Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
323/23.0PCBRG.G2
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTOS
IMPRESCINDIBILIDADE DA VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – É sabido que existe divergência jurisprudencial sobre a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto através de meios técnicos de controlo à distância, havendo uma posição que defende a necessidade de um juízo de imprescindibilidade para a protecção dos direitos da vítima, enquanto outra posição reconhece a aplicação automática desses meios de controlo.
II – Esta divergência reflecte uma tensão entre a necessidade de proteger a vítima que pode justificar medidas mais intrusivas e o direito do arguido à proporcionalidade e fundamentação, o que exige que o juiz explicite por que razão a fiscalização electrónica é imprescindível.
III – A utilização dos meios técnicos de controlo à distância (por ser uma medida que se traduz numa intromissão na esfera privada daqueles que por ela são afectados) não é automática e não decorre obrigatoriamente da aplicação da pena acessória.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1. Nestes autos de processo comum singular n.º 323/23.0PCBRG, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 3, realizado o julgamento, foi proferida sentença em 12-09-2024, depositada na mesma data, que condenou o arguido AA, com os demais sinais dos autos, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, al. b) e 4, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo prazo de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova e subordinada ao cumprimento de determinados deveres de conduta, bem como nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima BB, com afastamento da sua residência e local de trabalho, de proibição de uso e porte de armas e de frequência de programa específico de prevenção na área da violência doméstica pelo prazo de 2 (dois) anos e ainda a pagar-lhe, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16/09 e do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, a quantia de 1000,00 € (mil euros).
2. Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, tendo esta Relação, por acórdão de 28.01.2025, declarado nula a sentença recorrida e determinado a sua substituição por outra, suprindo a nulidade de falta de fundamentação.
3. Os autos baixaram à 1ª instância onde foi proferida nova sentença em 31.03.2025, depositada na mesma data, que condenou o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, al. b) e 4, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo prazo de 2 (dois) anos, sujeita a regime de prova e subordinada ao cumprimento de determinados deveres de conduta, bem como nas penas acessórias de proibição de contacto com a vítima BB, com afastamento da sua residência e local de trabalho, com fiscalização através de meios técnicos de controlo à distância por tal se mostrar imprescindível para a proteção da vítima, de proibição de uso e porte de armas e de frequência de programa específico de prevenção na área da violência doméstica pelo prazo de 2 (dois) anos e ainda a pagar-lhe, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 da Lei n.º 112/2009, de 16/09 e do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, a quantia de 1000,00 € (mil euros).
4. De novo inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):
« I. O arguido não se conforma com a sentença recorrida a qual deverá ser revogada, porquanto o Tribunal recorrido decidiu mal;
II. Quantos aos factos das alíneas e), g), h), i), k), l), m), p), q), t), u), v), w) e x), o arguido entende não ter sido produzida em sede de audiência de julgamento prova suficiente para ter sido dada a factualidade como provada, devendo ser dados como não provados;
III. O Tribunal a quo devia ter dado como provado que a vítima recorreu a linguagem ofensiva na discussão de abril;
IV. O Tribunal a quo deveria ter dado como provado que as agressões físicas e verbais eram recíprocas, de ambas as partes, quer iniciadas pelo arguido, quer iniciadas pela vítima;
V. No caso sub iudice não está preenchido o ilícito em causa, uma vez que o crime de violência doméstica não pode ser cometido em reciprocidade e ainda pelo facto de não ter sido atingido o bem jurídico lesado e por não se verificar uma relação de domínio ou subjugação e submissão;
VI. No caso concreto verifica-se uma reciprocidade de agressões físicas e verbais de semelhante gravidade e intensidade, de idêntica censurabilidade;
VII. O Tribunal recorrido violou o disposto no art 127º do Código de Processo Penal, verificando-se erro notório da apreciação da prova;
VIII. Os factos praticados pelo arguido seriam reconduzidos ao crime de injúria, previsto e punido no art. 181º do Código Penal, e ao crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido no art. 145º, n.º 2 do Código Penal;
IX. O arguido deverá ser absolvido do crime de violência doméstica, revogando-se, consequentemente, a decisão quanto à quantia arbitrada de 1.000, 00 € (mil euros), requalificando-se o crime para ofensa à integridade física qualificada, sendo que em relação ao crime de injúria não foram preenchidos os formalismos processuais;
X. Caso assim não se entenda, a pena aplicada de dois anos suspensa na sua execução pelo prazo de dois anos, sujeita a regime de prova e subordinada ao cumprimento de deveres, peca por excessivamente elevada, desadequada e desproporcional, violando o art. 18º, nº 2 da CRP;
XI. A pena aplicada ao arguido viola o disposto nos arts. 40º e 71º do Código Penal, devendo ser reformulada a sentença recorrida, aplicando-se ao arguido uma pena substancialmente inferior, próxima do limite mínimo;
XII. O relatório social da DGRSP é bastante favorável ao arguido, o arguido está integrado a nível familiar, social e profissional e nada consta do seu registo criminal;
XIII. A implementação dos meios de controlo à distância só deve ser aplicada quando se revela imprescindível, sendo que tal imprescindibilidade deve estar devidamente fundamentada, o que não se verificou, violando o Tribunal recorrido o dever de fundamentação, previsto no art. 97º, n.º 5 do Código de Processo Penal;
XIV. A referência de condenação no dispositivo decisório é insuficiente, acrescido da falta de fundamentação suficiente do Tribunal recorrido, foi injustificada a imposição ao arguido da fiscalização do cumprimento da pena acessória através de meios de controlo à distância;
XV. A sentença recorrida é nula no que respeita à implementação dos meios de controlo à distância, conforme o art. 379º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, por falta de fundamentação e indicação da disposição legal aplicável, sendo que na motivação da decisão apenas se faz uma referência genérica aos factos por remissão, sem apreciação critica e valorativa dos mesmos, e insuficiente à disposição legal aplicável, e igual insuficiência no dispositivo decisório, havendo assim ausência de fundamentação, nesta parte, da decisão recorrida;
XVI. Em virtude da reciprocidade de agressões físicas e verbais, não se verificam interesses preponderantes que justifiquem tal implementação dos meios eletrónicos, sendo a avaliação de risco da vítima datada de 13/08/2024 de risco baixo;
XVII. A sentença recorrida violou o princípio constitucional da proporcionalidade do art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa;
XVIII. A sentença recorrida deve ser revogada na parte em que determina a implementação dos meios de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória, por violação do dever de fundamentação do art. 97º, n.º 5 do Código de Processo Penal, incorrendo assim em nulidade, conforme os arts. 374º, n.º 2 e n.º 3, alínea a) e 379º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, e ainda por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente Recurso e por via dele ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva o arguido do crime de violência doméstica, com as legais consequências;
Caso assim não se entenda, a sentença recorrida deve ser reformulada, aplicando-se ao arguido uma pena substancialmente inferior, próxima do limite mínimo;
Em todo o caso, deverá a sentença recorrida ser sempre revogada na parte em que determina a implementação dos meios de controlo à distância para a fiscalização do cumprimento da pena acessória, por violação do dever de fundamentação do art. 97º, n.º 5 do Código de Processo Penal, incorrendo assim em nulidade, conforme os arts. 374º, n.º 2 e n.º 3, alínea a) e 379º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, e ainda por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no art. 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Fazendo-se, assim, a TÃO HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!»

