Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
524/24.4T8FAF.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: PROVA POR INSPECÇÃO JUDICIAL
INCOMPLETUDE DO AUTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A falta ou incompletude do auto de inspeção judicial ao local, conduz a que, posteriormente, a Relação se veja impedida de proceder à cabal reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
II. Tal implica a anulação da decisão de facto proferida na 1ª instância, no que respeita à factualidade impugnada pela apelante e sobre a qual pode recair a referida prova por inspeção judicial ao local.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório (feito com base no relatório da sentença).

EMP01..., Lda, com sede na Rua ..., ..., da união de freguesias ... e ..., ... intentou a presente ação sob a forma comum contra AA e BB residentes na Rua ..., ..., ... e CC e DD residentes na Travessa ..., freguesia ... e ..., ..., peticionando que lhes seja reconhecido o exercício do direito de preferência sobre o prédio descrito sob ...2º da p.i..
Os 2ºs réus contestaram excecionando a caducidade da ação nos termos do art. 416º do C.C. e no mais impugnando os fundamentos da ação, concluindo que a autora não tem o direito de exercer a preferência na venda dos prédios em causa. Concluem pela improcedência da ação.
Foi deduzido articulado de resposta invocando-se os arts. 3º, nº4 e 590º, nº6 ambos do CPC no qual se exerceu contraditório quando à deduzida exceção de caducidade.
Foi elaborado despacho saneador tendo o conhecimento da exceção de caducidade sido remetida para final. Mais foram selecionados os temas de prova a submeter a julgamento.
Realizou-se a audiência de julgamento.
Da ata da audiência de julgamento realizada a 12 de fevereiro de 2025, consta o seguinte:
“Seguidamente, o Mm.º Juiz ordenou a deslocação do Tribunal ao local.
No local, o Tribunal constata a existência de um caminho entre os 2 prédios dos RR. (... e ...) que se prolonga e ladeia igualmente o prédio da A. (...).
O terreno ... não tem confrontação a nascente com o ..., sendo o terreno ali existente de um terceiro. Apenas é ladeado pelo dito caminho.
O terreno ... confonta de nascente com o terreno da A., todavia é visível um leito entre os dois terrenos, com cerca de meio metro entre ambos, sendo que existem ainda uma espécie de muretes em pedra cobertos de musgo em cada um desses terrenos, que os delimitam, não ser possível por mera observação dizer se em tempos ali correu um ribeiro.
*
Finda a inspeção ao local, e já no Tribunal, o Mm.º Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO

Atento o adiantado da hora (12:25 horas), interrompe-se a presente audiência de julgamento e para sua continuação designa-se o próximo dia 27/02/2025, pelas 09:25 horas.-
Notifique. –“
Tal ata foi assinada a 14 de fevereiro de 2025.
A 18 de fevereiro de 2025, veio a autora apresentar o seguinte requerimento:
“EMP01..., LDA, A. nos autos supra à margem referenciados, Consultados os autos na plataforma “CITIUS”, verificou a acta da audiência de julgamento, datada de 14/02/2025, na qual se encontra inserto o auto de inspeção judicial,

