Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
168/23.8T8CHV-A.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
EMBARGOS DE EXECUTADO
FACTOS EXTINTIVOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Na execução para prestação de facto, ainda que baseada em sentença, é lícito ao executado deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, fundada, nomeadamente, na invocação de factos extintivos – o cumprimento posterior da obrigação exequenda –, provado por qualquer meio probatório (art. 868º, n.º 2, do CPC).
II – O título executivo contém a definição da relação jurídica, constituindo a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva (art. 10º, n.º 5, do CPC).
III - A obrigação exequenda deve estar consubstanciada no próprio título, sendo irrelevante tudo aquilo que o exequente alegue no requerimento executivo e que extravase o âmbito do título.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Comunidade Local dos Baldios de ..., executada nos autos principais de execução para prestação de facto, deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado, contra AA, pedindo a procedência dos embargos com o reconhecimento do cumprimento da sentença e a falta de título executivo no mais peticionado com a consequente extinção da execução.

Alegou, para tanto e em síntese, que embora não tivesse ainda sido fixado prazo à Embargante para cumprir a Sentença transitada, esta logo em 8 de julho de 2022 procedeu ao cumprimento inscrevendo o Exequente nos Cadernos e Lista dos Compartes do Baldio de ..., gozando o Exequente de todos os direitos como os demais compartes, podendo livremente gozar e fruir do Baldio como logradouro, para recolha de lenhas ou mato que lá exista, apascentar o gado que explore e possua, ou passe a possuir na aldeia de ..., e demais utilidades que os terrenos gerem, sendo que a Sentença que constitui o título executivo está a ser cumprida não havendo nenhuma discriminação em relação ao exequente.
O exequente peticiona matéria que excede os limites do título executivo, pois pretende usufruir do subsídio à produção como compensação da criação e apascentação do gabo bovino, quando não possui nenhuma exploração na aldeia e área do Baldio de ..., sendo certo que tal subsídio não é automático, ou decorrente diretamente, da qualidade de comparte, nem tal integra o título dado a execução.
Dos trinta e um compartes do Baldio de ..., além do exequente, existem mais treze compartes que não gozam do subsídio.
O exequente é também comparte da Comunidade Local dos Baldios de ..., o qual engloba várias aldeias entre as quais a de ... onde ele reside e aí mantém uma exploração com 36,20 cabeças de gado normais com a Marca ..., sem contar com a exploração detida pela mulher dele com mais 31,60 cabeças.
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Recebidos liminarmente, a embargada/exequente apresentou contestação aos embargos e deduziu pedido de indemnização por litigância de má-fé (Ref.ª ...72).

Alegou, em síntese, que o título executivo é um acórdão do STJ, transitado em julgado que não foi cumprido nos seus precisos termos, pois que a afirmação da embargante de que o embargado já se encontra inscrito nos Cadernos e Lista dos Compartes dos Baldios da ... se mostra absolutamente esvaziada de conteúdo prático dado que ao embargado ainda não foi distribuída área de pastoreio, anualmente distribuída aos compartes, para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, bem como para os produtores pecuários (como é o aqui embargado) submeterem as suas candidaturas anuais ao Pedido Único (PU), ou seja, o embargado, ainda não teve a possibilidade de fruir e aproveitar os recursos do baldio através da sua legal e pertinente área de pastoreio, sendo que continua a verificar-se que a distribuição da área de pastoreia não obedece a nenhum critério legal, olvidando a embargante/executada que o principal objetivo a que se destinam as áreas de Baldio é o de os animais apascentarem, e as comunidades locais aproveitarem os seus recursos de forma sustentada. 
O embargado continua a não gozar dos seus direitos como os demais compartes porque continua a não ter área de exploração no Baldio de ..., o que o impossibilita de beneficiar da área de pastoreio como os demais compartes, para que anualmente estes possam efetuar as suas candidaturas ao PU (pedido único), com manifesto prejuízo seu, não colhendo, portanto, a afirmação feita pela embargante de que o embargado não possui exploração na aldeia do Baldio da ..., quando isso está em manifesta contradição com o decidido, nessa sede, pelo Acórdão do STJ, pois  está mais do que provado que ele possui exploração agrícola na aldeia de ..., (conforme Caracterização da exploração agrícola), bem como o aproveitamento e cultivo dos seus terrenos, e apascentação do efetivo pecuário de que é detentor, sendo certo que, ao não lhe ser atribuída área do baldio, daí decorre, de modo manifesto, a Embargante e os restantes compartes é que estão atualmente e indevidamente a receber subsídios de valor superior correspondentes à área a que o aqui embargado tem direito e que lhe foi atribuído por decisão do STJ.
