Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ELISABETE COELHO DE MOURA ALVES | ||
| Descritores: | NASCENTES / FONTES ÁGUAS SUBTERRÂNEAS AQUISIÇÃO POR USUCAPIÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. Na apreciação do recurso, apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), pelo que se o facto impugnado for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, considerando naturalmente o objecto do próprio recurso, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto. 2. É distinta a classificação jurídica entre nascentes/fontes, por um lado, e águas subterrâneas (captadas através de um poço ou mina), por outro, como se evidencia desde logo dos artigos 1389º e segs, e dos artigos 1394º e segs. 3. As nascentes são as águas que afloram e correm à superfície (embora provenham do subsolo/e sejam alimentadas por veios de água subterrâneos). Por seu turno, as águas subterrâneas, porventura existentes num determinado prédio (as quais não aparecem no subsolo por geração espontânea), são todas as águas que se encontram abaixo da superfície do solo (veios subterrâneos/ massas de água, aquíferos), e para poderem ser exploradas têm que ser captadas através de poços ou minas, entre outros. 4. A aquisição por usucapião do direito de propriedade às águas subterrâneas existentes em prédio alheio, verificados que sejam todos os demais requisitos (tempo, posse e animus) pressupõe/e tem que ser acompanhada da construção/existência de obras visíveis e permanentes no prédio superior (que evidenciem a dita captação – como sejam minas/poços- e a posse dela como água subterrânea), o que conduz a que, dessa actuação possessória – captação e condução para prédio inferior- apenas pode derivar, verificados que sejam todos os requisitos necessários, a aquisição de um direito (de propriedade ou servidão) sobre as águas efectivamente exploradas e não um direito genérico e abstracto a todas as águas subterrâneas que potencialmente possam existir no prédio, e sobre as quais nenhum acto de posse se concretizou 5. Pese embora o direito de terceiros à propriedade sobre determinada água subterrânea/efectivamente captada em prédio alheio e conduzida em benefício daqueles, o proprietário desse prédio não fica inibido de explorar as (demais) águas subterrâneas que, eventualmente, existam no seu prédio, desde que dessa exploração não resulte prejuízo (por ex. desaparecimento ou diminuição do seu caudal pela afectação/desvio dos seus veios/massas de água, etc.) para a concreta exploração que os terceiros fazem da água subterrânea sobre a qual adquiriram o direito de propriedade ou servidão (cfr. n.1 do art. 1394º do C.C.). 6. Para tal, é necessário que o terceiro lesado, titular do direito, alegue e prove que uma determinada actuação exploratória de água pelo proprietário do prédio, causa, em concreto, um prejuízo real e efectivo ao seu direito na usufruição dessa água (por ex. porque em consequência daquela conduta foi afectado o veio que a alimenta e viu diminuído ou extinto o seu caudal), não bastando para tal que a referida exploração não cumpra eventuais exigências administrativas para a dita exploração. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório AA, casada, residente na Rua ..., ..., da freguesia ..., ... ..., BB, solteira, maior, e CC, solteira, maior, ambas residentes na Rua ..., ... ..., intentaram a presente Ação declarativa de Condenação sob a forma de Processo Comum contra DD e mulher EE, residentes na Rua ..., ..., da freguesia ..., ..., ..., peticionando que julgada procedente a acção: «A) Ser declarado que os Autores são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados nos artigos 2º e 3º; B) Ser declarado que os Autores são em conjunto os donos e proprietários da água que nasce ou é captada ou existe no subsolo do prédio identificado no artigo 1º, captação essa feita nos termos alegados nos artigos 5º a 20º, por usucapião; C) Quando assim se não entenda, ser declarado que os Autores são donos e legítimos proprietários da água que existe no subsolo do prédio identificado no artigo 1º; D) Ainda para a hipótese de não proceder o pedido formulado na supra alínea B), ser declarado que se encontra constituído por usucapião, um direito de servidão de águas a onerar o prédio identificado no artigo 1º em benefício dos prédios identificados nos artigos 2º e 3º, para rega e lima e para gastos domésticos dos prédios identificados nos artigos 2º e 3º, bem como a correspondente servidão de aqueduto, tudo conforme se alega nos artigos 5º a 20º; E) Serem os Réus condenados a reconhecer estes direitos dos Autores e a absterem-se de praticar qualquer ato que perturbe, impeça ou diminua o seu completo e livre exercício pelos Autores; F) Serem os Réus condenados a não realizar quaisquer furos de captação ou pesquisa a menos de 100 metros do local da nascente e da captação da água propriedade dos Autores e referido no artigo 7º. » As Autoras requereram que, como associados das mesmas Autoras, fossem Chamados à ação, nos termos do disposto nos artigos 316º e seguintes do CPC, os seguintes intervenientes: - HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA aberta por óbito de FF, representada pela cabeça-de-casal GG, residente na Travessa do ..., nº ...1, ... ...; - HH, residente na Travessa ..., ... ..., ...; - II, residente na Rua ..., ... ..., ...; - JJ, residente na Rua ..., ... ..., .... * Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, pugnando pela total improcedência da presente ação e em consequência pela absolvição dos mesmos Réus do pedido contra si formulado. Por Despacho sob a Refª ...71 foi admitida a intervenção principal provocada da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF, representada pela cabeça-de-casal GG, de HH, de II e de JJ. Por Requerimento sob a Refª ...25, os Intervenientes principais ora identificados, declararam associar-se aos Autores, aderindo, assim, à petição por estes apresentada, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts.º 312º e 313º do Código de Processo Civil. Os Réus, na sequência desse requerimento, deram por reproduzido o teor da sua contestação. No Apenso A, foi julgado totalmente procedente, por provado, o incidente de habilitação deduzido e, em consequência, foi declarado habilitado KK, melhor identificado nos autos, para prosseguir a causa como parte ativa, em substituição da 1.ª autora AA, com o fundamento de que por escritura de partilha em vida e conferência outorgada em 27 de outubro de 2021, a autora AA doou, ao requerente KK, o prédio identificado em 2. do requerimento inicial e da petição dos autos principais. * Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção procedente nos seguintes termos: «1.- A) Declarar que os Autores são donos e legítimos proprietários dos prédios identificados nos artigos 2º e 3º da Petição Inicial (PI); B) Declarar que os Autores são, em conjunto e por usucapião, os donos e proprietários da água que nasce ou é captada ou existe no subsolo do prédio identificado no artigo 1º da PI, captação essa feita nos termos alegados nos artigos 5º a 20º da mesma PI; E) Condenar os Réus a reconhecer estes direitos dos Autores e a absterem-se de praticar qualquer ato que perturbe, impeça ou diminua o seu completo e livre exercício pelos Autores; F) Condenar os Réus a não realizar quaisquer furos de captação ou pesquisa a menos de 100 metros do local da nascente e da captação da água propriedade dos Autores e referido no artigo 7º da PI; * 2.- Porém, para o caso de se vir a entender que os atos de posse e a constituição de direito não se compadecem com a aquisição, por usucapião, de um direito de propriedade de águas, este Tribunal, sem prescindir do acima decidido, decide, desde já e a título subsidiário, o seguinte: D) Declarar que os Autores são, em conjunto e por usucapião, titulares dum direito de servidão de águas, e dos acessórios direitos de servidão de presa e aqueduto, a onerar o prédio identificado no artigo 1º da PI em benefício dos prédios identificados nos artigos 2º e 3º da PI, para rega e lima e para gastos domésticos dos prédios descritos nesses artigos 2º e 3º; 3.- Fixar Custas, a título solidário, a cargo dos Réus DD DD e mulher EE, e fixar a taxa de justiça nos termos tabelares do Regulamento das Custas Processuais (cfr. artigos 527º/1,1ªparte,2,3, 528º/1, 529º/2, 530º/4 e 607º/6 todos do CPC); Notifique e Registe (artigo 153º/4 do CPC).» * Inconformados com a sentença final, dela recorreram os réus, formulando no termo da motivação as seguintes “conclusões”, que se transcrevem: […] ao) - Nos termos do artigo 41°, n." 2, alinea d) do D.L. n." 226-A/2007, de 31 de Maio, na pesquisa e execução de um poço ou furo deve ser observado um afastamento mínimo de 100 metros entre as captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea. ao) - A decisão do Tribunal a quo vai para além do que a lei impõe na medida em que proíbe os RR. de realizar quaisquer furos a menos de 100 metros da mina, independentemente de a captação ou pesquisa incidir sobre a mesma massa de água subterrânea ou não. ap) Aplicando ao caso dos autos o artigo 41°, n.