Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA | ||
| Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PRESCRIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1) São duas, as situações excecionais em que é permitida, no recurso de apelação, a junção de documentos com as alegações: nas situações do artigo 425º NCPC ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância, impondo-se à parte interessada que justifique, em concreto, as razões que permitem considerar que a situação integra alguma das referidas situações, não bastando que se justifique com a letra da lei; 2) A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, não podendo a obrigação de restituir exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo 480º (artigo 479º Código Civil); 3) Subjacente à prescrição (excecional) de três anos, condicionada pelos dois requisitos a que se refere a parte introdutória do artigo 482º, está, no entanto, a prescrição ordinária (de 20 anos: artigo 309º), que se conta a partir da data do enriquecimento. 4) O direito do credor prescreve logo que decorram três anos sobre a data em que, tendo conhecimento do seu direito e da pessoa do devedor, ele não agiu. 5) Se, porém, antes que sobre este duplo conhecimento hajam decorrido os três anos referidos na lei, vinte anos houverem passado, sobre a data do enriquecimento sem o credor ter agido, de igual modo o seu direito prescreverá (por força da chamada prescrição ordinária). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A) AA veio intentar ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, CC e esposa DD, onde concluem que deve a presente ação: a) Ser julgada totalmente procedente por provada e em consequência serem os réus condenados solidariamente condenados a pagar à autora indemnização no montante de metade do valor gasto com as benfeitorias realizadas no imóvel, indemnização essa que se cifra e, €75.000,00. B) Caso assim não se entenda, devem os réus ser condenados solidariamente a pagar à autora uma quantia arbitrada com recurso à equidade, tendo por base todas as obras realizadas à data e também a valorização do imóvel com as mesmas. Para tanto alega, em síntese, que casou com o réu BB, em 14 de junho de 2003, em ..., no regime de separação de bens, tendo, no dia 30 de setembro de 2021, ocorrido o respetivo divórcio; durante toda a sua vida em comum em ..., ambos trabalhavam e proviam pelo sustento do seu lar, fazendo algumas poupanças, que eram depositadas sempre em conta titulada em comum por ambos; no início de 2013 decidiram regressar a Portugal, mais concretamente para ...; por ideia do réu BB e dos seus pais e ora réus, BB e DD, iriam viver para uma casa de que estes últimos eram proprietários em ..., e que, como tinha já alguns anos, necessitaria de umas obras significativas; autora e réu resolveram trazer para Portugal o dinheiro que tinham poupado em ... e que era comum a ambos, com o objetivo de remodelarem completamente a predita habitação, o que fizeram entre os anos de 2014/2015, tendo-a reabilitado por completo, para além de tudo isso investiram também em novos móveis e toda a decoração no interior da habitação, dessa forma dotando-a de condições para que lá pudessem habitar em conforto e proporcionar esse conforto aos seus filhos; todas essas obras de reabilitação terão ascendido a um total de cerca de €150.000,00, valor este que foi pago da conta bancária titulada pela autora e pelo réu BB, umas vezes por transferência bancária e outras através de levantamentos bancários a fim de entregar em dinheiro a quem fazia a obra, tudo com conhecimento e consentimento dos demais réus, respetivos proprietários; todo o dinheiro utilizado foi de ambos, autora e réu BB, em igual parte, fruto do trabalho de ambos, quer no tempo em que estiveram em ... como até do tempo já em Portugal, em que ambos trabalhavam nas terras e vinhas da família do último. Conclui, defendendo que as benfeitorias realizadas eram necessárias, foram realizadas por ambos (casados à data) e elevaram consideravelmente o valor do imóvel para os seus proprietários e também para quem lá habita. * Pelos réus BB, CC e DD foi apresentada contestação, onde concluem entendendo que deve julgar-se provada e procedente a invocada exceção, da ilegitimidade passiva do réu BB, absolvendo-o da instância, assim como a exceção da prescrição do direito invocado pela autora, e, em face disso, absolver-se os réus do pedido, ou, mesmo que a assim se não venha a entender (o que somente como mera hipótese e por dever de patrocínio se coloca), em qualquer