Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1426/22.4T8FAF.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DECLARAÇÃO AMIGÁVEL
PRESUNÇÃO LEGAL
PATOLOGIAS DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I A parte que se propõe fazer prova de determinado facto pode beneficiar de uma presunção legal, caso em que a regra do art.º 342º, n.º 1, do Código Civil se inverte – art.º 344º, n.º 1, do Código Civil; ou seja, presume-se o facto e cabe à parte contrária afastá-lo, pela prova efetiva do seu contrário – cfr. art.º 350º do mesmo diploma – no caso de se tratar de uma presunção relativa ou iuris tantum.
II Concluindo o Tribunal de recurso pela violação de uma norma de direito probatório material, no caso a desconsideração de uma presunção legal, pode e tem de conhecer dessa questão de forma oficiosa – cfr. art.º 607º, n.º 4, última parte ex vi art.º 663º, n.º 2, ambos do C.P.C..
III O n.º 3, do art.º 35º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto relativo ao Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (participação do sinistro, assinada conjuntamente por ambos os condutores envolvidos), consagra uma presunção legal, relativa, vigente quer na fase de regularização extrajudicial, quer na fase judicial.
IV Para que o Tribunal de recurso possa, ao abrigo do art.º 662º, n.º 2, c), C.P.C., sanar a patologia de que padeça a decisão da matéria de facto, introduzindo as modificações oportunas, sem necessidade de anulação do julgamento, no caso de estarmos perante factualidade omitida, além de se impor que tenha acessíveis os meios de prova relevantes para o efeito, tem de se tratar de matéria que tenha sido objeto da instrução e discussão contraditória da causa.
V Assim não sendo, então que terá de ser anulada a decisão proferida em 1ª instância, de modo a que se apure a versão omitida, compatibilizando os factos provados e não provados, nomeadamente com o que está abarcado pela presunção legal.
Decisão Texto Integral:
I RELATÓRIO (seguindo o elaborado pela 1ª instância).

AA (A.), NIF ...28, intentou ação declarativa de condenação contra EMP01... - COMPANHIA DE SEGUROS S.A. (R.), NIPC ...80, pedindo que esta seja condenada a efetuar-lhe o pagamento do montante global de € 28.139,00, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, vencidos desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para o efeito, em suma, que no dia 11 de dezembro de 2020 sucedeu um sinistro entre o veículo de matrícula ..-SJ-.. de que é proprietária e o veículo de matrícula ..-..-EZ, segurado pela R., e que a ocorrência de tal sinistro se ficou a dever, unicamente, à conduta do condutor do veículo segurado pela Ré, tendo decorrido do referido evento danos no veículo pertencente à A. que determinaram a sua total inutilização, pretendendo a A., por esse motivo, receber da R. uma indemnização no valor de 28.139,00 euros, que considera ser o valor real do veículo (uma vez deduzido o montante correspondente ao salvado, que ficou na sua posse – € 8.811,00).
Declarou que ambos os condutores assinaram a participação amigável de acidente, a qual juntou.
Disse ainda que a regularização do sinistro iniciou-se nos termos da Convenção de IDS (Indemnização Direta ao Segurado), tendo inicialmente sido aceite a responsabilidade pelos danos verificados; porém, veio posteriormente a EMP02... informar que declinava regularizar a situação uma vez que não havia elementos de prova que confirmassem que o sinistro ocorreu tal como participado.
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Citada, a R. apresentou contestação, invocando que o sinistro não se verificou do modo descrito pela A., visto que os danos do alegado impacto das viaturas não são compatíveis entre si.
Afirmou que não ocorreu um acidente entre os veículos SJ e EZ, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas. Tratou-se de um acidente forjado pelos dois condutores de modo a poderem obter uma quantia pecuniária da Ré sem qualquer fundamento.
Impugnou também o valor de mercado do veículo da A. tal como por ela indicado.
Concluiu pela improcedência da ação.
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Foi dispensada a realização de audiência prévia.
Foi atribuído à ação o valor de € 28.138,00.
Foi elaborado o despacho saneador, e identificado o objeto do litígio: “Direito do autor ao recebimento da quantia peticionada por via do instituto da responsabilidade civil extracontratual.”
Os temas da prova definidos foram os seguintes:
 Dinâmica do acidente em que estiveram envolvidos os veículos de matrícula
..-SJ-.., da autora e ..-..-EZ, seguro na ré.
 Danos sofridos pela autora em virtude desse acidente.
 Valor venal do SJ na data do acidente.
Foi ainda admitida a prova respetiva.
Foi realizada audiência de julgamento, e foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a ação e, em consequência, absolveu a R. EMP01...- COMPANHIA DE SEGUROS S.A. do pedido formulado pela A. AA. Mais atribuiu as custas à A..
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Inconformada, a A. apresentou recurso com alegações, que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1- Entende a Recorrente que a Meritíssima Juiz fez uma errónea apreciação da matéria de facto, porquanto da prova documental, da prova por depoimento e declarações de parte e testemunhal produzida em audiência de julgamento, porquanto resultou provada grande parte da matéria de facto em discussão e que constituía a matéria de facto controvertida, essencialmente no que concerne à dinâmica e definição de responsabilidades do acidente descrito dos autos, não obstante o Tribunal a quo julgou a ação integralmente improcedente;
2- Os concretos pontos de facto que a Recorrente entende ter sido incorretamente julgado são os factos insertos nas alíneas a); b); c); d); e); f); g); h) e i) dos Factos Não Provados e serem dados como provados, de forma a modificar a decisão final e julgando a ação procedente;
3- Entendeu o tribunal a quo que “tendo em conta a factualidade provada, não apurou o Tribunal de que modo foram causados os danos verificados na viatura da Autora. Não se provou, portanto, que o condutor do veículo segurado pela R. tenha adotado qualquer comportamento ilícito, ativo ou omissivo, e culposo, que possa permitir ao Tribunal concluir que os danos sofridos pelo veículo da A. resultaram, em termos de nexo de causalidade, daquela conduta.”
4- Salvo o devido respeito que é muito, entende a Requerente que o Tribunal a quo não valorou a prova documental constante dos autos, nem a prova testemunhal e ainda a prova por depoimento e declarações de parte, integrando cada depoimento no seu conjunto e valorando este de acordo com as regras da experiência comum;
5- Motivou tal decisão, fazendo consignar que “No decurso das declarações que prestou, a A. mostrou-se hesitante e muito pouco confiante quanto à descrição do alegado embate, assim comprometendo, desde logo, a credibilidade que, nessa matéria, poderiam merecer as suas declarações.”

Quanto às testemunhas BB e CC” mostraram, no entanto, visivelmente nervosas no decurso das suas declarações, o que suscitou reservas ao Tribunal sobre a veracidade das mesmas.”
Acrescentando que “na sua globalidade, esta prova e as considerações que já se explanaram sobre a mesma, importa ter em particular consideração as versões factuais apresentadas pelos intervenientes diretos neste evento, bem como as discrepâncias e incongruências entre essas versões factuais e os vestígios decorrentes do alegado embate.
Na verdade, a A. referiu que nem sequer parou completamente para realizar a manobra de mudança de direção à esquerda, pelo que, segundo as regras da normalidade e da experiência comum, ter-se-á aproximado, devagar, do eixo da via, aguardando que existissem condições para virar totalmente à esquerda.
A ter sido assim, dizem-nos as regras da normalidade e da experiência comum que só após reiniciar a marcha começaria a A. a manobra de virar o volante para o seu lado esquerdo. Em momento nenhum, porém, esta descrição da A. justifica que a mesma tenha embatido com toda a parte frontal do seu veículo no muro existente naquele local, tendo em conta a inclinação do referido muro face ao eixo da via no local onde, alegadamente, se deu o embate, tendo ficado, ademais, na posição final indicada no croqui da participação de acidente. Note-se que se trata de um cruzamento extremamente largo, assim como a via em que a A. pretendia introduzir-se.
Neste contexto, tendo a A. acabado de iniciar a marcha, e circulando, então, a uma velocidade reduzida, também não se compreende como é que não seriam acionados os airbags se, efetivamente, embatesse contra o carro da A. um veículo com a robustez do veículo da testemunha, circulando a cerca de 60 a 70 kms/hora.
É que, segundo as regras da normalidade e da experiência comum, a velocidade relativa do impacto (diferença de velocidades entre os veículos/objetos envolvidos) também é determinante para o disparo do airbag (sendo que o carro da A. não só teria sido embatido por um outro carro, como ainda embateu, ele próprio, por projeção, segundo alegado, num muro).