Vem do mesmo reclamar nos termos e com os seguintes fundamentos:
1.º O Tribunal deslocou-se ao local em 12/02/2025, a fim de proceder à inspecção judicial;
2.º Naquele momento não foi elaborado qualquer auto da inspecção, nem do mesmo foi dado conhecimento às partes;
3.º Com efeito, verifica-se que na acta da audiência de julgamento, disponibilizada na plataforma “citius” em 14/02/2025, mostra-se inserto o auto de inspecção;
4.º Pelo que, apenas nesta data de 14/02/2025, foi possível à parte tomar conhecimento dos elementos nele vertidos;
5.º Porém, a A. não se pode conformar com o ali vertido, por não corresponder ao verificado;
6.º Na redação do 1.º parágrafo do auto, diz-se o seguinte: “No local, o Tribunal constata a existência de um caminho entre os 2 prédios dos RR. (... e ...) que se prolonga e ladeia igualmente o prédio da A. (...).”
7.º Ora, não se afigura inteiramente correcta a redacção deste elemento fáctico, porquanto, apesar de se ter verificado a existência do caminho, é inequívoco que este é parte integrante do prédio ou dos prédios em causa e que o(s) atravessa(m);
8.º Nessa medida, sempre deve considerar-se este facto, mostrando-se os prédios dos RR. contíguos (ainda que atravessados pelo caminho);
9.º Esta situação assume particular importância nos autos, tanto mais que fazendo a conjugação do artigo 204.º do CC com o artigo 50.º da Lei nº 111/2015, em que todos os prédios rústicos com a área global inferior à unidade de cultura e pertencentes ao mesmo proprietário, independentemente da sua origem, devem ser anexados, considerando-se um novo prédio sob um único artigo matricial;
10.º Aliás, esta posição é aquela que melhor acolhe e resulta da interpretação do artigo 1381.º do CC quanto ou à luz da teleologia do direito de preferência, com vista a alcançar uma exploração agrícola tecnicamente rentável e evitar-se a proliferação do minifúndio;
11.º Na verdade, quanto à natureza do caminho e sua integração no(s) prédio(s) que este atravessa, não se pode olvidar que os RR. não alegaram nem demonstraram a sua dominialidade pública;
12.º Pelo que, inelutavelmente, sem prejuízo da falta de alegação quanto à dominialidade pública e prova da mesma, o caminho tem natureza particular (de servidão), aliás como se pode constar no local, por via das suas características, e, bem assim, afiançaram as testemunhas em audiência de julgamento;
13.º Em face desta circunstância, é certo que, no local é possível constatar a contiguidade dos prédios, por tal caminho que os atravessa ser parte integrante dos mesmos;
14.º Assim, a redação daquela factualidade importa tal consideração;
15.º Além disso, sob o paragrafo 2.º é referido o seguinte: “O terreno ... não tem confrontação a nascente com o ..., sendo o terreno ali existente de um terceiro. Apenas é ladeado pelo dito caminho.”
16.º Contrariamente ao alegado no auto, não existe ou sequer se mostra demonstrado tratar-se de qualquer terreno de terceiro, pois estamos perante o mesmo leito do caminho de servidão que ladeia os prédios dos RR. e da A.;
17.º A alusão à existência de um terreno de terceiro, resultou da alegação/declaração conveniente, por parte da mandatária dos RR.;
18.º Sendo que, esta alegação/declaração interessada da mandatária dos RR., foi prontamente contraditada e impugnada pelo mandatário da A., tanto mais, que era como é inequívoco, naquele local da confrontação dos prédios, estarmos perante o leito do caminho de servidão;
19.º Inexistindo qualquer prova do terreno ser de terceiro, por ausência de identificação física do dito terreno, nem mesmo a identificação pessoal ou de titularidade do dito terceiro;
20.º Aliás, naquele local que se refere tratar-se de tereno de terceiro, nada obsta, tratando-se do leito do caminho, que o mesmo seja parte integrante do prédio da A., pois ladeia-o e atravessa-o nessa mesma zona ou local;
21.º Assim, a redacção do parágrafo, fazendo alusão a que o prédio confronta com um terreno de terceiro, é lapso, tanto mais que o Tribunal não pode assumir a factualidade por mera declaração do mandatário dos RR.;
22.º Declaração que foi impugnada e sem qualquer prova;
23.º Ante o exposto, importa a devida correcção do auto.
E. R. Justiça”.
Os 2ºs réus opuseram-se ao requerido.

Foi proferido a 24 de fevereiro de 2024, o seguinte despacho:
“Relativamente ao contraditório exercido, o qual é admissível nos termos legais, importa então tecer algumas considerações.
O referido pelo ilustre mandatário da A. nos pontos 7 e 8 não leva a retificar o auto porquanto de facto o caminho existe, sendo que a sua natureza é matéria objeto de prova, e no mais os conceitos de contiguidade ou confrontação (que no caso até podem não ser coincidentes) constituem matéria de direito e o cerne para a boa decisão da causa, pelo que também têm de ser relegados para sede própria.
Sobre o terreno em causa pertencer a terceiro, nenhuma das partes afirma que o mesmo é seu pelo que, não nos parece incorreta a afirmação que ali consta, ainda que decorra de mera observação conjugada com as alegações das partes.
No mais, aguarde-se a próxima sessão da audiência de julgamento.
Notifique.”.
Após, a 6 de março de 2025, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Decisão.
Julga-se improcedente a exceção de caducidade do direito de ação.
Julga-se a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo-se os RR. do pedido.
Custas pela A.
Registe e Notifique.”.
*
Inconformado com a decisão proferida a 24 de fevereiro de 2024 e com a sentença, a autora delas veio interpor recurso, terminando com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
EM CONCLUSÃO:

