Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | RAQUEL BAPTISTA TAVARES | ||
| Descritores: | TEMPESTIVIDADE DO RECURSO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL SOCIEDADES POR QUOTAS CELEBRAÇÃO DE NEGÓCIOS PELA SOCIEDADE COM OS SEUS GERENTES CLÁUSULA PENAL REDUÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - A verificação da tempestividade do recurso, se o recorrente efetivamente demonstrou vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, é independente da eventual existência de motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento no incumprimento de algum dos ónus previstos no artigo 640º. II - A nulidade do processo decorrente da ineptidão da petição inicial é sanada quando, contestando o réu e ainda que ele invoque a respetiva ineptidão, resulte da contestação que ele interpretou convenientemente a petição inicial, sendo que à contestação é equiparável, para este efeito, a petição inicial dos embargos de executado. III - No tocante às sociedades por quotas, o Código das Sociedades Comerciais não contém norma expressa sobre a possibilidade de celebração de negócios pela sociedade com os seus gerentes e nem remete para o regime das sociedades anónimas, perfilhando-se na resposta a dar a esta questão três teses: uma a defender a aplicação do disposto no artigo 261º do Código Civil, outra a considerar a aplicação do disposto no referido artigo 397º do CSC e uma última defendendo a aplicação de um regime “ad hoc” criado pelo intérprete do Direito, numa interpretação integrativa da lacuna, ao abrigo do disposto no artigo 10º, n.º 3, do Código Civil. IV - As quotas integralmente liberadas podem ser adquiridas nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 220º do Código das Sociedades Comerciais em três situações distintas: a) quando a aquisição é gratuita; b) quando a aquisição decorre de ação executiva movida contra o sócio; c) quando a sociedade opta pela aquisição da quota e para tanto dispõe de reservas livres em montante igual ou superior ao dobro do contravalor a prestar. V - A redução da cláusula penal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 812º do Código Civil pressupõe que esta seja manifestamente excessiva. VI - É ao devedor que pretenda a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta, que compete alegar e provar os factos necessários para que o tribunal assim o possa concluir. VII - Havendo cumprimento parcial da obrigação deve recorrer-se a um critério de proporcionalidade para determinar se e em que medida deve o montante da cláusula penal ser reduzido em face do disposto no n.º 2 do artigo 812º do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório EMP01... LDA deduziu a presente oposição à execução mediante embargos de executado, por apenso à execução n.º 7211/17.8T8VNF para pagamento da quantia de €441 783,21, em que são Exequentes AA, BB, CC e DD. Alega em síntese que são nulos os negócios celebrados pelo Gerente CC, em representação da sociedade e que serviram de fundamento à execução. Sustenta que estão feridos de nulidade: a cessão de quotas do Senhor AA e do Senhor BB à Executada, representada pelo seu Pai e Gerente CC, tendo esta sido precedida de uma doação deste e da sua esposa para aqueles, a cessão de quotas do Senhor CC e da Dona DD da sociedade EMP02... Lda. à Executada representada pelo Senhor CC e a venda do prédio à Executada em que o Senhor CC e Esposa eram usufrutuários e os filhos titulares da nua propriedade ou da raiz. Mais alega que é manifestamente excessivo o valor fixado a título de clausula penal e, como tal, deve o tribunal reduzir o montante fixado a título de clausula penal com recurso à equidade. Sustenta, por último, que a cláusula penal deve ser reduzida porquanto existiu pagamento, ainda que parcial, daquilo que é devido aos Embargados BB e AA, nos termos do n.º 2 do artigo 812.º do Código Civil. Admitidos os Embargos de Executado, os Exequentes contestaram sustentando que não existe qualquer deliberação social que seja nula ou tenha sido anulada e invocando a pendência de uma ação que visa a anulação das deliberações sociais, a correr seus termos sob o n.º 5809/18.6T8VNF. Mais alegam que a cláusula penal acordada entre as partes não é excessiva e que a Embargante age com má-fé processual. Foi suspensa a instância com fundamento em causa prejudicial. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 243/18.0T8VNF, que correu seus termos no J... Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão da Comarca de Braga, foi decido o seguinte: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julgo improcedente a ação e consequentemente, absolvo a Ré sociedade do pedido de declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 5/9/2013.” Foi realizada a audiência prévia. Por requerimento datado de 25/03/2025, a Embargante veio invocar, quanto à venda da fração ..., que apenas poderá estar em discussão a quantia de €38.206,30, pertencente aos irmãos AA e BB porquanto está reconhecido o pagamento de 2 prestações e EE não é parte nesta execução e como tal, não pode o seu crédito ser reclamado, não tendo os Exequentes alegado factos que permitam concluir com o seu pedido, nomeadamente quanto ao facto de ser devido a cada um deles a quantia de € 110.534,04, e que, relativamente aos Exequentes CC e DD, não foi alegado um qualquer facto e que a causa de pedir não justifica os valares pedidos do Requerimento Executivo, nomeadamente quanto aos Exequentes CC e DD, inexistindo qualquer facto concretizador das pretensões, destes Exequentes. Requer a Embargante a sua absolvição da instância. Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “5.- Decisão: Pelo exposto, na ausência de qualquer outra questão de facto e de direito, decido: 5.1.- Julgar improcedentes os presentes embargos à execução e, em consequência, determinar o prosseguimento da execução contra a ora embargante. 5.2.- Julgar improcedentes os pedidos de condenação das partes como litigantes de má fé. 5.3.- Custas pela embargante. 5.4.- Registe e notifique. 5.5- Informe o AE do teor da presente sentença”. Inconformada, apelou a Embargante concluindo as suas alegações da seguinte forma: “a) Inexiste causa de pedir que legitime o pedido dos Exequentes CC e DD, o que por si só é apto a gerar a ineptidão de todo o requerimento executivo, o que constitui exceção dilatória não suprível, por constituir vício enquadrável na alínea b) do nº 2 do art. 726º do CPC, sobre o qual não podia resultar um convite ao aperfeiçoamento, pelo menos quanto à parte destes exequentes. b) Existe uma contradição entre o facto 14 e o facto 8 dos factos provados; c) Dos documentos públicos juntos, o facto 14 terá de ter a seguinte redação: Os exequentes AA e BB, por escritura pública de "Cessões de Quotas", outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas "EMP03..., LDA., a esta sociedade, pelo preço de €136.101,00 (cento e trinta e seis mil, cento e um euros), conforme documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.” d) facto 17, o mesmo está em clara contradição com o facto 7 da mesma lista de factos provados. e) O facto 17 de acordo com a escritura pública junta enquanto documento de fls. (...) “17 - Por escritura de compra e venda celebrada na mesma data os exequentes venderam à executada a propriedade da fração ..., com entrada pelos números ...49 a ...55, sito na Rua ..., pelo preço global de €91.695,00 (noventa e um mil seiscentos e noventa e cinco euros), a pagar em sete prestações de €3.820,63 (três mil oitocentos e vinte euros e sessenta três cêntimos), anuais e sucessivas a cada um dos exequentes. As prestações vencidas em 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2017 não foram liquidadas aos exequentes, conforme documento n.º 4 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.” f) Das redações acima mencionadas não resulta que a executada tenha qualquer débito quanto aos Exequentes CC e DD; g) Da IES junta e do depoimento do Dr. GG, tem de resulta provado o seguinte: em 05.09.2013 a executada não detinha reservas livres suficientes para que estivessem preenchidos os requisitos necessários para a aquisição de quotas próprias por parte da mesma; h) A aplicabilidade do n.º 2 do artigo 397.º às sociedades por quotas tem de ser invocada pela aplicação do disposto do artigo 2.º do Código das Sociedades Comerciais, que impõe a aplicação, em casos omissos, de regulamentação dos casos análogos previsto nesse mesmo Código. i) A proibição de negócios da sociedade com os Administradores é uma decorrência do principio geral orientador do Código das Sociedades Comerciais – O PRINCÍPIO DA LEALDADE – artigo 64.º n.º 1 al.) b) do Código das Sociedades Comerciais, Estão feridos de nulidade os negócios celebrados entre o Gerente CC e a Executada, nos termos do n.º 2 do artigo 379.º do Código das Sociedades Comerciais. que importará os efeitos previstos no artigo 289.º do Código Civil. j) CC, enquanto gerente da Executada, violou culposamente o dever geral de diligência consagrado, no artigo 64.º CSC, nas suas duas vertentes – lealdade e cuidado, atendendo aos seus interesses e dos filhos em detrimento dos da sociedade – os negócios por si celebrados importaram a assunção de uma responsabilidade desta a favor daqueles no valor de € 512.270,00; k) A data do negócio a sociedade detinha de reservas livres a quantia de 540.952,85, valor insuficiente para adquirir as quotas à data tituladas por AA e BB, pelo valor de € 272.202,00; l) Para que a sociedade pudesse adquirir tais quotas teria de ter de reservas livres a quantia de 544.404,00, o que não acontecia. E, como tal, é nula a aquisição de quotas da Executada a AA e BB, nos termos do n.º 3 do artigo 220.º do Código das Sociedades Comerciais. Por fim, m) A Clausula Penal em que a Apelante foi condenada é manifestamente excessiva, impondo-se portanto, a sua redução, com recurso à equidade.” Pugna a Recorrente pela revogação da sentença recorrida. Os Embargados apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II. Delimitação do Objeto do RecursoO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC). As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, são as seguintes: 1 – Da tempestividade do recurso e se a Recorrente beneficia do prazo adicional de 10 dias previsto no artigo 638º n.º 7 do CPC; 2 - Da insuficiência de causa de pedir quanto aos Exequentes CC e DD; 3 – Da rejeição do recurso da decisão sobre a matéria de facto; 4 - Da existência de erro no julgamento da matéria de facto; 5 – Na existência de erro na subsunção jurídica dos factos: 5.1. Da nulidade dos negócios celebrados: da cessão de quotas da Executada, da cessão de quotas da sociedade EMP02... Lda e da venda da fração ...; 5.2. Da violação do artigo 220º do Código das Sociedades Comerciais; 5.3. Da redução da cláusula penal. *** III. Fundamentação3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1.- No ano de 2013 a executada era uma sociedade por quotas que adotava a denominação social de EMP03... Lda, e o seu capital social era constituído por três quotas, assim divididas: a) Uma quota no valor de € 9.000,00, pertencente a CC; b) Uma quota no valor de € 9.000,00, pertencente a DD; c) Uma quota no valor de € 12.000,00, pertencente a EE. 2.- O sócio CC e a sócia DD são casados entre si no regime da comunhão geral, conforme documento n.º 1 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 3.- A identificada sociedade tinha a sua sede na Rua ..., na freguesia ..., concelho ... e como único gerente o sócio CC, conforme documento n.º 2 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 4.