Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | PAULO ALMEIDA CUNHA | ||
| Descritores: | RECUSA DE JUIZ DE JULGAMENTO ANULAÇÃO DE SENTENÇA EXTEMPORANEIDADE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | INCIDENTE DE RECUSA | ||
| Decisão: | REJEITADO | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
| Sumário: | I – Perante a previsão de termos finais inultrapassáveis como a sentença e a decisão instrutória, impõe-se concluir que o prazo para a dedução da recusa de juiz é um prazo peremptório e que o respectivo decurso extingue o direito de praticar o acto. II – Se o juiz recusado já proferiu uma sentença sobre o mérito da causa antes da dedução do incidente de recusa e os factos invocados como fundamento da recusa tiveram lugar e foram conhecidos pelo invocante precisamente após o início da audiência que precedeu a prolação da referida sentença, já não é possível deduzir o incidente de recusa de juiz com fundamento naqueles factos III – A tal não obsta a circunstância de a referida sentença ter sido anulada pelo tribunal superior com fundamento na preterição do regime da alteração não substancial dos factos e de ter sido determinada a elaboração de nova sentença. após a pertinente reabertura da audiência. IV - Este regresso parcial do processo à fase de julgamento em primeira instância não faz renascer o direito de recusa que se tinha extinguido na esfera do arguido relativamente aos factos invocados como fundamento da recusa que tiveram lugar e foram conhecidos pelo invocante precisamente após o início da audiência que precedeu a prolação da primeira sentença. V – O arguido continua a ter o direito de recusar o juiz de julgamento até à nova sentença que vier a ser proferida em cumprimento da decisão do tribunal superior, mas apenas o poderá fazer com fundamento em novos factos que tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após a prolação da primeira sentença. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO 1. No âmbito do processo n.º 211/23.0GBBCL, pendente no Juízo Local de Barcelos (Juiz ...), o arguido AA, com os demais sinais dos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e seguintes do Código do Processo Penal (CPP), deduzir incidente de recusa do Exmo. Senhor Juiz Direito Dr. BB. Para tanto, alega que (transcrição): “(…) Dispõe o 43º, n.º 1 e 3, no que aqui interessa no presente requerimento, que a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, podendo a recusa ser requerida pelo Ministério Público, pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis. As disposições estatuídas no citado art. 43º, correspondem à salvaguarda da exigência de imparcialidade do Tribunal, exigência essa que decorre expressamente da Constituição da República Portuguesa, encontrando-se também previsto o direito a que uma causa seja decidida por um tribunal imparcial na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 62º, n.º 1). Como é referido no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/03, “Uma das exigências do sistema de justiça é o da garantia objectiva da imparcialidade dos juízes, inerentes à sua independência, instrumento indispensável do princípio fundamental, com assento constitucional, da independência dos Tribunais (cfr. art. 203º da Constituição da República Portuguesa e ainda art. 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem). Ora, no caso apreço, é entendimento do aqui requerente existir motivo, sério e grave, gerador de desconfiança sobre imparcialidade do Mmo. Juiz, face à sua atitude no decurso das anteriores audiências de discussão e julgamento que tiveram lugar nos presentes autos, onde foi manifestamente hostil ao aqui requerente, teve um comportamento antipático, falando sempre de voz grossa e exaltado, sempre contra a defesa, fazendo inclusivamente repreensões ao advogado de defesa em tom de ameaça, quando este interrogava as testemunhas de acusação. O mesmo fez com o requerente quando respondia às questões da advogada da parte contrária. Isto o Mmo. Juiz nunca fez com a advogada ou as testemunhas da parte contrária. Mostrou desprezo e desconsideração para com requerente e com o meu advogado. A forma intimidatória como se dirigiu ao aqui requerente e interrompeu as respetivas declarações, visou, no seu entendimento, perturbar aquelas, gerando confusão no raciocínio, assim condicionando as mesmas, com objetivo de evitar que fosse produzida a prova da defesa, por já ter um pré-juízo quando a culpabilidade do acusado. A técnica de interrogatório musculado, autoritária e exaltada, em tom de indignação, em