Adicionalmente, sendo o alegado embate do carro da A. no muro tão forte como a mesma referiu (assim como a testemunha DD), também não se compreende que inexistissem, no referido muro, vestígios assinaláveis desse mesmo embate.
Por outro lado, se a A. gostava tanto do seu veículo que gastou mais de vinte mil euros na sua reparação integral após o último sinistro em que interveio, também não se alcança que tenha, em seguida, procedido à tentativa de venda deste mesmo automóvel.
Acresce que, tendo a testemunha DD referido que travou, não foram identificadas quaisquer marcas de travagem no local.
Adicionalmente, não se compreende como é que poderia ter partido por completo o vidro traseiro do carro da A. (como alegadamente partiu, e resulta das fotografias que constam dos autos) sem que esta testemunha, que lhe bateu, se tivesse apercebido disso mesmo, não só pelo barulho característico da quebra de vidros, mas também pelos vestígios que certamente ficariam no local e até no próprio veículo da Autora.
Note-se, ainda, que a ótica da carrinha de matrícula ..-..-EZ que partiu foi a ótica da direita (tal como decorre das fotografias anexas ao relatório completo de averiguação), e não a da esquerda como referiu o respetivo condutor, o que, de facto, não se compreende, pois se realmente a A. se encontrasse junto ao eixo da via para virar à esquerda e a testemunha lhe embatesse nos moldes descritos, certamente o lado da viatura de matrícula ..-..-EZ que absorveria mais o impacto seria o lado mais próximo do eixo da via, i. é, o lado esquerdo, e não o direito.
Ainda neste enquadramento, pese embora a robustez da carrinha de matrícula ..-..-EZ, considera o Tribunal que não é compatível com as regras da normalidade e da experiência comum que, num embate como o descrito nos autos, o veículo da A. ficasse com os danos avultados que ficou sem que o veículo da testemunha apresentasse mais do que uma simples ótica partida do lado oposto ao que alegadamente estaria mais próximo do veículo da Autora. Com efeito, a testemunha referiu que a sua carrinha já tinha a “amassadela” frontal quando a comprou.
Tendo em conta todos estes elementos, considera o Tribunal que não pode julgar provado que, efetivamente, os factos em apreciação tenham ocorrido nos moldes descritos na petição inicial, pelo que os mesmos se julgaram não provados”
6- Não pode a Recorrente aceitar tal motivação, baseada em presunções e ilações, sem sustentação factual, pois pela prova produzida nos autos, é possível concluir, com o devido respeito e salvo melhor opinião, que ficou demonstrado que o acidente ocorreu e por culpa exclusiva do condutor do EZ.
7- O Tribunal a quo baseando-se em presunções e ilações pessoais, não dando credibilidade ao depoimento e às declarações de parte, por entender que a mesma “mostrou-se hesitante e muito pouco confiante” e também não valorou as testemunhas “ BB” e “ CC”, testemunhas que apareceram no local após o embate, “ se mostraram, no entanto, visivelmente nervosas do decurso das suas declarações, o que suscitou reservas ao tribunal sobre a veracidade das mesmas.”
8-Porém, a Autora descreveu e concretizou a dinâmica do embate, de forma clara e objetiva, ser reservas, declarações confirmadas pela testemunha DD, o condutor do outro veiculo interveniente no sinistro e as testemunhas BB e CC descreveram a localização, tempo, posição dos veículos e vestígios, pois estas chegaram ao local após o embate, depoimentos que nos parecerem sinceros e sem reservas.
10- A simples leitura das declarações e depoimento de Parte da Autora, do depoimento da testemunha DD, conjugado com o depoimento das testemunhas BB e CC, permite colher que estas provas foram incorretamente valoradas pelo Tribunal a quo, que não deu credibilidade à Autora e às testemunhas, sem qualquer razão aparente.
11- As Declarações de parte de AA, cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, com início da gravação às 109h45m52s até às 10h40m15s e que depôs com clareza sobre a dinâmica do sinistro, essencialmente ao minuto [00:04:18] AA: “Sim, sim, sim. Entretanto, vem um carro de frente, eu abrando, mas a carrinha é automática, automaticamente, a carrinha, nós ao pormos o pé no travão, ela vai travando, vai ficando ali… nós metemos o pé no acelerador, certo? Meti o meu pé no acelerador, vou para arrancar… deixei passar o carro, vou para arrancar, levei um embate por trás que eu… é o que eu digo, eu só quando embati na frente do muro é que me apercebi de o que se tinha passado, porque aquilo foi muito rápido… foi um salto, foi o bater contra o muro, foi vidros pelo [impercetível] adentro…
00:05:06] AA: Não é bem parar, porque a carrinha, como é automática, uma pessoa mete-lhe o pé no travão, ela acaba por relaxar ali, ele passa e eu já estou com as rodas viradas para virar para lá, não é? E com o pé no acelerador, porque a carrinha, automaticamente, acaba por parar ou ficar ali…pronto, e eu estou com o pé no acelerador quando… nunca na vida pensava – não é? – num embate daqueles…
[00:05:30] Mandatária da Autora (Dra. EE): Portanto, é embatida pela parte de trás com força?
[00:05:32] AA: Sim, com muita força.
[00:05:34] Mandatária da Autora (Dra. EE): E então, depois, o que é que aconteceu?
[00:05:36] AA: O que aconteceu? Depois eu… pronto, eu estava dentro do carro,
[sobreposição de vozes]…
[00:05:39] Mandatária da Autora (Dra. EE): Mas você, pronto, embateu da parte…
[00:05:41] AA: Sim.
[00:05:41] Mandatária da Autora (Dra. EE): …de trás, perdeu o controlo do carro, foi…
[00:05:43] AA: Sim, sim, eu bati contra o muro.
[00:05:44] Mandatária da Autora (Dra. EE): …diz que foi embater ao muro – o muro de que
lado?
[00:05:46] AA: O muro fica aqui assim neste lado… ou seja, eu estava aqui, eu atravessei
assim, eu atravessei-me. Ou seja, eu bati assim. Eu nem para a estrada consegui virar direito.
[00:05:57] Mandatária da Autora (Dra. EE): Mas era para a estrada que pretendia virar?
[00:05:58] AA: Sim, sim, exatamente, só que embato no muro que está em frente…”
12- A Testemunha FF, e cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, com início da gravação às 10h40m50s até às 11h08m46s, condutor do veículo EZ, outro veículo interveniente no sinistro, esclareceu também a dinâmica do mesmo, na qual assumiu a responsabilidade do sinistro, essencialmente ao minuto:
[00:04:40] DD: Não. E, em cima de uma curva… eu, quando me apercebi, já estava em cima do carro, embati-lhe na traseira. Foi… aquilo… eu travei, mas um carro daqueles nem tem… os travões daquilo é muito… é muito…
[00:04:52] Mandatária da Autora (Dra. EE): Portanto, você diz que aparece-lhe uma curva…
[00:04:56] DD: Sim.
[00:04:56] Mandatária da Autora (Dra. EE): …e a curva é acentuada?
[00:04:58] DD: Sim.
[00:04:58] Mandatária da Autora (Dra. EE): Tem visibilidade para a frente?
[00:05:00] DD: Não, não se conseguia ver. Eu, quando vi, já estava em cima do carro.
[00:05:03] Mandatária da Autora (Dra. EE): Portanto, você quando se apercebe…
[00:05:05] DD: Eu também poderia ir um pouco distraído, não é? Mas, eu quando me apercebo, já estou mesmo em cima dela. Eu ainda travo, mas já não vou a tempo.
[00:05:12] Mandatária da Autora (Dra. EE): E não consegue…?
[00:05:13] DD: Não, não.
[00:05:13] Mandatária da Autora (Dra. EE): Portanto, o… que tipo de veículo é que estava à sua frente?
[00:05:16] DD: Era uma .... Não sei precisar o modelo, mas era uma ..., uma carrinha grande.
[00:05:21] Mandatária da Autora (Dra. EE): Uma… aquelas carrinhas ...?
[00:05:22] DD: Sim, sim.
[00:05:22] Mandatária da Autora (Dra. EE): Olhe, e… Sr. DD, portanto, quando você se apercebe do veículo, já lhe está a embater?
[00:05:28] DD: Sim.
[00:05:29] Mandatária da Autora (Dra. EE): E o que é que aconteceu com esse carro? Ficou no local? Você embateu com a… você bateu com a sua frente?