º 2, alínea d) do D.L. n." 226¬A/2007, de 31 de Maio o Tribunal a quo não podia, sem mais, condenar os RR. a abster-se de realizar quaisquer furos a menos de 100 metros da mina. aq) - A manter-se a condenação, o que não se concebe, a mesma deveria determinar o seguinte: - Condenar os Réus a não realizar quaisquer furos de captação ou pesquisa de água de uma mesma massa de água subterrânea a menos de 100 metros do local da nascente e da captação de água propriedade dos AA. e referido artigo 7° da petição inicial. ar) - A decisão do Tribunal a quo violou assim o disposto no artigo 410, n.? 2, alínea d) do D.L. n,? 226-A/2007, de 31 de Maio. Nestes termos, e nos demais que Vossas Excelências doutamente suprirão será feita Justiça.» * Foram apresentadas contra-alegações pelos autores, onde concluíram nos seguintes termos (transcrição): […] O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. Objecto do recurso As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso ou relativas à qualificação jurídica dos factos, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b) e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.). * Face às conclusões das alegações de recurso, as questões a decidir são as seguintes: a) Saber se se mostram verificados os requisitos de ordem formal e substancial para a apreciação da impugnação da matéria de facto. b) Aferir se a decisão de mérito deve ser alterada e em que termos, designadamente, quanto ao direito dos RR. a explorar as águas subterrâneas existentes no seu prédio e limites dessa exploração. * III – Fundamentação fáctica. A factualidade consignada na decisão da 1ª instância é a seguinte (transcrição): Estão provados os seguintes factos: A) Da PETIÇÃO INICIAL sob a Refª ...37 1º - Os Réus são donos e legítimos proprietários do seguinte imóvel: - Prédio rústico, denominado “...” sito em ..., freguesia ..., inscrito na matriz sob o art. º 1158 da União de Freguesias ..., ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Apelações em processo comum e especial (2013) Predial de ... sob o número trezentos e setenta e um e aí inscrito e registado em favor dos Réus nos termos da inscrição Ap. ...98 de 2012/05/11, a confrontar a norte com caminho público e LL, a nascente com caminho público, a sul com MM, e a poente com NN. 2º - KK é dono e legítimo proprietário do seguinte imóvel: - Prédio Rústico composto por um campo de lavradio, a confrontar a norte, sul e nascente com caminho e a poente com CC e BB, sito no lugar ..., da União de Freguesias ... e ... (...), concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...61º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...52/..., e aí inscrito e registado em favor da 1ª Autora nos termos da inscrição Ap. ...9 de 2016/01/04. 3º - As 2ªs Autoras são donas e legítimas proprietárias do seguinte imóvel: - Prédio Rústico, de ramada e pinhal, a confrontar a norte e sul com caminho, a nascente com OO e a poente com PP, sito no lugar ..., da União de Freguesias ... e ... (...), concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...65º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19/..., e aí inscrito e registado em favor das 2ªs Autoras nos termos da inscrição Ap. ...5 de 2007/09/10. 4º - Os citados prédios estão respetivamente registados em favor de KK na aludida Conservatória, e em favor das 2ªs Autoras nos termos da inscrição Ap. ...5 de 2007/09/10. 5º - Situado na extrema sul do terreno que integra o imóvel descrito no artigo 2º, existe um tanque em cimento e pedra para represar água. 6º - Situado na extrema sul do terreno que integra o imóvel descrito no artigo 3º que é contiguo ao imóvel descrito no artigo 2º, existe também um tanque em cimento e pedra também para represar água. 7º - No prédio identificado no artigo 1º nasce e é captada uma água, numa mina, a cerca de 90 metros a sul dos terrenos descritos nos artigos 2º e 3º. Apelações em processo comum e especial (2013) 8º - Esta água é conduzida por vala, no interior da referida mina, no sentido sul-norte, em direção aos prédios descritos nos artigos 2º e 3º durante cerca de quinze metros. 9º - Posteriormente, essa mesma água segue por canalização subterrânea, no mesmo sentido sul-norte, sai da mina e prossegue entubada até desembocar numa caixa de vigia e distribuição, situada a cerca de 40 metros dos prédios identificados nos artigos 2º e 3º. 10º - Nessa mesma caixa de vigia/distribuição, a água é dividida, através de caixa com duas saídas com tubos de diâmetros diferentes. 11º - Esses tubos seguem depois subterraneamente e desembocam cada um deles, respetivamente, nos tanques referidos nos artigos 5º e 6º. 12º - A caixa de vigia/distribuição referida nos artigos 9º e 10º é erigida em argolas de cimento, com cobertura provida de tampa com cadeado, sendo que a cerca de 30 metros desta caixa de vigia existe uma outra caixa em argolas de cimento que se encontra coberta por tampa, servindo de estrutura de guarda ao óculo da mina referida no artigo 8º que naquele local apresenta escavação e galeria no subsolo. 13º - Desde tempos imemoriais as águas identificadas no artigo 7º eram e são distribuídas conforme o direito adquirido por usos e costumes, sendo que os anteproprietários dos terrenos referidos no artigo 2º tinham direito a dois dias e meio de água por semana, e ao anteproprietário do terreno referido no artigo 3º cabiam os restantes quatro dias e meio. 14º - Posteriormente, os anteproprietários dessas águas, em tempo que não é possível precisar, mas seguramente há mais de 40 anos, de modo a facilitar essa distribuição projetaram e construíram aquela mencionada caixa de vigia para divisão das águas, aplicando os tubos de diferentes diâmetros de modo a que proporcionalmente fossem conduzidas para os respetivos tanques as águas equivalentes a 2,5 dias e 4,5 dias, respetivamente. 15º - O tubo de menor diâmetro, equivalente a 2,5 dias de utilização é conduzido para o tanque no terreno referido no artigo 2º, e o tubo de maior diâmetro equivalente a 4,5 dias de utilização é conduzido para o tanque no terreno referido no artigo 3º. 16º - As águas represadas no tanque situado no terreno referido no artigo 2º servem para regar e limar esse terreno, sendo que parte dessa água, mesmo antes de chegar ao Apelações em processo comum e especial (2013) referido tanque, é derivada e depois conduzida por tubo subterrâneo no sentido sul/norte para 2 habitações onde é utilizada para uso e gastos domésticos. 17º - As suprarreferidas habitações pertencem à Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de FF, representada pela cabeça-de-casal GG, residente na Travessa ..., ... .... 18º - As águas represadas no tanque situado no terreno referido no artigo 3º servem para regar e limar esse terreno, e parte dessa água, mesmo antes de chegar ao tanque é derivada e conduzida por tubo subterrâneo no sentido sul/norte para a habitação de HH, residente na Travessa ..., ... ..., ..., onde é utilizada para uso e gastos domésticos. 19º - Parte das águas represadas no tanque situado no terreno referido no artigo 3º segue também depois entubada para a residência de II, residente na Rua ..., ... ..., ..., onde é utilizada para uso e gastos domésticos. 20º - Também parte das águas represadas no tanque situado no terreno referido no artigo 3º segue também depois entubada para o terreno de JJ, residente na Rua ..., ... ..., ..., onde é utilizada para regar e limar esse terreno. 21º - A mina, a vala e as caixas de vigia e divisão referidas nos artigos 5º a 20º, bem como os tanques e os terminais dos tubos subterrâneos juntos do tanque e derivações, nos terrenos dos Autores, constituem obra visível “a olho nu” e permanente que revelam a captação, condução e utilização da referida água. 22º - Há mais de 5, 10, 15, 20 e 30 anos, os Autores, por si e antepossuidores, encontramse na usufruição de toda a água que nasce e é captada no prédio referido no artigo 1º, por forma contínua, ininterrupta e reiterada, com ciência e paciência gerais, por forma a exercer sobre a mesma um direito real máximo de propriedade em seu único e exclusivo proveito e interesse. 