5. O Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
6. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na vista a que se refere o artigo 416.º do Código de Processo Penal([1]), emitiu parecer, afirmando, em síntese, que, no caso concreto, a protecção da vítima não reclama a utilização dos meios técnicos de controlo à distância da pena acessória de proibição de contactos pelo que o recurso do arguido deverá ser julgado procedente nesta parte e improceder quanto ao mais.
7. No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2, não houve resposta.
8. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO

1. A sentença recorrida
1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

«a) O arguido AA e a ofendida BB mantiveram uma relação de namoro desde o ano de 2021 e até ao sábado anterior à data da audiência de julgamento, nunca tendo coabitado;    
b) Desta relação não existem filhos;       
c) A ofendida é progenitora de um filho, fruto de anterior relacionamento;      
d) O arguido é consumidor de produtos estupefacientes;         
e) Sucede que, desde o início da relação, o arguido revelou um comportamento agressivo e obsessivo para com a ofendida, rebaixando-a constantemente;   
f) No dia 09 de abril de 2023, pelas 22 horas e 10 minutos, o arguido e a ofendida encontravam-se nas imediações do centro comercial “...”, sito na Avenida ..., em ..., no interior do veículo, tendo o arguido questionado a ofendida onde pretendia jantar;    
g) A ofendida demorou algum tempo a responder, tendo o arguido iniciado discussão com esta, elevando o tom de voz;
h) Perante este comportamento, a ofendida solicitou ao arguido que se acalmasse e a deixasse na sua residência, tendo o arguido respondido “O CARRO É MEU, FALO COMO EU QUISER E DEIXO-TE ONDE EU QUISER”;     
i) O arguido começou a conduzir a velocidade elevada e de forma irregular, sempre a discutir, afirmando “NÃO PASSAS DE UMA PUTA!”, “NÃO SERVES PARA NADA!”, “NÃO TENS EDUCAÇÃO!”, entre outros;
j) Entretanto, o arguido imobilizou o veículo na Rua ..., em ..., em frente à igreja de ...;         
k) Aí chegados, o arguido saiu do interior do veículo automóvel e dirigiu-se à ofendida e puxou-lhe os cabelos e gritou “QUANDO FAÇO AS PERGUNTAS NÃO É PARA FICAR À ESPERA DAS RESPOSTAS”;         
l) De seguida, o arguido agarrou na ofendida e apertou-lhe o pescoço e retirou-a do carro, abandonando-a naquele local;         
m) Em consequência da agressão, a ofendida sofreu fenómenos dolorosos nas áreas atingidas, mas não necessitou de assistência, médica/hospitalar;
n) Em consequência da agressão, a ofendida sofreu duas escoriações lineares no terço inferior da face cervical lateral esquerda, a maior com 1,5 cm e a outra com 0,5 cm, lesões que determinaram um período de doença fixável em 4 dias sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional;
o) No dia 25 de agosto de 2023, pelas 22 horas e 20 minutos, em ..., o arguido e a ofendida encontravam-se a circular no interior da viatura de matrícula ..-..-XR e ambos tiveram uma discussão;
p) No decurso da discussão, o arguido exaltou-se, começou a falar em alta voz afirmando “ÉS UMA PUTA QUE ANDA POR AÍ!”, “NÃO CONFIAS EM MIM!, “ÉS UMA MULHER DE VIDA!”, entre outros;           
q) Em ato contínuo, o arguido parou o veículo na Rua ..., em ..., e desferiu duas bofetadas na face da ofendida, tendo esta saído voluntariamente do veículo;          
r) Após o arguido abandonou o local, para paradeiro não concretamente apurado:    
s) A ofendida foi auxiliada por transeuntes, tendo sido contactadas as autoridades policiais, as quais compareceram no local;    
t) Em consequência da agressão, a ofendida sofreu fenómenos dolorosos nas áreas atingidas, mas não necessitou de assistência, médica/hospitalar;
u) Quis o arguido, com a sua conduta reiterada, diminuir a ofendida na relação de namoro e na sua dignidade, infligindo-lhe sofrimento físico e psíquico, incluindo castigos corporais, pese embora não ignorasse que devia à visada, na qualidade de namorada, especial respeito e consideração;   
v) O arguido atuou com o propósito conseguido de ofender a ofendida no seu corpo, saúde física e psíquica, com a intenção de atentar contra a sua honra e dignidade, bem como de perturbar a tranquilidade daquela e a afetá-la na sua liberdade através das expressões que lhe dirigiu, bem sabendo que eram adequadas a causar à ofendida medo e receio pela sua integridade física e vida, o que conseguiu;       
w) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;     
x) Em consequência da conduta do arguido, a ofendida ficou chorosa e transtornada;          
y) Na altura dos factos que desencadearam o presente processo, o arguido residia com a progenitora, CC, de 71 anos de idade em ..., concelho ... pernoitando, no entanto, por vezes, em casa da namorada/ofendida e do filho desta;
z) Em meados de agosto de 2023, após os factos que deram origem ao presente processo, motivado pela sua vontade de se autonomizar, segundo referiu, mudou-se para uma habitação/apartamento, de tipologia 1, arrendado, localizada na morada constante nos autos, onde permanece a residir sozinho;       
aa) Esta habitação encontra-se inserida em meio urbano, densamente habitada, que, o entanto, o arguido perceciona como tranquila;       
bb) O arguido mantém vinculação afetiva à mãe com quem contacta regularmente, assim como com o irmão mais velho;         
cc) O processo de desenvolvimento do arguido ocorreu no seio do agregado de origem, junto dos pais e irmão mais velho, sem indicadores de exposição a violência conjugal ou maus tratos;         
dd) Frequentou o sistema de ensino até ao 9.º ano de escolaridade, num percurso salientado por duas reprovações derivadas do desinteresse e falta de assiduidade, mas sem registos disciplinares;
ee) Aos 27 anos voltou a estudar, tendo-se habilitado com o 12.º ano através de um curso profissional;   
ff) O arguido iniciou atividade laboral aos 16 anos de idade, tendo sinalizado um percurso regular, mas pautado pela mobilidade entre experiências laborais em várias áreas, nomeadamente como empregado de armazém, operador de produção, de distribuição, na restauração, construção civil, hotelaria (5 anos de emigração da ...), importação e comércio de veículos automóveis e operador de “call center”;
gg) Desde há cerca de 2 anos, trabalha numa empresa de fabrico de raquetes, vestuário e acessórios de “Padel Pickleball”;     
hh) Aufere o vencimento mensal de 1.160€;      
ii)  Sinaliza encargos mensais fixos relacionados com o pagamento da renda da habitação (427€), abastecimentos domésticos, nomeadamente água, eletricidade, gás e serviços de televisão e internet, num total global de 106€ e amortização de um crédito pessoal para mobilar a sua habitação, de 70€/mês;
jj) A estes encargos acrescem ainda despesas de carácter variável relacionadas com deslocações para o trabalho e alimentação;
kk) O arguido expõe um quotidiano direcionado para o desempenho da sua profissão, dedicando os seus tempos livres à prática de pesca lúdica e ao convívio com a família e amigos, alguns de longa data que visita, nomeadamente nos países onde alguns deles se encontram emigrados;
ll) No que concerne a hábitos de consumo substâncias, o arguido assume o consumo esporádico de álcool, com maior expressão em contexto sociais, com os amigos, assumindo alguns excessos;
mm) O arguido assume igualmente o consumo habitual de canábis;    
nn) A nível afetivo, para além do relacionamento com a ofendida, o arguido sinaliza uma outra relação significativa quando tinha cerca de 20 anos, tendo o casal coabitado por cerca de 8 anos;
oo) Não tem descendência desta relação, e não são conhecidos episódios de conflito significativo entre os elementos do casal que tivessem contribuído para o término da relação, a qual culminou numa separação amigável;  
pp) Nada consta do certificado de registo criminal do arguido.»
*
1.2. Quanto a factos não provados consta da sentença recorrida (transcrição):