- Nas mesmas instalações da executada funcionava uma outra sociedade de nome EMP02... Lda. cujas quotas eram pertença do Sr. CC e da Sra. D. DD, nomeadamente, uma quota no valor nominal de € 49.879,79 pertencente a CC; e uma quota no valor nominal de € 49.879,79, pertencente a DD. 5.- Nesta última sociedade, também era gerente o Sr. CC, conforme documento n.º 3 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 6.- O Imóvel onde ambas as sociedades tinham sede, - fração autónoma designada pela letra ..., destinada a armazém, situada no ..., pertencendo-lhe todo o logradouro com entrada pelo pertencia a nua propriedade em quotas iguais a AA, BB e EE, 7.- … sendo o usufruto pertencente a CC e a HH. 8.- No dia 5 de setembro de 2013, por escritura pública outorgada, o CC e a HH doaram aos seus filhos AA e BB, as duas quotas de que eram titulares da Executada, conforme documento n.º 4 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 9.- No mesmo dia e no mesmo cartório notarial, o AA e o BB, também por escritura pública, declararam vender à executada as quotas que lhe tinham sido doadas pelos seus pais, conforme documento n.º 3 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 10.- No dia 5 de setembro de 2013, no mesmo cartório notarial, na qualidade de únicos sócios da EMP02..., Lda., pessoa coletiva n.º ...89, o CC e a HH venderam as suas quotas à Executada pela quantia de € 68.050,50, cada quota. 11.- No dia 5 de Setembro de 2013, e no mesmo Cartório Notarial o Sr. CC, enquanto gerente da Executada declarou comprar em representação desta, um imóvel correspondente à fração designada pela letra ..., destinada a armazém, situado no ..., com entrada pelos números ...49 a ...55, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., da freguesia ..., do concelho ..., descrito na competente conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50. 12.- No âmbito da ação n.º 243/18.0T8VNF, que correu seus termos no J... de Comércio de ... da Comarca de Braga, foi peticionada pela II contra EMP01..., EMP01..., Lda., CC e DD, a nulidade das seguintes deliberações: -deliberação de aquisição de quotas da sociedade EMP02... Lda.; - deliberação de aquisição de quotas próprias; - deliberação de aquisição de imóvel, conforme douta sentença junta aos autos no passado dia 15-06-2020, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 13.- Por douta sentença proferida no âmbito dos referidos autos, já transitada em julgado, a identificada ação foi julgada improcedente. 14.- Os exequentes por escritura pública de "Cessões de Quotas", outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., cederam a quota que cada exequente detinha na sociedade comercial por quotas "EMP03..., LDA., a esta sociedade, pelo preço de €136.101,00 (cento e trinta e seis mil, cento e um euros), conforme documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 15.- Na data da outorga da aludida escritura os exequentes receberam a quantia de €17.012,63 cada um (dezassete mil, doze euros e sessenta e três cêntimos). 16.- Relativamente ao restante valor em divida - €119.088,37 (cento e dezanove mil, oitenta e oito euros e trinta e sete cêntimos) —, essa Sociedade obrigou-se a pagá-lo em sete prestações anuais, iguais e sucessivas no valor de €17.012,62 (dezassete mil, doze euros e sessenta e dois) a cada um dos exequentes. 17.- Por escritura de compra e venda celebrada na mesma data os exequentes venderam à executada a propriedade da fração ..., com entrada pelos números ...49 a ...55, sito na Rua ..., pelo preço global de €91.695,00 (noventa e um mil seiscentos e noventa e cinco euros), a pagar em sete prestações de €3.820,63 (três mil oitocentos e vinte euros e sessenta três cêntimos), anuais e sucessivas a cada um dos exequentes. As prestações vencidas em 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2017 não foram liquidadas aos exequentes, conforme documento n.º 4 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 18.- Foram liquidadas as duas primeiras prestações anuais devidas aos exequentes, embora com atraso. 19.- Sucede que, apesar das diversas interpelações realizadas não foi feito qualquer pagamento referente as prestações devidas a 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2017, conforme documento n.º 5 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 20.- A título de cláusula penal ficou estabelecido que em caso de incumprimento de qualquer uma das prestações seria exigível o valor de €100.000,00 (cem mil euros). * Factos considerados não provados em Primeira Instância“Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes”. *** 3.2. Da tempestividade do recursoOs Recorridos vieram suscitar nas contra-alegações, a título de questão prévia, a rejeição do recurso por intempestivo, sustentando que a Recorrente não beneficia do prazo adicional de 10 dias previsto no n.º 7 do artigo 638º do CPC, uma vez que, em seu entender, o recurso não tem por objeto a reapreciação da prova gravada. Vejamos. O artigo 638º n.º 7 do CPC estabelece que se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias. Por outro lado, o artigo 640º do CPC estabelece efetivamente um ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto. Decorre do seu n.º 1 que quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Incumbindo ainda ao Recorrente (n.º 2 do mesmo preceito), sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes e ainda, independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. Conforme temos entendido, a questão do prazo de interposição do recurso e da sua tempestividade, designadamente se o recorrente beneficia do acréscimo de 10 dias a que se refere o artigo 638º n.º 7, no caso de o recurso ter por objeto a reapreciação da prova gravada, é independente e distinta (e até prévia) da questão da observância, ou falta de cumprimento, do ónus de impugnação exigido pelo artigo 640º do CPC. É neste sentido o ensinamento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 826-827) referindo que: “[n]a apelação, pretendendo impugnar a decisão da matéria de facto a partir da reapreciação de meios de prova gravados (e apenas neste caso), o recorrente beneficia de um acréscimo de 10 dias. Para o efeito, é necessário que a alegação apresentada pelo recorrente contenha alguma impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto a partir da reponderação de meios de prova que, tendo sido prestados oralmente, tenham ficado registados, independentemente do juízo que ulteriormente seja feito acerca do cumprimento do ónus de indicação das passagens da gravação ou de qualquer outro requisito previsto no art.º 640º. A apreciação do modo como foram preenchidos os ónus de alegação (…) poderão naturalmente condicionar o conhecimento de tal impugnação, mas não colocam em crise a tempestividade do recurso de apelação que, naquelas condições, tenha sido apresentado dentro do prazo alargado (…)”. Neste mesmo sentido podemos citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2021 (Processo n.º 18853/17.1T8PRT.P1.S1, Relator Tibério Nunes da Silva, disponível para consulta em www.dgsi.pt), em cujo sumário podemos ler que “[na] avaliação da tempestividade de um recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo previsto no art. 638º, nº 7, do CPC, há que verificar se faz parte do objeto desse recurso a reapreciação de prova gravada, o que é independente da observância dos ditames do art. 640º do CPC” (também no mesmo sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22/10/2015, Processo n.º 2394/11.3TBVCT.G1.S1, Relator Lopes do Rego, de 03/03/2016, Processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, Relatora Ana Luísa Geraldes, de 28/04/2016, Processo n.º 1006/12.2TBPRD.P1.S1, Relator Abrantes Geraldes, de 06-06-2018, Processo n.º 4691/16.2T8LSB.L1.S1, Relator Ferreira Pinto, de 06/06/2019, Processo n.º 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1, Relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, de 24/10/2019, Processo n.º 3150/13.0TBPTM.E1.S1, Relator Paulo Ferreira da Cunha, de 21/10/2020, Processo n.º 1779/18.9T8BRG.G1.S1, Relator Jorge Dias, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). Perfilhamos, por isso, o entendimento de que basta resultar das alegações de recurso a intenção do recorrente em alterar a decisão sobre a matéria de facto com base na reapreciação da prova gravada, para lhe aproveitar o prazo suplementar de dez dias referido no n.º 7 do artigo 638º do CPC, independentemente de vir a considerar-se que o recorrente não cumpriu todos os ónus de alegação impostos pelo referido artigo 640º; isto é, a verificação da tempestividade do recurso, se o recorrente efetivamente demonstrou vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, é independente da eventual existência de motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento no incumprimento de algum dos ónus previstos no artigo 640º. Na verdade, se o beneficio dos dez dias para interposição do recurso não se pode bastar com o simples facto de existir prova gravada, ou do julgador ter invocado tais meios na sua motivação, antes sendo necessário que a impugnação da decisão da matéria de facto pelo recorrente tenha como pressuposto a reapreciação desses meios de prova, também não é de exigir para a tempestividade do recurso o integral cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º do CPC. No caso concreto, analisando as alegações da Recorrente, entendemos ser de concluir que nelas se apreende a intenção de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada relativamente ao ponto da matéria de facto que pretende seja dado como provado), pelo que, independentemente da verificação do cumprimento dos ónus resultantes do referido artigo 640º do CPC (a que iremos proceder), pode a Recorrente beneficiar do acréscimo do prazo de 10 dias, previsto no n.º 7 do artigo 638º do mesmo Código, sendo tempestiva a interposição do presente recurso. *** 3.3. Da inexistência da causa de pedir relativamente aos Exequentes CC e DDA Recorrente invocou a insuficiência de factos, no requerimento executivo, que sustentem os créditos dos Exequentes CC e DD, entendendo inexistir causa de pedir quanto a estes Exequentes, impondo-se a absolvição da instância da Recorrente quanto ao crédito reclamado pelos mesmos, no montante de €147.261,07. Pelo Tribunal de 1ª Instância foi entendido que a Recorrente tinha invocado a exceção da ilegitimidade ativa dos Exequentes CC e DD, a qual julgou improcedente. Consta da sentença recorrida a este propósito o seguinte: “(…) No caso em apreço, é indiscutível que a executada, em consonância com os dizeres do título executivo, identificou a natureza da sua obrigação e identificou corretamente, nos vários requerimentos que dirigiu ao processo nos últimos sete anos, quem eram os seus credores de acordo com esse mesmo título executivo. É verdade que, certamente por lapso, como invocam agora os exequentes, o nome desses dois exequentes não consta da causa de pedir inscrita no requerimento executivo, embora resulte dos dizeres do título executivo. Acontece que, uma vez confrontado com tal lapso em tempo oportuno, impunha-se um convite do tribunal para a sua correção, o que não aconteceu. Não obstante tal “omissão” do tribunal e tal “confessado lapso” dos exequentes, a verdade é que o valor reclamado e discriminado no requerimento executivo, em conjugação com os dizeres no título executivo, evidencia que também estas duas pessoas são credoras da executada e, por essa razão, como também demonstram todos os requerimentos que ambas as partes dirigiram ao processo, também são tidos por ambas as partes como exequentes há mais de sete anos. Note-se que cada um dos exequentes, na causa de pedir do requerimento executivo, discrimina o valor que reclama da executada, incluindo, assim, nesse cálculo também o crédito dos exequentes CC e DD. Na verdade, mesmo sem ter existido esse oportuno convite do tribunal aos exequentes no sentido de colmatar o apontado lapso, a verdade é que a própria executada, nos vários requerimentos e até recursos que interpôs no âmbito dos presentes autos nos últimos sete anos, sempre interpretou corretamente a natureza da sua obrigação e identificou corretamente todos os exequentes/credores e sempre agiu processualmente na convicção de que também estes dois exequentes pretendem receber o seu crédito, repete-se, como consta dos dizeres do titulo executivo e da liquidação da quantia exequenda inscrita no requerimento executivo. Tal “lapso” foi, assim, devidamente identificado e ultrapassado pela própria executada e o mesmo nunca foi óbice à sua defesa nos últimos sete anos, reagindo também ela a requerimentos apresentados também por estes dois exequentes – cfr. artigo 186.