a) Vem a presente apelação interposta nos termos do disposto no artigo 644.º, nº 1, al. a) e nº 3 do Código de Processo Civil, da decisão proferida a fls. Que indeferiu a reclamação apresentada pela A./apelante quanto ao auto de inspecção judicial, e, ainda, da douta sentença de fls., que julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo os RR. do pedido.
b) Da impugnação da decisão proferida por despacho em 24/02/2025 de fls., que indeferiu a reclamação ao auto de inspecção judicial:
b1.-) O teor do auto de inspecção, não está conforme, motivando a sua reclamação, e que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais, mas que foi indeferida.
b2.-) A realidade do local é bem diversa do descrito no auto, não permitindo ao Meritíssimo Juiz “a quo” tomar a posição que tomou. Aliás, face ao alegado no auto de inspecção, nada condizente com a realidade do local, inexistindo sequer a documentação (fotográfica) no mesmo, torna-se absolutamente necessário proceder à junção de fotografias. Cfr. art.s 493.º e 651.º, nº 1 do CPC.
b.3-) Ora, refere o Tribunal “a quo”, para efeito de defender a não contiguidade dos prédios (como a final verteu na sentença proferida), a existência de um caminho, fazendo e querendo transparecer a ideia de se tratar de um caminho com natureza pública, e que, tal caminho, é decisivo para a inexistência de confrontação entre os prédios. Por outro lado, neste seguimento, refere a existência de um terreno pertencente a terceiro (que não identifica), para dessa forma também afastar a confrontação entre os prédios da A. e dos RR., bem como refere a existência de um leito com 0,5m (meio metro) ladeado por murete entre os prédios, para transparecer a existência, em tempos passados, de um ribeiro.
b4.-) A a realidade do local é diferente, pois como se alcança das fotografias, o aludido caminho, tem características de caminho de servidão, aliás o que foi inteiramente confirmado pelas testemunhas que prestaram depoimento em audiência de julgamento. E sendo de natureza particular – de servidão, inequivocamente, o terreno que constitui o seu leito é parte integrante do prédio ou prédios que este ladeia, no caso, os prédios dos RR. e da A. respectivamente.
b5.-) Pelo que, nesta medida, não se pode afastar a contiguidade e confrontação dos prédios entre si. E, contrariamente ao referido pelo Tribunal “a quo”, não se pode falar da existência de um terreno de terceiro, pois além de não constituir matéria fáctica alegada, nem sequer foi ou é identificado qualquer terceiro. Porém, é inequívoco que o local ou terreno referido como de terceiro, é precisamente o leito do caminho e que confronta com os prédios da A. e dos RR. respectivamente, como facilmente se percebe das fotografias juntas, logo nem sequer é legitimo falar de terreno de terceiro. Além de que, nenhuma prova testemunhal ou outra, foi produzida quanto a qualquer terreno de terceiro, carecendo de fundamento o referido pelo Tribunal no auto de inspecção.
b6.-) E quanto à referência de um leito com cerca de 0,5 m, não é lícito concluir tratar-se de um ribeiro, pois além de não ser visível qualquer água no mesmo, não tem o local quaisquer características que permitam a sua qualificação com tal, por ausência de extensão, profundidade e água. Aliás, tendo indicado a sua largura (cerca de 0,5 m), é curioso que não tenha indicado a sua extensão e a profundidade, para se concluir (erradamente) pela existência no passado de um ribeiro. Na verdade, como se alcança das fotografias, não tem e não existe qualquer desnível e profundidade no local que permita ou autorize concluir pela existência de um ribeiro.
b7.-) Pelo que, as referências feitas no auto, além de desconformes com a realidade, também não têm acolhimento nem justificação com a normalidade, o que determina e justifica tudo quanto a apelante pugnou em sede de reclamação de fls., cujo teor por economia processual se dá aqui por reproduzido, e como tal, não tem fundamento o indeferimento feito pelo Tribunal “a quo”.
b8.-) Perante as lacunas e vicissitudes manifestas no auto de inspecção, sempre o mesmo padece de nulidade, que se argui e que deve ser declarado.
[…]
*
Contra-alegaram os 2ºs réus, terminando com as seguintes conclusões:
[…]
*
O recurso foi admitido, como de apelação, a subir nos próprios autos, e com efeito devolutivo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem de precedência lógica, consistem em saber:

1. das nulidades da sentença;
2. da invocada nulidade da inspeção judicial ao local (e admissão de documentos nesta fase processual);
3. da impugnação da matéria de facto;
4. da alteração da decisão, em virtude da procedência da impugnação da matéria de facto.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