Requereu a condenação da embargante como litigante de má-fé e peticiona a competente indemnização.
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A executada respondeu ao pedido de condenação por litigância de má fé.
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Foi proferido despacho saneador, a 23.05.2023 (ref.ª ...93), onde se afirmou a validade e a regularidade da instância, bem como foi fixado o valor da causa.
Seguidamente foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado o objeto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova, em termos que não mereceram reclamação das partes[1].
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento (ref.ª ...38, ...40 e ...42).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...17), nos termos da qual decidiu:
«Face ao exposto, julgam-se parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os presentes embargos e, em consequência, condena-se a Executada/Embargante a cumprir com as obrigações a que estava adstrita nos precisos termos constantes do acórdão do STJ dado à execução como título executivo, mais concretamente a proceder à inscrição do exequente como comparte do Baldio da ... (associando ao Baldio da ... o NIF do exequente) e distribuir-lhe área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, absolve- se a executada do demais peticionado pelo exequente.
Custas por cada uma das partes em função do decaimento.
Absolve-se a Executada do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pela parte contrária, condenando-se o exequente nas respetivas custas do incidente.».
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Inconformada com a sentença, dela interpuseram recurso quer a embargante/executada (ref.ª ...84), quer o embargado/exequente (ref.ª ...26).

A terminar as respectivas alegações, a embargante formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1 - A Apelante foi condenada pelo Acórdão do STJ que confirmou a Sentença da 1ª instancia da ação proposta pela Apelada contra o Apelante, “a reconhecer ao Autor ora Apelado o direito à atribuição da qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios da ...”, sem mais.
2 – Não foi fixado prazo para ser cumprida a prestação de facto em causa - reconhecimento do direito à atribuição da qualidade de comparte do Baldio da ... – mas a Apelante (Réu na ação declarativa), após o transito em julgado não esperou lhe fosse fixado prazo e voluntaria e espontaneamente em08/07/2022inscreveuooraApelado na lista de recenseamento conforme comprovou pelo dois documentos juntos à Petição de Embargos, e inserindo no lugar próprio o número de identificação fiscal ...00, de que dispunha.
3 - O Apelante cumpriu assim integralmente a Sentença dentro dos limites e fim do título executivo constante da Sentença condenatória, conforme se prevê e define no Art. 10º, nº 5 do Código do Processo Civil.
4 – Tanto bastaria, pois, para os Embargos serem julgados procedentes e extinta a execução pelo cumprimento da prestação (Arts. 868, nº 2 do CPC e 762º, nº 1 do Código Civil).
5 – A Sentença sob apelação, porém, apesar de expressar julgar parcialmente procedentes os Embargos, mantem a condenação, e até reitera nova condenação!, nomeadamente a confirmar  (declaratoriamente!) dever ser o Autor, ora Apelado, inscrito como comparte do Baldio da ..., acrescentando dever também associar o NIF da exequente, apesar disso não constava no título, mas que mesmo assim se tinha efetuado tal indicação nos documentos de reconhecimento.
6 – Mas a Sentença sob Apelação ainda adianta nova “condenação” totalmente exterior e alheia à Sentença cujo título foi dado à Execução, e que foi o de “distribuir área” de pastoreio para efeitos de apascentação do seu (do Apelado) efetivo pecuário.
7 – Ora, a Senhora Juíza não podia apreciar ou conhecer tais questões, nem podia proferir Sentença a condenar a Embargante fosse no que fosse, o que torna a Sentença nula por violar, pelo menos, as alíneas d) e e) do nº 1 do Art. 615º do CPC.