que interrompeu o requerente para afirmar que este disse o que não disse, servia para intimidar, condicionar e procurar a contradição. O Mmo. Juiz usou esta técnica com o requerente e com a sua, na altura, esposa, nunca o tendo feito com as testemunhas da parte contrária ou de acusação. A falta de respeito pelo requerente foi ao ponto de opinar sobre o entendimento deste sobre palavras como “contactar”, “falar” ou “drogada” que no meu entendimento, e no entendimento de toda a gente, menos do Mmo. Juiz, serve para caracterizar as pessoas que são dependentes de drogas como é indesmentivelmente o caso da auto apelidada vítima. No entendimento do requerente a forma como conduziu o julgamento não foi isenta, condicionou a livre produção da prova da defesa e por isso no meu entendimento é demonstrativo que a decisão já estava intimamente tomada antes do início do julgamento. É razão para dizer que foi um linchamento, “apresenta-me a pessoa que eu apresento-te o crime”. O Mmo. Juiz não foi isento, não o era antes do julgamento e muito menos o irá ser no futuro, na reabertura da audiência de discussão e julgamento determinada pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, tendo em conta o que se vem de referir e por ter demonstrado ser uma pessoa que acredita nas suas capacidades de fazer juízos de valor antes mesmo de ver produzida a prova e de possuir uma infalibilidade de apreciação, o que não me assegura um julgamento justo e isento. Ora, as suas decisões e intervenções no decurso do julgamento que agora é reaberto, põem em causa o exercício dos direitos de defesa do aqui arguido e a verdade material e a realização de justiça. Deve ser recusado todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos. (…)”. 2. O Senhor Magistrado Judicial visado neste incidente pronunciou-se sobre esta pretensão e respondeu o seguinte (transcrição): “(…) Em primeiro lugar importa dizer que, na nossa modesta opinião, o requerimento de recusa apresentado pelo arguido é manifestamente intempestivo, face ao disposto no artigo 44.º, do Código de Processo Penal, uma vez que os factos invocados como seu fundamento reportam-se à audiência de julgamento realizada nos autos e, como tal, deveria ter sido apresentado até sentença proferida em 1.ª instância, o que não aconteceu. Em segundo lugar, o signatário pretende deixar claro que não conhece, nem tem qualquer relação familiar ou social, de amizade ou de inimizade, com o arguido, com a assistente, ou com os demais sujeitos processuais ou quaisquer outros intervenientes nos autos. Finalmente, cumpre referir que o signatário procurou conduzir a audiência de julgamento, como sempre faz, em estrito cumprimento das regras processuais especialmente previstas para esse efeito nos artigos 321.º e seguintes do Código de Processo Penal, conduta que está documentada nos autos e pode ser sindicada por esse Tribunal superior. (…)”. 3. Após ter sido notificado para o efeito, o Ilustre Mandatário do requerente veio ratificar o requerimento de recusa de juiz em apreço que se encontrava exclusivamente subscrito pelo arguido. 4. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. * II – FUNDAMENTAÇÃO A. Considerações gerais 1. O presente incidente versa a matéria da suspeição sobre o juiz em processo penal. O sistema legal de escusas e recusas visa tutelar o princípio da imparcialidade objectiva do juiz e decorre directamente da garantia fundamental do processo criminal de estrutura acusatória que assegura todas as garantias de defesa ao arguido (art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República). Desde logo, a Lei Fundamental pretende assegurar que a entidade que julga não tenha funções de investigação e acusação, para assim garantir que os arguidos tenham um julgamento independente e imparcial (Vide Eduardo Correia, “Processo Criminal”, lições policopiadas, curso do 5.º ano jurídico de 1954/1955, p. 15; Castanheira Neves, “Sumários de Processo Criminal”, pp. 33-34; Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, vol. I, Coimbra, 1981, pp. 136-137; Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, 2.º, Lisboa, 1986, p. 219). Tal garantia decorre também da força vinculativa da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art. 6.º, n.º 1, da CEHD, e art. 16.º, n.