[00:05:33] DD: Sim, eu bati com a minha frente na traseira, não é? E…
[00:05:37] Mandatária da Autora (Dra. EE): Sim. Apanha a traseira toda ou… a frente, recorda-se? Ou…
[00:05:40] DD: É assim, ela… a carrinha está… eu não sei se ela está já na fase de arranque ou que foi, porque eu, quando lhe embato, o carro saiu para a frente, não é? Eu penso que ela… não vinha nada do outro lado no momento em que eu bati, não é? E…
13- O depoimento desta testemunha e a da Autora, únicos intervenientes no sinistro, não são contraditórios, descrevendo a dinâmica do sinistro, na qual, só podemos concluir que a responsabilidade foi do condutor do EZ. Não podemos concordar com a apreciação desta prova pelo Tribunal a quo, baseando-se em presunções e ilações pessoais, não dando credibilidade às declarações de parte, por entender que a mesma “ mostrou-se hesitante e muito pouco confiante” e quanto à testemunha DD nem sequer referiu se o mesmo mereceu credibilidade ou não, limitou-se a resumir o seu depoimento, que nem sempre coincidente com o que realmente foi relatado pela testemunha.
14- Apesar das testemunhas BB e CC, que não presenciaram o sinistro, mas apareceram no local logo após, parece-nos que também trouxeram elementos aos autos pertinentes para corroborar o depoimento da Autora e da testemunha DD. O Tribunal a quo entendeu que as referidas testemunhas “se mostraram, no entanto, visivelmente nervosas do decurso das suas declarações, o que suscitou reservas ao tribunal sobre a veracidade das mesmas.”. Não pode a Recorrente aceitar tal posição de desconfiança, sem qualquer razão fundamentada, apenas porque se desconfia. Estas testemunhas mostraram-se calmas, claras, objetivas e apenas falaram sobre aquilo que tinham conhecimento, não sabendo sobre a dinâmica exata do sinistro, pois, não presenciaram o mesmo. Apenas descreveram alguns circunstancialismos pertinentes sobre o mesmo.
15- A Testemunha BB, e cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, com início da gravação às 11h09m e 24s até às 11h28m e 56s, esclareceu sobre como encontrou os veiculo e sobre os danos que viu no veiculo da Autora;
16- A Testemunha Natália GG, e cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, com início da gravação às 11h29m e 34s até às 11h42m e 10s, esclareceu sobre como encontrou os veiculo e sobre os danos que viu no veiculo da Autora;
16- Conjugando o depoimento e as declarações de parte da Autora, o depoimento das testemunhas DD, BB e CC e da prova documental junta aos autos, nomeadamente a Participação elaborada pela GNR e a declaração amigável assinada por ambos condutores e ainda com base na experiência comum, pode-se concluir com segurança que o acidente descrito na P.I. efetivamente ocorreu e na forma descrita, sendo completamente desfasada da realidade a versão avançada pela Ré, baseada em presunções e conjunturas e corroborada pelo Tribunal, sem qualquer prova, que se baseou em presunções, como o facto dos airbags não abrirem e não existir grandes danos no muro e como tal os danos no veiculo da Autora não resultaram do sinistro descrito nos autos.
17. O depoimento da Testemunha HH (GNR) que o Tribunal a quo refere que “Esta testemunha disse ainda que não viu explicação, no local, para o veículo da A. ter embatido no muro, de tal modo que não há marcas de arrastamento (nem, aliás, de travagem). Para o veículo ficar onde ficou, entende a testemunha que a A. tinha que ter acelerado e endireitado a direção.” Este depoimento, na sua maioria, é baseado em hipóteses, conjunturas e presunções e sobretudo na sua experiência sobre veículos de velocidade manual e o veiculo da Autora era de velocidade automáticas, referido que neste campo não tinha muita experiência.
A Testemunha HH, militar da GNR, e cujo depoimento se encontra gravado em suporte digital, com início da gravação às 12h 01m e 03s até às 13h 01m e 58s.
Depoimento claramente baseado em Hipóteses académicas e ilações, sem conhecimento direto sobre os factos, mas refere de forma expressa que as suas ilações sobre direções, travagens se referem a veículos de caixa manual e não automática, que é o caso dos autos, mas afirma que verificou a existência de danos no muro e atendendo às caraterísticas do mesmo é normal a não existência de outros danos mais gravosos e que pelo menos os danos da frente do EZ e da traseira do veículo da Autora são coincidentes e resultaram daquele sinistro.
18- Acresce ainda que e quanto aos danos nos veículos o Tribunal a quo considerou que “Analisando o relatório de averiguação elaborado pela EMP02..., constata-se que, de facto, o veículo de matrícula ..-SJ-.. apresentava os danos indicados no facto n.º 13, danos estes cuja localização e descrição se mostra compatível com o teor das declarações prestadas, nesta matéria, pela A. e pelas testemunhas DD, BB, CC e II.” e veio depois julgar a ação improcedente por entender que o Tribunal não apurou de que modo foram causados os danos verificados na viatura da Autora. Contradição clara quanto ao decidido e sua fundamentação.
19- Quanto ao ponto i) dos factos dados como não provados de que “ o valor comercial do veículo de matricula ..-SJ-.. ascendia ao montante de 36.950,00€” deverá ser dado como provado. Para tanto deverá o tribunal atender ao documento da apólice do seguro junto aos autos, na qual foi atribuído ao veículo o valor comercial de 36.950,00€, bem como aos documentos juntos como doc. 16 e 17 e ainda às declarações de parte da Autora ao minuto 00:25:54 a 00:27:50. Caso não se venha assim a entender deverá ser atendido ao valor comercial atribuído na missiva enviada à EMP03... a 06 de Janeiro de 2021, junto como doc. n.º 10 na P.I., ou seja, ao valor de 29.980,00€, valor atribuído pelos serviços técnicos de peritagem.
20- O tribunal “a quo”, não apreciou, nem valorou o depoimento e declarações da Autora, nem das testemunhas DD, BB, CC e HH, uma vez que desconsiderou por completo o conteúdo dos mesmos, ou melhor, retirou deles conclusão diversa daquela que seria a devida pela justiça. O Tribunal a quo baseou-se em especulações, desconfianças e possibilidades, e nessa medida, não poderia servir para justificar uma resposta negativa aos factos.
21- Como podemos constatar pela transcrição dos extratos do depoimento e declarações de Parte da Autora e das testemunhas referidas, foram depoimentos prestados de forma clara, sem contradições, coerentes, não existindo qualquer motivo ou razão para desconfiar dos seus depoimentos.
22-As testemunhas da Ré, sem ter um conhecimento direto sobre os factos, limitaram-se a fazer comentários sobre fotografias e basearam-se em hipóteses académicas, desconfianças e presunções.
23- Como é de conhecimento um acidente de viação constitui em si mesmo um fenómeno impar, sempre diferente no seu conjunto, em relação a outros, pelo condicionalismo de que se reveste, pelas consequências a que dá origem, até pelo comportamento diferente das diferentes viaturas que nele intervém.
24-E no caso sub Júdice não foi tomada em consideração este fenómeno, pois desde logo, estamos perante características bastantes diferentes nos veículos, não podendo comparar o material de um ..., veículo novo, com um veiculo- carrinha- de material mais robusto, de veículos mais antigos.
Parece-nos completamente natural e normal que os danos num ... sejam superiores aos danos que a carrinha (material antigo o e robusto) possa apresentar.
25- Por outro lado, não foi promovido, no processo, uma avaliação técnica independente para testar a hipótese sustentada pela Ré, da falta de compatibilidade dos danos com a trajetória do embate, o que seria necessária, posto que, nesta situação não é evidente que assim ocorra.
26-Tudo posto, entende-se que as provas produzidas por ambos os condutores e as restantes testemunhas arroladas pela Autora, que estiveram no local do sinistro e visualizaram os veículos no local, vestígios dos veículos acidentados, devidamente conjugadas, são aptas a demonstrar a produção do embate, nos termos articulados, do qual resultaram danos.
27- Encontra-se junto aos autos Declaração Amigável de Acidente Automóvel, onde constam as partes da viatura embatidas e descrição do acidente e a Participação de acidente elaborado pela GNR e o Tribunal não teceu o tribunal qualquer comentário, nomeadamente quanto à sua validade probatória.