8 – Também a Sentença ao confundir ações declarativas com vista a condenações e absolvições, com ações executivas destinadas ao cumprimento forçado duma Sentença ou outro título executivo, torna a Decisão ininteligível, por ocorrência de ambiguidade e obscuridade manifesta, determinando tal vicio também a nulidade da Sentença, nos termos da alínea c) do nº 1 do referido Art. 615º do CPC, nulidades que aqui expressamente se invocam ao abrigo do previsto no nº 4 do mesmo preceito legal.
9–A atribuição de subsídios pelo Estado à produção pecuária, distribuídos em função do número de cabeças de gado cada produtor, decorre do montante global relativo ao Baldio, fixado com base numa área de Baldio que o Estado considere eleita com potencialidades de maior rentabilidade ou produtividade.
10 – O Direito aos subsídios não emergem diretamente da qualidade de comparte de um Baldio.
11 – A chamada “distribuição de área” com referência à área global eleita, não é mais que um pressuposto ou ficção aritmética para calcular a proporção que cabe a cada agricultor produtor.
Ora,
12 – Um comparte que não tenha gado não preenche os pressupostos para obter o subsídio, como não preenche um comparte, como o exequente apelado, que já recebe o subsídio de todo o gado elegível pelo Baldio de ....
13 – Seja como for, se o exequente/apelado entende dever gozar de subsídios de ambas as localidades de Baldio, que o mesmo é dizer ser-lhe atribuída área nos dois baldios (para efeito de calculo aritmético), o título executivo não comtempla essa pretensão.
14 – Mas nada impedirá que proponha para o efeito uma ação declarativa cujo pedido, ou pedidos, seja messes, em que a causa de pedir, entre outros factos, seja o facto de ser comparte, quer em ..., quer na ....
15 – O que o Tribunal não pode é proferir, num incidente de embargos à execução, Sentença a condenar a Embargante, em nenhum pedido do Embargado que afinal figura como Réu, e aquele como Autor, asserção que a própria Senhora Juíza expressou ao dizer que “há quem fale a este propósito de uma contra-ação declarativa do executado/Embargante (que aí figura como Autor, contra o exequente que aí figura como Réu).
16 – É, pois, abusivo sequer afirmar-se que a Embargante tinha de distribuir área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, como vem afirmado na suposta, mas inútil, matéria provada.
17 - A afirmação de que a título pessoal e não como legal representante do Baldio, o Senhor BB também é executado nos Autos principais, e que nessa medida não deduziu oposição aos Autos principais de Execução carece do mínimo fundamento e nem se percebe.
Para ser executado teria que ser parte na ação declarativa e nela ser considerado, aquando um ação nem sequer foi parte!!
18 - Também o dizer-se que “no que concerne à liquidação da obrigação e respetivo cálculo a executada não veio impugnar a matéria alegada pelo exequente no requerimento executivo é mais um exemplo de confusão da Meritíssima em encarar a acção como uma ação declarativa em que afinal a exequente figuraria como Autor e a executada como Réu, quando, na enunciada parte de “Direito”, como já atrás se disse, ela própria Senhora Juíza adianta, e bem, “ao caracterizar os Embargos de Executado, que “há quem fale a este propósito de uma contra ação declarativa da executada (que aí figura como Autora, contra o exequente que aí figura como Réu).
19 - Dos juízos da Senhora Juíza sobre os Regulamentos não se podem tirar as conclusões que expressa. É que terá que se dizer que a Assembleia de Compartes é soberana, desde que as propostas sejam aprovadas por maioria, e terão de ser cumpridas por todos os compartes, podendo ter lugar em qualquer altura que seja a Assembleia convocada.
20 – Terá que se dizer, que, quanto a alterações de regulamento, que afinal nem se verificaram no seu conteúdo, a Assembleia de compartes é soberana, desde que as propostas sejam aprovadas por maioria, e terão que ser cumpridas por todos os compartes.
21 – Se a Sentença reconhece que o depoimento do exequente foi esclarecedor e que confirmou que tem a sua marca de Exploração em ... (... de cujo Baldio também é comparte) e o gado também se encontra nesse local, terá de se concluir que, se não tem gado, nem estábulo na ..., não deve, (nem pode) candidatar-se a subsídios na ... para apoio à produção das mesmas cabeças de gado.