º, n.º 3, do C.P.C..” É contra este entendimento que se insurge a Recorrente sustentando que a alegação da venda das quotas próprias à sociedade assim como a venda da propriedade da fração ..., não corresponde a qualquer negócio celebrado pelos exequentes CC e DD, sendo notório que, independentemente do que possam referir os títulos executivos juntos, inexiste causa de pedir quanto ao pedido dos exequentes CC e DD. Vejamos se lhe assiste razão. Conforme decorre dos autos, a execução foi instaurada tendo por base três (e não dois conforme referido na sentença recorrida) documentos autênticos, a saber: · escritura pública de Cessões de Quotas, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., em que os Exequentes AA e BB cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas EMP03..., LDA., a esta sociedade, pelo preço de €136.101,00 (cento e trinta e seis mil, cento e um euros); · escritura pública de Cessão de Quotas, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., em que os Exequentes CC e DD cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas EMP02..., LDA., à sociedade EMP03..., LDA., pelo preço global de €136.101,00 (cento e trinta e seis mil, cento e um euros); · escritura de compras e vendas, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., em que os Exequentes CC e DD declararam vender à sociedade EMP03..., LDA o usufruto da fração autónoma designada pela letra ..., destinada a armazém, situada no ..., pertencendo-lhe todo o logradouro, com entrada pelos números ...49 a ...55, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...50, pelo preço de €30.565,00, e os Exequentes AA e mulher HH e BB e mulher JJ, bem como EE e mulher II, estes representados pelo seu procurador GG, declararam vender à sociedade EMP03..., LDA a raiz ou nua propriedade da referida fração autónoma pelo preço de €91.695,00 (noventa e um mil seiscentos e noventa e cinco euros). Com o requerimento executivo foi ainda junto uma outra escritura de pública de Cessão de Quotas, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., na qual os Exequentes CC e DD declararam ser sócios da sociedade EMP03..., LDA, cujo capital social se encontrava dividido em 3 quotas, sendo uma no valor nominal de doze mil euros pertencente ao sócio EE e duas no valor nominal de nove mil euros pertencentes cada uma aos referidos Exequentes, e ceder gratuitamente, por doação, por conta das respetivas cotas disponíveis, ao Exequente AA, seu filho, a quota de que era titular CC e ao Exequente BB, também seu filho, a quota de que era titular DD, tendo aqueles aceitado a cessão de quotas. Foi ainda junta uma comunicação dirigida à Recorrente, subscrita pela Ilustre Mandatária dos Exequentes, nessa qualidade, onde se informa não terem sido cumpridos os acordos de pagamento em prestações quanto às cessões de quotas, venda de usufruto e propriedade do imóvel nos termos estipulados nas escrituras de 5 de setembro de 2013 e que o valor global do incumprimento totaliza o valor de €331.602,13, a que acresce a o valor de €100.000,00. É este (€331.602,13+€100.000,00=€431,602,13) o valor global indicado no requerimento executivo, a que acrescem os juros liquidados no valor de €10.181,08, sendo o valor da execução de €441.783,21. Analisado o requerimento executivo, assiste efetivamente razão à Recorrente quando invoca a insuficiência de factos alegados no requerimento executivo que sustentem os créditos dos Exequentes CC e DD, e entende inexistir causa de pedir relativamente aos Exequentes CC e DD. De facto, do requerimento executivo consta uma referência genérica aos Exequentes, sem qualquer identificação concreta e, não obstante todas as escrituras terem sido outorgadas na mesma data, a cessão de quotas levada a cabo pelos Exequentes é absolutamente distinta: os Exequentes AA e BB cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas EMP03..., LDA., a esta sociedade e os Exequentes CC e DD cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas EMP02..., LDA., à sociedade EMP03..., LDA. E relativamente à escritura de compra e venda, sendo apenas alegado que os Exequentes venderam à Executada a propriedade da fração designada pela letra ..., a verdade é que está em causa a venda do usufruto pelos Exequentes CC e DD e a venda da nua propriedade pelos os Exequentes AA e BB (e ainda por EE), estando em causa preços distintos, e sendo apenas referido o preço respeitante à venda da nua propriedade. Contudo, tal como salientam os Recorridos, a Recorrente, em sede de petição inicial de Embargos de Executado, pronunciou-se relativamente a todos os referidos negócios celebrados entre as partes, e peticionou expressamente a declaração de nulidade do contrato de compra e venda de quotas celebrado entre CC, DD e a Executada, com as consequências previstas no artigo 289º do Código Civil e o cancelamento dos registos de aquisição de quotas da Sociedade EMP02..., Lda., pela Executada, bem como a declaração de nulidade do contrato de compra e venda do usufruto do imóvel, correspondente à referida fração ..., com os efeitos previsto no artigo 289º do Código Civil, tendo a restituição de ser feita em espécie, uma vez que, a Executada vendeu o imóvel. Como também se refere na sentença recorrida “(…) mesmo sem ter existido esse oportuno convite do tribunal aos exequentes no sentido de colmatar o apontado lapso, a verdade é que a própria executada, nos vários requerimentos e até recursos que interpôs no âmbito dos presentes autos nos últimos sete anos, sempre interpretou corretamente a natureza da sua obrigação e identificou corretamente todos os exequentes/credores e sempre agiu processualmente na convicção de que também estes dois exequentes pretendem receber o seu crédito, repete-se, como consta dos dizeres do titulo executivo e da liquidação da quantia exequenda inscrita no requerimento executivo. Tal “lapso” foi, assim, devidamente identificado e ultrapassado pela própria executada e o mesmo nunca foi óbice à sua defesa nos últimos sete anos, reagindo também ela a requerimentos apresentados também por estes dois exequentes – cfr. artigo 186.º, n.º 3, do C.P.C..” Na verdade, a falta da causa de pedir gera a ineptidão do requerimento executivo, não dando lugar a despacho de aperfeiçoamento, enquanto este pressupõe a deficiência daquele. Contudo, a nulidade do processo decorrente da ineptidão da petição inicial é sanada quando, contestando o réu e ainda que ele invoque a respetiva ineptidão, resulte da contestação que ele interpretou convenientemente a petição inicial, para a verificação do que o autor deve ser ouvido (cfr. artigo 186º n.º 3 do CPC); como esclarece Lebre de Freitas (“DA FALTA DA CAUSA DE PEDIR NO MOMENTO DA SENTENÇA FINAL DE EMBARGOS À EXECUÇÃO TITULADA POR DOCUMENTO DE RECONHECIMENTO DE DÍVIDA”, https://portal.oa.pt/media/130258/jose-lebre-de-freitas_roa_iii_iv-2018-revista-da-ordem-dos-advogados-12.pdf) este impedimento do efeito da ineptidão “pode verificar-se sobretudo quando a causa de pedir é ininteligível, mas também, embora mais dificilmente, quando falte de todo a sua indicação (…) À contestação é equiparável, para este efeito, a petição inicial dos embargos de executado”. Assim, mesmo a verificar-se a ineptidão do requerimento executivo ela encontra-se sanada perante a oposição à execução deduzida pela Executada. Acresce ainda dizer que, não obstante a nulidade decorrente da ineptidão da petição inicial ser de conhecimento oficioso (cfr. artigo 196º do CPC), ela só pode ser arguida pelo réu até à contestação (artigo 198º n.º 1 do CPC), à qual equivale a petição inicial dos embargos de executado, e dela só pode o tribunal conhecer até ao despacho saneador (artigo 200º n.º 2 do CPC), e apenas não havendo lugar a este pode conhecer até à sentença final. Assim, e no caso concreto, não tendo a Executada invocado a inexistência de causa de pedir e a ineptidão do requerimento executivo na petição inicial dos Embargos de Executado, apresentada em 11/01/2018, já não o poderia fazer tempestivamente em 25/03/2025, já no decurso da audiência de julgamento, concretamente antes da sua última sessão, e nem o tribunal dela poderia conhecer oficiosamente por há muito ter sido proferido o despacho saneador. Improcede, por isso, nesta parte, o recurso. *** 3.4. Da modificabilidade da decisão de facto3.4.1. Do cumprimento pela Recorrente dos ónus impostos pelo artigo 640º do CPC A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, que impõe ao recorrente o cumprimento de ónus que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. Os Recorridos nas contra-alegações parecem sustentar que a Recorrente não cumpriu o ónus imposto por este preceito. Vejamos. Decorre do preceituado no referido artigo 640º que é de exigir ao recorrente que obrigatoriamente especifique: i. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; ii. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; iii. Quando a impugnação dos pontos da decisão da matéria de facto se baseie em provas gravadas deverá ainda indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder se o entender à transcrição dos excertos que considere oportunos; iv. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O legislador impõe de forma expressa ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar, e o seu incumprimento implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento. A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, 2014, p. 133) que o Recorrente “deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afetados (…)”. Temos entendido como essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem efetivamente os pontos da matéria de facto que impugna; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar (v. a este propósito, entre vários outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019, Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais que se irão citar). Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem distinguindo, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) considerando que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relatora Conselheira Rosa Tching) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do nº 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, salientando-se ainda que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”. Importa também ter presente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 17 de outubro de 2023 (publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 14/11/2023) que uniformizou jurisprudência no sentido de que “[n]os termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa”. No caso concreto, analisadas as alegações apresentadas pela Recorrente ressalta que delas constam impugnados os pontos 14) e 17) dos factos provados por se encontrarem em contradição com os pontos 8) e 7), respetivamente, não sendo de equacionar qualquer incumprimento do ónus previsto no artigo 640º do CPC. A Recorrente sustenta ainda nas suas alegações que da conjugação do depoimento da testemunha GG e da IES junta como doc. 7 deviam constar dos factos dados como provados os seguintes: “21 - A 05.09.2013, as reservas livres da executada correspondiam ao montante de “476.571,15; 22 – À data de 05.09.2013, a sociedade não tinha reservas livres suficientes para adquirir quotas próprias”. Devendo constar dos factos provados, entre o mais, o seguinte: “em 05.09.2013 a executada não detinha reservas livres suficientes para que estivessem preenchidos os requisitos necessários para a aquisição de quotas próprias por parte da mesma”. Ora, da “Conclusão g)” consta apenas o seguinte: “Da IES junta e do depoimento do Dr. GG, tem de resulta provado o seguinte: em 05.09.2013 a executada não detinha reservas livres suficientes para que estivessem preenchidos os requisitos necessários para a aquisição de quotas próprias por parte da mesma”. Porém, da conjugação da “Conclusão g)” com o corpo das alegações concluímos facilmente que está em causa a redação do novo facto que a Recorrente entende que deve ser aditado à matéria de facto provada, o que, aliás, foi também apreendido pelos Recorridos, conforme transparece das suas contra-alegações. Assim, considerando o exposto e atento o principio da proporcionalidade, e que deve ser dada prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal, entendemos também não ser de rejeitar nesta parte o recurso, pelo que iremos conhecer do mesmo. Questão distinta, e que de seguida iremos apreciar, é se existe erro no julgamento matéria de facto nos termos invocados pela Recorrente. * 3.4.2. Da existência de erro no julgamento da matéria de factoConforme já referimos, sustenta a Recorrente em primeiro lugar que o ponto 14) dos factos provados está em clara contradição com o ponto 8) uma vez que no ponto 14) se refere que “os exequentes por escritura pública de "Cessões de Quotas", outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., cederam a quota que cada exequente detinha na sociedade comercial por quotas "EMP03..., LDA., a esta sociedade” e no ponto 8) é dado como provado que “no dia 5 de setembro de 2013, por escritura pública outorgada, o CC e a HH doaram aos seus filhos AA e BB, as duas quotas de que eram titulares da Executada”. Entende a Recorrente que o ponto 14) deve ter a seguinte redação: “14. Os exequentes AA e BB, por escritura pública de “Cessões de Quotas”, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas "EMP03..., LDA., a esta sociedade, pelo preço de €136.101,00 (cento e trinta e seis mil, cento e um euros), conforme documentos n.ºs 1 e 3 juntos com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.” Vejamos. O ponto 14) dos factos provados dá como reproduzida a alegação constante do requerimento executivo que, como já vimos, apenas contém, de forma menos adequada, uma referência genérica aos Exequentes, sem qualquer identificação concreta, sendo certo que, não obstante todas as escrituras terem sido outorgadas na mesma data, apenas os Exequentes AA e BB cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas EMP03..., LDA., a esta sociedade, enquanto os Exequentes CC e DD cederam à sociedade EMP03..., LDA a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas EMP02..., LDA e doaram aos seus filhos AA e BB, por conta das respetivas cotas disponíveis, as quotas de que eram titulares na sociedade EMP03..., LDA. Entendemos, por isso, que deve ser reformulada a redação do ponto 14) dos factos provados, de forma a que sejam identificados os Exequentes que efetivamente cederam as quotas à Executada. O ponto 14) dos factos provados passará a ter a seguinte redação: “Os Exequentes AA e BB, por escritura pública de Cessões de Quotas, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas EMP03..., LDA., a esta sociedade, pelo preço de €136.101,00 (cento e trinta e seis mil, cento e um euros), conforme documento n.º 3 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos”. Sustenta ainda a Recorrente que o ponto 17) dos factos provados está em contradição com o ponto 7), uma vez que se acordo com o ponto 17) “por escritura de compra e venda celebrada na mesma data os exequentes venderam à executada a propriedade da fração ... (...)”. Quando no ponto 7) é dado como provado que “o usufruto pertencente a CC e a HH”. Entende a Recorrente que o ponto 17) dos factos dados provados deve ter a seguinte redação: “17 - Por escritura de compra e venda celebrada na mesma data os exequentes venderam à executada a propriedade da fração ..., com entrada pelos números ...49 a ...55, sito na Rua ..., pelo preço global de €91.695,00 (noventa e um mil seiscentos e noventa e cinco euros), a pagar em sete prestações de €3.820,63 (três mil oitocentos e vinte euros e sessenta três cêntimos), anuais e sucessivas a cada um dos exequentes. As prestações vencidas em 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2017 não foram liquidadas aos exequentes, conforme documento n.º 4 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.” Vejamos. O ponto 17) dos factos provados, tal como o anterior 14), contém também, de forma menos adequada, uma referência genérica aos Exequentes, sem qualquer identificação concreta, e não comporta qualquer distinção, relativamente à venda efetuada, quando ao usufruto e à nua propriedade, que, conforme resulta dos pontos 6) e 7) (e decorre do documento junto aos autos de execução) pertenciam de forma distinta aos Exequentes e, quanto à nua propriedade ainda a um terceiro relativamente à execução (a nua propriedade pertencia em quotas iguais aos Exequentes AA e BB e EE), sendo que o valor de €91.695,00 respeita apenas ao preço da venda da nua propriedade, tendo o usufruto sido vendido pelo preço de €30.565,00. Entendemos, por isso, que deve ser reformulada a redação do ponto 17) dos factos provados, de forma a que sejam identificados os vendedores do usufruto e os vendedores da nua propriedade, e o respetivo preço. O ponto 17) dos factos provados passará a ter a seguinte redação: “17.- Por escritura de compras e vendas, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., em que os Exequentes CC e DD declararam vender à sociedade EMP03..., LDA o usufruto da fração autónoma designada pela letra ..., destinada a armazém, situada no ..., pertencendo-lhe todo o logradouro, com entrada pelos números ...49 a ...55, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...50, pelo preço de €30.565,00, do qual declararam ter já recebido €3.820,63, devendo a restante parte do preço no montante de €26.744,37, ser paga em sete prestações anuais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30/06/2014 e cada uma das restantes seis em igual dia e mês de cada um dos seis anos seguintes, e o Exequente AA, a mulher HH, o Exequente BB e a mulher JJ, bem como EE e mulher II, estes representados pelo seu procurador GG, declararam vender à sociedade EMP03..., LDA a raiz ou nua propriedade da referida fração autónoma pelo preço de €91.695,00, do qual declararam ter já recebido €11.461,77, devendo a parte restante ser paga em sete prestações anuais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30/06/2014 e cada uma das restantes seis em igual dia e mês de cada um dos seis anos seguintes, sendo o montante a receber por cada um dos casais vendedores em cada uma dessas sete prestações de €3.820,63, conforme documento n.º 4 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos, não tendo sido liquidadas aos Exequentes as prestações vencidas em 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2017. Sustenta por fim a Recorrente que da conjugação do depoimento da testemunha GG e da IES junta como doc. 7 deviam constar dos factos dados como provados os seguintes: “21 - A 05.09.2013, as reservas livres da executada correspondiam ao montante de “476.571,15; 22 – À data de 05.09.2013, a sociedade não tinha reservas livres suficientes para adquirir quotas próprias”. Pelo que deve constar dos factos provados, entre o mais, o seguinte: “em 05.09.2013 a executada não detinha reservas livres suficientes para que estivessem preenchidos os requisitos necessários para a aquisição de quotas próprias por parte da mesma”. Da motivação da sentença recorrida (que aqui transcrevemos na parte que releva) consta que: “(…) De todo o modo e apesar da manifesta parcialidade do seu depoimento, não podemos deixar de referir que a testemunha GG, outrora contabilista e representante legal da embargante – cfr neste sentido documento junto na última sessão da audiência de julgamento -, referiu que o valor das reservas livres da sociedade, no momento da aquisição de quotas próprias, era suficiente para realizar essa cessão de quotas, uma vez que (ainda)não tinha sido realizada a assembleia geral com vista à repartição de lucros entre os sócios. Dito isto, se dúvidas existiam de que as reservas livres da sociedade eram suficientes para a concretização desse negócio, aquando da sua celebração, o depoimento parcial e interessado desta testemunha GG, afasta-as. Aliás, tal sindicância foi oportunamente levada a cabo pelo respetivo notário, como comprovam os dizeres da respetiva escritura pública em causa, sem qualquer reparo. Dai a resposta negativa do tribunal a esta matéria de facto em concreto, alegada pela embargante. Os demais factos não provados resultaram da inexistência de qualquer prova quanto à sua ocorrência.” A Recorrente na petição inicial alegara que para ser possível adquirir tais quotas era necessário que possuísse reservas livres no montante de €544.404,00, e que segundo a contabilidade da Executada a mesma só tinha reservas no montante de €540.952,85 conforme doc. 7 que juntou. Do teor da escritura de cessão das quotas, pela qual os Exequentes AA e BB cederam as suas quotas à Executada, consta que o Exequente CC, na qualidade de gerente da Executada declarou “[q]eu a sociedade adquirente dispor de reservas livres em montante não inferior ao dobro do preço global das cessões, ou seja, em montante não inferior a €544.404,00, conforme se comprova pelo balanço da referida sociedade encerrado em 31 de julho do ano corrente, não tendo havido quaisquer modificações significativas na situação patrimonial da sociedade posteriores a essa data que obstem às presentes cessões, o que declara sob sua inteira responsabilidade.” Da referida escritura consta ainda ter sido arquivado “o referido balanço, aprovado na referida assembleia geral de hoje, o que verifiquei pela citada pública forma de ata arquivada”. De tal balanço arquivado no Cartório Notarial foi junta aos autos certidão, constando do mesmo em 31/07/2013 e em 31/12/2012, a título de “reservas legais” o montante de €73.000,00, e a título de “outras reservas” o montante de €544.452,85 em 31/07/2013, e o montante de €476.571,15 em 31/12/2012. Relativamente ao depoimento da testemunha GG, mesmo na parte transcrita pela Recorrente, não coloca em causa o referido valor indicado à data de 31/07/2013, o que entende é que o valor a considerar para efeito de reservas livres devia ser o existente à data de 31/12/2012, ou seja, de €476.571,15, por não ter havido ainda, à data da cessão, assembleia geral para aprovação de contas e distribuição de lucros. Daí que, em 1ª Instância, se considere que a testemunha GG referiu que o valor das reservas livres da sociedade, no momento da aquisição de quotas próprias, era suficiente para realizar essa cessão de quotas, uma vez que (ainda) não tinha sido realizada a assembleia geral com vista à repartição de lucros entre os sócios, ainda que segundo esta testemunha por não ter sido realizada tal assembleia o valor a considerar deveria ser o de 31/12/2012. Por outro lado, da IES junta aos autos com a petição de embargos, a qual respeita ao ano de 2013 (de 1/01/2013 a 31/12/2013), apresentada em 10/07/2014, consta a título de “reservas legais” o montante de €76.500,00, e a título de “outras reservas” o montante de €540.952,85.” Assim, e quanto aos factos que a Recorrente pretende ver aditados, importa referir que saber se em 05/09/2013 não tinha reservas livres suficientes para adquirir quotas próprias e para que estivessem preenchidos os requisitos necessários para a aquisição de quotas próprias por parte da mesma, tem natureza conclusiva e de direito e, por isso, não deve ser levada à matéria de facto. Em face do exposto, e perante a conjugação da prova documental constante dos autos com as declarações da referida testemunha, importa aditar à matéria de facto dois novos pontos que traduzam os valores indicados no Balanço, já referidos à data de 31/07/2013 e de 31/12/2012, e o valor indicado na UES do ano de 2013, os quais terão a seguinte redação: “21.