«Resultaram não provados os seguintes factos:
a) Na Rua ... o arguido empurrou a ofendida para fora do veículo;      
b) Em consequência de ter sido empurrada para fora do veículo, a ofendida sofreu as seguintes lesões:
- Membro inferior direito: pontuado escoriativo, no dorso do pé, com 0,5 cm de diâmetro;     
- Membro inferior esquerdo: escoriação, no joelho, com 1 cm por 0,7cm; pontuado escoriativo, no dorso do pé, com 0,2 cm de diâmetro;       
lesões que determinaram em condições normais, um período de doença fixável em 5 dias sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional.»
*
1.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
«A convicção deste Tribunal quanto à matéria de facto formou-se com base na análise cuidada e atenta de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como da prova documental e pericial junta aos autos, devidamente confrontada com as regras da experiência comum e com a livre convicção do julgador (cfr. o artigo 127.º do C.P.P.).                      
Quanto às alíneas a) a x) da matéria de facto provada, a convicção deste Tribunal resultou da cuidada e atenta análise das declarações prestadas pela ofendida/vítima BB, a qual descreveu os factos supra considerados como provados de forma totalmente coerente e espontânea, não tendo revelado qualquer obstinação incriminatória baseada na prévia memorização da acusação, porquanto voluntariamente referiu ao Tribunal que na Rua ... não foi empurrada para fora do carro, mas antes saiu voluntariamente e escorregou, acabando por cair e sofrer os ferimentos nos membros inferiores descritos e analisados no relatório médico-legal junto a fls. 17 a 19 do apenso A. Tal conduta, acompanhada de uma emotividade própria em audiência de julgamento, levou a que este Tribunal lhe concedesse plena credibilidade.    
A testemunha DD, agente da Polícia de Segurança Pública, declarou no dia 25 de agosto de 2023 foi chamado à Rua ... por uma situação de violência doméstica, tendo então encontrado a ofendida chorosa e transtornada em consequência da conduta do arguido.
As restantes testemunhas inquiridas em sede de audiência – EE e FF – não presenciaram a prática dos factos em causa nos presentes autos, em nada tendo abalado a convicção deste Tribunal formada com base nas declarações da ofendida.   
O arguido AA começou por admitir os insultos descritos na acusação, procurando no entanto convencer este Tribunal que os mesmos eram de parte a parte. Inicialmente negou qualquer tipo de agressões contra a pessoa da ofendida, acabando depois por admitir que possa ter atingido a mesma pela forma descrita na acusação, mas procurando novamente convencer este Tribunal que as agressões foram mútuas. Sucede que a sua versão surgiu de forma pouco espontânea e comprometida, em nada tendo abalado a convicção formada por este Tribunal com base nas declarações da ofendida.
Quanto às alíneas y) a oo) da matéria de facto provada, a convicção deste Tribunal resultou da análise do relatório social elaborado e junto aos autos a fls. 161 a 163.         
Relativamente à alínea pp) da matéria de facto provada, a convicção deste Tribunal baseou-se na análise do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos a fls. 164.»
*
2. Apreciando

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões, organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência:
- nulidade da sentença por falta de fundamentação;
- erro notório na apreciação da prova;
- impugnação ampla da matéria de facto;
- qualificação jurídica dos factos;
- medida da pena principal.
- fiscalização electrónica da pena acessória de proibição de contacto.

2.1. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Alega o recorrente que o tribunal recorrido, mesmo após a decisão desta Relação, continua a não fundamentar a implementação dos meios de controlo à distância, não tendo analisado e valorado criticamente, nem invocado factos que a justifiquem, transcrevendo somente na motivação da decisão a disposição legal aplicável para a implementação de tais meios de controlo, violando, por isso, o dever de fundamentação, o que determina a sua nulidade, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal,
Vejamos.
O Código de Processo Penal prevê no artigo 379.º um regime privativo da nulidade da sentença, defeito este que só ocorre nas situações mencionadas nas três alíneas do seu n.º 1, a saber: a) a ausência das menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º portanto, e além do mais, a inexistência de fundamentação; b) a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia; c) a omissão ou o excesso de pronúncia.
O artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal impõe que da fundamentação da sentença conste a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição completa mas concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que formaram a convicção do tribunal.
A exposição dos motivos de direito mais não é do que a determinação do direito aplicável aos factos e sua aplicação ao caso concreto.
A lei impõe como é obvio o tratamento jurídico dos factos apurados com subsunção dos mesmos ao direito aplicável, sendo que em caso de condenação está o tribunal obrigado, como não podia deixar de ser, à determinação motivada da pena ou sanção a cominar, posto o que deve proceder à indicação expressa da decisão final, com indicação das normas que lhe subjazem.
No que se refere à escolha e à medida da pena ou sanção, o artigo 375.º, n.º 1, pormenorizando e acentuando o disposto no artigo 374.º, impõe um especial cuidado ao tribunal, estabelecendo, de forma expressa, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que à escolha e à medida da pena ou sanção presidiram, e indicar, sendo caso disso, o início e o regime de cumprimento da sanção, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.
Em face da lei (“não contiver” é o que estatui a alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º) parece claro que a decisão penal não é, nem deve ser, um tratado jurídico pelo que não tem, não deve, relativamente a cada questão jurídica explicitar tudo o que pode ser escrito dogmaticamente sobre ela; basta-lhe indicar a lei aplicável e integrá-la fundadamente na situação em apreço de forma a perceber-se a decisão tomada nos seus diversos aspectos.
De outro modo, a nulidade da decisão condenatória poderia tornar-se uma constante, gerando um círculo vicioso, com a eternização do processo, num claro arrepio da Justiça que o Estado de Direito Democrático salvaguarda.
No caso em apreço, verifica-se que a sentença recorrida não deixou agora de fundamentar a necessidade de fiscalização da pena acessória de proibição de contacto com a vítima e afastamento da sua residência e local de trabalho através de meios técnicos de controlo à distância, ponderando e referenciando que, “tendo em conta as alíneas d), e) e f) a w) da matéria de facto provada, atento o comportamento agressivo e obsessivo do arguido para a vítima, aliado à circunstância de o arguido ser consumidor de produtos estupefacientes, bem como a comprovada prática de violência física do arguido para com a vítima  que o mesmo começou por negar, acabando por admitir posteriormente numa versão pouco espontânea e comprometida, determina que este Tribunal considere que é imprescindível para a proteção da vítima a fiscalização da pena acessória de proibição de contacto e afastamento da residência e local de trabalho da ofendida através de meios de técnicos de controlo à distância”.
Ao contrário do que sustenta o recorrente, a nova sentença já fundamenta, portanto, a necessidade de fiscalização da pena acessória através de meios técnicos de controlo à distância.
O recorrente discorda, aliás, no legítimo exercício de um direito, da implementação de meios técnicos de controlo à distância da pena acessória aplicada, mas esta divergência não torna a sentença nula, pois saber se a protecção da vítima reclama ou não a utilização dos meios técnicos de controlo à distância é questão que nada tem já a ver com a nulidade em análise.
Em suma, a sentença recorrida cumpre as exigências do artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não enfermando da nulidade prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma.