dos casos, julgar-se não provada e totalmente improcedente a presente ação, com todas as, legais, consequências. Para tanto alegam, em síntese, não ser o réu BB parte legítima para, contra ele, prosseguir termos a presente ação, na medida em que o prédio, no qual alegadamente foram efetuadas benfeitorias, não lhe pertence e não se encontre este beneficiado ou enriquecido no que quer que seja; por outro lado, pugnaram pela verificação do direito à indemnização peticionada pela autora, porquanto, tendo aquela e o réu BB sido casados entre si e sob o regime da separação de bens, tendo entretanto o respetivo vínculo matrimonial sido dissolvido por divórcio, e tendo as obras que a mesma alega terem sido feitas no prédio urbano pertença do casal réu ocorrido nos anos de 2014 e de 2015, há muito que se encontra precludido o prazo previsto pelo art.º 482º do Código Civil, tendo, ainda impugnado os factos alegados na petição. A autora veio pronunciar-se quanto às exceções suscitadas sustentando a improcedência das mesmas. * Foi elaborado despacho saneador onde se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva invocada pelo réu BB, relegando-se para final a apreciação da exceção de prescrição e foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.* B) Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo os réus dos pedidos.* C) Inconformada com a sentença proferida, veio a autora AA interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo (ref. ...12).* Nas alegações de recurso da autora AA, são formuladas as seguintes conclusões:1. A recorrente recorre de facto e de direito. 2. Os pontos a) e b) dos Factos não Provados da sentença recorrida devem ser alterados, passando a constar dos Factos Provados, pois foi produzida prova, nomeadamente documental e testemunhal nesse sentido; 3. Tanto no período em que o ex-casal se encontrava a residir em ..., como no período em que o ex-casal já se encontrava a residir em Portugal, a prova testemunhal comprovou que a recorrente sempre trabalhou – Vide declarações gravadas sob o registo áudio do julgamento do dia 23/01/2025, início às 10:08 e fim às 10:29, gravadas entre os minutos 1:57 a 2:18, 2:17 a 2:19, 2:19 a 2:33, 2:29 a 2:45, 2:55 a 2:56; início às 10:30 e fim às 11:05, gravadas entre os minutos 1:18 a 1:24, 1:24 a 1:25, 1:30 a 1:56; início às 11:06 e fim às 11:34, gravadas entre os minutos 1:34 a 1:35, 1:35 a 1:54; início às 11:34 e fim às 12:00, gravadas entre os minutos 11:27 a 11:40; 4. O ponto d) dos Factos não Provados da sentença recorrida deve ser corrigido para: “A autora e o réu BB resolveram trazer para Portugal o dinheiro que tinham poupado em ... e que era comum a ambos, através de transferências bancárias datadas de 2013-07-26, no montante de €56.000,00, e de 2013-09-24, no montante de €152.500,00, com o objetivo de remodelarem completamente a casa que era propriedade dos réus CC e DD e para lá morarem”, passando o mesmo a constar dos Factos Provados, uma vez que a prova documental quanto à existência das referidas duas transferência bancárias é inequívoca; 5. O ponto g) dos Factos não Provados da sentença recorrida deve ser alterado e incluído nos Factos Provados, pois ficou demonstrado que o ex-casal fazia uma gestão comum do dinheiro e das poupanças de ambos, nomeadamente através da prova documental junta aos autos (Doc. 1 junto com a P.I. da autora) e da prova testemunhal em audiência de julgamento – Vide declarações gravadas sob o registo áudio do julgamento do dia 23/01/2025, início às 11:34 e fim às 12:00, gravadas entre os minutos 10:13 a 10:47 e os minutos 10:46 a 10:51; 6. Em 18/06/2013, o na altura casal, efetuou a venda de um imóvel que era propriedade de ambos e dessa venda resultou o valor de €285.000,00 (duzentos e oitenta e cinco mil euros), valor pertencente a ambos; 7. Nos autos, não foi provada a existência de outras fontes de rendimentos ou de capital para a realização das obras no imóvel, a não ser os rendimentos obtidos pelo casal, enquanto estavam casados; 8. Em peça de “Esclarecimento” junta aos autos pelo Sr. Perito EE, em 05/06/2024, o mesmo corrige o valor total das obras realizadas para a quantia de €50.900,00 (cinquenta mil e novecentos euros), devendo o ponto 3.8. dos Factos Provados ser alterado em conformidade; 9. As conclusões do Relatório Pericial, nomeadamente no “Quadro-resumo” – página 7 do Relatório pericial atribuem uma valorização total do imóvel de €106.600,00 (cento e seis mil e seiscentos euros) após a realização das obras; 10. O ponto h) dos Factos não provados da sentença recorrida