“ a) A A. tem inscrito a seu favor o seguinte prédio rústico, situado no Lugar ..., união de freguesias ... e ..., no concelho ...:
- Prédio Rústico denominado “...”, composto por um campo e quatro leiras de lavradio, horta e mato junto, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...66 e inscrito na matriz sob o artigo ...99.º
b) Tal prédio adveio à posse da A.. por contrato de compra e venda celebrado por escritura notarial celebrada em 22/10/2020, do Livro de Escrituras diversas nº ...20-A a fls. 8 a 9 verso, do Cartório Notarial da Notária EE.
c) Há mais de 15 e 20 anos que a A., por si e antecessores, está no uso e fruição daquele prédio.
d) Nele semeia milho, feijão, centeio, planta batatas, hortaliças e vinha, colhe os frutos e todos os proventos.
e) Faz benfeitorias e paga o seu custo.
f) Dá-o de arrendamento e recebe as respectivas rendas.
g) Paga os impostos que sobre ele incidem.
h) O que tudo sempre tem feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que está e sempre esteve, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre aquele prédio.
i) Também aquele prédio está registado na Conservatória do Registo Predial ... a favor do A., sob o nº ...29, pela AP. ...60 de 2020/10/23.
j) Por escritura lavrada a fls 85 a 87, do Livro de Escrituras Diversas nº ...13-A, do Cartório Notarial do Notário FF, em 28 de Outubro de 2022, os 1ºs RR. declararam vender aos 2ºs RR., os seguintes prédios:
A- Rústico – denominado “...”, composto de três leiras de lavradio, com vidonho, horta e borda de mato, situado no Lugar ..., freguesia ... e ..., no concelho ..., descrito na Conservatória sob o nº ...99/... e inscrito na matriz sob o artigo ...96.º, pelo preço de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);
B- Rústico – denominado “...”, composto de um campo e duas leiras de lavradio, com vidonho, situado no Lugar ..., freguesia ... e ..., no concelho ..., descrito na Conservatória sob o nº ...00/... e inscrito na matriz sob o artigo ...97.º , pelo preço de € 7.500.00,00 (sete mil e quinhentos euros).
l) A sul o terreno da A. confronta com um caminho e não com o ..., mas confronta a nascente com o ... conforme descrição predial do «...».
m) Os terrenos referidos são separados por um caminho.
n) Aqueles prédio foram vendidos pelos 1ºs RR. aos 2ºs RR., por escritura de compra e venda celebrada em 28 de Outubro de 2023, no Cartório Notarial do Notário FF.
o) Mas nem os vendedores e nem os compradores notificaram à A. a venda daqueles prédios e dos elementos essenciais do negócio, designadamente, preço, condições de pagamento, data da escritura e pessoa do comprador.
p) A A. apenas teve conhecimento da venda no início de Março de 2024 e entrou em contacto com os 2ºs RR., que não são proprietários de qualquer prédio rústico confrontante com os prédios objectos desta ação.
q) Tendo nessa ocasião notificado os 2ºs RR. de que era a dona e legitima possuidora do prédio rústico denominado “..., situado no Lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...99.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...66, que confina com os prédios rústicos denominados “...” e ...”, também situados no Lugar ..., freguesia ..., do concelho ..., em que o primeiro se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...90 e inscrito na matriz sob o artigo ...96.º e o segundo descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...00 e inscrito na matriz sob o artigo ...97.º, e que, tendo só agora tomado conhecimento daquela venda e dos respectivos elementos essenciais do negócio, porque lhe assiste o direito, pretendia exercer a preferência na compra e venda de tais prédios.
r) Mais tendo notificado os 2ºs RR., para no prazo de oito dias informar da aceitação da venda dos prédios nos mesmos termos em que os compraram.
s) Mas os RR. não responderam à carta.
t) O prédio da A. tem a área de 8.529,00 m2.
u) E os prédios vendidos tem uma área de 2.078,00 m2 e de 4.034,00 m2, respectivamente.
v) Ambos os terrenos se destinam a cultura, aliás, como tem sucedido ao longo dos anos, neles se semeando milho, feijão, centeio, plantando batatas e vides e árvores de fruta de diversa natureza.
x) O preço da venda daqueles prédios, como consta da aludida escritura, foi de € 15.000,00 (quinze mil euros), ou seja, € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) por cada um dos identificados prédios.
z) Para além disso, pagaram ainda os 2ºs RR. as despesas a escritura no valor de € 442,80 (quatrocentos e quarenta e dois euros e oitenta cêntimos). Cfr. teor do doc. que se junta com o nº 7.
aa) Assim como pagaram IMT no valor de € 1.000,00 (mil euros) e IS no valor de € 160,00 (cento e sessenta euros).
bb) Sempre foi intenção dos 1os RR. proceder à venda destes três prédios em conjunto.
cc) Assim, acordaram os RR. em celebrar o negócio, cujo objecto era, como foi, os sobreditos prédios rústicos, pelo preço global de € 20.000,00€ (vinte mil euros).
dd) Contudo, este preço teve que ser repartido pelos três prédios rústicos.
ee) Assim, para o prédio rústico, denominado “...”, foi atribuído o preço de 7.500,00€, para o prédio rústico denominado “...”, foi atribuído o preço de 7.500,00€ - estes dois objectos da presente acção -, e, por fim, para o prédio rústico denominado “...“, foi atribuído o preço de 5.000,00€.
ff) A partir da outorga da escritura pública de compra e venda, em 28/10/2022, os 2os RR. procederam à limpeza dos terrenos, cultivaram os mesmos, podaram as árvores, à vista de todos, tendo-se logo espalhado e tornado público, inclusive da A., da compra dos mencionados prédios rústicos.
gg) A A. antes de Março de 2024, esta, através do seu mandatário, remeteu duas cartas ao 2º R. marido a solicitar reunião para tratar de assunto que lhe diz respeito.
hh) O prédio rústico, denominado “...”, não confronta e não confina com o prédio rústico da A., denominado “...”.
ii) Na verdade, o prédio rústico dos 2ºs RR. (...) confronta a poente com GG e com o leito de um ribeiro atualmente sem curso de água, com largura média de cerca 1 metro.
jj) O limite a Sul do prédio da A. é um caminho, com cerca de 2,5 metros de largura.
ll) Por outro lado, entre o prédio acima melhor denominado “...”, e o prédio acima descrito, da titularidade da A. e denominado “...”, existe, respectivamente a poente e a nascente, numa extensão de cerca de 20 metros, um desnível de mais de 2 metros entre ambos.
mm) Estando os mencionados prédios separados por um muro de suporte de terras, feito em pedra e, na maior parte da sua extensão, com cerca de 1 metro de largura.
nn) Nos documentos juntos sob os n. os 6 e 7 da petição inicial e por referência ao prédio “...”, encontra-se inscrita, na sua confrontação a poente, “HH”.
oo) O prédio da A. tem a área de 5.491,00m2.”.
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Na sentença mais se afirmou que: Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, sendo que alguns dos factos alegados foram objeto de ajustamentos em função da prova produzida, estando refletidos nos factos provados.”.
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IV. Do objecto do recurso.      