22 – A Senhora Juíza a final, acaba por traduzir aquilo que o Apelante vem sustentando, a saber:
 “Parece-nos que, efetivamente, o exequente, como comparte do Baldio da ..., tem o direito  (ou não) de se candidatar aos subsídios, sendo certo que se os mesmos lhe são ou não atribuídos dependerá sempre de uma candidatura que reúna os requisitos legalmente previstos na Lei, sendo certo que o exequente indicou que o limite dos subsídios está relacionado com o número de cabeças de gado (que dá direito ou dará? – a um subsidio de compensação fixo) e com a área de pastoreio atribuída, o qual também permite – permite ou permitirá? – a candidatura subsídios.”
De facto, os subsídios é o que o exequente pretendia e o titulo executivo não os inclui nem a Sentença condenou a Embargante sequer a atribuir “área” ao Embargado para efeitos de poder receber subsídios.

NESTES TERMOS, A SENTENÇA VIOLOU PELO MENOS OS ARTIGOS 10º, Nº 5 E 615º, Nº1 ALÍNEAS B), C), D) E E) DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL, E CONSEQUENTEMENTE SER REVOGADA POR DECLARAÇÃO DE NULIDADE A SENTENÇA, E OS EMBARGOS JULGADOS PROCEDENTES E A EXECUÇÃO EXTINTA PELO CUMPRIMENTO DA PRESTAÇÃO EXEQUENDA,
FAZENDO-SE ASSIM, JUSTIÇA!».
*
Por sua vez, o embargado rematou as suas alegações com as seguintes conclusões (transcrevem-se as conclusões corrigidas/sintetizadas):
«I. O presente recurso vem interposto da a sentença proferida pelo Tribunal a quo datada de 21.01.2025 (notificada em 24.01.2025), que julgou parcialmente procedentes os embargos e impôs à Executada/Embargante o cumprimento do Acórdão do STJ de 22.04.2022 (Proc. 64/19.3T8MTR, trânsito em 06.05.2022), nomeadamente a inscrição do Exequente como comparte do Baldio da ..., com associação do NIF, e a atribuição de área de pastoreio, absolvendo-a do demais peticionado.
II. Em estrito cumprimento do título executivo, a sentença determinou à Executada que procedesse à inscrição do Exequente ( associar o NIF à marca de exploração) e à distribuição anual de área de pastoreio para apascentação do efetivo e para a submissão do Pedido Único (PU), conforme ficou provado.
III. A Recorrida mantém-se em incumprimento reiterado do decidido pelo Acórdão proferido STJ, devendo a decisão do Tribunal a quo, nessa parte, ser mantida por não merecer censura. IV. A divergência do Recorrente reside, porém, na omissão de condenação indemnizatória da Recorrida e do seu representante legal, apesar dos prejuízos dados como provados em sede sentença ora recorrida,
V. Resultou provado: (i) a qualidade de comparte do Recorrente e o dever de reconhecimento pela Comunidade Local, como tal (ii) a obrigação de inscrição do NIF daquele à marca de exploração e à distribuição anual de área para apascentação do seu efetivo para o permitir candidatar-se ao PU,
VI. Só que, a Recorrida incumpre até ao presente decido pelo Acórdão do STJ (iii) privando o Recorrente da igualdade face aos demais compartes na fruição dos recursos do baldio e no acesso aos apoios.
VII. A distribuição faz-se por encabeçamento: 214 ha / 159,80 CN = 1,34 ha/CN; com 42,60 CN, deveriam ser atribuídos ao Exequente 57,08 ha de área de pastoreio. A não atribuição dessa área traduz-se em perdas anuais de €10.089,00 (57 RPB x 95€; majoração/greening 60%; pagamento a jovem agricultor), calculadas segundo os parâmetros constantes dos autos.
VIII. Em consequência, o efetivo do Recorrente permanece estabulado, com custos diários acrescidos (feno, ração, silagem) que não ocorreria em regime extensivo de baldio, por referência a preços 2022, e o Recorrente tem recorrido a terrenos próprios na ... para corte de feno e apascentação, mitigando parcialmente o dano, sem o eliminar.