º 1, da CRP). Para que haja um julgamento independente e imparcial, necessário é que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade. A independência vocacional do juiz, ou seja, «a decisão de cada juiz de, ao “dizer o direito”, o fazer sempre esforçando-se por se manter alheio – e acima – de influências exteriores é, assim, o seu punctum saliens. A independência, nessa perspectiva, é, sobretudo, uma responsabilidade que terá a “dimensão” ou a “densidade” da fortaleza de ânimo, do carácter e da personalidade moral de cada juiz» (Vide Ac. TC 135/88, DR II Série, 8.9.1988). Mas o legislador ordinário está obrigado a erigir um quadro legal que promova e facilite aquela “independência vocacional”. É necessário «que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição. É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de “administrar justiça”. Nesse caso, não deve poder intervir no processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar – deve, numa palavra, poder ser declarado iudex inhabilis ” (Ac. TC 135/88). 2. O legislador ordinário não ficou alheado a esta exigência de imparcialidade do julgador. Com relevância para o caso concreto, o art. 43.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987, veio prescrever que “A intervenção de um juiz num processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade”. Mais acrescenta o n.º 2 daquele normativo que “Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases do mesmo processo fora dos casos do art. 40.º”. Por seu turno, o aludido art. 40.º do CPP, na sua actual redacção introduzida pela Lei n.º 13/2022, dispõe o seguinte: “1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver: a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º; b) Presidido a debate instrutório; c) Participado em julgamento anterior; d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior. e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta. 2 - Nenhum juiz pode intervir em instrução relativa a processo em que tiver participado nos termos previstos nas alíneas a) ou e) do número anterior. 3 - Nenhum juiz pode intervir em processo que tenha tido origem em certidão por si mandada extrair noutro processo pelos crimes previstos nos artigos 359.º ou 360.º do Código Penal.” A preocupação com a imparcialidade dos juízes é evidente nas normas adjectivas acabadas de transcrever. Os impedimentos em apreço assentam em três ordens de razões: a relação pessoal do juiz com algum sujeito ou participante pessoal; a intervenção anterior no processo, como juiz ou noutra qualidade; e, por fim, a necessidade de participar no processo como testemunha. Mas centremos a nossa atenção no instituto das suspeições, as quais podem assumir a natureza de recusa ou de escusa (artigos 43.º a 45.º, do Código Penal). 3. Conforme acima referido, o art. 43.º, n.º 1, do Código de Processo Penal de 1987, dispõe que “A intervenção de um juiz num processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade” (negrito e sublinhado nossos). A função desta cláusula geral é “prevenir o perigo de a intervenção do juiz ser encarada com desconfiança e suspeita pela comunidade (…) não é, com efeito, necessário demonstrar uma sua efectiva falta de isenção e imparcialidade, sendo suficiente, atentas as particulares circunstâncias do caso, um receio objectivo de que, vista a questão sob a perspectiva do cidadão comum, o juiz possa ser alvo de uma desconfiança fundada quanto às suas condições para actuar de forma imparcial” (FIGUEIREDO DIAS e NUNO BRANDÃO, “Direito Processual Penal – Os sujeitos processuais”, 2022, pp. 61-62). Como é fácil de entender, estando em causa o princípio do juiz natural e a eficiência do funcionamento do sistema processual penal, não é qualquer dúvida que possa eventualmente ser oposta em relação às condições do juiz para exercer a sua função de modo isento e imparcial que, sem mais, deve ditar o seu afastamento. Efectivamente, deve tratar-se de uma suspeição fundada em motivo sério e grave. A suspeição pode assentar em actos praticados pelo juiz no processo que lhe está confiado, nomeadamente em comportamentos merecedores de censura que o juiz tenha para com algum dos sujeitos processuais. Por exemplo, se o juiz revela antecipadamente mostras de uma inclinação para decidir o pleito em determinado sentido, tal será justificação para considerar comprometida a sua imparcialidade. Do mesmo modo, a demonstração de que na direcção dos actos processuais o juiz concede um tratamento injustificada e arbitrariamente diferenciado a um sujeito processual, privilegiando-o ou prejudicando-o em relação aos demais. A demonstração de parcialidade, que coloca em causa o julgamento justo e equitativo do arguido, não tem, necessariamente, de ocorrer directamente dirigida a este, podendo sê-lo através da atitude demonstrada pelo juiz relativamente ao seu defensor