deve ser e incluído nos Factos Provados e alterada a sua redação para: “As obras realizadas e melhor descritas em 3.8. dos factos provados eram úteis e elevaram consideravelmente o valor do imóvel para os seus proprietários e também para quem lá habita.”; 11. A sentença recorrida errou quando incluiu no leque de Factos não Provados o ponto e), pois o simples facto de as obras estarem a ser realizadas pelo filho do casal de recorridos CC e DD (em conjunto, claro, com a recorrente), durante dois anos, como aliás foi considerado como facto provado em 3.7. da sentença recorrida, é o suficiente para se aferir do consentimento destes recorridos; 12. A sentença recorrida refere o seguinte: “Ora, atenta a factualidade apurada, entendemos estarmos perante um caso de indemnização por benfeitorias úteis, estando também fora de cogitação que o levantamento das benfeitorias em causa não se faria sem detrimento do imóvel onde foram efetuadas”, o que a recorrente não contesta; 13. As benfeitorias úteis conferem ao possuidor de boa ou má-fé o direito ao levantamento das benfeitorias, desde que tal levantamento não implique detrimento para a coisa benfeitorizada (art.1273º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil); 14. As benfeitorias úteis que não possam ser levantadas conferem tanto ao possuidor de boa-fé como ao possuidor de má-fé o direito ao valor das benfeitorias, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273º, nº 2 do CC); 15. Aplicam-se ao caso, de forma subsidiária, as regras do instituto do enriquecimento sem causa plasmado no art. 473º do CC, ex vi art.º 1273º nº 2 do CC; 16. O nº 2 do art.º 1736º do Código Civil estatui uma presunção legal aplicável aos casos em que haja dúvida sobre a propriedade exclusiva de qualquer dos cônjuges, relativamente aos bens móveis, beneficiando qualquer dos cônjuges da presunção legal da compropriedade de bens móveis, o que se aplica a contas bancárias; 17. A recorrente apenas admite a possibilidade de que, estando comprovado que os valores investidos nas benfeitorias úteis realizadas na casa que é propriedade dos recorridos CC e DD, esta possa ser compensada pela desvantagem em que ficou; 18. A realização de benfeitorias úteis que não podem ser levantadas sem detrimento da coisa dão lugar à compensação do benfeitorizante; 19. Encontram-se preenchidos os requisitos necessários para que se verifique o direito a que a recorrente seja devidamente indemnizada pelo valor que gastou a título de benfeitorias úteis no imóvel propriedade dos recorridos CC e DD; 20. A sentença recorrida errou ao considerar que se encontrava prescrito o direito a indemnização por se mostrar precludido o prazo previsto pelo art.º 482.º do CC; 21. Não se encontra, de modo algum, prescrito o prazo para que possa pedir o ressarcimento dos valores utilizados nas benfeitorias através da via indemnizatória, o que se reclama; 22. O direito a obter o valor das benfeitorias que o possuidor pretenda obter com base no disposto no nº 2 do artigo 1273º do Código Civil está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos estabelecido no artigo 309º (norma geral) do CC; 23. A remissão para as regras do enriquecimento sem causa prevista no nº 2 do art. 1273º do CC cinge-se tão-só ao cálculo do valor das benfeitorias, nada se prevendo quanto à aplicação do regime prescricional do instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 482º do CC; 24. O prazo de prescrição aplicável ao caso é o previsto no art.º 309º do CC (de 20 anos), e, por isso, não se encontra prescrito o direito à indemnização pelas obras e benfeitorias em causa realizadas também pela recorrente, e que a mesma reclama; 25. Reclama ainda a recorrente, de forma subsidiária, ser-lhe atribuída uma quantia por parte dos recorridos arbitrada com recurso à equidade, tendo por base as obras realizadas e a valorização do imóvel com as mesmas. Termina entendendo que dever-se-á dar provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por douto acórdão que considere a ação procedente e condene os réus ora recorridos ao pagamento da indemnização pelo valor gasto nas benfeitorias úteis, valor calculado de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273º, nº 2 do CC); ou, de forma subsidiária, ser atribuída à recorrente uma quantia por parte dos recorridos arbitrada com recurso à equidade, tendo por base as obras realizadas e a valorização do imóvel com as mesmas. * Pelos recorridos BB, CC e DD foi apresentaram resposta onde concluem que deve a douta decisão da Primeira Instância ser mantida, nos precisos termos em que foi prolatada, com todas as, legais, consequências.