28- As declarações de parte e o depoimento da testemunha DD corroboram na íntegra o teor dos documentos acima identificados, sendo que representam um elemento de segurança que nenhum outro meio de prova é capaz de fornecer, pois que todos os outros meios de prova tendem a dar uma representação dos factos a posteriori, baseados na memória e portanto, a sua valoração será mais ou menos arbitrária, ou seja, tipicamente subjetiva de acontecimentos do passado.
29- Ignora o Tribunal a quo que, a força probatória dos documentos impõe-se em relação a terceiros, só podendo ser posta em causa com base na falsidade de documentos (cfr. art. 35º do Decreto-Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto).
30- De facto, ao abrigo do artigo 35º nº 3 da citada disposição legal, e quando a participação do sinistro seja assinada conjuntamente por ambos os condutores envolvidos no sinistro, presume-se que o sinistro se verificou nas circunstâncias, nos moldes e com as consequências constantes da mesma, salvo prova em contrário por parte da empresa de seguros.
31- Por outro lado, a Ré não fez qualquer prova de falsidade dos documentos ou dos factos alegados pela A., nem foi produzida qualquer contraprova com vista a neutralizar a prova vertida nos documentos e produzida pelos depoimentos supra referidos. Não foi provado qualquer facto contrário aos alegados na P.I..
32- Verificando-se a aplicabilidade do referido art. 35 do Decreto-Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto, estamos no âmbito de uma presunção legal, que nos termos do art. 350º do CC, dispensa o A. de provar o facto a que a presunção conduz, ou seja, o sinistro, circunstâncias, moldes e consequências do mesmo, incumbindo, assim, à Ré, porque tal ónus lhe era imputado, provar que o sinistro não ocorreu nos moldes e extensão descritos na participação do acidente.
33- A prova da actuação dolosa impeditiva do direito à indemnização compete à seguradora, através de factos dos quais se possa concluir com segurança que o embate não se verificou ou foi propositadamente provocado. Porém, tal alegação não se basta com a mera insinuação de dúvidas e de suspeitas sobre o acidente, baseando-se em:
- Os danos na traseira do veículo SJ são compatíveis com danos pré existentes de sinistro anterior-
Não foi produzida qualquer prova neste sentido. Pelo contrário, foi produzida prova de que o veículo foi reparado dos danos do sinistro anterior e inclusive o agente da GNR referiu que os danos da traseira do SJ eram compatíveis com os danos da frente do EZ e que resultariam do sinistro descrito na P.I.
- Inexistência de danos no muro- Foi provado que existiam danos no muro e que atendendo às suas caraterísticas, à sua robustez, é normal não serem substanciais;
- Desconfiança por a Autora ter colocado à venda o veículo após e embate;
- Desconfiança por terem chamado a GNR, atendendo que o condutor do EZ assumiu a culpa.
34- Na verdade, todo o vertido na Contestação não resultou provado, pois o alegado pela Ré é baseado em conjeturas, sendo meramente conclusiva e fruto da fértil imaginação dos seus autores, baseou-se em alegadas incompatibilidades de danos nos veículos.
35-O Tribunal não está habilitado a aferir da tipologia dos danos, pois que para esse efeito teria que se socorrer de perícia por técnico habilitado e não das conjeturas alegadas pela Ré.
36- O Tribunal não encontrou divergências entre as afirmações da parte e das testemunhas quanto ao modo de ocorrência do sinistro. Assim, o Tribunal desconfia das coincidências dos depoimentos, para a partir daí construir teses infundadas, baseando-se m presunções e conjunturas. Desconfiou da Autora e de todas as testemunhas por si indicadas, mas sempre sem referir qualquer facto em concreto.
37- Sucede que, os factos provados e não provados têm de ser fundamentados – segundo Teixeira de Sousa, in «Estudos», o Tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da “convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.
38- Impunha-se que o tribunal respondesse «provado» aos factos supra referidos tanto mais que, as testemunhas confirmam o sinistro, a participação do acidente atesta os vestígios no local, o sentido de marcha, o local do embate e os danos.
39-Contudo, ignorou o Tribunal que o princípio da livre apreciação da prova, consignado no art. 655º do CPC, só cede perante situações de prova legal, que fundamentalmente, se fundam (…) por presunções legais (cfr. art. 376º do CC).
40-O tribunal deveria ter estabelecido o fio condutor entre a decisão da matéria de facto e os meios de prova contrários aos factos constantes da Declaração Amigável junta aos autos. Mas tal não se verificou.
41- Ao alicerçar toda a sua decisão em fotografias e sem qualquer outra prova, erra de todo nas regras que devem seguir os Tribunais, visto que não é livre a decisão do tribunal a quo, pois não lhe basta desconsiderar os meios de prova que lhe são apresentados. O Tribunal deve referir os elementos, que em sua opinião, deram força bastante aos meios concretos de prova (esses sim objetivos), ou seja, no caso de testemunhas, a razão de ciência do seu conhecimento dos factos e tirar conclusões precipitadas e equívocas dos depoimentos e dos documentos.
42- Pelo que deverá o Tribunal alterar a resposta aos factos considerados não provados e supra enumerados, que deverão ser considerados provados e consequentemente, revogar a sentença proferida e proferir outra que consagre o supra exposto, condenando a Ré com base no peticionado e na medida do peticionado.
43-A sentença recorrida violou, entre outros, o disposto no artigo 35º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, nos artigos 344º, 350, 362º, 376º, 483º e 503º todos do Código Civil e fez uma errada apreciação e valoração da prova produzida, violando o disposto nos artigos 640º e 662º do CPC.”
Pede que seja concedido provimento ao recurso, reapreciando a prova gravada, alterando-se a resposta à matéria dos pontos das alíneas A) a I) dos Factos não Provados, e dar como provada essa matéria, e consequentemente revogar a sentença, proferindo outra que condene a Ré no pedido e no peticionado.
*
A R. apresentou contra-alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1. As razões de discordância do Recorrente, que motivaram a apresentação do presente recurso, centram-se essencialmente na impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como não provada, uma vez que a mesma entende que a matéria constante das alíneas A) a I) deveria ter sido dada como provada.
2. Para a requerida alteração da matéria de facto alicerça-se a Recorrente, nomeadamente, no depoimento das testemunhas por si arroladas e nos documentos por si juntos aos autos, designadamente na Declaração Amigável de Acidente de Automóvel e na Participação de Acidente de Viação elaborada pela GNR, bem assim como nas declarações de parte da Autora.
3. O douto tribunal recorrido teve em consideração todas as provas juntas pelas partes, conferindo-lhes maior ou menor importância, e maior ou menor credibilidade consoante a análise cuidada e ponderada feita ao longo do processo, e dos elementos que foram reunidos.
4. Como afirma, e bem, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.03.2010 «o que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica».
5. Como decorre do artigo 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil, a prova é livremente apreciada pelo juiz, decidindo este segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Tal é aplicável igualmente à prova testemunhal, por força do artigo 396º do Código Civil, nos termos do qual «a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal».
6. Quem melhor que o Tribunal de 1ª Instância que se encontra em contacto directo com a testemunha para arbitrar dos seus conhecimentos ou falta deles e das suas seguranças ou inseguranças? Claramente que a M. Juiz que ouviu directamente a versão dos factos pela boca das testemunhas em causa é quem está na melhor posição de decidir quanto ao valor que o depoimento deve ter…
7. Quer a Autora, quer as testemunhas por si arroladas não conseguiram demonstrar que o acidente ocorreu nos moldes descritos na petição inicial;
8. Aliás a Autora não conseguiu sequer demonstrar a razão pela qual o seu veículo descreveu uma trajectória completamente diferente daquela para a qual estava destinado.
9. O depoimento da Autora e no que à descrição do acidente diz respeito foi quase todo ele focado no facto de se tratar de uma carrinha de velocidades automáticas, como se isso fosse explicação para o anómalo trajecto do seu veículo!!!
10. O próprio condutor do EZ não consegue descrever de que forma ocorreu o acidente.
11. Alega ainda a mesma a existência de extenso arvoredo que lhe retira a visibilidade, mas a verdade é que no local onde ocorreu o acidente existe boa visibilidade, tendo tal facto sido confirmado pelo depoimento do agente HH que muito bem conhece o local e que elaborou o auto de acidente de viação.