- Do balanço referido na escritura de cessão das quotas pela qual os Exequentes AA e BB cederam as suas quotas à Executada, referente a 31/07/2013, o qual foi arquivado no Cartório Notarial, consta, a título de “reservas legais”, em 31/07/2013 e em 31/12/2012, o montante de €73.000,00, e a título de “outras reservas” o montante de €544.452,85 em 31/07/2013, e o montante de €476.571,15 em 31/12/2012. 22.- Da IES referente ao ano de 2013 (período de 1/01/2013 a 31/12/2013), apresentada em 10/07/2014, consta a título de “reservas legais” o montante de €76.500,00, e a título de “outras reservas” o montante de €540.952,85.” Passará, assim a matéria de facto provada a ter a seguinte formulação: “I. Factos Provados 1.- No ano de 2013 a executada era uma sociedade por quotas que adotava a denominação social de EMP03... Lda, e o seu capital social era constituído por três quotas, assim divididas: a) Uma quota no valor de € 9.000,00, pertencente a CC; b) Uma quota no valor de € 9.000,00, pertencente a DD; c) Uma quota no valor de € 12.000,00, pertencente a EE. 2.- O sócio CC e a sócia DD são casados entre si no regime da comunhão geral, conforme documento n.º 1 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 3.- A identificada sociedade tinha a sua sede na Rua ..., na freguesia ..., concelho ... e como único gerente o sócio CC, conforme documento n.º 2 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 4.- Nas mesmas instalações da executada funcionava uma outra sociedade de nome EMP02... Lda. cujas quotas eram pertença do Sr. CC e da Sra. D. DD, nomeadamente, uma quota no valor nominal de € 49.879,79 pertencente a CC; e uma quota no valor nominal de € 49.879,79, pertencente a DD. 5.- Nesta última sociedade, também era gerente o Sr. CC, conforme documento n.º 3 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 6.- O Imóvel onde ambas as sociedades tinham sede, - fração autónoma designada pela letra ..., destinada a armazém, situada no ..., pertencendo-lhe todo o logradouro com entrada pelo pertencia a nua propriedade em quotas iguais a AA, BB e EE, 7.- … sendo o usufruto pertencente a CC e a HH. 8.- No dia 5 de setembro de 2013, por escritura pública outorgada, o CC e a HH doaram aos seus filhos AA e BB, as duas quotas de que eram titulares da Executada, conforme documento n.º 4 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 9.- No mesmo dia e no mesmo cartório notarial, o AA e o BB, também por escritura pública, declararam vender à executada as quotas que lhe tinham sido doadas pelos seus pais, conforme documento n.º 3 junto com a petição de embargos, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 10.- No dia 5 de setembro de 2013, no mesmo cartório notarial, na qualidade de únicos sócios da EMP02..., Lda., pessoa coletiva n.º ...89, o CC e a HH venderam as suas quotas à Executada pela quantia de € 68.050,50, cada quota. 11.- No dia 5 de Setembro de 2013, e no mesmo Cartório Notarial o Sr. CC, enquanto gerente da Executada declarou comprar em representação desta, um imóvel correspondente à fração designada pela letra ..., destinada a armazém, situado no ..., com entrada pelos números ...49 a ...55, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., da freguesia ..., do concelho ..., descrito na competente conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50. 12.- No âmbito da ação n.º 243/18.0T8VNF, que correu seus termos no J... de Comércio de ... da Comarca de Braga, foi peticionada pela II contra EMP01..., EMP01..., Lda., CC e DD, a nulidade das seguintes deliberações: -deliberação de aquisição de quotas da sociedade EMP02... Lda.; - deliberação de aquisição de quotas próprias; - deliberação de aquisição de imóvel, conforme douta sentença junta aos autos no passado dia 15-06-2020, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 13.- Por douta sentença proferida no âmbito dos referidos autos, já transitada em julgado, a identificada ação foi julgada improcedente. 14.- “Os Exequentes AA e BB, por escritura pública de Cessões de Quotas, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., cederam a quota que cada um detinha na sociedade comercial por quotas EMP03..., LDA., a esta sociedade, pelo preço de €136.101,00 (cento e trinta e seis mil, cento e um euros), conforme documento n.º 3 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos”. 15.- Na data da outorga da aludida escritura os exequentes receberam a quantia de €17.012,63 cada um (dezassete mil, doze euros e sessenta e três cêntimos). 16.- Relativamente ao restante valor em divida - €119.088,37 (cento e dezanove mil, oitenta e oito euros e trinta e sete cêntimos) —, essa Sociedade obrigou-se a pagá-lo em sete prestações anuais, iguais e sucessivas no valor de €17.012,62 (dezassete mil, doze euros e sessenta e dois) a cada um dos exequentes. 17.- Por escritura de compras e vendas, outorgada em 5 de setembro de 2013, perante o notário Dr. FF, na cidade ..., em que os Exequentes CC e DD declararam vender à sociedade EMP03..., LDA o usufruto da fração autónoma designada pela letra ..., destinada a armazém, situada no ..., pertencendo-lhe todo o logradouro, com entrada pelos números ...49 a ...55, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...50, pelo preço de €30.565,00, do qual declararam ter já recebido €3.820,63, devendo a restante parte do preço no montante de €26.744,37, ser paga em sete prestações anuais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30/06/2014 e cada uma das restantes seis em igual dia e mês de cada um dos seis anos seguintes, e o Exequente AA, a mulher HH, o Exequente BB e a mulher JJ, bem como EE e mulher II, estes representados pelo seu procurador GG, declararam vender à sociedade EMP03..., LDA a raiz ou nua propriedade da referida fração autónoma pelo preço de €91.695,00, do qual declararam ter já recebido €11.461,77, devendo a parte restante ser paga em sete prestações anuais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30/06/2014 e cada uma das restantes seis em igual dia e mês de cada um dos seis anos seguintes, sendo o montante a receber por cada um dos casais vendedores em cada uma dessas sete prestações de €3.820,63, conforme documento n.º 4 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos, não tendo sido liquidadas aos Exequentes as prestações vencidas em 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2017. 18.- Foram liquidadas as duas primeiras prestações anuais devidas aos exequentes, embora com atraso. 19.- Sucede que, apesar das diversas interpelações realizadas não foi feito qualquer pagamento referente as prestações devidas a 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2017, conforme documento n.º 5 junto com o requerimento executivo, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos. 20.- A título de cláusula penal ficou estabelecido que em caso de incumprimento de qualquer uma das prestações seria exigível o valor de €100.000,00 (cem mil euros). 21.- Do balanço referido na escritura de cessão das quotas pela qual os Exequentes AA e BB cederam as suas quotas à Executada, referente a 31/07/2013, o qual foi arquivado no Cartório Notarial, consta, a título de “reservas legais”, em 31/07/2013 e em 31/12/2012, o montante de €73.000,00, e a título de “outras reservas” o montante de €544.452,85 em 31/07/2013, e o montante de €476.571,15 em 31/12/2012. 22.- Da IES referente ao ano de 2013 (período de 1/01/2013 a 31/12/2013), apresentada em 10/07/2014, consta a título de “reservas legais” o montante de €76.500,00, e a título de “outras reservas” o montante de €540.952,85. *** 3.3. Da Reapreciação de Direito3.3.1. Da nulidade dos negócios celebrados Sustenta a Recorrente que são nulos os negócios celebrados pelo Exequente CC em representação da sociedade (da qual à data era gerente) e que serviram de fundamento à execução: 1) Cessão de quotas dos Exequentes AA e BB à Executada; 2) Cessão de quotas da sociedade EMP02... Lda. pelos Exequentes CC e DD à Executada; 3) Venda à Executada do usufruto pelos Exequentes CC e DD, e da nua propriedade pelo Exequente AA, pela mulher HH, pelo Exequente BB e mulher JJ, e por EE e mulher II, relativamente à fração autónoma designada pela letra ..., destinada a armazém, situada no ..., pertencendo-lhe todo o logradouro, com entrada pelos números ...49 a ...55, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., .... Sustenta a Recorrente que estamos perante negócios entre a Executada e o seu gerente à data, diretamente com a pessoa do Exequente CC ou através de interposta pessoa, seja a esposa ou os seus filhos, e que a proibição de negócios da sociedade com os Administradores é uma “decorrência do principio geral orientador do Código das Sociedades Comerciais – O PRINCÍPIO DA LEALDADE – artigo 64.º n.º 1 al.) b) do Código das Sociedades Comerciais”, tendo o Exequente CC, enquanto gerente da Executada, violado culposamente o dever geral de diligência consagrado no referido preceito, nas suas duas vertentes, lealdade e cuidado, atendendo aos seus interesses e dos filhos em detrimento dos da sociedade, na medida em que os negócios importaram a assunção de uma responsabilidade da Executada no valor de €512.270,00. Invoca a Executada a aplicabilidade do n.º 2 do artigo 397º do Código das Sociedades Comerciais (de ora em diante designado por CSC) às sociedades por quotas. Vejamos. Sob a epígrafe “Negócios com a sociedade”, dispõe o artigo 397º do CSC: “1 - É proibido à sociedade conceder empréstimos ou crédito a administradores, efetuar pagamentos por conta deles, prestar garantias a obrigações por eles contraídas e facultar-lhes adiantamentos de remunerações superiores a um mês. 2 - São nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, diretamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, e com o parecer favorável do conselho fiscal ou da comissão de auditoria. 3 - O disposto nos números anteriores é extensivo a atos ou contratos celebrados com as sociedades que estejam em relação de domínio ou de grupo com aquela de que o contraente é administrador. 4 - No seu relatório anual, o conselho de administração deve especificar as autorizações que tenha concedido ao abrigo do n.