1. das nulidades da sentença.
No final das suas alegações de recurso, invoca a apelante o seguinte:
“Funda-se, ainda, o presente recurso no disposto nos artºs, 607º, 615º nº 1 al. b) e c), 640º, 662º, nºs 1 e 2), todos do CPC”.
Sucede que, em momento algum das suas alegações ou subsequentes conclusões, invoca a apelante a razão pela qual entende fundar-se o recurso interposto no disposto pelo 615º nº 1 al. b) e c) do CPC.
Ou seja, não é pela mesma invocada qualquer nulidade, que assim, não tem também de ser conhecida.
2. da invocada nulidade da inspeção judicial ao local e admissão de documentos nesta fase processual.
Da conjugação entre o disposto nos artigos 651º n.º 1 e 423º do CPC resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:
a) a impossibilidade de apresentação do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância;
b) por se ter tornada necessária a junção em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, face à “novidade” ou “surpresa” da decisão proferida.
Relativamente à primeira situação, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva, sendo que objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado e subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado e que as razões para tal se mostrem justificadas.
Quanto à segunda situação, a mesma pressupõe que, em face da fundamentação da sentença ou do objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
Nesta medida, entende-se que o documento torna-se necessário quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperado para a parte, junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum (cfr., entre outros o Ac. desta Relação de Guimarães de 24.04.2019 e o R.C. de 18.11.2014, ambos in www.dgsi.pt).
Por outro lado, cabe à parte que oferece o documento demonstrar a sua superveniência. Como refere Rui Pinto, no Código Civil Anotado, volume II, Coimbra, Almedina, pag. 314, “no tocante à superveniência subjetiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, já que isso abriria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partes: a parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjetiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento.”