12. A verdade é que a Autora não conseguiu demonstrar a dinâmica do acidente.
13. Sendo ainda certo que no muro onde embateu com muita força não existiu qualquer vestígio do choque violento.
14. Como também não existiu quaisquer vestígios de vidros partidos na via.
15. Não só os vidros não ficaram no local como os airbag’s não abriram apesar do embate alegadamente violento no muro.
Quanto à prova documental:
16. No que ao relatório pericial diz respeito o mesmo foi elaborado por uma entidade externa à Ré, tendo a averiguação do acidente sido solicitada pela própria seguradora da Autora e a sua junção aos autos foi solicitada pelo próprio tribunal.
17. Do relatório junto resulta que não só o acidente não pode ter ocorrido como a Autora alega na sua petição inicial, como ficou também demonstrado que os danos não são compatíveis com o referido acidente.
18. Este relatório não foi impugnado pela Autora.
19. A Autora não fez qualquer prova (quer documental, quer testemunhal) do valor comercial do veículo, bem assim como não demonstrou qual o valor que despendeu com a reparação do mesmo.
20. O recurso carece assim de total fundamento e não tem qualquer sentido.
21. Nesta conformidade, atenta toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, devem os factos constantes das alíneas das alíneas A) a I) manter-se como factos não provados.”
Pede que se negue procedência ao recurso.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.

Impõe-se, por isso, no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-se deve ser admitida a impugnação da decisão da matéria de facto e, na afirmativa, se deve ser alterada no sentido da versão proposta pela recorrente, nomeadamente por força da aplicação de uma presunção legal prevista no art.º 35º, n.º 3, do DL n.º 291/2007 de 21/8;
-se, em consequência da procedência dessa alteração, deve ser revogada a decisão e considerado procedente o pedido da A./recorrente.
***
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal recorrido apresentou o seguinte resultado probatório:
“Resultaram provados, com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos:
1) A estrada no local indicado em d) é constituída por duas faixas de rodagem, uma em cada sentido.
2) O piso da estrada no local é betuminoso, estava molhado, atento que tinha chovido e já estava de noite.
3) Como o condutor da viatura EZ se considerou culpado pela ocorrência do sinistro, ambos os condutores assinaram a Declaração Amigável de Acidente.
4) O veículo SJ foi transportado, através do reboque, para as instalações da oficina denominada por “EMP04... Unipessoal Lda”, sita em ....
5) O sinistro supra descrito inicialmente foi participado à EMP02..., no âmbito da Convenção IDS (Indemnização Direta ao Segurado) ao abrigo do contrato de seguro celebrado pela proprietária do SJ.
6) Os técnicos da EMP02... deslocaram-se às instalações da oficina supra identificada para efetuarem a respetiva peritagem aos danos ocorridos no veículo.
7) Por carta datada de 17 de dezembro de 2020 a EMP02... comunicou à Autora que “No seguimento da comunicação remetida por V.ª Ex.a, e com referência ao evento em epígrafe, cumpre-nos informar que atendendo às circunstâncias assinaladas na mesma, concluímos que a responsabilidade é de imputar ao condutor do outro veículo interveniente. Mais, informamos que o presente sinistro foi enquadrado no âmbito da Convenção IDS (Indeminização Directa ao Segurado), pelo que iremos regularizar os danos verificados na sua viatura e, posteriormente, apresentar a reclamação dos prejuízos decorrentes do acidente, à Companhia de Seguros que garante o veículo terceiro.”
8) Por carta datada de 06 de Janeiro de 2021, a EMP02... comunicou à Autora que “no seguimento da peritagem efetuada pelos serviços técnicos EMP05... LDA ao veiculo de V. Exa. cumpre- nos informar que face aos valores dos danos estimados em 27.499,00€, temos de proceder à sua regularização como Perda Total, conforme decorre no disposto no n.º1 do artigo 41º do Decreto-lei n.º 291/2007”, que “sem qualquer compromisso e reconhecimento da mesma, informamos desde já o valor apurado do veículo 29.980,00€, bem como do respetivo salvado-8.811,00€” e ainda que “a melhor proposta para a aquisição do salvado foi apresentado por AA, com morada em Residência do BAIRRO ... ... ...”.
9) Porém, em abril de 2021, como a EMP02... não liquidava a indemnização à Autora, a Mandatária da Autora, enviou email, datado de 12 de abril de 2021, à companhia de seguros EMP02... a solicitar a regularização dos prejuízos sofridos, no âmbito da convenção IDS.
10) A A. rececionou uma missiva da EMP02..., datada de 28 de Abril de 2021, alegando que “No âmbito das diligências realizadas, apuramos que não foram apresentados elementos de prova que confirmem o sinistro da forma como foi participado, tendo em conta algumas situações, como por exemplo a manobra casual não é compatível com a dinâmica do acidente e os danos dos veículos não se ajustam entre si. Por tal motivo, não pode este evento ser regularizado, no âmbito da Convenção IDS. Pelo exposto, declinamos toda e qualquer responsabilidade no presente sinistro”.
11) Perante tal resposta da EMP02..., a Autora, através da Mandatária, enviou email à Ré, datado de 11 de maio de 2021, a solicitar uma posição na assunção da responsabilidade pela ocorrência do sinistro em causa.
12) Por carta datada de 01 de junho de 2021 a Ré comunicou à Autora que “concluímos que o sinistro não terá ocorrido conforme o participado. Na sequência da participação de sinistro que nos foi apresentada, cumpre-nos informar que, com base nos dados facultados, nas diligências entretanto efetuadas e nos elementos recolhidos para instrução do processo, a peritagem/ averiguação do sinistro efetuadas pela seguradora Direto concluiu que existiram irregularidades no sinistro, que não terá ocorrido conforme o participado e num contexto aleatório, súbito e imprevisto.”
13) O veículo de matrícula ..-SJ-.. apresentou danos provocados na frente e na traseira do veiculo, nomeadamente, para choques da frente; grelha do capot, amortecedor frente direito pneumático; dois faróis bio-xenon; 1 reforço; 2 esguiches faróis; 3 sensores frente; sensor câmara de aproximação; farol de nevoeiro; guarda lamas direito; todos os radiadores; termo ventilador; frente em chapa; pampa da mala com vidro; amortecedores mala; 2 farolins trás; 1 para choques de trás com sensores; 1 reforço de trás; traseira em chapa; serviços de pintura, chaparia e mecânica e outros.
14) O local onde alegadamente ocorreu o acidente é caracterizado por um cruzamento com uma curva à direita atento o sentido de marcha dos veículos intervenientes (Fafe/Póvoa de Lanhoso), com inclinação ascendente, tendo a faixa de rodagem 6,40m, com boa visibilidade.
15) O muro referido em f) apresentava apenas, em 11.12.2020, um ligeiro vestígio fruto de embate residual.
16) O veículo ..-SJ-.. era de marca ..., ..., Diesel, de 2013, importado de ..., com data de matrícula em Portugal de 16.01.2017, sendo a data da primeira matrícula de 2013.03.06.
17) Em 11.12.2020 o veículo ..-SJ-.. registava 259.212Km.
18) O veículo ..-SJ-.. esteve à venda num Stand na Zona de ... antes do presente sinistro.
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B. Factos Não Provados

Com relevo para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:

a) No dia 11 de dezembro de 2020, pelas 18,30h, na EN ...07, ao Km 58,700, freguesia ..., Concelho ..., ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes as seguintes viaturas: viatura de matrícula ..-SJ-.., da propriedade de AA e conduzido pela mesma e viatura de matrícula ..-..-EZ, da propriedade de DD e por ele conduzida.
b) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, a viatura SJ circulava, conduzida pela sua proprietária, no sentido Fafe/ Póvoa de Lanhoso.
c) Por seu turno, a viatura EZ circulava no mesmo sentido, ou seja, no sentido Fafe/ Póvoa de Lanhoso, mais precisamente atrás do SJ.
d) O embate veio a verificar-se no entroncamento existente na EN ...07, com a Rua ..., sita do lado esquerdo atento o referido sentido, e quando a viatura SJ, depois de acionar o pisca da esquerda e abrandar a velocidade, pretendia virar à sua esquerda e entrar no entroncamento e seguir para a Rua ..., para ir em direção à sua residência, sita na freguesia ....
e) Porém, o condutor da viatura EZ e quando a condutora do SJ estava a iniciar a marcha para virar à esquerda, com o pé no acelerador, foi embater com a frente do EZ na traseira do SJ.
f) Que, por sua vez, encontrando-se a condutora do SJ com o pé no acelerador para virar à esquerda, com o embate na traseira perdeu o controlo do veículo e foi embater com a frente do mesmo no muro da entrada do entroncamento à sua esquerda, no sentido ..., onde ficou o veículo paralisado.