º 2 e o relatório do conselho fiscal ou da comissão de auditoria deve mencionar os pareceres proferidos sobre essas autorizações. 5 - O disposto nos n.os 2, 3 e 4 não se aplica quando se trate de ato compreendido no próprio comércio da sociedade e nenhuma vantagem especial seja concedida ao contraente administrador.” Tendo em consideração a natureza dos negócios celebrados e a nulidade invocada pela Recorrente importa, no caso dos autos, considerar o estabelecido do n.º 2 do referido preceito que sanciona com o vicio da nulidade os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, diretamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, e com o parecer favorável do conselho fiscal ou da comissão de auditoria. Como esclarece Mafalda Miranda Barbosa (“A proscrição do conflito de interesses no direito civil - Considerações acerca do artigo 261.º, CC”, in Revista da Ordem dos Advogados, Vol. I/II, jan.-jun. 2019, p. 157 a 188, a consultar em https://portal.oa.pt/media/130308/mafalda-miranda-barbosa_revista-da-ordem-dos-advogados_i_ii_2019-9.pdf) “Com o regime pretende-se evitar que a sociedade possa ser prejudicada, por aquele que age em seu nome prosseguir, afinal, interesses que são próprios e podem contender com os da pessoa coletiva. Daí que se proíbam absolutamente determinados negócios e que se estabeleçam mecanismos de controlo em relação à celebração de outros, sob pena de invalidade. No que respeita aos negócios proibidos por força do n.º 1, eles são sempre proibidos e, como tal, nulos, nos termos do art. 294.º, CC(65). Em bom rigor, parece que, se não todos, pelo menos alguns destes negócios poderiam já ser inválidos por força da violação do princípio da especialidade do fim, também nos termos do citado art. 294.º, CC. Em causa está, no entanto, não a falta de capacidade da pessoa coletiva para celebrar os referidos negócios, sequer apenas o ostensivo benefício que os mesmos acarretam para o administrador, em detrimento da sociedade, mas o perigo que envolvem para o património da pessoa coletiva, a envolver o possível prejuízo dos interesses de terceiros, em especial os credores(66). Daí que pareça que as exceções contidas no n.º 5 do art. 397.º, CsC, não se apliquem a estes negócios e que eles devam ser considerados nulos mesmo quando celebrados por interposta pessoa(67). No tocante aos negócios previstos no n.º 2 do art. 397.º, CsC, o regime é diverso. Não são sempre proibidos, mas considerados nulos quando não haja prévia deliberação do conselho de administração, na qual o administrador interessado não pode votar, e parecer favorável do conselho fiscal. A nulidade que contamina os negócios celebrados entre a sociedade e um dos seus administradores estende-se aos negócios celebrados por interposta pessoa, solução que se percebe para se evitarem fraudes à lei e prisões formalistas que atentem contra a intencionalidade da disciplina”. A primeira questão que aqui se impõe é a de saber se o n.º 2 do referido artigo 397º, cujo âmbito de aplicação se encontra expressamente previsto para as sociedades anónimas, deve ser aplicado às sociedades por quotas. Na verdade, e ainda que a proibição de negócios da sociedade com os Administradores se possa considerar uma decorrência do principio da lealdade, que encontra consagração expressa no artigo 64º n.º 1 alínea n) do CSC, enquanto dever geral que os gerentes ou administradores da sociedade devem observar no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores, assume particular importância determinar a aplicação do n.º 2 do referido artigo 397º ao caso dos autos, uma vez que, ao contrário do que acontece com as sociedades anónimas, no tocante às sociedades por quotas, o Código das Sociedades Comerciais não contém norma expressa sobre a possibilidade de celebração de negócios pela sociedade com os seus gerentes e nem remete para o regime das sociedades anónimas, e não encontramos unanimidade de posições na resposta a dar à questão. Assim, e no essencial, perfilham-se três teses (v. a este propósito Anabela Marques e Patrícia Alves, “Negócios dos Administradores com a Sociedade”, in Revista Julgar Online, Fevereiro de 2016, p. 1 a 32, a consultar em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/02/20160219-ARTIGO-JULGAR-Neg%C3%B3cios-dos-Administradores-com-a-Sociedade-Anabela-Marques-Patr%C3%ADcia-Alves1.pdf, que aqui iremos acompanhar): uma a defender a aplicação do disposto no artigo 261º do Código Civil, outra a considerar a aplicação do disposto no referido artigo 397º do CSC e uma última defendendo a aplicação de um regime “ad hoc” criado pelo intérprete do Direito, numa interpretação integrativa da lacuna, ao abrigo do disposto no artigo 10º, n.º 3, do Código Civil. A tese tradicional é a que defende a aplicação do artigo 261º do Código Civil, onde, sob a epígrafe Negócio consigo mesmo” se estabelece no n.º 1 que é anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses. A dificuldade aqui apontada para a aplicação do disposto no artigo 397º é, desde logo, a inexistência de conselhos de administração e fiscal; neste sentido, afirma Raúl Ventura (Sociedades por quotas, Almedina, 1991, vol. III, p. 176 e 177) que “[o] art. 397.º, n.º 2, CSC… Não pode ser transposto diretamente para as sociedades por quotas, nas quais não há normalmente esses conselhos. Segundo o art. 261.º, n.º 1, CC, é anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio seja em representação de terceiro, a não ser que o representante tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses… A única adaptação necessária consiste em o consentimento ser dado por deliberação dos sócios, na qual o interessado, se for sócio, não poderá votar, por impedimento consignado no art. 251.º, n.º 1, al. g) do CSC.” Paulo Olavo Cunha (Direito das Sociedades Comerciais, Almedina, 2014, p. 832) acrescenta ainda que “[o] regime de autorização constante do artigo 397.º é um regime excecional relativamente aos negócios da sociedade em geral e aos contratos celebrados com administradores, no âmbito da atividade social (cfr. n.º 5). Por isso, a sua aplicação por analogia não é isenta de escolhos (cfr. art. 11.º do CC)”. Neste sentido se pronunciam os Acórdãos da Relação do Porto de 13/12/2005 (Processo n.º 0521121, Relator Alziro Cardoso, de 05/02/2009 (Processo n.º 0835545, Relator Pinto de Almeida) e de 29/06/2015 (Processo n.º 6055/12.8TBVNG.P1, Relator Ana Paula Amorim), e da Relação de Lisboa de 10/10/2006 (Processo n.º 4916/2006-7, Relatora Isabel Salgado; todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). De acordo com esta tese não há negócios proibidos, a autorização é dada por deliberação dos sócios e o negócio não autorizado será anulável. Defendendo a aplicação analógica do disposto no artigo 397º do CSC às situações de negócio dos gerentes com as sociedades por quotas escreve Jorge Coutinho de Abreu (“Negócios entre sociedade e partes relacionadas (administradores, sócios) – sumário às vezes desenvolvido”, Direito das Sociedades em Revista, ano 5, Coimbra: Almedina, vol. 9, 2013, p. 20 e 21, apud Anabela Marques e Patrícia Alves, ob. cit.) que “[a] segunda tese sustenta a aplicação do art. 397.º (em geral) analogicamente às sociedades por quotas (cfr. art. 2.º do CSC e o art. 10.º, 1 e 2, do CCiv). São idênticos os conflitos de interesses e os riscos de prejuízo para a sociedade e (derivadamente) os sócios e credores sociais na contratação entre administradores e sociedade tanto nas sociedades anónimas como nas sociedades por quotas; as razões que justificam a proibição (sob pena de nulidade) dos negócios previstos no n.º 1 do art. 397.º e a nulidade dos negócios sem observância dos requisitos procedimentais prevista no n.º 2 desse artigo são razões que igualmente justificam soluções semelhantes para as sociedades por quotas. O regime da nulidade dos negócios jurídicos é, como se sabe, bem diferente do regime da anulabilidade (cfr. os art.s 286.º, 287.º e 288.º do CCiv. E, além de ser esta a sanção estabelecida no art. 261.º, 1, do CCiv., é certo que os negócios entre gerente e sociedade não têm de ser «negócios consigo mesmo» - v.g., quando a gerência seja plural, o gerente contraente não tem de aparecer (ou aparecer sozinho) a representar a sociedade. Entretanto, relativamente aos requisitos previstos no n.º 2 do art. 397.º e à proibição absoluta do n.º 1, devem os negócios [entre gerente e sociedade] ser autorizados por deliberação dos sócios e merecer parecer favorável do órgão de fiscalização (se existir) – sob pena de nulidade” (também neste sentido v. Alexandre de Soveral Martins, “A aplicação do art. 397.º Código das Sociedades Comerciais às sociedades por quotas”, II Congresso do Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2012, p. 562 e 563; e Anabela Marques e Patrícia Alves, ob. cit.). De acordo com esta tese há negócios proibidos e o negócio limitado não autorizado é também nulo, sendo que neste a autorização é dada por deliberação dos sócios ou pela gerência plural e existindo órgão de fiscalização, depende também do parecer favorável do mesmo. A terceira tese é apresentada por Diogo Costa Gonçalves (“O Governo de sociedade por quotas – breves reflexões sobre a celebração de negócios entre o gerente e a sociedade”, in O Governo das Organizações – A vocação universal do corporate governance, Almedina, 2011, p. 123, apud Anabela Marques e Patrícia Alves, ob. cit.) que propõe a “formulação de uma solução normativa ad hoc, nos termos do art. 10.º/3 do CC, de acordo com o qual serão nulos, salvo autorização prévia da assembleia geral, os negócios celebrados, direta ou indiretamente, entre os gerentes e a sociedade ou entre estes e as sociedades que com aquela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, salvo se o negócio em causa, pela sua natureza ou circunstâncias, exclua a possibilidade de conflito de interesses.” De acordo com esta tese também não há negócios proibidos, na negociação limitada, a autorização é dada pela assembleia geral e o negócio limitado não autorizado é nulo. Não desconsiderando o facto do gerente não ser um mero representante, mas um órgão da sociedade, e de, apesar de representar a sociedade, os seus poderes irem muito para além da representação, gerindo a sociedade, cabendo-lhe a prática de todos os atos que não estejam reservados aos sócios, a verdade é que parte da Doutrina e da Jurisprudência tem entendido ser de aplicar analogicamente este regime legal aos casos de representação orgânica em que se assista a um autocontrato ou a uma dupla representação. Por outro lado, a aplicação analógica da norma do artigo 397º do CSC suscita algumas dificuldades; na verdade, estamos perante uma norma que se insere no regime jurídico das sociedades anónimas, sendo questionável a sua aplicação por analogia às sociedades comerciais uma vez que inexiste para as sociedades por quotas disposição semelhante e as sociedades por quotas apresentam diferenças estruturais com as sociedades anónimas, maxime, o seu regime é marcadamente supletivo, podendo ser afastado pela vontade dos sócios, e o maior poder dos sócios de influir a gestão da sociedade. Tendemos, por isso, a considerar como mais adequada a aplicação do regime previsto no artigo 261º do Código Civil, ainda que deste decorra a anulabilidade do negócio e não a sua nulidade. Contudo, no caso concreto, entendemos que carece de interesse tomar posição nesta matéria controvertida porquanto, para qualquer uma das posições, importa para a validade do negócio a existência de autorização dada por deliberação dos sócios ou pela assembleia geral; existindo essa autorização o negócio não será nulo nem anulável, sendo que não resulta da certidão do registo comercial que exista na sociedade Executada órgão de fiscalização. Conforme consta das três escrituras públicas outorgadas em 5 de setembro de 2013, que titulam os negócios de cessão de quotas à Executada e de venda (do usufruto e da nua propriedade) da fração designada pela letra ..., a aquisição das quotas e da fração foi efetuada ao abrigo da deliberação aprovada na assembleia geral de 5/09/2013, conforme pública forma da Ata n.