2.2. Do erro notório na apreciação da prova
Os vícios previstos nas três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação do prova – são defeitos estruturais da própria decisão penal, razão pela qual a lei exige que a sua demonstração resulte, exclusivamente, do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum.
No âmbito da revista alargada – comum designação do regime – o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, limitando a sua actuação à detecção dos vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, determina o reenvio do processo para novo julgamento. 
O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O apontado vício é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo relevar se for ostensivo, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”.
Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.
Assim balizado o vício, lida a decisão em crise, não vemos que nela tenha sido considerado provado um facto que, notoriamente, não pudesse ter acontecido, nem que tenha sido valorado um qualquer meio de prova ao arrepio de critério legal estabelecido ou que esta tenha sido valorada contra as regras da experiência comum.
A este respeito alega o recorrente que dos depoimentos não resulta qualquer tentativa de domínio, subjugação ou vivência de medo ou tensão, mas sim uma reciprocidade de agressões físicas e verbais de semelhante gravidade e intensidade, de idêntica censurabilidade, acrescentando que o tribunal recorrido violou o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, verificando-se erro notório da apreciação da prova.
Esta discordância já não tem a ver com o regime dos vícios da decisão, pois, a existir erro, ele não será notório, mas antes com o modo como o tribunal a quo valorou a prova produzida, ou seja, o uso que o tribunal recorrido fez do princípio da livre apreciação da prova.
Assim balizada a questão, ela nada tem a ver com o invocado vício, mas antes com a discordância do recorrente em relação a concretos aspectos da decisão proferida sobre a matéria de facto, discordância que pode ser sindicada nos termos da impugnação ampla da matéria de facto regulada, essencialmente, no artigo 412.º do Código de Processo Penal, o que o recorrente fez, pois manifestou o propósito de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto nestes termos.
Em conclusão, não se evidencia o vício de erro notório na apreciação da prova que o recorrente aponta à sentença recorrida.

2.3. Da impugnação ampla da matéria de facto
Nos termos do disposto no artigo 428.º os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
Uma vez que no caso em apreço houve documentação da prova produzida em audiência, com a respectiva gravação, pode este tribunal reapreciar em termos amplos a prova, nos termos dos artigos 412.º, n.º 3 e 431.º, b), ficando, todavia, o seu poder de cognição delimitado pelas conclusões da motivação do recorrente.
É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, no que se convencionou chamar de “revista alargada”, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, nºs 3, 4 e 6.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos àquela para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento([2]).
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412.º.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa([3]).

Justamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deve expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º 3, o seguinte:

«Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
A especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º).
Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º)([4]).
Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no artigo 127.º, ou seja, fora as excepções relativas a prova legal, assenta na livre convicção do julgador e nas regras da experiência, não podendo também esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite.
Como se tem entendido, a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.
São inúmeros os factores relevantes na apreciação da credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto directo com os depoentes na audiência.
Embora a reapreciação da matéria de facto, no que ao Tribunal da Relação se refere, esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção, deverá ela ter em conta que dos referidos princípios decorrem aspectos de relevância indiscutível (reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões) na valoração dos depoimentos pessoais que melhor são perceptíveis pela 1ª instância.
À Relação caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, não bastando, para eventual alteração, diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
Assim, se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”, sendo imperiosa a demonstração de que as provas indicadas impõe uma outra convicção.
A demonstração desta imposição recai sobre o recorrente que deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado([5]).
Torna-se necessário que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória mas o absoluto da imperatividade de uma diferente convicção.
Tudo isto vem para se dizer que o trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, se traduz fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado([6]).
O Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão([7]).
A utilização do termo “impor” no artigo 412.º do Código de Processo Penal “…revela que para o legislador essa alteração terá de ter um grau de exigência elevado, ou seja, que ela só ocorrerá se a prova invocada for suficientemente forte não só para colocar algumas dúvidas, mas para determinar sem lugar a dúvidas razoáveis uma decisão diferente. Se o tribunal de recurso concluir somente que as provas admitem outra solução não haverá lugar à alteração dos factos.”([8]).
Expostas estas breves considerações sobre o sentido e alcance da impugnação ampla da matéria de facto, assim como sobre os ónus impostos ao recorrente, passemos à análise do caso concreto.
O recorrente manifesta discordância sobre a matéria de facto por considerar que foram incorrectamente julgadas as alíneas e), g), h), i), k), l), m), p), q), t), u), v), w) e x) da matéria de facto provada e que o tribunal a quo devia ter dado como provado que a vítima recorreu a linguagem ofensiva na discussão de abril e que as agressões físicas e verbais eram recíprocas, de ambas as partes, quer iniciadas pelo arguido, quer iniciadas pela vítima.
Analisando a motivação e as conclusões constata-se que o recorrente não alega que a descrição que a sentença recorrida faz do conteúdo das declarações da ofendida/vítima e do arguido e dos depoimentos das testemunhas, assim como a análise que faz da prova pericial, não corresponde ao que, na realidade, disseram a ofendida/vítima, o arguido e as testemunhas, nem ao que consta daquela prova pericial.
O que o recorrente faz é coisa totalmente diversa.
O recorrente procedeu à transcrição parcial das suas declarações prestadas em audiência de julgamento, assim como transcreveu excertos das declarações da ofendida/vítima, para, a partir de tais elementos, conferir à prova produzida uma outra leitura, substituindo a sua própria convicção à convicção do tribunal a quo, concluindo não ter sido produzida em sede de audiência de julgamento prova suficiente para ter sido dada tal factualidade como provada, sem apontar em concreto um erro de julgamento, fazendo o ataque à decisão da matéria de facto pela via da credibilidade que o tribunal deu a estes meios de prova, o que se afigura irrelevante em termos de impugnação da matéria de facto.
Ao contrário do que por vezes se pensa, o recurso da matéria de facto não tem por finalidade, nem pode ser confundido, com a realização de um “novo julgamento” fundado numa nova convicção mas apenas apreciar a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal recorrido em relação aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados, com base na avaliação das provas que considera imporem uma decisão diversa.
Na verdade, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.
Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”([9]).
No mesmo sentido se pronuncia a jurisprudência dos tribunais superiores: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”([10]).
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida.
Na verdade, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”([11]).