* E) Foram colhidos os vistos legais.F) As questões a decidir no recurso são as de saber: 1) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto; 2) Se deverá ser alterada a decisão jurídica da causa, nos termos pretendidos pela apelante. * II. FUNDAMENTAÇÃOA) Na 1ª instância resultou apurada a seguinte matéria de facto: I. FACTOS PROVADOS 3.1. A autora e o réu BB foram casados, sob o regime da separação de bens, entre ../../2003 e ../../2021, casamento esse do qual nasceram dois filhos. 3.2. A partir de finais de 2019, a autora e o réu BB deixaram de fazer vida em comum. 3.3. Durante grande parte da sua vida de casados, a autora e o réu BB viveram em .... 3.4. No início de 2013, a autora e o réu BB decidiram regressar a Portugal, mais concretamente para ..., terra dos pais daquele último, os aqui réus CC e DD, tendo então passado a viver numa casa de que estes últimos eram proprietários sita na Rua ..., .... 3.5. Àquela data, a moradia em causa tratava-se de uma casa com três quartos, um dos quais suite, uma casa de banho, cozinha totalmente equipada, salão, sala de estar e sala de jantar, encontrando-se toda mobilada, com o piso em madeira, com portas interiores em madeira, caixilharias em alumínio, integrando uma adega e garagem no piso térreo e estando o sótão já isolado com pladur, sendo a cobertura com telha de cimento. 3.6. Aquela era a casa que a autora e todos os réus ocupavam quando em férias, em todos e cada um dos anos em que se deslocavam a Portugal. 3.7. Por iniciativa da autora e do réu BB, a moradia supra id. sofreu obras nos anos de 2014/2015, designadamente tendo em vista proporcionar-lhes bem como aos seus filhos maior conforto. 3.8. Em concreto, as obras levadas a cabo por autora e réu BB consistiram na pintura das paredes interiores e exteriores, dos tetos e do telhado, na colocação de azulejo nas casas de banho (por cima do então existente) e de mosaico no pavimento (por cima da pedra mármore que ali existia), bem como de flutuante sintético (em cima de piso em madeira), novas louças sanitárias e torneiras, nova caixilharia em alumínio e estores em alumínio elétricos, o que terá computado um valor total de €47.000,00. 3.9. Ainda, por força da intervenção naqueles termos promovida, foram abolidos dois quartos, e uma casa de banho, passando a dispor a habitação de dois quartos no piso do sótão. 3.10. Findas as obras, a autora e o réu BB passaram então a viver na habitação em causa, na companhia dos respetivos filhos, aquela primeira até finais de 2019, sem que fosse paga qualquer contrapartida dessa fruição, a título de renda ou a qualquer outro. * II. FACTOS NÂO PROVADOSa) Durante toda a sua vida em comum em ..., ambos autora e réu BB trabalhavam e proviam pelo sustento do seu lar, bem como de fazer algumas poupanças, que eram depositadas sempre em conta titulada em comum. b) Todos os valores depositados/existentes nas contas bancárias tituladas por autora e réu BB pertenciam a ambos em igual parte. c) Nas circunstâncias referidas em 3.4. dos factos provados, a moradia ali id. necessitava de obras significativas. d) A autora e o réu BB resolveram trazer para Portugal o dinheiro que tinham poupado em ... e que era comum a ambos, através de transferências bancárias datadas de 2013-07-26, no montante de €56.500,00, e de 2013-09-24, no montante de €152.500,00, com o objetivo de remodelarem completamente a casa que era propriedade dos réus CC e DD e para lá morarem. e) As obras levadas a cabo por autora e réu BB foram feitas com o consentimento dos réus CC e DD. f) As obras levadas a cabo por autora e réu BB ascenderam a um total de cerca de €150.000,00. g) As obras levadas a cabo por autora e réu BB foram pagas com valores pertencentes a ambos. h) As obras realizadas e melhor descritas em 3.8. dos factos provados eram necessárias e elevaram consideravelmente o valor do imóvel para os seus proprietários e também para quem lá habita. i) Nas circunstâncias referidas em 3.10. dos factos provados, autora e réu BB continuaram a sua vida em comum, com aquela primeira a trabalhar juntamente com o segundo nas vinhas e nas terras que eram propriedade dos pais do mesmo, sempre utilizando as contas bancárias tituladas conjuntamente pelos dois, com dinheiro comum de ambos. * B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.