23º - A usufruição de toda essa água nos termos expostos nos artigos 5º a 18º, é feita para fins agrícolas e para gastos domésticos. Apelações em processo comum e especial (2013) 24º - Há mais de 5, 10, 15 e 30 anos, as casas das pessoas mencionadas nos artigos 17º, 18º, 19º e 20º dispõem da dita água para gastos domésticos. 26º - Os Autores utilizam a água através da referida nascente, caixas de vigia/distribuição e tanques com as mesmas condições de continuidade, pacificidade e publicidade descritas no artigo 22º, com a convicção de exercerem sobre o prédio referido em 1º um direito de servidão de presa (pela mina de captação e presa) e de aqueduto (pela canalização subterrânea, em beneficio dos seus prédios identificados nos artigos 2º e 3º). 27º e 28º - A posse dos Autores e antepossuidores foi sempre exercida com o ânimo, a vontade e o espírito de a exercerem sobre a água que nasce e é captada no prédio referido no artigo 1º, sempre dispondo da mesma sem qualquer limitação quanto ao seu uso e fins. 34º - Os Réus são donos/proprietários do terreno identificado no artigo 1º, onde nasce e é captada a água das Autoras. 35º- No dia 6 de Novembro de 2017, os Réus procederam à abertura de quatro furos de pesquisa de águas, realizada a cerca de 30 metros do supra-indicado local da nascente das águas que são da propriedade das Autoras. 36º - Com a realização desses furos, os Réus pretendiam (e pretendem) descortinar e descobrir qual o local mais propício para efetuar um furo, ou mais, de captação de águas de forma a retirar, e captar, na totalidade a água dos Autores e desviar ou secar a nascente referida no artigo 7º. 37º - Esta mesma intenção já foi ouvida por várias pessoas “da boca” do Réu marido. 38º - No dia da realização das pesquisas, a ex-1ª Autora efetuou queixa junto da GNR – Núcleo de Proteção Ambiental. 39º - Os Autores sabem que os Réus vão continuar a efetuar furos de captação e pesquisa e só vão parar quando finalmente conseguirem captar e secar as águas que são da propriedade dos mesmos Autores. Foi dada como não provada a seguinte factualidade: B) Da CONTESTAÇÃO sob a Refª ...00 Apelações em processo comum e especial (2013) 13º - A água existente nos poços descritos nos artigos 5º e 6º da PI não tem origem no prédio propriedade dos Réus, sendo que as estruturas invocadas pelos Autores estão obsoletas e desativadas, e foram construídas em tempos pelos anteproprietários dos Réus para escoamento de águas. 15º - Encontra-se assinalada com placa com escrito manual fora do prédio dos Réus a existência duma alegada nascente. 16º - Desde há mais de 20, 30 e 40 anos, tal água não possui qualquer caudal. 17º - Mesmo em períodos de maior pluviosidade, a água é extremamente escassa, correspondendo a um fio de água idêntico à espessura dum lápis. 18º e 19º - É de todo impossível que a aludida água seja distribuída por vários prédios e que sirva para rega, lima e gastos domésticos. 31º - A eventual realização de obras de captação de água no prédio dos Réus nunca seria suscetível de afetar captações doutros utilizadores. 34º - Os Réus são titulares dum furo artesiano no seu prédio registado na ARH desde 2012 a menos de 100 metros das estruturas invocadas na petição inicial e nunca tal direito à exploração resultante de tal furo foi posto em causa pelos Autores ou por terceiros. 37º - O local em questão é objeto de massas de água diversas e com camadas subterrâneas de rocha e estratos geológicos porosos também diferentes e permeáveis com vista ao escoamento e captação de águas subterrâneas.» * IV. Fundamentação:i. Da impugnação da matéria de facto. Nas suas alegações e com expressa indicação nas conclusões, vieram os apelantes insurgir-se quanto à prova da factualidade inserta nos pontos 7., 22., 23., 34., 36., 37., e 39. dos factos provados ( correspondentes aos mesmos artigos da PI), pugnando pela sua não prova ou irrelevância para a causa (os últimos dois), e quanto aos factos não Apelações em processo comum e especial (2013) provados aí indicados pelos artigos da contestação sob 34º e 37º, que aduzem dever ser dados como provados. Para tal e discriminando por grupos de factos (em função de se reportarem à mesma realidade factual) fazem apelo ao teor das perícias e aos depoimentos testemunhais prestados e que indicam, com referencia à sessão de julgamento em que foram prestados, início e final do seu depoimento, bem como ao momento temporal a partir do qual consideram relevantes esses depoimentos e cujos excertos transcrevem em anexo, com referência ao momento temporal em que foram prestados. Os apelados, nas suas contra-alegações, sustentam que a impugnação não é admissível por falta de requisitos, designadamente, por não ter sido indicado, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento em que se funda o seu recurso, pois os recorrentes limitam-se a indicar onde alegadamente começa o depoimento da testemunha e transcrevem, em anexo às alegações de recurso, vários depoimentos. Vejamos: Diz-nos o artigo 640º do CPC, quanto aos requisitos da impugnação da matéria de facto, que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)» Apelações em processo comum e especial (2013) Como tem vindo a ser entendido, na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, impondo-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto, e, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Nessa conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c), implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, só se justifica tal sanção, nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte de forma grave o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso[1]. Reportando à situação dos autos, resulta evidenciado do teor das alegações de recurso e com todo o respeito, que esta peça não prima pela perfeição quanto ao cumprimento dos ónus referidos, designadamente, quanto aos ditos ónus secundários. Todavia, pese embora os apelantes não tenham dado estrito cumprimento ao ónus de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso no corpo das alegações, indicaram as sessões e o início e termo de cada um dos depoimentos, bem como o momento temporal a partir do qual os consideravam relevantes, juntando, é certo, em anexo, a transcrição dos excertos desses depoimentos com o início e o fim das referidas passagens da gravação. Não constituindo essa, uma prática correcta, porquanto tudo deve constar do corpo das respectivas alegações e não de transcrições anexas, a verdade é que tal irregularidade, a nosso ver, não coloca, nem colocou em causa o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso, maxime face ao que já constava do corpo das alegações, sendo de considerar, atentos os princípios da proporcionalidade e razoabilidade referidos, bem como a indicação dos pontos impugnados, resposta pretendida e meios de prova (cuja eventual deficiência na análise crítica que se impunha poderá ter consequências tão só quanto ao mérito da impugnação), entendemos que se mostram minimamente verificados os requisitos de impugnação. Posto isto, vejamos se mostram cumpridos os demais requisitos para que se possa e deva conhecer da impugnação deduzida: É sabido que os recursos visam a reapreciação de decisões proferidas de acordo com a sindicância que delas seja feita pelo recorrente nas alegações e sobretudo na síntese que do expendido no seu corpo, faça, nas respectivas conclusões. Pois são estas, conclusões, que fixam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento por parte do tribunal ad quem, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), 3º, n.1 e 5º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil (C.P.C.). O recorrente deve alegar e concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (cfr. 639º n.1 do CPC). E, como salienta Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed.ª págs. 156 «Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado (…)» Tal delimitação objectiva do recurso é fundamental, desde logo porque, como resulta do disposto, para além do mais, no n.5 do artigo 635º do C.P.C., a não impugnação da decisão proferida pelo tribunal a quo relativa a determinada questão, implica, que, nessa parte, se tenha verificado caso julgado formal e que o tribunal ad quem fique impedido de se pronunciar sobre essa matéria. Destarte, na apreciação do recurso, apenas se impõe tomar posição sobre as questões que sejam processualmente pertinentes/relevantes (suscetíveis de influir na decisão da causa), pelo que se o facto impugnado for irrelevante para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, considerando naturalmente o objecto do próprio recurso, não há qualquer utilidade naquela impugnação da matéria de facto, pois o resultado a que se chegar (provado ou não provado) será sempre inócuo. O que significa também, que nas situações em que a apreciação factual requerida, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, não possa ter qualquer influência sobre a decisão da causa (no âmbito da sindicância que dela vem feita), o tribunal ad quem não deve proceder à sua reapreciação, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser, à partida, inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.). Tal constatação decorre também da própria finalidade da reapreciação da matéria de facto, a qual não constitui um fim em si mesma, mas o meio para atingir determinado objectivo, que é a alteração da decisão da causa na parte com a qual o apelante expressou não se conformar. Em suma, a alteração da matéria de facto apenas tem sentido e justificação quando possa ter um efeito juridicamente relevante na decisão recorrida. Pelo que, sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um acto absolutamente inútil. [2] Feitos estes considerandos, que se nos revelaram pertinentes a uma melhor percepção do que infra será decidido, passemos à análise da impugnação factual feita pelos réus, de molde a aferir se a apreciação dos factos impugnados se mostra útil e necessária, considerando as circunstâncias próprias do caso e o objecto da apelação e, caso se conclua afirmativamente, se a mesma tem fundamento. Vejamos então, Como se evidencia da sua alegação na petição inicial e pedidos nesta formulados, através da presente acção os autores visam, em primeira linha, que lhes seja reconhecido, em conjunto, a aquisição do direito de propriedade, por usucapião, sobre as águas que nascem/brotam e são captadas numa mina existente no prédio dos RR e conduzidas subterraneamente até desembocar numa caixa de vigia/ distribuição onde a água é dividida, através de uma caixa com duas saídas com tubos de diâmetro diferente, seguindo depois, cada um deles, para os prédios dos AA. e aí represadas em tanques, usufruindo dessa água para diversos fins. E, reconhecido este direito (ou subsidiariamente de servidão de águas), peticionam que os RR. sejam condenados a abster-se de praticar qualquer acto que perturbe, impeça ou diminua o seu completo e livre exercício pelos autores, bem como a não realizar quaisquer furos de captação ou pesquisa de água a menos de 100 metros do local da nascente e captação da água pelos autores. Como começámos por referir os RR. impugnam diversos factos dados como provados, e começando pelos factos 7 e 34, aduzem que a prova produzida não é suficiente, no seu entender, para se concluir que a água nasce no topo da mina e que, por isso, a água nasça no prédio dos RR. Desde já adiantamos que não lhes assiste razão, e por várias razões, senão vejamos: Estes factos têm a seguinte redacção: 7. « No prédio identificado no artigo 1º nasce e é captada uma água, numa mina, a cerca de 90 metros a sul dos terrenos descritos nos artigos 2º e 3º.» 34. « Os Réus são donos/proprietários do terreno identificado no artigo 1º, onde nasce e é captada a água das Autoras.» O segmento sobre o qual se insurgem é a expressão “nasce”. Como se evidencia, quer dos restantes factos provados (não impugnados), quer dos fundamentos do recurso quanto à alteração da decisão por estes pretendida, os recorrentes não colocam em causa no recurso que a água subterrânea captada na mina situada no seu prédio é conduzida para os prédios dos AA. e usufruída por estes para os mais diversos fins. O dissenso é tão só quanto ao “nascimento” da água na mina (onde é captada) e por isso, no seu prédio. Lidos os fundamentos pelos quais pedem a alteração desses factos resulta evidenciado, a nosso ver e com todo o respeito, que existe alguma confusão dos apelantes, seja quanto ao ónus que se lhe impõe na impugnação, seja quanto à substância do que alegam. Quanto ao primeiro, não basta divergir da convicção firmada pelo tribunal (aliás, ao abrigo da livre valoração da prova) e apresentar a sua própria convicção sobre a prova produzida, antes se impõe ao recorrente que explicite e concretize, através de um juízo crítico e analítico, quais os concretos meios de prova que colocam em causa a convicção firmada pelo tribunal a quo e apontam em direcção diversa, delimitando uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, mormente por esta padecer de imprecisões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação e/ou de um erro de apreciação, mormente por decorrer desses meios de prova uma realidade factual distinta da que foi acolhida pelo tribunal recorrido. Não o cumpriram, todavia, pois o que se verifica é que se limitam a afirmar que a prova produzida quanto a essa matéria (factos 7 e 34), na valoração que dela fazem, é insuficiente para dar como provados os factos, limitando-se a discorrer sobre os depoimentos prestados que a confirmaram e de outros, testemunhas QQ e RR, que não desceram à mina e de cujas considerações teóricas sobre a distinção entre nascente e mina, pretendem, diga-se, sem sucesso, retirar a falta de prova daqueles factos, tanto mais quando se depreende do depoimento prestado pela testemunha QQ que a referência a “nasce” na mina não é carecido de sentido, pois, como explicou esta testemunha, a manifestação de saída da água quando se transfere dos poros de material geológico para o exterior e sendo semelhante à que ocorre à superfície naquilo que é qualificado como uma nascente, diz-se que “nasce”. Sustentam ainda a alegada falta de prova no facto de o perito mineiro que efectuou a 2ª perícia realizada nos autos, ter-se limitado a referir que a água nasce no topo da mina, sem mais acrescentar. Esquecem os apelantes, que a realização da perícia por um perito mineiro se destinou precisamente a colmatar a insuficiência da primeira perícia quanto a saber se a água nasce/brota na mina e que segundo o perito que a realizou – vide relatório de fls. 126 e segs.- apenas poderia obter confirmação através de um perito mineiro que descesse à mina. Ora, foi exactamente no âmbito dessa segunda perícia, após descida à mina e realização de diversos testes, como se evidencia dos esclarecimentos prestados a fls. 206, que o perito mineiro respondeu expressamente que: «a água em causa nos presentes autos, nasce no topo da mina», sem que os recorrentes logrem apresentar qualquer fundamento ou meio de prova susceptível de colocar em causa o juízo especializado e técnico do perito. Aliás, em momento algum os RR. alegam que as águas subterrâneas em questão brotam e são captadas em outro prédio que não o seu, não colocando em causa que a mina se situa no seu prédio! Mas mais, como começámos por salientar, está em causa na acção saber se os autores são proprietários das águas subterrâneas que nascem e são captadas na mina existente no prédio dos RR., por terem adquirido esse direito por usucapião. Apesar de ser distinta a classificação jurídica entre nascentes/fontes, por um lado, e águas subterrâneas (captadas através de um poço ou mina), por outro, como se evidencia desde logo dos artigos 1389º e segs, e dos artigos 1394º e segs., todos do Código Civil, julgamos existir alguma confusão na alegação dos apelantes quanto aos conceitos indicados, sua categorização e regime, e que é transversal à própria acção e decisão. É inquestionável que as nascentes são as águas que afloram e correm à superfície (embora provenham do subsolo/e sejam alimentadas por veios de água subterrâneos). Por seu turno, as águas subterrâneas, porventura existentes num determinado prédio (as quais não aparecem no subsolo por geração espontânea), são todas as águas que se encontram abaixo da superfície do solo (veios subterrâneos/ massas de água, aquíferos[3]), e para poderem ser exploradas têm que ser captadas através de poços ou minas, entre outros. Daí o regime de cada uma delas ser previsto em normas diferentes no nosso Código civil, como se evidencia dos artigos 1386º a 1396º. Como referem Pires de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., págs. 320 «todas as águas ou provêm do subsolo ou provêm das chuvas. Quando se põe um problema de águas e se pretende previamente fixar a natureza delas, tem de se considerar a água tal qual ela se apresenta como objecto da respectiva relação jurídica. Se a água já veio à superfície quando é objecto da relação ou do facto jurídico, trata-se duma fonte ou nascente ou duma corrente do domínio púbico; se se discute o direito de captar águas subterrâneas, estamos então sob a alçada do artigo 450.°(código de 1867) do Código Civil». (negrito nosso) Ou seja, como aí se salienta, a fls. 319 «As águas subterrâneas, enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária, por lei ou por negócio jurídico, constituem, uma parte componente do respectivo prédio, nos termos e dentro dos limites fixados pelo artigo 1344º do C.C.