada com o decidido no despacho recorrido, pois aí determina-se que se liquide a quantia exequenda e se restitua aos executados o excesso. Ora, se não houver excesso, não há devolução.

Deste modo, há que julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com diferentes fundamentos.
           
Decisão:
           
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
           
Custas pela Recorrente.
Notifique-se a presente decisão, incluindo ao Agente de Execução, para ser tida em conta no cálculo da quantia exequenda.           
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Guimarães, 13 de novembro de 2025

Alexandra Rolim Mendes
António Beça Pereira
José Cravo