e às testemunhas do arguido. Nesta parte, importa não perder de vista que as manifestações de pré-julgamento podem assumir a forma verbal, mas também a forma física em termos de linguagem corporal (Vide Nota 58 do “Comentário aos Princípios de Bangalore para a conduta judicial”, Caderno Especial CEJ, Março de 2021, p. 52). Como é fácil de entender, nesta matéria não bastam simples impressões subjectivas sem fundamento em factos. Por outro lado, não bastará alegar factos genéricos contra o juiz para fundamentar uma pretensão de recusa, pois é necessário que o requerente descreva os factos concretos relacionado com o caso que está em discussão que o levam a considerar que aquele não será um juiz imparcial no julgamento. Vejamos então se os autos revelam a existência efectiva dos actos alegadamente praticados pelo juiz recusado e se os mesmos constituem motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade. B. Apreciação do caso concreto 1. A mera análise dos autos revela a seguinte tramitação processual no âmbito do processo principal NUIPC 211/23.0GBBCL: a) Mediante decisão instrutória datada de 14.05.2024, o arguido AA foi pronunciado pela autoria material de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. a), e n.ºs 4, 5 e 6, do Código Penal, e artigos 86.º, n.º 3, e 90.º, n.ºs 1 a 5, da Lei n.º 5/2006; b) O Mmo. Juiz de Direito recusado assegurou a presidência das sessões da audiência de julgamento levadas a cabo no período compreendido entre 26.09.2024 e 24.10.2024; c) Mediante sentença datada de 24.10.2024 – proferida pelo Mmo. Juiz de Direito recusado –, o arguido AA foi condenado na pena principal de 3 anos de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo, com sujeição a regime de prova, e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 3 anos, pela autoria material de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b), n.º 2, al. a), do Código Penal, e artigos 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006; d) Após a interposição de recurso pelo arguido, o Tribunal da Relação de Guimarães, mediante acórdão datado de 27.05.2025 – e já transitado em julgado –, declarou a nulidade da referida sentença com fundamento da falta de cumprimento do artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e determinou a reformulação da sentença “pelo mesmo tribunal após a realização de todas as diligências que se reputem de necessárias e essenciais para a supressão do vício detectado”; e) Mediante despacho datado de 01.07.2025 – proferido pelo Mmo. Juiz de Direito recusado –, foi designado o dia 14.07.2025 para a reabertura da audiência nos termos e para os efeitos determinados no referido acórdão; f) Mediante requerimento datado de 07.07.2025, o Ilustre Mandatário do arguido veio requerer a designação de nova data para a reabertura da audiência em virtude de serviço judicial já marcado; g) Mediante despacho datado de 10.07.2025 – proferido pelo Mmo. Juiz de Direito recusado –, foi designado o dia 09.09.2025 para a reabertura da audiência nos termos e para os efeitos determinados no referido acórdão; h) Mediante requerimento datado de 08.09.2025, o arguido apresentou o requerimento de recusa de juiz sob análise 2. O arguido AA pretende impedir a intervenção do Exmo. Senhor Juiz de Direito Dr. BB na reabertura e continuação da audiência de julgamento que irá ser realizada no âmbito do processo n.º 211/23.0GBBCL. Para tanto, o requerente alega factos cometidos pelo juiz recusado nas aludidas sessões de julgamento que antecederam a prolação da sentença que veio a ser anulada na sequência de recurso ordinário interposto pelo arguido. Estão aqui em causa pretensos comportamentos merecedores de censura e reveladores de parcialidade que o Mmo. Juiz recusado adoptou em diversas interacções mantidas com o arguido, o Ilustre Mandatário do arguido e uma das testemunhas por si arroladas. No plano da mera alegação, dir-se-á que o requerente alegou factos de forma tão genérica que obrigariam esta Relação a ouvir a gravação integral da audiência de julgamento realizada nestes autos com a duração total de cerca de 8 horas e 20 minutos. Efectivamente, o requerente – desacompanhado do respectivo defensor – não identificou no tempo as concretas passagens das suas declarações ou dos depoimentos prestados nas diferentes sessões da audiência de julgamento que reputa especificamente reveladores de parcialidade do Mmo. Juiz recusado e muito menos reproduziu o teor das intervenções judiciais em apreço para efeito de confirmação. Mas os obstáculos ao conhecimento pleno do mérito deste incidente de recusa de juiz não se ficam por aqui. 3. O art. 44.