IX. Apesar de provada a privação de área e a impossibilidade de candidatura no PU desde 2022, a sentença não condenou em indemnização a Recorrida e o seu representante legal, desconsiderando o quantum anual e os custos diários decorrentes, sem olvidar que tal indemnização pelo não cumprimento foi peticionada pelo Recorrente após incumprimento do decidido por Acórdão do STJ.
X. Permanece, ademais, a vantagem ilegítima da Recorrida, que continua a usufruir da área e dos subsídios correspondentes, em desrespeito do decidido pelo STJ, sem que o Tribunal a quo tenha condenado e sancionado tal comportamento.
XI. O Tribunal a quo invocou os limites objetivos do título executivo para afastar o pagamento de quantias por prejuízos supervenientes, entendendo estes não estarem integrados na condenação, sendo esse o âmago da divergência do Recorrente que não se conforma com esse segmento e interpõe recurso precisamente quanto à não condenação indemnizatória.
XII. Uma vez que tal indemnização advém exatamente pela Recorrida não ter cumprido o decido pelo Acórdão do STJ datado de 2022.
XIII. Ao não condenar em indemnização, o tribunal a quo incorrendo em erro de julgamento, verifica-se, ainda, erro de aplicação do direito, impondo-se a revogação da sentença nessa parte, com substituição por decisão conforme.
XIV. Bem como pelo presente Recurso se pede a condenação solidária do Presidente do Conselho Diretivo (arts. 483.º e segs. CC), sendo que o Tribunal a quo estava obrigado a apreciar todas as questões suscitadas (art. 608.º, n.º 2 CPC).
XV. A falta de pronúncia sobre a indemnização integra nulidade por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) CPC), a qual se invoca, nem a sentença recorrida valorou integralmente a prova já consolidada, designadamente o trânsito em julgado do Acórdão do STJ e a prova documental e testemunhal produzida.
XVI. Face ao incumprimento, o Recorrente foi compelido a instaurar execução, dando à execução o Acórdão do STJ datado de 2022 como título executivo bastante, onde tal Acórdão do STJ reconheceu a qualidade de comparte e impôs inscrição (com NIF) e distribuição anual de área de pastoreio, não deixando margem quanto ao dever de cumprimento.
XVII. A ação originária tinha por objeto reconhecimento e fruição, não comportando, à data, quantificação de danos futuros dependentes de eventual incumprimento superveniente, pelo que é errónea a conclusão de que a ausência de indemnização no Acórdão obsta ao ressarcimento agora, em sede executiva, do pedido indemnizatório por incumprimento posterior.
XVIII. É esse incumprimento pós-trânsito gerador de prejuízos e fundamenta a condenação indemnizatória, inclusive a responsabilidade pessoal do Presidente do Conselho Diretivo.
XIX. A afirmação de que o Acórdão não fixou indemnização é irrelevante: não podia, então, prever ou quantificar danos de incumprimento futuro, enquanto a Recorrida beneficia ilicitamente de área e de majorações, protelando com má-fé o cumprimento do decidido e agravando o dano do Recorrente.
XX. As declarações do Recorrente e os depoimentos de CC e DD revelaram-se coerentes, esclarecedores e não infirmados, bem como toda a prova produzia em sede de julgamento e prova documental junta aos autos.
XXI. O Tribunal não se pronunciou nem sobre a indemnização nem sobre a responsabilidade pessoal de BB, omitindo questão que devia apreciar, e tal omissão, perante incumprimento abusivo e persistente, integra nulidade (art. 615.º, n.º 1, al. d) CPC), com as legais consequências.
XXII. Requerendo, se, por isso, a intervenção deste douto Tribunal da Relação e que decida pela revogação da sentença nesta parte e a sua substituição por decisão que condene a Recorrida e seu representante legal nos termos peticionados.
XXIII. Já que o representante legal, na ação executiva, devidamente demandado, não deduziu oposição; a jurisprudência (TRC 06.10.2015; STJ 14.12.2006; 30.09.2010) reconhece responsabilidade pessoal dos dirigentes por violação culposa de decisões, assim como o STJ (20.11.2014; 13.06.2013) reafirma a responsabilidade civil de administradores por atos ou omissões que causem danos em violação de deveres legais/judiciais. Na mesma senda, a doutrina (Menezes Cordeiro; Raúl Ventura) e a Lei n.º 75/2017 (Lei dos Baldios) consagram deveres de gestão e admitem responsabilização pessoal dos membros do Conselho Diretivo por atos/omissões contrários à lei e às decisões.