Como resulta da leitura da decisão recorrida o tribunal a quo formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, analisada criticamente e segundo as regras da experiência comum, sendo essenciais, para a prova positiva dos factos impugnados, as declarações prestadas pela ofendida/vítima BB, a qual descreveu os factos de forma totalmente coerente e espontânea, não revelando qualquer postura incriminatória baseada na prévia memorização da acusação na medida em que referiu voluntariamente que na Rua ... não foi empurrada para fora do carro, mas saiu voluntariamente e escorregou, acabando por cair e sofrer os ferimentos descritos e analisados no relatório médico-legal junto a fls. 17 a 19 do apenso A – o que levou o tribunal a quo a dar tais factos como não provados (cfr. als. a) e b) dos factos não provados) – conjugadas com o depoimento da testemunha DD, agente da Polícia de Segurança Pública, o qual referiu que no dia 25 de Agosto de 2023 foi chamado à Rua ... por uma situação de violência doméstica, tendo então encontrado a ofendida chorosa e transtornada em consequência da conduta do arguido.
As declarações prestadas pelo arguido não têm a força probatória que o recorrente lhe empresta, pois não existe dispositivo legal que atribua força probatória plena às declarações do arguido, muito menos quando se trata de “confissão” de factos que lhe são favoráveis e não têm apoio em qualquer outro meio probatório, estando as suas declarações sujeitas ao critério geral da apreciação livre e motivada.
Não existe norma ou princípio que imponha a aceitação das declarações do arguido em bloco ou em todas as afirmações que profira, mormente na parte em que constituem puro subjectivismo e são infirmadas por outros meios de prova.
Ao invés, como resulta do critério da apreciação livre e motivada, deverá ser-lhe atribuída credibilidade quando o mereçam, o mesmo é dizer quando corroboradas por outros meios de prova, pelas regras da experiência comum e da lógica.
O juiz não é um mero depositário de declarações ou depoimentos que se limita a aceitar ou a recusar na sua globalidade, antes lhes cabe uma tarefa mais árdua que é a precisamente a de conseguir descobrir, em cada um deles, a parte que lhes merece crédito, ponderando de forma conjugada e crítica toda a prova produzida em audiência de julgamento com recurso às regras da experiência da vida e das coisas aferidas por critérios de razoabilidade.
A este respeito o tribunal a quo salientou que o arguido começou por admitir os insultos descritos na acusação, procurando no entanto convencer que os mesmos eram de parte a parte, acrescentando que inicialmente negou qualquer tipo de agressões contra a pessoa da ofendida, acabando depois por admitir que possa ter atingido a mesma pela forma descrita na acusação, mas procurando novamente convencer que as agressões foram mútuas.
Por isso o tribunal a quo concluiu que a versão do arguido surgiu de forma pouco espontânea e comprometida em nada tendo abalado a convicção formada com base nas declarações da ofendida/vítima.
Assim, sendo certo que o tribunal a quo alcançou a sua convicção ponderando de forma conjugada e crítica toda a prova produzida em audiência de julgamento, debalde se encontra no recurso em causa alegação que infirme a formação de tal convicção, sendo que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e outra é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, posto que o recurso da matéria de facto deve incidir sobre provas que imponham decisão diversa e não simplesmente sobre provas que permitam decisão diferente.
Em conclusão, os meios de prova indicados pelo recorrente, como impondo decisão diferente tendo por objecto os sindicados pontos dos factos provados, assim como o pretendido aditamento à factualidade provada, são insusceptíveis de impor a pretendida modificação da matéria de facto, a qual se encontra plenamente suportada pela prova produzida na audiência de julgamento, valorada à luz do disposto no artigo 127.º do Código Penal.
Improcede, pois, a impugnação ampla da matéria de facto.

2.4. Da qualificação jurídica dos factos
Na decorrência da impugnação ampla da matéria de facto alega o recorrente que os factos praticados seriam reconduzidos ao crime de injúria, previsto e punido no art. 181.º do Código Penal, e ao crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido no art. 145.º, n.º 2 do Código Penal.
Como liminarmente se poderá concluir, resultando improcedente o recurso quanto à impugnação ampla da matéria de facto, mantendo-se os pontos de facto impugnados nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância, o mesmo terá que necessariamente improceder também no que se refere a esta pretensão.
Por conseguinte, uma vez que os factos provados preenchem o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, nºs 1, al. b) e 4 do Código Penal, já analisado na sentença recorrida, impunha-se a condenação do recorrente pela sua prática.
Improcede, portanto, esta questão.