g) O condutor do EZ que conduzia completamente desatento e com falta de cuidado face ao restante do trânsito que circulava na mesma faixa de rodagem não atentou que o veiculo SJ acionou o pisca da esquerda para virar à esquerda e consequentemente abrandou a velocidade.
h) Não conseguiu dominar o veículo que conduzia e travar para evitar o choque no veículo que estava à sua frente.
i) O valor comercial do veículo de matrícula ..-SJ-.. ascendia ao montante de 36.950,00€.
j) Era difícil de encontrar comprador para o veículo de matrícula ..-SJ-.., desde logo porque os concessionários da marca ... têm milhares de veículos usados desse modelo à venda, com a garantia de boas condições de funcionamento e conservação e mesmo assim não os conseguem vender.
k) Um veículo nas condições do da Autora é vendido nessas condições pelos ditos concessionários por €10.000,00 a 15.000,00 euros.
l) O circunstancialismo descrito em 9) verificou-se apesar de a A. ter contactado via telefone e por diversas vezes a Ré e esta lhe ter dito que já tinha dado ordens de pagamento junto da EMP02....
m) A projeção do veículo de matrícula ..-SJ-.. foi superior a 15 metros.
n) O muro onde embateu o veículo SJ encontra-se bastante danificado com sinais de antiguidade.
o) Estando o veículo SJ parado ou praticamente parado para mudar de direção, e encontrando-se o veículo terceiro de mercadorias EZ a circular numa rua a subir o mesmo teria de circular a uma velocidade de mais de 90km ou mesmo 100km por hora de forma a causar um embate com o impacto violento o suficiente para projetar aquela distância de 15 metros o SJ e este embater no muro.
p) O veículo ..-SJ-.. apresenta danos de impacto na parte traseira do para-choques entre 45 e 75 cm, e o veículo EZ apresenta danos na zona central do capô a 80 a 100 cm.
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Todos os restantes factos alegados pelas partes não foram considerados por constituírem mera negação dos que ora se julgaram provados ou não provados ou, ainda, por configurarem matéria de direito, conclusiva, ou serem irrelevantes para a decisão da presente causa, porquanto o Tribunal não pode “deixar de antecipar os efeitos que resultam da prova ou da falta de prova de certos factos, assim como deve ponderar, em face dos institutos jurídicos em causa, os factos cuja prova se revela necessária para que a acção ou a excepção proceda” (António Santos Abrantes Geraldes, Sentença Cível, Jornadas De Processo Civil, Centro De Estudos Judiciários, janeiro de 2014, P. 3, nota de rodapé 2).”
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IV MÉRITO DO RECURSO.

-IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

A recorrente anuncia a sua intenção de impugnar a matéria de facto.
O art.º 640º do C.P.C., nos n.ºs 1 e 2, impõe determinados ónus (ónus impugnatórios) a cumprir, sob pena de rejeição dessa pretensão.
Iremos enunciá-los brevemente, justificando a aceitação deste item recursivo, não obstante se impor, por dever de ofício deste Tribunal, a sua apreciação, como se vai ver.
Estão ali consignados requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar a impugnação da matéria de facto, nomeadamente a indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; a especificação na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, a indicação na motivação das passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, a expressão na motivação da decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, págs. 155 e 156.
Conforme Acs. do STJ, designadamente de 29/10/2015, de 03/05/2016 e de 21/03/2019 (todos disponíveis em www.dgsi.pt, como os seguintes que se citarão, sem que conste outra fonte), podemos distinguir nestas exigências um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. No primeiro caso, cabem as exigências de concretização dos pontos de factos que se consideram incorretamente julgados, especificação dos concretos meios de prova que sustentam a decisão errada e/ou diversa (sendo que o Tribunal pode considerar esses e, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão, conforme art.º 607º, n.º 5 do C.P.C.), e a indicação do sentido em que se deveria ter julgado a matéria de facto, na posição do recorrente, ou da decisão a proferir (art.º 640º, n.º 1, a), b) e c)). No segundo caso, cabe a exigência de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados (a), n.º 2, do art.º 640º). Em ambos os casos, a cominação para a falta de cumprimento das exigências é a rejeição imediata do recurso (cfr. a dita disposição), sem possibilidade de prévia oportunidade de aperfeiçoamento da peça. Em ambos os casos, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a decisão de rejeição (já que a parte ficará prejudicada ao não ver apreciado o seu recurso por motivos de ordem formal). A nuance entre os dois casos decorrerá do bom senso com que se analisam as exigências, as quais antes de mais têm que ver com o facto de possibilitar à parte contrária um efetivo exercício do contraditório, para além de serem decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso. Se as primeiras exigências são imprescindíveis a esse exercício e orientam também o Tribunal de recurso relativamente ao que se lhe pretende sujeitar, a segunda exigência, tendo em vista a melhor orientação para esse efeito, ainda que seja cumprida de forma imprecisa, caso a parte contrária tendo apreendido convenientemente o alcance do visado e o Tribunal esteja habilitado ao pretendido reexame, não imporá a rejeição do recurso, mas antes o seu aproveitamento. Deste modo se dará prevalência ao mérito sobre a forma, princípio enformador do atual C.P.C..
Além disso, a sanção de rejeição do recurso apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas deverá abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.
Por último, e continuando a seguir a orientação do nosso STJ, face ao que se pretende assegurar com cada um dos ónus, a especificação dos pontos concretos de facto impugnados deve constar das conclusões (art.ºs 635º, n.º 4, 640º, n.º 1, a), e 639º, n.º 1, do C.P.C.). No mais (meios de prova concretos e indicação das passagens das gravações), basta que constem do corpo das alegações.
Em 17/10/2023 foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência pelo STJ (n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, págs. 44 a 65), no sentido de se interpretar a exigência da indicação da decisão pretendida prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 640º, na ótica de que o recorrente não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.
Trata-se da consagração de uma corrente do STJ apologista de um menor rigor formal exigido no cumprimento dos ónus formais impostos no art.º 640º do C.P.C., promotora da verdade material em detrimento da observação de formalidades, de menor relevância, desde que não seja postergado o exercício cabal do contraditório, bem como seja apreendida em termos claros pelo julgador a pretensão recursiva, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, instrumentais em relação a cada situação concreta.
*
Da conclusão 2 apresentada resulta a intenção da recorrente quanto à matéria a impugnar e quanto ao sentido pretendido: alíneas a); b); c); d); e); f); g); h) e i) dos factos não provados; pretende que se inverta o seu sentido.
Baseia-se para o efeito na avaliação que faz do depoimento de parte da A., do depoimento da testemunha DD, conjugado com o depoimento das testemunhas BB e CC. Desvaloriza ainda o depoimento da testemunha HH, discordando da apreciação feita pelo Tribunal recorrido.
Refere o valor probatório da declaração amigável e da participação do acidente perante terceiros, suscitando o teor do art.º 35º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de agosto, cuja falsidade não foi levantada; refere que quando a participação do sinistro seja assinada conjuntamente por ambos os condutores envolvidos no sinistro, presume-se que o sinistro se verificou nas circunstâncias, nos moldes e com as consequências constantes da mesma, salvo prova em contrário por parte da empresa de seguros, o que entende não ter sido feita.
No que se refere à alínea i) refere em concreto a apólice, os documentos n.ºs 16 e 17 e as declarações de parte da A.; subsidiariamente remete para o documento n.º 10 junto com a petição inicial.
Em suma, refere a falta de sustento do juízo apresentado pelo Tribunal a quo.
No corpo das alegações situa e reproduz as partes dos respetivos depoimentos gravados dos quais retira diferentes ilações.
Conclui-se que a recorrente deu cumprimento aos ónus impugnatórios, de modo a permitir a este Tribunal a reapreciação da matéria de facto colocada em causa, sem prejuízo, como já se adiantou dos poderes de modificação oficiosa da mesma.
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A propósito da reapreciação da matéria de facto, dispõe o art.º 662º, n.º 1, do C.P.C. que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” A Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1ª instância, nos termos que resultam do n.º 5 do art.º 607º do C.P.C. - o Tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os Juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, com ressalva das situações em que a lei dispuser diferentemente: quando não dispense a exigência de uma determinada formalidade especial, quando os factos só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Assim, após análise conjugada de todos os meios de prova produzidos, a Relação deve proceder à reapreciação da prova de acordo com a própria convicção que sobre ela forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito material. A propósito refere também Abrantes Geraldes na mesma obra, pág. 273, que "(…) a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. E, na pág. 274, (…) “a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daquelas que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.  