[4]» Nessa medida, prescreve o artigo 1394º do C.C., no seu n. 1, que: «1. É lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo. (…)» (negrito nosso) E, prosseguem aqueles ilustres professores: «E à semelhança do que sucede com as águas de nascentes e fontes, face à remissão feita no n.1 do artigo 1395º do C.C., também quanto às águas subterrâneas a lei admite a dupla situação que prevê em relação àquelas no n.° 1 do artigo 1390º. Tanto se pode ter constituído a favor de terceiro um direito de propriedade sobre a água no caso de ele ter o pleno domínio desta, como um simples direito de servidão na hipótese de o aproveitamento da água se limitar às necessidades do prédio (dominante). Entre os títulos de aquisição abrangidos pela remissão legal, figura a usucapião, que só será atendida, nos termos do n.o 2 do artigo 1390º, quando for acompanhada da construção de obras visíveis e permanentes. Ainda, porém, que a lei o não exigisse, nunca a usucapião poderia, neste caso, ser considerada atendível sem a realização de obras no prédio superior, pois só com obras nesse prédio é possível a captação da água e, consequentemente, a posse dela como água subterrânea (Henrique Mesquita, Lições, pág. 220, nota 2).» (negrito nosso) Explicando elucidativamente, dizem ainda aqueles professores, que não obstante as águas subterrâneas poderem ser adquiridas por qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade, deve entender-se, que os títulos de aquisição só podem valer em relação a águas subterrâneas devidamente individualizadas, sob pena de a desintegração dominial se mostrar impossível, uma vez que o direito de propriedade, como todo o direito real pressupõe um objecto certo. Em suma, do acabado de expor, conclui-se, que a aquisição por usucapião do direito de propriedade às águas subterrâneas existentes em prédio alheio, verificados que sejam todos os demais requisitos (tempo, posse e animus) pressupõe/e tem que ser acompanhada da construção/existência de obras visíveis e permanentes no prédio superior (que evidenciem a dita captação – como sejam minas/poços- e a posse dela como água subterrânea), o que conduz a que, dessa actuação possessória – captação e condução para prédio inferior- apenas pode derivar, verificados que sejam todos os requisitos necessários, a aquisição de um direito (de propriedade ou servidão) sobre as águas efectivamente exploradas e não um direito genérico e abstracto a todas as águas subterrâneas que potencialmente possam existir no prédio, e sobre as quais nenhum acto de posse se concretizou! Destarte e constituindo as águas subterrâneas (enquanto não forem desintegradas da propriedade superficiária) uma parte componente do prédio, resulta também evidenciado no artigo 1394º n.1 do C.C., que no âmbito do seu direito de propriedade sobre o prédio e seus componentes, tem o seu proprietário direito a neste procurar águas subterrâneas por meio de poços, minas ou quaisquer escavações e a captar as águas subterrâneas que neste existam. Todavia, com uma limitação: «contanto que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo». A liberdade de exploração das águas subterrâneas pelo proprietário do prédio tem, assim, que ser conciliada com os interesses dos terceiros que adquiriram direitos que se mostrem directamente afectados por essa exploração. Podemos então concluir que, pese embora o direito de terceiros à propriedade sobre determinada água subterrânea/efectivamente captada em prédio alheio e conduzida em benefício daqueles, o proprietário desse prédio não fica inibido de explorar as (demais) águas subterrâneas que, eventualmente, existam no seu prédio, desde que dessa exploração não resulte prejuízo (por ex. desaparecimento ou diminuição do seu caudal pela afectação/desvio dos seus veios/massas de água, etc.) para a concreta exploração que os terceiros fazem da água subterrânea sobre a qual adquiriram o direito de propriedade ou servidão (cfr. n.1 do art. 1394º do C.C.). Aqui chegados e considerando tudo o que se deixou exposto, resulta evidenciado que a referência nos factos provados ao nascimento da água no prédio dos RR. para além de não se confundir com nascente (como vimos) é absolutamente inócua, já que o que releva é a captação que no prédio dos RR se faz da água subterrânea que através da mina aí brota/nasce e é conduzida para o prédio dos AA. Sendo que a referência a nascer/brotar na mina, é também consistente com a realidade, porquanto, para que seja captada naquele local, a água tem que provir/brotar/nascer no poço/ou mina, para sua posterior condução e aproveitamento para outro prédio. Em suma a redacção destes pontos mantém-se nos seus precisos termos. Posto isto, pretendem também os apelantes a alteração dos factos 22º e 23º para não provados, na medida em que a redacção dos mesmos, em seu entender, vai além do objecto do processo, ao permitir, face à sua abrangência, uma leitura sobre a fruição da água pelos autores relativamente a todo o prédio dos RR e não apenas sobre a água proveniente da mina. Estes factos provados têm a seguinte redacção: «22º - Há mais de 5, 10, 15, 20 e 30 anos, os Autores, por si e antepossuidores, encontram-se na usufruição de toda a água que nasce e é captada no prédio referido no artigo 1º, por forma contínua, ininterrupta e reiterada, com ciência e paciência gerais, por forma a exercer sobre a mesma um direito real máximo de propriedade em seu único e exclusivo proveito e interesse. 23º - A usufruição de toda essa água nos termos expostos nos artigos 5º a 18º, é feita para fins agrícolas e para gastos domésticos.» (negrito nosso) A primeira nota que se impõe sobre a impugnação destes factos é a de que, como se alcança da alegação dos apelantes feita no recurso e dos fundamentos quanto aos meios de prova que convocam, estes não colocam em causa a factualidade inserta nesses pontos no que se refere ao tempo, ou ao modo de usufruição pelos AA. e seus antecessores, da água captada no prédio dos RR. através da mina aí existente e à sua condução para os prédios dos AA nos termos expostos nos artigos 5. a 18. (aliás, essa matéria não é sequer mencionada na fundamentação probatória da impugnação). Em consonância, lido o recurso, verifica-se que os apelantes também não colocam em causa, seja o enquadramento jurídico dos factos feito na decisão quanto à aquisição, por aquisição, do peticionado direito de propriedade dos autores sobre as ditas águas, seja o segmento decisório que o reconheceu (pois como ressalta das respectivas conclusões, o pedido de alteração/anulação da decisão que é feito no recurso restringe-se ao segmento decisório da sentença – al. F)- que condenou os RR/recorrentes a não realizar quaisquer furos de captação ou pesquisa a menos de 100 metros do local da nascente e da captação da água propriedade dos Autores – conclusões na) a ar). Ou seja, a sindicância que os apelantes fazem dos factos indicados nos pontos 22. e 23. e, por consequência, no reflexo que possam ter no reconhecimento às AA. do direito de propriedade sobre as águas, não obstante a impugnação total que deles fazem, reside tão só e apenas na referência aí feita a “toda a água” que nasce e é captada no prédio dos RR, e que dada a sua amplitude, sustentam poder trazer equívocos quanto à definição do direito das AA., abarcando águas existentes no subsolo do prédio dos RR. que nada tenham a ver com aquela que é captada na referida mina, sendo que só sobre esta é que incidiram os depoimentos prestados. Assiste-lhes razão quanto a essa questão. Mas já não, como se evidencia do que referimos, quanto à pretensão de dar integralmente como não provados, ambos os factos. Na verdade, e como referido, para além de no recurso não ter sido colocado em causa o enquadramento jurídico da factualidade aí inserta (quanto ao tempo da posse, actos e modo da posse sobre a água e animus) e do segmento decisório da sentença que reconheceu aos AA. a aquisição originária, por usucapião, da propriedade da água, que não constituindo fundamento e objecto do recurso, impede a sua reapreciação nesta sede (cfr. n.5 do artigo 635º do CPC), verifica-se, outrossim, que os apelantes não se pronunciaram sobre essa factualidade, nem identificaram qualquer meio de prova que a infirmasse, com a ressalva, já referida, no que se refere ao segmento desses factos onde se lê “toda a água” do prédio. De facto, esse segmento dos factos em análise, dada a sua amplitude e falta de clareza na concretização da “água” que aí está em causa, pode trazer equívocos quanto à abrangência do direito de propriedade que lhes foi reconhecido na decorrência dos factos dados como provados, justificando-se por isso a rectificação da sua