2.5. Da medida da pena principal
Alega o recorrente que a pena aplicada de dois anos, suspensa na sua execução pelo prazo de dois anos, sujeita a regime de prova e subordinada ao cumprimento de deveres, peca por excessivamente elevada, desadequada e desproporcional, devendo aplicar-se uma pena substancialmente inferior próxima do limite mínimo.
A moldura penal abstractamente aplicável ao crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, por cuja prática foi o arguido  condenado é a de 1 a 5 anos de prisão.
A determinação da medida concreta da pena, dentro da referida moldura penal abstracta, faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais sejam, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal – sem esquecer que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – n.º 2 deste artigo.
A partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena no sentido de que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.
É este o critério da lei fundamental – artigo 18.º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995([12]).
No mesmo sentido se orienta o Supremo Tribunal de Justiça ao referir que «se, por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura legal –, a moldura da pena aplicável ao caso concreto (“moldura de prevenção”) há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente: entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social»([13]).
Dito de outro modo, face ao disposto nos artigos 71.º, n.º 1 e 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal, «logo se vê que o modelo de determinação da medida a pena é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de estabelecer o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.
Por conseguinte, constituem a culpa e a prevenção os dois termos do binómio com que importa contar para delineamento da medida da pena»([14]).
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa([15]), elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena que o artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República consagra([16]).
Revertendo ao caso dos autos, atentemos, agora, na medida concreta da pena principal que vem fixada em 2 anos de prisão.
Como ficou dito, a determinação da medida concreta da pena é feita em função das necessidades de prevenção e da culpa do agente (artigo 40.º, nºs 1 e 2 do Código Penal), reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.
A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – prevenção geral positiva ou de integração –, temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.
Para tanto, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal).
Nos termos da sentença recorrida, na operação de determinação da medida concreta da pena, o tribunal a quo considerou o grau de ilicitude da conduta do arguido, tendo em conta os efeitos da mesma na pessoa da ofendida, a elevada intensidade da culpa, atenta a modalidade de dolo directo com que o arguido actuou, as elevadíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir, sendo cada vez mais elevado o número de crimes de violência doméstica cometidos na sociedade portuguesa, a actual inserção social e profissional do arguido e a ausência de antecedentes criminais.
Dito isto.
O grau de ilicitude dos factos situa-se num patamar médio se tivermos em conta o período de tempo durante o qual se prolongou a conduta criminosa e o número de episódios de maus tratos ocorridos.
O arguido agiu, ao longo de todo o período de tempo em que desenvolveu a sua conduta, com dolo intenso e persistente, revelador de acentuada energia criminosa.
A violência doméstica é um fenómeno grave e preocupante como o evidenciam a cada passo os meios de comunicação social justificando uma particular intervenção político-criminal.
Os crimes praticados geram sentimentos de insegurança, justificando reforçadas necessidades de prevenção geral, quer de integração, quer de intimidação.
São, portanto, muito elevadas as exigências de prevenção geral.
No que respeita às exigências de prevenção especial fazem-se sentir, não tanto em face dos antecedentes criminais que inexistem, mas sobretudo pela sua personalidade demonstrada nos factos, pois o arguido não revelou qualquer atitude demonstrativa de ter interiorizado o desvalor da sua conduta e a necessidade da sua censura penal, apontando para uma personalidade pouco sensível à conformação com os valores tutelados pelas normas penais violadas.
- O arguido encontra-se actualmente inserido social e profissionalmente.
Assim, sobrepondo-se claramente as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral e não despiciendas as exigências de prevenção especial, a pena de 2 (dois) anos de prisão fixada pela 1ª instância, não merece censura, posto que plenamente suportada pela medida da culpa do arguido.
Improcede, portanto, esta questão.