Como se sumaria no Ac. da Relação de Coimbra acima referido:
“I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.” (sublinhado nosso)

No caso dos autos, temos que não se verifica qualquer uma das situações acima referidas.
Por um lado, não se demonstra a impossibilidade de apresentação dos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª instância (não existe superveniência objetiva ou superveniência subjetiva).
Por outro, também se não tornou necessária a junção em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, face à “novidade” ou “surpresa” da decisão proferida, pois que a decisão se não baseou em qualquer meio probatório inesperado para a apelante, junto por iniciativa do tribunal, nem se baseou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
Pelo exposto, não se admite a sua junção.
*
Invoca a apelante que foi realizada inspeção judicial ao local, sendo contudo que o teor do auto de inspeção, não está conforme, uma vez que a realidade do local é bem diversa do descrito no auto.
Alega que o Tribunal “a quo” refere, para efeito de defender a não contiguidade dos prédios (como a final verteu na sentença proferida), a existência de um caminho, fazendo e querendo transparecer a ideia de se tratar de um caminho com natureza pública, e que, tal caminho, é decisivo para a inexistência de confrontação entre os prédios. Por outro lado, refere a existência de um terreno pertencente a terceiro (que não identifica), para dessa forma também afastar a confrontação entre os prédios da autora e dos réus, bem como refere a existência de um leito com 0,5m (meio metro) ladeado por murete entre os prédios, para transparecer a existência, em tempos passados, de um ribeiro.
Contudo, adianta a apelante, que a realidade do local é diferente, pois o aludido caminho, tem características de caminho de servidão e sendo de natureza particular – de servidão, inequivocamente, o terreno que constitui o seu leito é parte integrante do prédio ou prédios que este ladeia, no caso, os prédios dos réus e da autora respetivamente. Donde não poder afastar-se a contiguidade e confrontação dos prédios entre si.
Por outro lado, contrariamente ao referido pelo Tribunal “a quo”, não se pode falar da existência de um terreno de terceiro, pois além de não constituir matéria fáctica alegada, nem sequer foi ou é identificado qualquer terceiro. Porém, é inequívoco que o local ou terreno referido como de terceiro, é precisamente o leito do caminho e que confronta com os prédios da autora e dos réus respetivamente.
Finalmente, e quanto à referência de um leito com cerca de 0,5 m, não é lícito concluir tratar-se de um ribeiro, pois além de não ser visível qualquer água no mesmo, não tem o local quaisquer características que permitam a sua qualificação com tal, por ausência de extensão, profundidade e água. Aliás, tendo indicado a sua largura (cerca de 0,5 m), é curioso que não tenha indicado a sua extensão e a profundidade, para se concluir (erradamente) pela existência no passado de um ribeiro. A verdade, é que não existe qualquer desnível e profundidade no local que permita ou autorize concluir pela existência de um ribeiro.
Perante tais lacunas e vicissitudes manifestas no auto de inspeção, entende a apelante que o mesmo padece de nulidade.
Vejamos.

O artº 493º do CPC, determina que, procedendo-se a inspeção judicial, da diligência seja “lavrado auto em que se registem todos os elementos úteis para o exame e decisão da causa, podendo o juiz determinar que se tirem fotografias para serem juntas ao processo”.
Tal registo serve para as partes ficarem cientes daquilo que, na perspetiva do julgador, se pode constatar, ou não, no local inspecionado, servindo, ainda, para relembrar o julgador, na ocasião em que procede à elaboração da decisão relativa à matéria de facto, daquilo que constatou na diligência, para o correlacionar com os restantes elementos probatórios, sendo, ainda, em caso de recurso com impugnação da decisão relativa à matéria de facto, o elemento relativo a essa diligência que possibilita ao Tribunal “ad quem” aferir, em conjugação com os restantes elementos de prova, do acerto da valoração probatória de que resultou essa decisão (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de setembro de 2018, proferido no processo nº 5547/16.4T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt).

Em comentário ao art. 493º do CPC, diz-nos António Santos Abrantes Geraldes, “Código de Processo Civil anotado”, volume I, 2ª edição, Almedina, págs. 570 e 571:

“1. As diligências efetuadas e os resultados das averiguações realizadas no âmbito da inspeção judicial devem ser reduzidos a auto, no qual devem ficar a constar os elementos percecionados pelo juiz, designadamente aqueles que respeitam a litígios sobre prédios rústicos, servidões prediais ou ações de demarcação.
A omissão de tal auto ou a sua incompletude constituem nulidade secundária que deve ser arguida pela parte, sob pena de sanação (arts. 195º, nº 1 e 199º, nº 1; RP 18-2-19, 25/16
e RC 11-9-18, 5547/16). Sanada a nulidade, aquilo que o juiz declara ter observado
in locu, na fundamentação da decisão de facto, valerá enquanto resultado da própria
inspeção judicial (RP 2-12-08, 0826753).