redacção. Tanto mais quando, como se evidencia dos factos alegados na PI -artigos 7º e segs., 13º, 21º, 26º e 40º da PI (não obstante alguma dispersão da alegação) - e pedido que as AA. formulam sob a alínea B) e que veio a obter procedência na sentença, a causa de pedir invocada quanto à aquisição do direito de propriedade, reporta-se à aquisição por usucapião (em pedido principal) da água que nasce, deriva e é captada na mina situada no prédios dos RR e depois conduzida para o prédio das autoras e não outra, o que, aliás, é consonante com o pedido também formulado na PI, quanto à condenação dos RR. a não realizarem furos de captação ou pesquisa no seu prédio a menos de 100m do local da nascente e captação da água dos AA referida no facto 7. (pedido formulado em F), e que sempre seria incompatível e contraditório com qualquer pretenso direito à água subterrânea eventualmente existente em todo o prédio dos RR). E, sendo certo que na parte dispositiva da sentença, no segmento condenatório indicado sob a al. B), na sua parte final, se refere o modo de captação da água cuja propriedade é aí reconhecida aos autores, como o sendo nos termos alegados nos artigos 5º a 20º da PI (correspondentes aos factos provados em 5 a 20, onde é descrito o local e modo de captação e condução das águas que aqui estão em causa), não é menos certo, que o segmento inicial dessa condenação – sob a alínea B), ao decidir «Declarar que os AA. são, em conjunto e por usucapião, os donos e proprietários da água que nasce ou é captada ou existe no subsolo do prédio identificado no artigo 1º da PI, captação essa feita nos termos alegados nos artigos 5º a 20º da mesma PI” (negrito nosso), não é absolutamente claro e preciso quanto à extensão do direito dos AA. sobre as águas captadas no prédio dos RR., podendo dar lugar a interpretações equívocas, como bem salientam os apelantes, sobre a abrangência daquele direito, de todo dispensável. Sendo certo que, como bem referem os apelantes, os depoimentos prestados pelas testemunhas (vide SS, TT, UU e VV) circunscreveram-se ao uso da água captada na mina situada no prédio dos RR, sua condução para os prédios das AA., e utilização para diversos fins e não de qualquer outra água daquele prédio. Nessa medida e tendo presente, conforme acima referido, que a aquisição do direito à água subterrânea de um prédio por um terceiro, tem que estar devidamente individualizada e concretizada, e que a aquisição do direito à posse da totalidade da água subterrânea, eventual ou potencialmente existente no prédio dos RR., nunca seria usucapível por falta dos requisitos da aparência e permanência, pressupostos no artigo 1390º n.2 ex vi 1395º n.1, do Código Civil.[5] , julgamos pertinente e justificada a impugnação deduzida pelos apelantes no que se refere à dita expressão, importando por isso conferir uma redacção aos factos em análise (e também, ao referido segmento decisório) mais clara e precisa quanto à abrangência dos referidos actos de posse e do direito reconhecido. Assim, a redacção dos factos provados em 22. e 23., passará a ser a seguinte: «22º - Há mais de 5, 10, 15, 20 e 30 anos, os Autores, por si e antepossuidores, encontram-se na usufruição de toda a água que nasce e é captada na mina identificada no facto 7., situada no prédio referido no artigo 1º, e conduzida para os prédios identificados nos pontos 2 e 3, de forma contínua, ininterrupta e reiterada, por forma a exercer sobre a mesma um direito real de propriedade em seu único e exclusivo proveito e interesse. 23º - A usufruição de toda essa água nos termos expostos nos artigos 5º a 18º, é feita para fins agrícolas e para gastos domésticos.». E, em conformidade do que ficou exposto, altera-se a redacção do dispositivo da sentença, no que se refere à sua al. B), que passará a ler-se: «B) Declarar que os Autores são, em conjunto e por usucapião, os proprietários da água que nasce e é captada na mina identificada no facto 7., situada no prédio referido no artigo 1º, captação essa feita nos termos alegados nos factos provados em 5º a 20º.» Os apelantes insurgem-se, também, quanto à prova dos factos indicados nos pontos 36. 37. e 39. (que consideram irrelevantes para a decisão da causa), e quanto à não prova do facto indicado em 37. da contestação (e a que foi atribuído o mesmo n.º no elenco de factos não provados). Estes factos provados têm a seguinte redacção: « 36º - Com a realização desses furos, os Réus pretendiam (e pretendem) descortinar e descobrir qual o local mais propício para efetuar um furo, ou mais, de captação de águas de forma a retirar, e captar, na totalidade a água dos Autores e desviar ou secar a nascente referida no artigo 7º. 37º - Esta mesma intenção já foi ouvida por várias pessoas “da boca” do Réu marido. 39º - Os Autores sabem que os Réus vão continuar a efetuar furos de captação e pesquisa e só vão parar quando finalmente conseguirem captar e secar as águas que são da propriedade dos mesmos Autores.» (negrito nosso) Tais “factos” provados, como se anuncia do seu teor (36 e 37), reportam-se às supostas intenções dos RR. na abertura dos furos de pesquisa de águas no seu prédio, a que se reporta o facto indicado no ponto 35. (não impugnado) e suposto conhecimento dos AA. da intenção daqueles (39) e dos quais, se bem vemos, não foi extraída pelos autores qualquer consequência em termos fácticos quanto à afectação do seu direito ao uso pleno da água que brota e é captada na mina, como também não o foi na decisão recorrida, nem, saliente-se, o podia alguma vez ser, apenas com base nos mesmos. Como referimos, o que está em causa na presente acção, é o reconhecimento da propriedade, por via da sua aquisição por usucapião, das águas subterrâneas do prédio dos RR que brotam e são captadas através da mina aí existente e depois conduzidas para o prédio dos autores. Como se salienta no Ac. STJ de 06/07/2001, processo 02B421, in www.dgsi.pt «A não ser que desintegradas, por lei ou por negócio jurídico, da propriedade da superfície, as águas subterrâneas constituem, nos termos e limites estabelecidos no art.1344º, parte componente do prédio em que corram ou se encontrem estancadas (arts. 1305º, 1344º, 1348º, 1386º, nº1º, al. b) e 1394º, do C.C.). Estipula o artº 1394º, nº 1, do Código Civil que: “É lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo”, acrescentando o nº 2 que: “Sem prejuízo do disposto no artº 1396º, a diminuição do caudal de qualquer água pública ou particular, em consequência da exploração de água subterrânea, não constitui violação de direitos de terceiros, excepto se a captação se fizer por meio de infiltrações provocadas e não naturais”. Subjacente ao disposto no artigo 1394º, n. 1, do C. Civil (já que apenas o n.1 releva para a situação em apreciação, uma vez que a limitação prevista no n.2 se reporta a prejuízos causados por desvio das águas que se encontrem ou passem em prédio vizinho – superior-, à superfície ou no sub-solo [6]), está o princípio geral da livre exploração pelo proprietário do prédio, das águas subterrâneas que neste existam (veios que naturalmente atravessam o prédio, que nele se acham estagnadas ou armazenadas, ou as que nele se infiltrem naturalmente[7]), qualificadas pela lei como coisas imóveis (cfr. 204º n.1 al. b) do C.C.), desde que não prejudique os direitos que terceiro haja adquirido, por justo título, sobre águas captadas nesse prédio. Como lapidarmente se escreveu no Ac. do STJ de 1.06.2017, processo 38/14.0TBPCR.G1.S1, in www.dgsi.pt «À luz do disposto no artigo 1394º é, por conseguinte, lícita a captação de águas subterrâneas, seja por meio de poços ordinários ou artesianos, seja por meio de minas ou quaisquer escavações, a não ser que afecte os direitos que terceiro haja adquirido por justo título (nº 1) – situação que se verifica quando ocorre a desintegração das águas do domínio do prédio e a aquisição do direito às mesmas por terceiro, com base em qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões (nº 1 do artigo 1390º do Código Civil) – ou que a captação seja feita por meio de infiltrações provocadas não naturais (nº 2).» Donde, a afirmação do prejuízo de direitos de terceiro, exige e pressupõe a alegação e prova (pelo lesado) de factos dos quais decorra a afectação do seu direito, e, bem assim, em termos de causalidade efectiva e não de mera probabilidade, uma relação de causa/efeito entre a exploração de água/e/ou sua captação pelo proprietário do prédio (concretamente verificada) e a ocorrência do prejuízo quanto ao exercício do seu direito (ou seja, que da exploração levada a cabo pelo proprietário no seu prédio resultou uma diminuição – ou mesmo extinção- do caudal da água subterrânea da mina, de que