º ...5 arquivada no Cartório. Esta Ata n.º ...5 foi junta pela Recorrente com a petição de embargos e dela consta que estavam presentes na reunião de Assembleia Geral os sócios CC, DD e EE, estando assim representada a totalidade do capital social, e a seguinte ordem de trabalhos: Ponto 1 – Deliberar sobre o consentimento a dar pela sociedade à realização de doações de quotas; Ponto 2 – Deliberar sobre a aquisição de quotas da sociedade EMP02..., Lda, pela EMP03...; Ponto 3 – Deliberar sobre a aquisição de duas quotas da sociedade EMP03..., Lda, pela própria sociedade; Ponto 4 – Deliberar sobre a aquisição de um imóvel; Ponto 5 – Deliberar sobre a aprovação do balanço especial da sociedade reportado à data de 31 de julho; Ponto 6 – Deliberar sobre a concessão de poderes ao gerente para praticar os atos sujeitos a deliberação. O imóvel em causa reporta-se à referida fração ... e constituía o imóvel onde a Executada tinha a sua sede; no ponto 6 foi ainda deliberado, uma vez que os negócios tinham o pagamento faseado temporalmente, a estipulação de uma cláusula penal de €100.000,00 no caso de incumprimento, a qual deveria ser inserida nos contratos definitivos dos negócios. As propostas apresentadas em cada um dos referidos pontos da ordem de trabalhos foram aceites por unanimidade, sendo deliberado proceder à aquisição faz quotas e do imóvel nos termos propostos e constantes da referida Ata. É certo que a Recorrente invocou o conflito de interesses entre sócios e sociedade e que a Assembleia Geral não podia autorizar os negócios entre o gerente ou por interposta pessoa deste, encontrando-se ferida de nulidade a deliberação de 05 de setembro de 2013 e sendo inválido o consentimento da sociedade à realização dos negócios entre o gerente e a Executada, falhando, em seu entender, o requisito para que esses negócios fossem celebrados de forma válida. Contudo, II deduziu contra EMP01..., EMP01..., Lda., CC e DD, ação impugnação de deliberações sociais requerendo que fossem declaradas nulas as referidas deliberações tomadas na assembleia geral de 5/09/2013 (deliberação de aquisição de quotas da sociedade EMP02... Lda; deliberação de aquisição de quotas próprias; deliberação de aquisição de imóvel) invocando, para o efeito, o disposto no artigo 56.º, n.º 1, al. d) do CSC, o previsto no artigo 397.º, n.º 2 do mesmo diploma legal e o artigo 251.º do CSC e a sua qualidade de gerente da sociedade Executada, conforme decorre da sentença proferida na referida ação, que correu termos com o n.º 243/18.0T8VNF, no J... de Comércio de ... da Comarca de Braga, já transitada em julgado, a qual, julgou improcedente a ação e absolveu a Ré sociedade do pedido de declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 5/9/2013. Assim, não tendo sido julgadas nulas as deliberações em causa, e mostrando-se autorizados por deliberação dos sócios os negócios em causa, ainda que fosse de aplicar por analogia o n.º 2 do artigo 397º do CSC, não seriam nulos os negócios. De facto, o n.º 2 deste preceito apenas comina com a nulidade os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores (leia-se gerentes), diretamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados, e no caso dos autos foi dada autorização para a realização dos negócios por deliberação dos sócios. Acresce ainda dizer, relativamente à venda da fração ..., que a gerente da Recorrente, II, outorgou também, ainda que representada, juntamente com o seu marido EE, por procurador, a respetiva escritura, concordando com a venda e seus termos. De todo o modo, a factualidade apurada não permite concluir que o Exequente CC, enquanto gerente da Executada, tenha violado culposamente o dever geral de diligência, atendendo aos seus interesses e dos filhos em detrimento dos da sociedade. Veja-se desde logo, quanto ao imóvel, que se tratava da sede da Executada, sendo certo que, segundo a própria Recorrente, não obstante não ter procedido ao pagamento da restante parte do preço acordado, procedeu já à venda do imóvel. Em face do exposto, e não se considerando verificada a nulidade dos negócios celebrados de aquisição das quotas e do imóvel, improcede também nesta parte o recurso. * 3.3.2. Da violação do artigo 220º do Código das Sociedades ComerciaisInvoca ainda a Recorrente a violação do artigo 220º do CSC. Estabelece este preceito, sob a epígrafe “Aquisição de quotas próprias”, o seguinte: “1 - A sociedade não pode adquirir quotas próprias não integralmente liberadas, salvo o caso de perda a favor da sociedade, previsto no artigo 204.º 2 - As quotas próprias só podem ser adquiridas pela sociedade a título gratuito, ou em ação executiva movida contra o sócio, ou se, para esse efeito, ela dispuser de reservas livres em montante não inferior ao dobro do contravalor a prestar. 3 - São nulas as aquisições de quotas próprias com infração do disposto neste artigo. 4 - É aplicável às quotas próprias o disposto no artigo 324.º” Na sentença recorrida consignou-se que a Embargante “não demonstrou, como era seu ónus, que o valor das reservas livres da sociedade, no momento dessa aquisição, eram efetivamente inferiores ao limite imposto pelo citado artigo 317.º, n.º 4, do C.S.C.” e que aquando da celebração desse contrato de cessão de quotas, o mesmo não violou qualquer preceito legal. É contra este entendimento que se insurge a Recorrente sustentando que em 05/09/2013, para a Executada poder adquirir as quotas aos Exequentes AA e BB, pelo valor de €272.202,00, era necessário que possuísse reservas livres no montante de € 544.404,00. E que, segundo o IES do ano de 2013 só tinha reservas no montante de €540.952,85, pelo que o valor das reservas livres era manifestamente inferior ao permitido pelo referido normativo legal, e, como tal, nula a referida aquisição de quotas, nos termos do artigo 220º do CSC. Conforme decorre da matéria de facto provada do balanço referido na escritura de cessão das quotas (pela qual os Exequentes AA e BB cederam as suas quotas à Executada), referente a 31/07/2013 (o qual foi arquivado no Cartório Notarial), consta, a título de “reservas legais”, em 31/07/2013 e em 31/12/2012, o montante de €73.000,00, e a título de “outras reservas” o montante de €544.452,85 em 31/07/2013, e o montante de €476.571,15 em 31/12/2012; e da IES referente ao ano de 2013 (período de 1/01/2013 a 31/12/2013), apresentada em 10/07/2014, consta a título de “reservas legais” o montante de €76.500,00, e a título de “outras reservas” o montante de €540.952,85. Conforme já vimos, o referido balanço foi também aprovado por deliberação da assembleia geral realizada em 5/09/2013. Em comentário ao artigo 220º do CSC, Margarida Costa Andrade (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume III, 3.ª Edição Almedina, 2023, p. 286 e seguintes) esclarece que no n.º 1 deste preceito “o legislador proíbe a aquisição de quitas não integralmente liberadas. Desta forma se tenta assegurar o cumprimento do principio da exata formação do capital, segundo o qual a sociedade terá de ver entrar nos seus cofres o montante integral das entradas (…)” quanto às quotas integralmente liberadas “podem ser adquiridas nas situações previstas no art. 220º, 2 (…)” segundo este preceito estas “só podem ser adquiridas em três situações distintas: a) quando a aquisição é gratuita; b) quando a aquisição decorre de ação executiva movida contra o sócio; c) quando a sociedade opta pela aquisição da quota e para tanto dispõe de reservas livres em montante igual ou superior ao dobro do contravalor a prestar”, nesta última hipótese, que é a que aqui releva, “está em causa a função de garantia do capital social, por sua vez associada ao princípio da intangibilidade do capital social (a sociedade tem de reter no seu património bens cujo valor seja equivalente ao valor do capital social, pelo que os sócios não podem distribuir bens sociais se dessa distribuição resultar que o património se torna inferior ao capital)”. Nos termos do disposto no artigo 246º, n.º 1, alínea b) do CSC a aquisição de quota própria depende de deliberação dos sócios, aprovada por maioria simples; como já vimos, no caso concreto, a aquisição foi deliberada por unanimidade na assembleia geral de 5/09/2013. A deliberação será nula se dela resultar uma ordem dirigida à gerência no sentido de adquirir em contradição com as imposições legais (cfr. artigo 56º n.º 1, alínea d) do CSC), e a aquisição será também nula em conformidade com o n.º 3 do referido artigo 220º. Por outro lado, e no que respeita ao momento da necessária verificação dos pressupostos, importa precisar que os pressupostos da legalidade da aquisição de quotas próprias ter-se-ão de encontrar reunidos no momento da aquisição (v. Margarida Costa Andrade, ob. cit. p. 399). No caso concreto sabemos que a deliberação foi tomada em 5/09/2013 e a escritura de cessão de quotas foi outorgada na mesma data. Nessa data, no balanço aprovado (na assembleia de 5/09/2013) reportado a 31 de julho de 2013, a que é feita referência da escritura de cessão de quotas, consta como reservas livres o montante de €544.452,85. Se é certo que na IES do ano de 2013, apresentada em 10/07/2014, consta a esse título o montante de €540.952,85, a mesma respeita ao período de 1/01/2013 a 31/12/2013. Afigura-se-nos, por isso, dever atender-se ao valor constante do referido balanço de 31 de julho de 2013, o qual foi aprovado por deliberação unânime dos sócios e foi também tido em consideração para a outorga da escritura, na qual o então gerente da Executada, CC, declarou ainda não ter havido quaisquer modificações significativas na situação patrimonial da sociedade posteriores a essa data (até à data da escritura) que obstassem às presentes cessões; declaração que não é afastada pela matéria de facto que resultou provada nos presentes autos. Conforme referimos, o valor das reservas livres à data da cessão de quotas era de €544.452,85, o qual era suficiente para a legalidade da aquisição pois, como afirma a própria Recorrente, para a Executada poder adquirir as quotas aos Exequentes AA e BB, pelo valor de €272.202,00, era necessário que possuísse reservas livres no montante de € 544.404,00. Ora, como vimos, o montante era superior, não sendo nula a aquisição. Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso. * 3.3.3. Do excesso da cláusula penalSustenta por último a Recorrente que a cláusula penal deve ser reduzida, com recurso à equidade, por ser manifestamente excessiva. O Tribunal a quo entendeu que o valor peticionado a título de cláusula penal não se apresentava excessivo, dado o número de exequentes/credores, não vislumbrando qualquer justificação para declarar a nulidade da cláusula penal ou sequer para proceder a redução do valor fixado pelas partes para qualquer mora no pagamento das prestações vincendas e não pagas. Em sentido contrário entende a Recorrente que o montante é exagerado e desproporcionado uma vez que a 5 de setembro de 2013, Exequentes e Executada celebraram negócios no valor total de €530.473,00 e fixaram a quantia de €100.000,00 a titulo de cláusula penal, em caso de incumprimento, por parte da Executada, dos negócios que ascendiam ao referido valor de €530.473,00, e que apenas está em causa o incumprimento de tais negócios para com os Exequentes AA e BB que ascende apenas a €185.408,74, valor que é pouco mais elevado do que um terço do valor global dos negócios; a que acresce a forma como tais negócios foram realizados e se encontram feridos de nulidade. Vejamos se lhe assiste razão. Decorre do n.