* C) Como questão prévia importa apreciar a junção requerida de um documento, de uma tradução de um ato notarial autêntico de um Cartório localizado em ... (...), referente à venda de uma propriedade construída, alegando simplesmente “que apenas neste momento foi possível apresentar.”Os apelados sustentam que a junção do documento deve ser liminarmente indeferida. Vejamos. Estabelece o artigo 651º nº 1 NCPC que: “1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2. …” A este propósito referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição, a páginas 813, que “no recurso de apelação, é legítimo às partes fazer acompanhar as alegações de documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva) ou quando tal apresentação apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido. A jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estrarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.” Por sua vez o artigo 425º NCPC dispõe que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.” Como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 24 fevereiro 2022, no processo 722/18.0T8VNF-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, “são, assim, duas, as situações excecionais em que é permitida, no recurso de apelação, a junção de documentos com as alegações: nas situações do artigo 425º NCPC ou quando a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª Instância. Os apelantes limitam-se a afirmar requerer “a junção da sentença junta por virtude de a junção da mesma se tornar necessária em função do julgamento proferido na 1ª instância, designadamente da sentença ora recorrida”, sem concretizar os específicos fundamentos para tal que permitissem concluir que preenchem um dos requisitos para a sua admissibilidade. Tratando-se de uma situação de admissibilidade excecional de documentos, impõe-se que a parte justifique, em concreto, as razões que permitem considerar que a situação integre alguma das referidas situações, não bastando que se justifique com a letra da lei. ( … )” Assim, porque não se mostra preenchido o requisito previsto no artigo 425º NCPC, de que apenas neste momento tenha sido possível apresentar o documento, dado que nenhum fundamento válido foi demonstrado, sendo certo que a data da elaboração do documento em causa é 18/06/2013, pelo que a junção do mesmo não é permitida por lei e, como tal, não se admite a requerida junção, devendo o mesmo ser devolvido à parte. * A apelante discorda da decisão da matéria de facto quanto aos pontos a), b), d), e), g) e h) dos Factos não Provados.Entende a apelante que quanto aos pontos a), b), e) e g), devem os mesmos ser considerados como provados. Por sua vez, sustenta que o ponto d), deve ser corrigido e passar a constar nos Factos Provados, com a seguinte formulação: “A autora e o réu BB resolveram trazer para Portugal o dinheiro que tinham poupado em ... e que era comum a ambos, através de transferências bancárias datadas de 2013-07-26, no montante de €56.000,00€, e de 2013-09-24, no montante de €152.500,00, com o objetivo de remodelarem completamente a casa que era propriedade dos réus CC e DD e para lá morarem.” Quanto ao ponto h), refere a apelante que deve ser alterado e incluído nos Factos Provados, para: “As obras realizadas e melhor descritas em 3.8. dos factos provados eram úteis e elevaram consideravelmente o valor do imóvel para os seus proprietários e também para quem lá habita.” * Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2010, disponível na base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt “a apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “...segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da atividade intelectual e, portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica...”A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “...a certeza absoluta, (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) ...”, mas tão só, “...de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.” A certeza a que conduz a prova suficiente é, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta. Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 07/06/2005, relativamente à apreciação da prova, “quer seja na 1ª instância, quer seja na Relação, a questão é sempre de valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação. Vigoram, em ambos os casos, para os julgadores desses tribunais, as mesmas regras e os mesmos princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (...) consagrado no artigo 655º nº 1 do Código de Processo Civil (atual 607º nº 5 NCPC). Significa isto que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formulação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções refletidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação.” Um dos princípios que devem presidir ao julgamento é o da livre apreciação da prova, impondo-se ao juiz que decida de acordo com a sua prudente convicção acerca de cada facto, mas, quando a lei imponha para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada (artigo 655º do Código de Processo Civil – artigo 607º nº 5 NCPC). Segundo este princípio, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas (Professor Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 384). E importa que se tenha em consideração que a apreciação da prova terá de ser valorada a partir de uma perspetiva crítica, global e objetiva e não parcial ou truncada e subjetiva. * A apelante discorda da decisão da matéria de facto quanto aos pontos a), b), d), e), g) e h) dos Factos não Provados.Entende a apelante que quanto aos pontos a), b), e) e g), devem os mesmos ser considerados como provados. Por sua vez, sustenta que o ponto d), deve ser corrigido e passar a constar nos Factos Provados, com a seguinte formulação: “A autora e o réu BB resolveram trazer para Portugal o dinheiro que tinham poupado em ... e que era comum a ambos, através de transferências bancárias datadas de 2013-07-26, no montante de €56.000,00€, e de 2013-09-24, no montante de €152.500,00, com o objetivo de remodelarem completamente a casa que era propriedade dos réus CC e DD e para lá morarem.” Quanto ao ponto h), refere a apelante que deve ser alterado e incluído nos Factos Provados, para: “As obras realizadas e melhor descritas em 3.8. dos factos provados eram úteis e elevaram consideravelmente o valor do imóvel para os seus proprietários e também para quem lá habita.” Recorde-se que nos factos considerados pelo Tribunal como não provados nos pontos a) e b), consta que: “a) Durante toda a sua vida em comum em ..., ambos autora e réu BB trabalhavam e proviam pelo sustento do seu lar, bem como de fazer algumas poupanças, que eram depositadas sempre em conta titulada em comum. b) Todos os valores depositados/existentes nas contas bancárias tituladas por autora e réu BB pertenciam a ambos em igual parte.” Relativamente a estes pontos, cujo ónus de prova incumbia à autora (artigo 342º do Código Civil), não resulta que, através dos meios de prova apresentados e delimitados se deva alterar a decisão da matéria de facto indicada, basta ver que, quer da documentação indicada, quer dos excertos dos depoimento das testemunhas, pais e amiga da apelante, não resulta demonstrada a verificação dos factos indicados, basta ouvir os respetivos depoimentos e analisar o teor dos documentos, motivo pelo qual se manterá a formulação dos pontos a) e b) dos factos não provados. Com referência ao ponto d) dos factos não provados, dos documentos indicados, apenas resulta provado que foram efetuados alguns movimentos bancários, desconhecendo-se a identidade da titularidade das respetivas contas, bem como a origem das respetivas verbas, motivo pelo qual se terá de considerar que a autora não logrou demonstrar a ocorrência de tal factualidade que, assim, se manterá. No que se refere ao ponto g) dos factos não provados, não há elementos probatórios suficientemente relevantes que determinem a alteração da decisão quanto a este ponto, que permitam considerar que as obras foram pagas com valores pertencentes a ambos, isto é, à autora e ao 1º réu, como, de resto, se referiu a propósito do ponto anterior; aliás, é impressiva a resposta que a testemunha indicada pela apelante, FF deu, quando questionado se sabia como é que era feita a gestão do dia-a-dia deles, ou seja, se eles geriam o seu próprio património, se eles tinham contas e se eram conjuntas, respondeu, “eu sei que no dia-a-dia geriam em conjunto os dois, isso é o que eu posso dizer, mais nada”, o que denota o desconhecimento da matéria em questão. Quanto aos depoimentos dos pais da autora, o seu conhecimento da matéria aparenta basear-se em suposições, ou no que lhes foi dito pela apelante sua filha, o que não é de molde a justificar a alteração do ponto em questão, motivo pelo qual se manterá a formulação deste item. No que respeita ao ponto e) dos factos não provados, onde se refere que “e) As obras levadas a cabo por autora e réu BB foram feitas com o consentimento dos réus CC e DD”, não foi indicado qualquer meio de prova, antes se pretende justificar a sua alteração com argumentos de ordem lógica. Sucede, no entanto, que o artigo 640º NCPC dispõe, no que aqui interessa, que: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. ( … )”. Resulta, assim, do exposto, que, para