2. Pode acontecer que o auto não documente os factos observados pelo juiz que procedeu à inspeção ou os resultados a que a inspeção o conduziu e, apesar disso, a inspeção seja erigida a prova decisiva em sede de fundamentação da decisão de
facto. Uma vez que "a fonte de convicção da Relação é, neste caso, o auto da inspeção, a falta de documentação dos factos observados ou dos resultados a que a inspeção conduziu o juiz que a realizou, impede, naturalmente, a Relação de controlar o eventual erro daquele magistrado na apreciação ou valoração daquela prova". No circunstancialismo apontado, "dada a inadmissibilidade de renovação dessa prova, uma proposta de solução possível é a Relação ordenar se proceda a verificação não judicial qualificada (arts. 494°, nº 1 e 662°, nº 2, al. b)). Outra, é anular a decisão da matéria de facto, por nesse caso não dispor de todos os elementos que
permitem alterar a decisão da matéria de facto, objeto da impugnação (art. 662º,
n° 2, al. c))" (cf. Henrique Antunes, "Recurso de Apelação e Controle da Decisão
da Questão de Facto", em
https://docentes.fd.unl.pt)”.
Como é sabido, o Tribunal da Relação para reapreciar a decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência.
Donde resulta que, a falta ou incompletude do auto de inspeção judicial ao local, conduz a que, posteriormente, a Relação se veja impedida de proceder à cabal reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
No caso dos autos, temos que foi realizada inspeção judicial ao local, ficando a constar de auto lavrado a posteriori, o que terá sido apreendido no local.
Sucede que, a forma como foi elaborado tal auto, mormente algumas das expressões no mesmo utilizadas, não permitem a este Tribunal apreender o que efetivamente se encontra no local.
Consta do auto elaborado que “No local, o Tribunal constata a existência de um caminho entre os 2 prédios dos RR. (... e ...) que se prolonga e ladeia igualmente o prédio da A. (...)”.
A utilização da palavra “caminho”, sem esclarecimento de como esse traço de terreno é composto (estado, largura, comprimento, sinais no mesmo existentes), não é suficiente para a pretendida apreensão.
Por outro lado, embora se refira que o mesmo “caminho” se prolonga e ladeia igualmente o prédio da autora, não se esclarece de que lado fica esse terreno (se do lado do ... ou do ...).
Mais consta do referido auto que: “O terreno ... não tem confrontação a nascente com o ..., sendo o terreno ali existente de um terceiro. Apenas é ladeado pelo dito caminho”.
Também aqui se não consegue apreender o que se verifica no local.
Por um lado, porque a existência de “um terreno de um terceiro”, não é apreensível pela simples visão do local.
Por outro, porque ao mesmo tempo que se afirma que “O terreno ... não tem confrontação a nascente com o ..., sendo o terreno ali existente de um terceiro”, também se afirma “Apenas é ladeado pelo dito caminho”.
Ou seja, não se percebe se o ... confronta com um terreno ou com um caminho.
Finalmente consta do auto em causa que: “O terreno ... confonta de nascente com o terreno da A., todavia é visível um leito entre os dois terrenos, com cerca de meio metro entre ambos, sendo que existem ainda uma espécie de muretes em pedra cobertos de musgo em cada um desses terrenos, que os delimitam, não ser possível por mera observação dizer se em tempos ali correu um ribeiro”.
Igualmente aqui não se consegue apreender o que se verifica no local.
Por um lado, não se explica o que se vê no local, para se concluir pela existência de um “leito”.
Por outro, não resulta que tenha sido feita qualquer medição do referido “leito”, sendo que, em sede de sentença veio a dar-se como provada uma largura diferente da que consta do auto.
Acresce ainda que, resulta do documento nº 3 junto pelos réus com a sua contestação que, o referido ribeiro, não se prolonga por toda a confrontação nascente do prédio dos autores, mas apenas com parte dela, donde se poder concluir que a inspeção efetuada não abrangeu toda essa confrontação.
 Quanto à existência de “uma espécie de muretes em pedra cobertos de musgo em cada um desses terrenos, que os delimitam”, não é esclarecida a configuração dos referidos muretes, nomeadamente a altura dos mesmos, se os mesmos existem ao longo de toda a confrontação nascente/poente dos terrenos, e qual a distância existente entre os mesmos.
Mais se diga que, pese embora tenha sido alegado pelos réus na sua contestação que entre o denominado “...”, e o prédio dos autores denominado “...”, existe, respetivamente a poente e a nascente, numa extensão de cerca de 20 metros, um desnível de mais de 2 metros entre ambos, estando os mencionados prédios separados por um muro de suporte de terras, feito em pedra, a verdade é que quanto a tal nada consta no auto de inspeção ao local.
Concluiu-se assim que o registo da diligência é manifestamente incompleto e não permite o controlo por este Tribunal, de eventual erro de perceção por parte do Tribunal a quo.
Assim, não sendo possível o controlo da motivação do julgador quanto a matéria relevante para a decisão do recurso, cumpre providenciar pela sanação de tal vício, através da realização de nova inspeção ao local da qual se lavre auto onde fiquem a constar todos os elementos acima referidos e com a junção de fotografias devidamente legendadas.
Tal implica a anulação da decisão de facto proferida na 1ª instância, no que respeita à factualidade dada como provada nas als. l), m), hh), ii), jj), ll) e mm), por ter sido esta a impugnada pela apelante e sobre a qual pode recair a referida prova por inspeção judicial ao local.
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3. da impugnação da matéria de facto.