º 1 do artigo 810º do Código Civil que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal, a qual, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo preceito, está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for nula esta obrigação. O credor, contudo, não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação (artigo 811º n.º 1 do Código Civil), o estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes (artigo 811º n.º 2) e o credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal (artigo 811º n.º 3). Por outro lado, face ao disposto no n.º 1 do artigo 812º do Código Civil a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida (n.º 2 do mesmo preceito). A redução equitativa da cláusula penal depende de ser considerada manifestamente excessiva ou de a obrigação ter sido parcialmente cumprida. A cláusula penal é, por isso, “a estipulação pela qual as partes fixam o objeto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, vol. II, p. 139). Como ensina Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª edição, p. 448) “[a] cláusula penal pode ser estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato ou para a simples mora. A primeira diz-se cláusula penal compensatória; a segunda cláusula penal moratória”. Conforme vimos, a cláusula penal compensatória não pode obviamente cumular-se com a realização específica da obrigação principal, já a cláusula penal moratória pode cumular-se, uma vez que se destina a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento (cfr. o referido artigo 811º). No caso concreto, resulta provado que a título de cláusula penal ficou estabelecido que em caso de incumprimento de qualquer uma das prestações seria exigível o valor de €100.000,00 [ponto 20) dos factos provados]. Conforme consta da escritura de cessão de quotas à Executada pelos Exequentes AA e BB, “o incumprimento pela sociedade adquirente das obrigações para ela resultantes deste contrato ou das obrigações para ela resultantes de qualquer contrato por ela celebrado nesta data e neste cartório notarial com os primeiros, segundos e terceiros outorgantes, em conjunto ou individualmente com qualquer um deles, faz incorrer a sociedade na obrigação de indemnizar pela mora o respetivo credor ou respetivos credores na quantia global e única de cem mil euros, a título de cláusula penal, pelo que o pagamento dessa quantia pela sociedade a qualquer um deles desobriga a mesma sociedade a mesma sociedade de quaisquer pagamentos futuros a esse titulo”. Não parecem restar dúvidas que a intenção foi estabelecer uma cláusula penal moratória com vista ao pagamento pontual do preço, destinada a sancionar a Executada pelo não pagamento no prazo fixado, independentemente do direito dos Exequentes ao recebimento da parte do preço em falta. O tribunal recorrido entendeu não ser de proceder à sua redução, por a considerar que o valor peticionado a título de cláusula penal não se apresenta excessivo, dado até o número de exequentes/credores. Vejamos. O montante global dos negócios celebrados entre a Executada e os Exequentes (AA, BB, CC e DD), a 5 de setembro de 2013, perfaz o valor global de €530.563,00. Conforme já vimos, e ao contrário do que sustenta a Recorrente, não está apenas em causa na execução o incumprimento de tais negócios para com os Exequentes AA e BB, mas relativamente a todos os referidos quatro Exequentes. Assim, o crédito exequendo não ascende apenas a €185.408,74, conforme alega a Recorrente. Por outro lado, a Executada procedeu ao pagamento apenas das duas primeiras prestações anuais devidas aos Exequentes, verificando-se a situação de mora desde o pagamento das prestações devidas a 30 de junho de 2016 e 30 de junho de 2017. De todo o modo, a cláusula penal de €100.000,00 foi estipulada relativamente à globalidade dos negócios celebrados entre a Executada e os Exequentes, no valor global de €530.563,00; por outro lado, não foi integralmente pago pela Executada o preço de nenhum dos negócios celebrados e o valor ainda em divida é superior a mais de metade do preço acordado. O incumprimento respeita, por isso, a vários negócios (cessões de quotas, venda do usufruto e venda da nua propriedade) e a distintos credores (Exequentes), sendo que a Executada deixou de pagar as prestações desde 2016. Veja-se ainda que estava em causa o pagamento de prestações anuais, que o montante ainda em divida do preço acordado para os negócios de cessão de quotas e venda do usufruto e da nua propriedade ascende a mais de metade do referido valor global, e que, não obstante o não pagamento integral do preço, a Executada procedeu já à venda do imóvel. Conforme ressalta do referido artigo 812º n.º 1 do Código Civil para a redução da cláusula penal não basta sequer que ela seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada. O tribunal só deverá usar da faculdade de redução conferida neste preceito quando houver elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontem para um manifesto excesso da cláusula penal. “O juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal com vista a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade, a que conduzem penas «manifestamente excessivas», francamente exageradas, face aos danos efetivos, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente excessiva, cuja pena seja superior ao dano. Ou seja, a redução impõe-se, pois, em termos equitativos, tendo em conta o interesse das partes, a natureza do contrato, as circunstâncias em que foi realizado e o reduzido grau de violação e culpa da embargante no cumprimento dos prazos dos pagamentos parcelares” (Acórdão da Relação de Coimbra de 30/05/2023, Processo n.º 1508/20.7T8GRD-A.C1, Relator Pires Robalo, a consultar em www.dgsi.pt). Não vemos, perante as circunstâncias concretas já enumeradas, que se verifique um manifesto excesso da cláusula penal, sendo certo que é ao devedor que pretenda a redução da cláusula penal com fundamento na sua excessividade manifesta, que compete alegar e provar os factos necessários para que o tribunal assim o possa concluir. No entanto, como já referimos, a redução equitativa da cláusula penal depende também da obrigação ter sido parcialmente cumprida. Assim, quanto à hipótese prevista (no n.º 2 do artigo 812º do Código Civil) importa considerar que a Executada satisfez em parte a obrigação que sobre si recaia, procedendo ao pagamento das prestações (relativamente a todos os negócios) nos anos de 2014 e 2015, ou seja, procedendo ao pagamento de duas das sete prestações anuais acordadas. Temos, por isso, de concluir que, para além do pagamento parcial do preço no momento da celebração dos negócios, a Executada cumpriu parcialmente a sua obrigação de pagamento o que implica, em nosso entender, que se deva aqui recorrer a um critério de proporcionalidade para determinar a medida em que deve o montante da cláusula penal ser reduzido, atendendo ao pagamento parcial. Ora, considerando que a Executada procedeu ao pagamento de duas das sete prestações anuais acordadas, entendemos equitativo e proporcional reduzir a cláusula penal para o valor de €85.000,00. * Importa por último referir que, não obstante não assistir inteiramente razão à Recorrente quando pretende ser absolvida quanto ao pagamento da quantia de €147.261,07, entendendo que o crédito dos Exequentes ascende apenas a €185.408,74, a verdade é que não se mostra corretamente calculado no requerimento executivo o valor global do crédito dos Exequentes.Vejamos. Tal como alegou a Recorrente no seu requerimento de 25/03/2025, quanto à venda da nua propriedade da fração ... apenas está em causa a quantia de €38.206,30, pertencente aos Exequentes AA e BB uma vez que o vendedor EE não é parte na execução, não podendo o seu crédito ser peticionado pelos Exequentes. Contudo, analisando o requerimento executivo e o montante de €331.602,13 peticionado pelos Exequentes concluímos que tal valor foi calculado como se apenas os Exequentes AA e BB tivessem procedido à venda da nua propriedade e apenas eles tivessem direito a receber o preço dessa venda. De facto, o preço que os Exequentes alegam no requerimento executivo quanto à venda da fração ... corresponde ao preço global de €91.695,00, mas, como já vimos, esse preço respeita à venda da nua propriedade pelos Exequentes AA e BB e ainda por EE, os quais declararam ter já recebido, em partes iguais, a quantia de €11.461,77, devendo a parte restante ser paga em sete prestações anuais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30/06/2014 e cada uma das restantes seis em igual dia e mês de cada um dos seis anos seguintes, sendo o montante a receber por cada um dos três casais vendedores, em cada uma dessas sete prestações, de €3.820,63. Assim, o crédito dos Exequentes não corresponde ao montante global de €331.602,13 peticionado no requerimento executivo, sendo antes de €312.498,82 (€85.063,13+€19.103,13+€85.063,13+€85.063,13+€19.103,15+€19.103,15), assim descriminado: ü Crédito decorrente da cessão de quotas pelos Exequentes CC e DD à Executada no montante de €85.063,13 (€119.088,37-€34.025,24 = €85.063,13); ü Crédito decorrente da venda do usufruto pelos Exequentes CC e DD à Executada no montante de €19.103,13 (€26.744,37-€7.641,24 = €19.103,13); ü Crédito decorrente da cessão de quota pelo Exequente AA à Executada no montante de €85.063,13 (€119.088,37-€34.025,24 = €85.063,13); ü Crédito decorrente da cessão de quota pelo Exequente BB à Executada no montante de €85.063,13 (€119.088,37-€34.025,24 = €85.063,13); ü Crédito decorrente da venda da nua propriedade pelo Exequente AA à Executada no montante de €19.103,15 (€26.744,41-€7.641,26 = €19.103,15); ü Crédito decorrente da venda da nua propriedade pelo Exequente BB à Executada no montante de €19.103,15 (€26.744,41-€7.641,26 = €19.103,15). Em face de todo o exposto procede parcialmente a presente apelação e, consequentemente, devem ser julgados parcialmente procedentes os presentes embargos de executado, determinando-se a redução do valor global do crédito dos Exequentes, resultante das cessões de quotas e da venda do usufruto e da nua propriedade da fração ..., para a quantia de €312.498,82, fixando-se neste valor o capital em dívida, a que acrescem os juros, e da cláusula penal para o valor de €85.000,00. As custas do recurso e dos embargos são da responsabilidade da Recorrente e dos Recorridos na proporção do respetivo decaimento (artigo 527º do CPC). *** SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil): … *** IV. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, decidem julgar parcialmente procedentes os presentes embargos de executado, fixando na quantia de €312.498,82 (trezentos e doze mil quatrocentos e noventa e oito euros e oitenta e dois cêntimos) o valor do capital em dívida, a que acrescem os juros, e reduzindo a cláusula penal para o valor de €85.000,00 (oitenta e cinco mil euros). Custas do recurso e dos embargos pela Recorrente e pelos Recorridos na proporção do respetivo decaimento. Guimarães, 13 de novembro de 2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Raquel Baptista Tavares (Relatora) António Figueiredo de Almeida (1º Adjunto) Paulo Reis (2º Adjunto) |