além da indicação de quais os concretos pontos de facto que a parte considera incorretamente julgados, da indicação de específicos meios de prova que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicação essa que a apelante omitiu completamente, motivo pelo qual, quanto ao ponto e) o recurso terá de ser rejeitado, mantendo-se a formulação do mesmo ponto. Por último, no que se refere ao ponto h) dos factos não provados, aí consta que “h) As obras realizadas e melhor descritas em 3.8. dos factos provados eram necessárias e elevaram consideravelmente o valor do imóvel para os seus proprietários e também para quem lá habita”, pretendendo a apelante que seja dado como provado com a seguinte formulação: “As obras realizadas e melhor descritas em 3.8. dos factos provados eram úteis e elevaram consideravelmente o valor do imóvel para os seus proprietários e também para quem lá habita”. Importa notar que as expressões “obras úteis” e “elevaram consideravelmente o valor do imóvel” se traduzem em conceitos genéricos e conclusivos, que nunca permitiriam percecionar a realidade concreta que visavam, pelo que nunca se justificaria a pretendida alteração, ainda que fosse possível sustentá-la através de concretos meios de prova, nomeadamente testemunhal. A este propósito, escreveu-se no Acórdão da Relação do Porto de 24/10/2024, no processo 3172/23.2T8PRT.P1relatado por Isabel Peixoto Teixeira que no “Acórdão da Relação de Guimarães de 11.11.2021 (671/20.1T8BGC.G1), relatado por Raquel Batista Tavares, “não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir “factos provados” para esse efeito as afirmações que “numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido”… De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a “assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”. No mesmo sentido, o Acórdão da mesma Relação de 31.03.2022 (294/19.8T8MAC.G1), relatado por Pedro Maurício, sintetiza a questão nos seguintes termos: “[a]figura-se-nos que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor.” E, sufragando RP 07.12.2018 (338/17.8YRPRT), acrescenta que: “Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais.” Deste modo, tendo presente que a linha divisória entre o facto e o direito não é linear, tudo dependendo, no dizer de Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Coimbra: Almedina, 1982, p. 270, “em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes”, há sempre que verificar se o facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo que importa para uma decisão justa. Na verdade, como se salienta em STJ 14.07.2021 (19035/17.8T8PRT.P1.S1), relatado por Júlio Gomes, citando um outro aresto do mesmo Tribunal, este de 13.11.2007, “torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo de juízos como não escritos. Aliás, não pode perder-se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas” Ainda quando os factos conclusivos estejam diretamente relacionados com o thema decidendum, apenas são a desconsiderar quando impeçam ou dificultem de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor. Certo estar o objeto da ação totalmente dependente do significado real da expressão técnico-jurídica utilizada (necessidade), há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tal expressão não pode ser submetida a prova e integrar a decisão sobre matéria de facto, desde logo por não se reconduzir a um significado comum ou corrente perfeitamente inequívoco ou objetivável.” Por todo o exposto improcede a pretensão, mantendo-se a formulação do ponto h) dos factos não provados * Quanto à matéria de direito, a questão é suscetível de integrar, em abnstrato, uma situação de enriquecimento sem causa, cujo princípio geral consta do artigo 473º Código Civil.São requisitos constitutivos deste instituto: a existência de um enriquecimento; que careça de causa justificativa; e que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de caráter patrimonial, que se pode traduzir num aumento do ativo patrimonial, umas vezes, numa diminuição do passivo, noutras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de um direito alheio ou, ainda, na poupança de despesas (cfr., sobre toda esta matéria, o Código Civil Anotado, Volume I, Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 473º). Da matéria de facto provada (pontos 3.7, 3.8 e 3.9) resulta ter a autora e o réu BB realizado benfeitorias no imóvel, cuja indemnização a apelante e autora peticiona. Nos termos do artigo 216º do Código Civil. “1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. 