º do CPP dispõe que (negrito e sublinhado nossos): “O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.” A ideia subjacente à definição dos momentos processuais até aos quais, seguindo as diversas fases do procedimento, a recusa de juiz pode ser deduzida é a de evitar que um juiz suspeito de parcialidade chegue a decidir um processo (proferindo a sentença ou decidindo o recurso) ou determine o curso ulterior do processo numa das suas fases fundamentais (proferindo a decisão instrutória) [Ac. STJ 23.11.2011, p. 14217/02, www.dgsi.pt]. Pretende-se, assim, não só evitar a utilização surpreendente e abusiva da recusa, conforme as conveniências do requerente, como uma utilização inútil da recusa (Ac. TC 143/2004, www.tribunalconstitucional.pt). Mesmo o conhecimento de factos que justificariam a recusa posterior à sentença, mesmo que anterior ao trânsito em julgado, não é pertinente para efeito de prevenção do risco de parcialidade do julgador em virtude de já ter sido tomada a decisão (Idem). Dir-se-á que “o risco de parcialidade do juiz está consumido pela proferição do acto decisório” (MOURAZ LOPES, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 2019, p. 496). Perante a previsão de termos finais inultrapassáveis como a sentença e a decisão instrutória, impõe-se concluir que o prazo para a dedução da recusa de juiz é um prazo peremptório e que o respectivo decurso extingue o direito de praticar o acto (Ac. STJ 13.02.2020, p. 5553/2019, www.dgsi.pt). No caso dos autos, o Mmo. Juiz de Direito recusado já proferiu uma sentença sobre o mérito da causa antes da dedução do presente incidente de recusa e os factos ora invocados como fundamento da recusa tiveram lugar e foram conhecidos pelo invocante precisamente após o início da audiência que precedeu a prolação da referida sentença. Assim sendo, já não é possível deduzir o incidente de recusa de juiz com fundamento naqueles factos e, consequentemente, o presente incidente de recusa é extemporâneo. 4. Dito isto, não se escamoteia a circunstância de a referida sentença ter sido anulada pelo tribunal superior com fundamento na preterição do regime da alteração não substancial dos factos e de ter sido determinada a elaboração de nova sentença após a pertinente reabertura da audiência que poderá contar com a produção de prova suplementar e novos despachos interlocutórios. Aliás, importa notar que o Ilustre Defensor do arguido até já requereu ao Mmo. Juiz de Direito recusado que alterasse a data inicialmente designada para a reabertura da audiência de julgamento em conformidade com a sua disponibilidade de agenda. Contudo, este regresso parcial do processo à fase de julgamento em primeira instância não faz renascer o direito de recusa que se tinha extinguido na esfera do arguido relativamente aos factos ora invocados como fundamento da recusa que tiveram lugar e foram conhecidos pelo invocante precisamente após o início da audiência que precedeu a prolação da primeira sentença. Significa isto que pode haver lugar à reabertura e à continuação do julgamento sem qualquer protecção do arguido relativamente à imparcialidade do julgador? A resposta é negativa, mas o âmbito de tutela do arguido nesta matéria passou a sofrer alguma compressão em virtude da tramitação processual concretamente já verificada e da inércia revelada pelo mesmo. O arguido continua a ter o direito de recusar o juiz de julgamento até à nova sentença que vier a ser proferida em cumprimento da decisão do tribunal superior, mas apenas o poderá fazer com fundamento em novos factos que tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após a prolação da primeira sentença. 5. Nos termos do art. 45.º, n.º 4, do CPP, o tribunal deve proceder à apreciação preliminar do requerimento, recusando-o, se for caso disso, por motivo que obste ao conhecimento do mérito, como sucede no caso de o requerimento ser apresentado fora do prazo previsto no art. 44.º do CPP. A mera intempestividade do requerimento de recusa constitui motivo de rejeição imediata. III – DECISÃO Em função do exposto, acordam os Juízes desta Relação em rejeitar o presente requerimento de recusa de juiz com fundamento na respectiva extemporaneidade. Custas do incidente pelo requerente, com taxa de justiça fixada em 3 UC (art. 7.º, n.º 4, e Tabela II, do RCP, ex vi art. 524.º do CPP). Guimarães, 30 de Setembro de 2025 Paulo Almeida Cunha(Texto elaborado pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos subscritores) * Ausenda Gonçalves Luísa Oliveira Alvoeiro |