2.6. Da fiscalização electrónica da pena acessória de proibição de contacto com a vítima
Aplicando ao arguido a pena acessória de proibição de contacto com a vítima BB, com afastamento da sua residência e local de trabalho, o tribunal a quo entendeu que o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
O arguido, não questionando a aplicação da pena acessória de proibição de contacto, insurge-se contra a sua fiscalização por meio de vigilância eletrónica, alegando que, como as agressões eram recíprocas, não se verificam interesses preponderantes que justifiquem a implementação dos meios técnico de controlo à distância, a avaliação de risco da vítima datada de 13/08/2024, nos termos do art. 34º-A da Lei n.º 112/2009 de 16 de Setembro, é de risco baixo, a vítima “não sinaliza sentimentos de insegurança ou de receio pelo comportamento do arguido” (pág. 5 do relatório de avaliação de risco da vítima), após a leitura de sentença não voltou a contactar a vítima, nem revela intenções de o fazer, e pretende refazer a sua vida longe da vítima, sem qualquer contacto com a mesma pelo que a implementação dos meios de controlo à distância não é imprescindível, nem necessária, tornando-se até, no caso em análise, desajustada e desproporcional.
É sabido que existe divergência jurisprudencial sobre a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto através de meios técnicos de controlo à distância, havendo uma posição que defende a necessidade de um juízo de imprescindibilidade para a protecção dos direitos da vítima, enquanto outra posição reconhece a aplicação automática desses meios de controlo.
Esta divergência reflecte uma tensão entre a necessidade de proteger a vítima que pode justificar medidas mais intrusivas e o direito do arguido à proporcionalidade e fundamentação, o que exige que o juiz explicite por que razão a fiscalização electrónica é imprescindível.
Sendo já conhecidos os argumentos num e noutro sentido, dir-se-á, brevitatis causa, pelas razões expendidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.03.2025, proferido no Processo n.º 75/23.4GCVLP.G1, em que o ora relator interveio na qualidade de adjunto, disponível in www.dgsi.pt., que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância (por ser uma medida que se traduz numa intromissão na esfera privada daqueles que por ela são afectados) não é automática e não decorre obrigatoriamente da aplicação da pena acessória.
No caso em apreço, como bem salienta o Exmo. PGA no seu esclarecido parecer, a protecção da vítima não reclama a utilização dos meios técnicos de controlo à distância, pois tal só se revelaria indispensável se o arguido persistisse em contactá-la, o que não tem sucedido.
Com efeito, não obstante os episódios de violência levados a cabo pelo arguido que justificam a aplicação da pena acessória de proibição de contacto com a vítima de forma a evitar comportamentos semelhantes, face ao actual comportamento do arguido não se afigura agora indispensável que tal pena acessória seja fiscalizada por meios técnicos, pois, de acordo com o relatório de avaliação de risco da vítima, o arguido verbaliza a intenção de não reatar a relação com a vítima, a vítima não sinaliza sentimentos de insegurança ou de receio pelo comportamento do arguido e a última avaliação de risco da vítima, datada de 13/08/2024, concluiu pela existência de um “risco baixo”.
Acresce que o tribunal a quo efectuou um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido, entendendo haver razões suficientes para crer que o mesmo não voltará a cometer factos semelhantes razão pela qual suspendeu a execução da pena.
Em conformidade, não se deve manter a imposição ao arguido dos meios técnicos de controlo à distância para fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima.
Procede, portanto, nesta parte, o recurso.
*
III – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA e, em consequência, revogar a sentença recorrida no segmento em que determina a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto com a vítima mediante meios técnicos de controlo à distância, mantendo-se quanto ao mais.
*
Recurso sem tributação, atenta a sua parcial procedência (artigo 513.º, n.º 1 do Código de Processo Penal).
*
(O acórdão foi processado em computador pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.º 2 do CPP)
*
Guimarães, 30.09.2025

Os Juízes Desembargadores
Fernando Chaves (Relator)
Cristina Xavier da Fonseca (1ª Adjunta) – com declaração de voto
Fátima Furtado (2ª Adjunta)

Declaração de voto.
No mesmo sentido em que já o fiz no acórdão anterior destes autos, entendo haver uma contradição do legislador entre a redacção do art. 152.º, n.º 5, do Código Penal e o art. 36.º, n.º 7, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (ambos alterados pela Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro):
- o primeiro impõe, além do mais, a fiscalização do cumprimento da pena acessória de proibição de contacto através de meios técnicos de controlo à distância; e
- o segundo prevê a desnecessidade de consentimento do arguido para o uso de tais meios desde que o juiz fundamente serem imprescindíveis para a protecção dos direitos da vítima.
Tal como foi já amplamente explicado num acórdão desta Relação, de 18 de Dezembro de 2024 (processo n.º 141/23.6GCVRL.G1), no qual fui adjunta, é meu entendimento que, perante a vinculação do art. 152.º, n.º 5, e a tendência para acentuar as medidas de prevenção da violência doméstica, não se mostram necessários nem o consentimento do arguido nem a especial fundamentação pelo Tribunal da aplicação dos meios de controlo à distância; portanto, tendo sido aplicada a proibição de contactos na sentença recorrida – segmento da sentença que está fora do âmbito do recurso interposto pelo arguido –, afigura-se-me imperativo que esta seja acompanhada de vigilância electrónica, pelo que voto vencida apenas quanto à sua revogação.
Cristina Xavier da Fonseca


[1] - Diploma a que se referem os demais preceitos legais citados sem menção de origem.
[2] - Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado, 10ª edição, pág. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recurso em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e segs.
[3] - Cfr. Acórdãos do STJ de 14/3/2007, de 23/5/2007 e de 3/7/2008, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[4] - Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, o Supremo Tribunal de Justiça veio fixar jurisprudência no sentido de bastar, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas – Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 3/2012, de 8/3, publicado no DR, I Série, de 18/4/2012.
[5] - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição, pág. 1122, nota 9.
[6] - Cfr. Acórdãos do STJ de 23/4/2009 e de 29/10/2009, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[7] - Cfr. Acórdãos do STJ de 15/7/2009, de 10/3/2010 e de 25/3/2010, disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[8] - Acórdão do STJ de 18/01/2018, proferido, em 2ª instância, no Proc.º. 563/14.3TABRG.S1 - 3ª Secção.
[9] - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24/3/2004, DR, II Série, n.º 129, de 2/6/2004.
[10] - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/3/2002, CJ, Ano XXVII, Tomo II, pág. 44; No mesmo sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 19/6/2002, 4/2/2004 e 16/11/2005, in www.dgsi.pt/jtrp.
[11] - Prof. Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, 1º volume, pág. 211.
[12] - Cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento, Sentido e Finalidade da Pena Criminal, 2001, págs. 104 a 111.
[13] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/1/2000, Processo n.º 1193/99.
[14] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/3/2001, CJ, ACSTJ, Ano IX, Tomo I, pág. 245.
[15] - O mínimo da pena, como já ficou dito, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, ou seja, nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados.
[16] - Cfr. Figueiredo Dias, ibidem, págs. 105 a 106.