Considerando a anulação parcial da decisão de facto proferida, seria de considerar prejudicado, por ora, o conhecimento da impugnação da matéria de facto.
Sucede contudo que nessa impugnação, invoca a apelante que, no que se refere à matéria constante das als. ff), jj), ll) e mm) dos factos provados, a fundamentação da sentença é omissa ou gravemente insuficiente quanto à prova que determinou tais factos.
Lida a sentença, verifica-se que, na motivação da convicção o tribunal a quo não adotou um discurso que permita apreender a razão pela qual considerou tais factos como provados.
Não consta de tal motivação a indicação dos meios de prova considerados para a prova desses factos em concreto, nem uma análise crítica desses meios de prova, por forma a permitir perceber qual foi o raciocínio/análise crítica efetuada na formação da sua convicção.
Ocorre assim a irregularidade prevista na al. d) do n.º 2 do art. 662º do CPC, visto estarmos perante uma parcial deficiência na fundamentação da decisão de facto.
A utilização da ferramenta prevista na al. d) do n.º 2 do art. 662º do CPC justifica-se quando a parte impugna (regularmente) a concreta decisão (sobre determinado facto) e a motivação efetuada não satisfaz a exigência legal do estabelecimento de um “(…) fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva apreciação crítica nos seus aspetos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando porque razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607.º, n.º 5), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. (…)
Se a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente fundamentada, a Relação deve determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, a fim de preencher essa falha (…)»
– António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição, Almedina, pp. 359 a 361.
Donde, devem os autos baixar ao tribunal a quo, para que o M.mo Sr. Juiz autor da decisão motive devidamente a sua convicção que conduziu à decisão das als. ff), jj), ll) e mm) dos factos provados com a identificação dos concretos meios de prova com base nos quais formou a sua convicção quanto aos referidos pontos da decisão de facto, por forma a perceber-se que meios de prova considerou e como os mesmos foram por si valorados para considerar provada tal factualidade nos termos em que o foi.
Por outro lado, também verificamos nós que existe uma contradição entre o facto provado sob a al. t) “O prédio da A. tem a área de 8.529,00 m2” e o facto provado sob a al. oo) “O prédio da A. tem a área de 5.491,00m2.”.
Mais deve assim, ser esclarecida a contradição entre os factos das als. t) e oo).
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Face ao supra decidido, prejudicadas ficam as restantes questões suscitadas no recurso interposto.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em:

a) anular a decisão de facto proferida na 1ª instância, no que respeita à factualidade dada como provada nas als. l), m), hh), ii), jj), ll) e mm), determinando a realização de nova inspeção judicial ao local da qual se lavre auto onde fiquem a constar todos os elementos acima referidos e com a junção de fotografias devidamente legendadas;
b) determinar que o M.mo Sr. Juiz autor da decisão motive devidamente a sua convicção que conduziu à decisão das als. ff), jj), ll) e mm) dos factos provados, devendo ainda esclarecer a contradição entre os factos das als. t) e oo).
Custas a decidir a final.
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Guimarães, 25 de setembro de 2025

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Sandra Melo
Conceição Sampaio