são proprietários. Postos estes considerandos, resulta claro dos autos, que os AA. não invocaram na acção quaisquer factos concretos dos quais decorra a existência de um qualquer prejuízo que tenha ocorrido para o seu direito de propriedade sobre as águas subterrâneas que brotam e são captadas na mina existente no prédio dos RR., como também não alegaram qualquer facticidade que permita evidenciar que os furos de pesquisa de água que os RR. realizaram no seu prédio (vide facto 35) tiveram, como consequência, qualquer afectação do seu direito à usufruição plena daquela concreta água da mina de que são proprietários. Na verdade, lida a petição inicial, verifica-se que a alegação destes (cfr. artigos 36º a 39º da PI) se reconduz a meras suposições acerca das “intenções” dos RR., pressupostas pelos autores, quanto à finalidade subjacente à abertura que os RR fizeram no seu prédio de furos de pesquisa de água subterrânea e à alegação, com todo o respeito, manifestamente conclusiva e sem qualquer substrato factual, de que «a conduta dos RR. ofende os direitos de posse e propriedade dos autores sobre as águas.». Tal alegação, de meras intenções pressupostas na actuação dos RR, ou mesmo alegadamente veiculadas, acabou por vir a ser acolhida, diga-se, acriticamente, no elenco de factos dados como provados – pontos 36, 37 e 39- , sem que, contudo, e como decorre do exposto, das afirmações de intencionalidade aí contidas se possa extrair qualquer consequência útil quanto ao objecto da acção e decisão da causa, não sendo despiciendo referir a este propósito, que nenhum pedido em concreto foi formulado com base nas mesmas. Em suma, os “factos” impugnados, alinhados nos pontos 36, 37 e 39, não têm qualquer relevância jurídica quanto à decisão da causa, pelo que face à sua inocuidade, não há qualquer utilidade seja na sua impugnação, seja na aferição por este tribunal de recurso, do fundamento da mesma, razão pela qual não se procede à sua apreciação. A constatação da sua inutilidade estende-se também ao facto dado como não provado em 37º e que os apelantes pugnam para que seja dado como provado. Este facto tem a seguinte redacção: «37º - O local em questão é objeto de massas de água diversas e com camadas subterrâneas de rocha e estratos geológicos porosos também diferentes e permeáveis com vista ao escoamento e captação de águas subterrâneas.». A alegação deste facto, feita na contestação dos RR., visou demonstrar que no prédio dos RR existem outras massas de água sobre as quais os AA. não tem quaisquer direitos e que os RR. como proprietários do prédio têm a liberdade de explorar. Como se evidencia de tudo o que acima ficou exposto, tal facto, para além de a sua não prova não significar o inverso, é absolutamente inócuo ao destino da causa. Porquanto, como referido supra, o reconhecimento aos autores do direito à propriedade (por usucapião) das águas subterrâneas captadas na mina situada no prédio dos RR., circunscreve-se à água sobre a qual existe a posse, ou seja, à água que brota e é captada na mina e depois conduzida para os seus prédios, e não outra, mantendo-se o direito dos proprietários do prédio, ora réus, a explorar livremente as águas do mesmo, desde que não prejudiquem os direitos que tenham sido validamente adquiridos sobre águas do mesmo e, no caso, desde que com tal exploração não prejudiquem o direito dos AA. às águas subterrâneas captadas na mina (por ex. afectando os veios de água que a alimentam, diminuindo ou extinguindo o seu caudal), como decorre do n.1 do artigo 1394º do C.C. Em suma a relevância da existência de outras massas de água (que poderão existir no prédio) apenas se colocaria no âmbito de uma acção de responsabilidade civil pelo prejuízo decorrente da violação do dito normativo, ou mais precisamente, se os AA tivessem alegado factos concretos dos quais decorresse que os RR, com a sua conduta exploratória, tivessem causado prejuízos concretos ao seu direito à água captada na mina, resultantes da dita exploração, o que, como acima ficou referido, não ocorre. Pelo que, na senda do que ficou referido, dada a sua inutilidade e inocuidade, fica prejudicado o seu conhecimento nesta sede. Por último, pretendem os apelantes que se dê como provado o facto contido no artigo 34º dos factos não provados: Este facto tem a seguinte redacção: « 34º - Os Réus são titulares dum furo artesiano no seu prédio registado na ARH desde 2012 a menos de 100 metros das estruturas invocadas na petição inicial e nunca tal direito à exploração resultante de tal furo foi posto em causa pelos Autores ou por terceiros.» Este facto foi alegado pelos RR. na contestação, e para a sua prova os RR. convocam o relatório pericial junto aos autos em 23.06.2019 e os documentos da APA (Agencia Portuguesa do Ambiente), juntos aos autos. Na decisão proferida, não poderemos deixar de o dizer, à semelhança do que ocorre quanto aos restantes factos impugnados acima indicados e que este tribunal não apreciou dada a sua inutilidade para o objecto da causa e decisão do recurso, o tribunal recorrido não explicou de forma concretizada, relativamente a cada um deles, o juízo crítico e valorativo da prova em que assentou a sua convicção, limitando-se a considerações genéricas sobre a prova produzida no seu todo e ao seu reflexo na tese aventada pelos AA ou dos RR. sem a sua devida concretização (situação da qual este tribunal não retirou outras consequências, dada a inutilidade desses factos para a decisão da causa, considerando o objecto da apelação, e que prejudica também o conhecimento da alegada inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 205º da CRP, sustentada na divergência entre a prova invocada e os factos que o tribunal deu como provados e não provados, e que, diga-se, sempre estaria votada à sua improcedência, uma vez que a eventual existência de erro na apreciação das provas, contradição ou qualquer deficiência, tem a sua sede própria no artigo 662º do C.P.C. e não em qualquer inconstitucionalidade na interpretação da norma que fixa os requisitos da sentença, omissão essa que se estende a este facto. Mas, mais uma vez, e se bem vemos, nos situamos no âmbito de factualidade que é inócua ao resultado final do processo, sobre o qual, a sua prova ou não prova, não tem qualquer reflexo ou influência, o que, como já salientado, conduz a que este tribunal se abstenha de apreciar a sua impugnação (cfr. artigo 130º do CPC). E, sendo certo, por um lado, que a resposta negativa dada a este facto não significa o seu inverso, e, por outro, que os elementos de prova existentes nos autos (seja as informações da APA – fls. 86- seja o teor do relatório pericial – 128 vs.-) apontem para a existência do furo, embora não permitam a afirmação segura da sua distância à mina de captação (não foi feito, e bem, qualquer levantamento topográfico para o atestar e do qual o perito fez depender a confirmação das distâncias), a verdade é que a prova ou não prova desse facto é/ e era, absolutamente irrelevante para a decisão da causa, cujo objecto e pedidos formulados são alheios à sua existência, e que apenas foi trazida à lide na contestação dos RR., para evidenciar o seu direito à livre exploração das águas subterrâneas existentes no seu prédio e a afirmação de que os afastamentos previstos no Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio não são imperativos e são da competência das administrações hidrográficas. É certo que um dos pedidos formulados na acção, que veio a obter procedência na decisão recorrida e contra a qual os apelantes se insurgem no recurso – vide conclusões an) a ar) – é o da condenação dos RR, a não realizar quaisquer furos de captação ou pesquisa a menos de 100metros do local da nascente e captação da água dos autores referida na PI. Todavia, esse pedido nenhuma relação tem com o furo artesiano referido no ponto 34., e cuja prova da sua existência não é susceptível de impedir, modificar ou extinguir o alegado direito dos AA. a que os RR não realizem furos de captação ou pesquisa a menos de 100metros do local da nascente. Esta é, como nos parece evidente, uma questão meramente de direito e de interpretação das normas jurídicas que disciplinam e regem esta matéria e que passaremos a apreciar de seguida, considerando que tal segmento do decisório vem colocado em causa na apelação (no âmbito da matéria de direito). Aqui chegados, e com a ressalva da alteração da redacção conferida aos factos provados nos pontos 22 e 23, mantém-se, no mais, a matéria de facto da sentença relativa aos factos impugnados e cuja apreciação, por inútil, este tribunal se absteve de realizar. ii. Posto isto e considerando o âmbito do recurso fixado nas suas conclusões, passemos