Porém, não está em causa proceder-se a novo e global julgamento, não sendo exigido nem permitido à Relação que de motu proprio se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo Tribunal de 1ª instância, para deles se extrair uma decisão inteiramente nova (pág. 279). Assim, a Relação irá examinar a decisão da primeira instância e seus fundamentos, analisar as provas gravadas e proceder ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, pronunciando-se apenas quanto aos concretos pontos impugnados.
Partindo do princípio do dispositivo, deve o recorrente indicar os meios de prova que, no seu entender, deviam ter feito o Tribunal a quo trilhar caminho diverso no seu juízo probatório; contudo, o Tribunal ad quem não está limitado a essa indicação – que será o seu ponto de partida e pode até ser o bastante - podendo e devendo se tal se impuser (além dos demais poderes conferidos em termos de retorno à primeira instância ou de oficiosidade) socorrer-se de todos os meios de prova produzidos nos autos para confirmar ou rebater a argumentação do recorrente.
Voltando ao art.º 607º, dispõe o seu n.º 4 que, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
*
Face à dinâmica do presente recurso, cumpre tecer algumas considerações sobre a prova por documentos.
Sobre a prova documental tratam os art.ºs 362º e segs. do Código Civil.
E sobre a força probatória dos documentos, ora autênticos, ora particulares, regem respetivamente os art.ºs 371º e 376º do mesmo.
Quanto aos particulares, diz então o art.º 376º que “1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão. (…)”
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Diz o art.º 342º do Código Civil, a propósito do ónus da prova: “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”
Pode, todavia, a parte que se propõe fazer prova de determinado facto beneficiar de uma presunção legal (cfr. art.º 349º do Código Civil), caso em que essa regra se inverte – art.º 344º, n.º 1, do Código Civil; ou seja, presume-se o facto e cabe à parte contrária afastá-lo, pela prova efetiva do seu contrário – cfr. art.º 350º do mesmo diploma – caso se trate de uma presunção relativa ou iuris tantum.
Resta saber, e entrando já na argumentação da recorrente, se o Diploma que rege o Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (DL n.º 291/2007 de 21 de Agosto), concretamente o seu art.º 35º que se refere à forma de participação do sinistro, no seu n.º 3, estabelece uma presunção legal quanto ao modo como o sinistro ocorreu que se imponha nesta sede.
No Ac. da Relação do Porto de 14/12/2022 (processo n.º 1720/20.9T8GDM.P1, relatado por Fernanda Almeida) sumariou-se (destaque a negrito nosso): “I - Segundo grau de julgamento da matéria de facto: no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão o qual conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação.
II - O art. 35.º, n.º 3, do DL 291/2007, de 21.8, prevendo que a declaração amigável de sinistro assinada por ambos os condutores faz presumir ter-se aquele verificado nas circunstâncias, nos moldes e com as consequências constantes da mesma, insere-se na fase relativa à resolução extrajudicial da responsabilidade das seguradoras, não se impondo como presunção legal em julgamento.
III - Estando demonstrada, pela participação policial, declaração amigável e testemunho, uma aparência de acidente, está efetuada a prova prima facie da verificação do sinistro, cabendo àquele contra quem se apresenta a primeira aparência (a seguradora), infirmar tal juízo de probabilidade bastante, mediante a demonstração com grau de verosimilhança razoável de terem as circunstâncias em causa – dois veículos com aparência de sinistrados – sido encenadas pelos intervenientes tendo em vista burla de seguros.
IV - Essa tarefa não dispensa uma profusa indagação de todos os elementos factuais envolvidos, com recurso a prova exaustiva, nomeadamente, inspeção ao local, perícia independente, apuramento de pormenores das declarações do putativo lesado e terceiro interveniente.”
No Acórdão desta Relação de 06/02/2020 (processo n.º 3534/18.7T8GMR.G1, José Amaral), na esteira de outras duas decisões aí citadas (Acórdão da Relação de Guimarães de 11/07/2012, processo nº 286/09.5TCGMR.G1, relatado por António Sobrinho, e Acórdão da Relação de Lisboa de 22/04/2010, processo nº 335/10.4YRLSB-2, relatado por Ezaguy Martins), assumiu-se outra posição, assim sumariada (destaque a negrito nosso): “(…) VI) Nos termos do nº 3, do artº 35º, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), “Quando a participação do sinistro seja assinada conjuntamente por ambos os condutores envolvidos no sinistro, presume-se que o sinistro se verificou nas circunstâncias, nos moldes e com as consequências constantes da mesma, salvo prova em contrário por parte da empresa de seguros.” Trata-se de uma presunção legal. Como norma especial de direito probatório material, aplicável não só à regularização extrajudicial do litígio mas também ao seu julgamento contencioso em Tribunal, ela implica, nos termos dos artºs 350º e 344º, do Código Civil, uma inversão do ónus da prova quanto aos factos abrangidos pela presunção que constarem descritos na “Declaração Amigável”.
VII) Daí que ao lesado beneficiário da presunção cabe alegar e provar os factos-base, não precisando de o fazer quanto aos factos-presumidos. À parte contrária cabe impugnar aqueles e alegar e provar os contrários a estes. Se não fizer esta prova e uma vez assentes os factos-base, prevalecerão como verdadeiros os factos-presumidos, não relevando a argumentada falta de prova convincente destes ou dúvidas sobre a mesma.
VIII) Não se tendo enunciado nos temas da prova os factos alegados como contrários aos presumidos relativos à alegada inexistência do sinistro, conluio entre as partes e montagem daquele, e, por isso, tendo-se a instrução, discussão e decisão alheado deles, deve esta ser anulada, para aditamento, nos termos do artº 662º, nº 2, alínea c), CPC.”
Neste sentido enveredou igualmente o Acórdão da Relação de Lisboa de 28/04/2022 (processo n.º 4734/20.5T8LRS.L1-2, relatado por Laurinda Gemas).
Já no sentido contrário, também esta Relação produziu jurisprudência: Acórdão de 04/04/2013 (processo n.º 518/10.7TBFLG.G1, relatado por Manuel Bargado).
Da posição que se assuma – a declaração amigável implica ou não uma presunção legal na fase judicial, contemplando o citado artigo uma norma de direito probatório material – resulta que:
-na negativa, aquele elemento, sendo um documento particular cuja autoria não foi colocada em causa, significa que as partes produziram as declarações do mesmo constante – mas não que o seu teor seja verdadeiro;
-na afirmativa, presume-se que o sinistro se deu como daí consta, cabendo à seguradora ilidir tal presunção mediante a prova do contrário - a presunção é iuris tantum e não foi posto em causa o facto-base, ou seja, a declaração amigável (cfr. a propósito, desta matéria, Luís Filipe Pires de Sousa, “Direito Probatório Material comentado”, pág.s 76 a 81).
Note-se que esta questão da aplicação do n.º 3 do art.º 35º apenas foi cogitada neste recurso, não tendo sido objeto de qualquer apreciação ou tomada de posição em sede de 1ª instância.
Resta acrescentar que, concluindo o Tribunal de recurso pela violação de uma norma de direito probatório material, no caso a desconsideração de uma presunção legal, pode e tem de conhecer dessa questão de forma oficiosa – cfr. art.º 607º, n.º 4, última parte ex vi art.º 663º, n.º 2, ambos do C.P.C..
Adiantamos já que a resposta àquela questão é, a nosso ver, afirmativa.
Revemo-nos nos argumentos referidos naquele Acórdão desta Relação que destacamos. De facto, o escopo da norma é a proteção das vítimas de acidente de viação, consagrando um meio de agilizar a indemnização por danos resultantes desse sinistro, pelo que não faria sentido restringir o seu campo da aplicação à fase voluntária, de regularização extrajudicial do sinistro, e privar o lesado dessa proteção na fase contenciosa; se enveredássemos por esse caminho, é bem verdade que as seguradoras tenderiam a ignorar aquele documento, elaborado e assinado pelos intervenientes diretos no acidente, e, no caso de entenderem recusar assumir qualquer responsabilidade, onerando o lesado com a prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil (e valendo a declaração como um meio de prova documental, de apreciação livre no que respeita ao seu teor). Bastaria que apresentassem contraprova dos factos (cfr. art.ºs 346º do Código Civil), bastante para criar dúvidas no espírito do julgador (cfr. art.º 414º do C.P.C.), e assim fazer claudicar a pretensão do lesado, o que nos colocaria perante um levantar de suspeitas mais ou menos consistentes, mas ainda assim suficientes para aquele estado dubitativo, sem que se lhes exigisse que assumam posição quanto à existência de fraude ou conluio entre os intervenientes, que são as testemunhas mais diretas, e por vezes únicas, do ocorrido.