2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias. 3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.” Em face da matéria de facto apurada (pontos 3.7 e 3.8 dos factos provados), resulta que as benfeitorias referidas são úteis, uma vez que não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor. Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela (artigo 1273º nº 1 Código Civil). E no número 2 do mesmo artigo e diploma estabelece-se que “quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.” A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, não podendo a obrigação de restituir exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo 480º (artigo 479º Código Civil). Sustenta a apelante que o direito a obter o valor das benfeitorias que o possuidor pretenda obter com base no disposto no nº 2 do artigo 1273º do Código Civil está sujeito ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos do artigo 309º do Código Civil e não ao prazo de especial de três anos estabelecido no artigo 482º Código Civil, Vejamos. Por força do disposto no artigo 482º Código Civil “o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento.” Por outro lado, o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (artigo 309º Código Civil). Refere Ana Prata in Código Civil anotado, Vol. I, em anotação ao artigo 482º: “Prevê-se um prazo especial de três anos contados do momento em que o empobrecido sabe que ocorreu um enriquecimento injustificado de outrem à custa do seu património e quem foi a pessoa que dele beneficiou. Simultânea e independentemente de qualquer conhecimento dos factos, inicia-se no momento do enriquecimento a contagem do prazo de vinte anos, prazo ordinário (artigo 329º). Logo que um destes prazos termine, a obrigação de restituir encontra-se prescrita, pelo que o devedor pode opor ao credor a prescrição (artigos 303º e nº 1 do 304º), não podendo ser obrigado ao cumprimento.” Por sua vez, refere Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, páginas 517-518, que “O direito à restituição do que foi obtido sem justa causa está sujeito à prescrição, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável (artigo 482º). É um dos poucos casos de prescrição de curto prazo, constituindo a norma do artigo 482º uma caso paralelo da disposição (artigo 498º) que sujeita a prazo semelhante o direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual. A razão de ser do prazo excecional fixado no artigo 482º está na pressão que a lei pretende compreensivelmente exercer sobre o credor no sentido de usar do seu direito, logo que tenha os elementos necessários para agir: o conhecimento do direito que lhe assiste (como quem diz dos elementos constitutivos do seu direito) e da pessoa do responsável. Estes dois elementos andam normalmente associados no tempo, mas nem sempre. ( … ) Subjacente à prescrição (excecional) de três anos, condicionada pelos dois requisitos a que se refere a parte introdutória do artigo 482º, está, no entanto, a prescrição ordinária (de 20 anos: artigo 309º), que se conta a partir da data do enriquecimento. A conjugação dos dois prazos de prescrição, nos termos em que o artigo 482º os consagra, não levanta dificuldades. O direito do credor prescreve logo que decorram três anos sobre a data em que, tendo conhecimento do seu direito e da pessoa do devedor, ele não agiu. Se, porém, antes que sobre este duplo conhecimento hajam decorrido os três anos referidos na lei, vinte anos houverem passado, sobre a data do enriquecimento sem o credor ter agido, de igual modo o seu direito prescreverá (por força da chamada prescrição ordinária). Parte-se manifestamente do pressuposto de que vinte anos serão, na generalidade dos casos, prazo bastante para o credor diligente tomar conhecimento do direito que lhe compete e apurar a pessoa do responsável. Atento todo o exposto, resulta que, para além de não ter a autora demonstrado a existência do prejuízo (empobrecimento) que invoca, sempre estaríamos perante a prescrição do alegado direito de indemnização que peticionou, motivo pelo qual a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se a douta sentença recorrida. Face ao decaimento da posição da apelante, sobre a mesma recai a obrigação de suportar as custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC). * D) Em conclusão:… *** III. DECISÃOPelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida. Custas pela apelante. Notifique. * Guimarães, 13/11/2025 Relator: António Figueiredo de Almeida 1º Adjunto Desembargador Paulo Reis 2º Adjunto: Desembargador Joaquim Boavida |