à análise do mérito do decisório que aí vem colocado em causa e que como decorre das suas conclusões, incide sobre o segmento da parte dispositiva da decisão que condenou os RR, nos seguintes termos: «F) Condenar os Réus a não realizar quaisquer furos de captação ou pesquisa a menos de 100 metros do local da nascente e da captação da água propriedade dos Autores e referido no artigo 7º da PI; » Como fundamento da sua alteração os apelantes sustentam que a decisão vai além do que a lei impõe, uma vez que proíbe os RR de realizar furos a menos de 100 metros da mina, independentemente de a captação ou pesquisa incidir sobre a mesma massa de água subterrânea ou não. Na decisão recorrida para fundamentar a condenação dos RR. nesse pedido escreveu-se: «A conduta dos Réus, supradada como provada, ofende os direitos de posse e propriedade dos Autores sobre as águas, sendo que os mesmos Réus estavam impedidos de proceder à abertura de furos de pesquisa a menos de 100 metros do local da nascente e da captação de água propriedade dos Autores. Está vedado, neste caso aos Réus, executar obras de “captação de águas subterrâneas, qualquer que seja a sua finalidade”, a uma distância inferior ao afastamento mínimo de “100 metros entre as captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea” - cfr. artigo 41º, nº 1, e nº 2º,alínea d), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio – Regime da Utilização dos Recursos Hídricos.» Como decorre de tudo o que acima já ficou exposto, não podemos subscrever as conclusões do tribunal recorrido, nem a consequência que delas foi retirada. Concretizemos: Lida a petição inicial verifica-se que a dedução de tal pedido decorre da alegação feita por estes de que a abertura de furos pelos RR. para pesquisa de águas subterrâneas no seu terreno, a menos de 30 metros da mina onde nasce e é captada a água dos AA (dado como provado em 35), ofende os seus direitos “de posse e propriedade” sobre as águas, considerando o que dispõe o artigo 41º n.1 e 2 al. d) do Dec. Lei nº 226-A/2007 de 31 de Maio. O D.L. nº 226-A/2007 de 31 de Maio veio estabelecer um novo regime sobre as utilizações dos recursos hídricos e respectivos títulos, prescrevendo no seu artigo 41º n.1 e 2 al. d), sob a epigrafe “pesquisa e captação de águas subterrâneas”, que: « 1 - A captação de águas subterrâneas, qualquer que seja a sua finalidade, compreende as seguintes fases: (…) 2 - A pesquisa e a execução do poço ou furo estão sujeitas aos seguintes requisitos: (…) d) É observado um afastamento mínimo de 100m entre as captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea, podendo, quando tecnicamente fundamentado, a ARH definir um limite diferente. (…) Como julgamos evidenciado da mera leitura do dispositivo em referência, para além de a distância aí assinalada ter como pressuposto a mesma massa de água subterrânea e não ser vinculativa (como resulta da parte final da al. d) – o que bastaria por si só, para infirmar a bondade daquela condenação-, os requisitos aí previstos são exigências administrativas no âmbito da concessão das licenças, autorizações e atribuição do título de utilização dos recursos hídricos pelas entidades administrativas (cfr. art. 10º n.1 al. d). De facto, como antes afirmámos, o princípio da livre exploração das águas subterrâneas pelo proprietário do prédio, de harmonia com o estabelecido no mencionado artigo 1394º do C.C., tem apenas como limites as restrições estabelecidas na lei (cfr. 1394, n.1 segmento final e 1396º) maxime o direito que terceiro haja adquirido validamente sobre determinadas águas subterrâneas desse prédio e cujo exercício não pode ser prejudicado e tem de ser compatibilizado com o direito do proprietário do prédio à sua livre exploração. Para tal, é necessário que o terceiro lesado, titular do direito, alegue e prove que uma determinada actuação exploratória de água pelo proprietário do prédio, causa, em concreto, um prejuízo real e efectivo ao seu direito na usufruição dessa água (por ex. porque em consequência daquela conduta foi afectado o veio que a alimenta e viu diminuído ou extinto o seu caudal), não bastando para tal que a referida exploração não cumpra eventuais exigências administrativas para a dita exploração. Nessa medida e como elucidativamente se referiu no Ac. do STJ de 1.06.2017, processo 38/14.0TBPCR.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt «não cumpre sindicar nestes autos o cumprimento pelos réus das exigências administrativas aplicáveis à captação de águas no que diz respeito, nomeadamente, à observância ou inobservância dos requisitos a que estão sujeitos a pesquisa e a execução de poço ou furo previstas no nº 2 do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, diploma que veio reformular o regime de utilização dos recursos hídricos na sequência da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro (Lei da Água), que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro (Directiva Quadro da Água), e estabeleceu as bases para a gestão sustentável das águas e o quadro institucional para o respectivo sector, assente no princípio da região hidrográfica como unidade principal de planeamento e gestão, tal como imposto pela mencionada directiva. E tal aplica-se, concretamente, à exigência de um afastamento mínimo de 100m entre as captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea, limite que, quando tecnicamente fundamentado, pode ser diferentemente definido pela administração hidrográfica territorialmente competente, abreviadamente designada por ARH, cabendo às autoridades administrativas competentes assegurar e vigiar o cumprimento desta e das demais exigências prescritas neste âmbito.». Em suma, carece de fundamento legal a condenação dos réus feita na sentença proferida pelo tribunal a quo, e mais concretamente na alínea E) da parte dispositiva, «a não realizar quaisquer furos de captação ou pesquisa a menos de 100 metros do local da nascente e da captação da água propriedade dos Autores e referido no artigo 7º da PI. », a qual será revogada nessa parte, procedendo quanto a essa questão o recurso apresentado. Aqui chegados e em sede conclusiva, o recurso mostra-se parcialmente procedente, impondo-se a revogação da decisão recorrida no que se refere à al. F) do dispositivo, bem como a alteração da redacção da sua al.B), nos termos acima indicados, devendo ainda ter-se por não escrito o segmento decisório da sentença, aí indicado sob o n. 2 al. D), relativo ao pedido subsidiário formulado pelos AA – direito de servidão sobre as ditas águas/e de aqueduto - considerando que o seu conhecimento, face ao disposto no artigo 554º n. 1 do CPC, se mostrava prejudicado pela procedência do pedido principal – direito de propriedade das autoras sobre as águas subterrâneas captadas na mina situada no prédio dos RR.- e que, por isso, não poderá constar do dispositivo da decisão. * V. Decisão Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelos réus, em consequência do que se decide: - revogar a sentença no que se refere à condenação dos RR. nos termos indicados na al. F) do dispositivo, do qual se absolvem; - alterar a redacção da al.B) do dispositivo, que passará a ter a seguinte redacção: «B) Declarar que os Autores são, em conjunto e por usucapião, os proprietários da água que nasce e é captada na mina identificada no facto 7., situada no prédio referido no artigo 1º, captação essa feita nos termos alegados nos factos provados em 5º a 20º.». - eliminar o segmento decisório da sentença, aí indicado sob o n. 2 al. D), relativo ao pedido subsidiário formulado pelos AA. Mantendo-se, no mais, o que foi decidido em primeira instância. Custas do recurso pelos Apelantes e pelos Apelados, na proporção do respetivo decaimento (Art.º 527º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), que se fixa em 1/4 do valor tributário do recurso para os Apelantes e 3/4 para os apelados. Guimarães, 9 de Outubro, de 2025 Elisabete Coelho de Moura Alves Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes Paula Ribas [1] Como se salienta no sumário do acórdão do STJ de 21.03.2019, processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2, in www.dgsi.pt [2] Como se salienta no Ac. RL de 11.05.2023, processo 8312/19.3T8ALM.L1-2, in www.dgsi.pt [3] Cfr. artigo 4º da Lei 58/2005 de 29.12 (Lei da Água). [4] Diz-nos o artigo 1344º « 1. A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico. (…)» [5] A propósito vide Pires de Lima e Antunes Varela, na anotação feita ao artigo 1395º do C.C., in Código Civil anotado vol. III, 2ª ed. [6] A propósito vide Ac. STJ de 1.06.2017, processo 38/14.0TBPCR.G1.S1, in www.dgsi.pt [7] Cfr. ob. citada na nota anterior, págs. 324. |