Como naquela decisão citada se diz, “Se a presunção não operasse em juízo, bastar-lhes-ia, então, agitar suspeições (que nem teriam de factualmente demonstrar) sobre o teor consensual da “Declaração” assinada e, portanto, dúvidas sobre a versão alegada pelo lesado, tudo redundando no efeito contrário ao pelo legislador pretendido, persistindo o ónus da prova sobre aquele.”
Laurinda Gemas, tratou esta temática em “QUESTÕES ATUAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTES DE VIAÇÃO”, na revista JULGAR - n.º 46 – 2022, págs. 70 e segs., concretamente esta questão na pág. 92, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2022/01/Quest%C3%B5es-atuais-de-responsabilidade-civil-por-AV.pdf, assentando na aplicação da presunção em sede judicial.
*
Refere o Tribunal recorrido na sua motivação da matéria de facto que: “No que concerne aos factos a) a h), em face da globalidade da prova produzida nestes autos, não ficou o Tribunal convencido de que, no circunstancialismo de tempo e lugar indicados na Petição Inicial, tenha efetivamente ocorrido um acidente de viação entre os veículos de matrícula ..-SJ-.. e ..-..-EZ.
(…)
Tendo em conta todos estes elementos, considera o Tribunal que não pode julgar provado que, efetivamente, os factos em apreciação tenham ocorrido nos moldes descritos na petição inicial, pelo que os mesmos se julgaram não provados.”
E em sede de aplicação do direito disse: “Nos termos do preceituado no artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, viola ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Significa isto que a responsabilidade civil extracontratual emergente de factos ilícitos depende do preenchimento dos seguintes pressupostos cumulativos: (1) o facto ou ato humano voluntário, por ação ou omissão, (2) a ilicitude do mesmo, (3) a imputação do facto ao lesante ou agente, ou seja, a sua culpa, (4) a ocorrência de um dano ou lesão e (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Ora, neste caso, tendo em conta a factualidade provada, não apurou o Tribunal de que modo foram causados os danos verificados na viatura da Autora.
Não se provou, portanto, que o condutor do veículo segurado pela R. tenha adotado qualquer comportamento ilícito, ativo ou omissivo, e culposo, que possa permitir ao Tribunal concluir que os danos sofridos pelo veículo da A. resultaram, em termos de nexo de causalidade, daquela conduta.
Pelo exposto, e uma vez que os requisitos da responsabilidade civil são cumulativos, é manifesto que não se verifica a obrigação de a R. indemnizar a A., nos moldes peticionados.
Improcede, portanto, na íntegra, a presente ação, ficando assim prejudicada a apreciação do peticionado a propósito dos juros moratórios.”
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Em primeiro lugar cabe alterar oficiosamente ao abrigo do art.º 662º, n.º 2, c), e tendo em conta os ditos art.ºs 607º, n.º 4, última parte ex vi art.º 663º, n.º 2, todos do C.P.C., o ponto 3 da matéria de facto, acrescentando-lhe o que consta do documento em causa, e eliminando o que dele consta de pendor conclusivo e que, por isso mesmo, não é factual.
Assim, passa a constar: 3) Ambos os condutores intervenientes no alegado sinistro assinaram a Declaração Amigável de Acidente, dela constando que circulava na Estrada ...07 em ..., no sentido ... – JJ, quando ia virar à esquerda para ..., na Rua ..., o veículo A embateu na traseira da minha viatura B, e consequentemente fui embater no muro.” Mais consta danos visíveis na frente da viatura A e danos visíveis em toda a frente e toda a traseira da viatura B.
Resulta por isso a descrição da dinâmica do sinistro, bem como as suas consequências danosas: factos abrangidos pela presunção.
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Ora, tudo conjugado, o que dizer?
Que o Tribunal recorrido não aplicou de facto a presunção; mas também não levou aos factos não provados a versão alegada pela R., no sentido de que o acidente não ocorreu e foi forjado pelos dois condutores, e de que os danos no veículo EZ não têm compatibilidade com a dinâmica participada.
E como resolver esta situação?
O reconhecimento de um alegado vício de deficiência, excesso ou de contradição entre factos considerados provados, tratando-se de uma “patologia” da decisão, pode ser aferida oficiosamente.
Um dos objetivos do recurso, nomeadamente em sede de impugnação da matéria de facto, é a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC). Diz António Santos Abrantes Geraldes (mesma obra, págs. 291 e 292) que a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.
O Tribunal da Relação, mesmo não tendo havido impugnação da matéria de facto por parte do recorrente, no âmbito dos seus poderes pode ampliar a matéria de facto omitida, conforme resulta do disposto no art.º 662º, n.º 2, c), C.P.C., sanando a patologia de que padeça a decisão da matéria de facto; e fá-lo introduzindo as modificações oportunas, sem necessidade de anulação do julgamento, desde que tenha acessíveis os meios de prova relevantes para o efeito (António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos…”, págs. 294 e 295 da 4ª edição).
Igualmente, refere o mesmo autor (págs. 275 e 276) que, havendo violação de direito probatório material, ou ter sido violada uma regra de prova vinculada, a Relação deve aplicar as suas regras (vinculativas), de forma oficiosa, uma vez que se aplica ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre elas o art.º 607º, n.º 4, por força do art.º 663, n.º 2, a que já fizemos referência supra.
Sucede que para que tal possa suceder, no caso de se tratar de factualidade omitida, tem de se tratar de matéria que tenha sido objeto da instrução e discussão contraditória da causa. Não foi o caso, já que a ação foi estruturada noutros termos, como já vimos, nomeadamente da motivação apresentada pelo Tribunal recorrido, não se tendo relevado a versão da R..
Significa então que terá de ser anulada a decisão proferida em 1ª instância, de modo a que se apure a versão da R., compatibilizando os factos provados e não provados, e nomeadamente o que consta das alíneas a) a h) dos factos não provados, com o que está abarcado pela presunção legal (eliminando-se ainda os juízos conclusivos) – cfr. art.º 662º, n.º 2, c), e n.º 3, c), C.P.C..
Fica por isso prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto, bem como a consequente pretendida alteração da decisão - art.º 608º, n.º 2, ex vi art.º 663º, n.º 2, ambos do C.P.C..
O facto que consta da alínea i) não está abrangido naquela matéria. Todavia o mesmo só terá relevância se a versão da A. singrar, pelo que, para já e nessa medida, fica igualmente prejudicada a sua reapreciação.
As custas do recurso serão devidas nos termos que resultarem da decisão final do processo.
***
VI DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação, por maioria, em anular a decisão recorrida com vista à ampliação da matéria de facto, no que respeita à matéria alegada pela R. relativa à não ocorrência do acidente e incompatibilidade dos danos no veículo EZ com a sua dinâmica, compatibilizando a matéria constante das alíneas a) a h) dos factos não provados com a presunção legal mencionada, expurgada do que for conclusivo.
Consequentemente, considera-se prejudicada a apreciação do objeto do recurso.
Custas do recurso a fixar a final.
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Guimarães, 20 de novembro de 2025.
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Os Juízes Desembargadores
Relatora: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas (com voto vencido infra)
2º Adjunto: João Peres Coelho

Voto de vencido.
Confirmaria a sentença.
Entendo que o art.º 35º, n. 3, do DL 291/2007 de 21/8 apenas se aplica na fase pré-contenciosa, como também parece resultar da respetiva inserção sistemática no diploma – vide sobre este dissenso jurisprudencial Daniel Bessa de Melo, in Julgar on line, junho, 2024, páginas 4 a 6, disponível em:
https://julgar.pt/wp-content/uploads/2024/06/Regulariza%C3%A7%C3%A3o.sinistro.autom%C3%B3vel.pdf
Assim, e na minha opinião, incumbia à autora o ónus da prova, designadamente quanto ao alegado facto ilícito e culposo do segurado da ré.
Por outro lado, e não menos importante, acompanho o ceticismo da 1ª instância quanto à efetiva ocorrência do acidente e respetiva dinâmica, pelo que entendo correta a decisão.

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)