XXIV. O representante legal conhecia o decido pelo Acórdão do STJ datado de 2022 e persistiu no não cumprimento; a omissão é pessoalmente censurável, excedendo a mera representação orgânica, quando na própria sentença ora recorrida, a mesma da como provado que a Executada não impugnou a liquidação, impunha-se a condenação ou, pelo menos, a liquidação ulterior (arts. 609.º, n.º 2 e 358.º CPC).
XXV. Ao não conhecer, o Tribunal a quo frustrou a tutela jurisdicional efetiva: a simples obrigação de fazer não repara os danos já produzidos, já que sem responsabilização pessoal do representante legal da Recorrida, quando ela continua a beneficiar indevidamente da área de pastoreio; a absolvição mostra-se omissa, injustificada e contrária ao Bom Direito.
XXVI. Mesmo sob o princípio da livre apreciação da prova, a convicção formada impunha a condenação indemnizatória.
XXVII. Razão pela qual andou mal a sentença recorrida, que deveria ter conhecido tal indemnização pelos danos emergentes (custos de estabulação/alimentação) e lucros cessantes (RPB, majorações, jovem agricultor), sendo incongruente afastar a indemnização com base no Acórdão, quando os danos são posteriores ao trânsito, certos e quantificados.
XXVIII. Vigora o princípio da reparação integral a doutrina (Pires de Lima/Antunes Varela) admite a autonomização entre reconhecimento do direito e danos supervenientes. A indemnização por incumprimento persistente funda-se nos arts. 798.º (incumprimento culposo) e 483.º CC (responsabilidade extracontratual por facto ilícito).
XXIX. Toda a prova produzida resultou da utilização indevida da área de pastoreio pelo representante legal da Recorrida; o que se impunha impõe-se a revogação e a condenação por violação dos arts.º 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) CPC, e 483.º, 798.º, 562.º CC. XXX. A terminar, requer-se a atribuição de efeito meramente devolutivo (art. 647.º, n.º 1 CPC), assegurando a execução imediata da sentença perante o propósito dilatório da Recorrida; impõem-no os princípios da cooperação e celeridade (art. 2.º CPC) e da tutela efetiva e prazo razoável (art. 20.º, n.º 4 CRP)
XXXI. Termos em que, e nos demais de Direito que os Venerandos Desembargadores doutamente suprirão se requer seja revogada a Sentença Recorrida, substituindo-a por decisão que condene a Recorrida a indemnizar o a Recorrente pelos prejuízos sofridos, Mais se requer, a condenação solidária do Presidente do Conselho Diretivo de ..., nos termos dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil conforme peticionado pelo Recorrente, com o que se fará a costumada Justiça!»
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Contra-alegou o embargado às alegações da embargante, pugnando pelo não provimento do recurso por esta interposto.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, a subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...79).
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Por despacho de 1/10/2025, do ora relator, o recorrente/embargado/exequente foi convidado a sintetizar as conclusões do recurso e foi observada a prévia audição da executada/embargante sobre o pedido de condenação como litigante de má-fé.
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O embargado/exequente apresentou conclusões sintetizadas e a executada/embargante respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé.
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II. Delimitação do objeto do recurso             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(a)(s) recorrente(s) – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber:        
       
I. Quanto ao recurso apresentado pela embargante:
i. Da(s) nulidade(s) da sentença recorrida;
ii. Da impugnação da decisão da matéria de facto;
iii. Do cumprimento da obrigação exequenda;
II. Quanto ao recurso apresentado pelo embargado:
i. Da(s) nulidade(s) da sentença recorrida;
ii. Da indemnização pelos prejuízos sofridos;
iii. Da condenação solidária do Presidente do Conselho Diretivo de ..., nos termos dos art. 483.º e seguintes do Código Civil;
 iv. Da litigância de má-fé do embargante em sede recursória.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

i) A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1) Por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, 7.º secção, datado de 22/04/2022, no âmbito do Processo n.º 64/19.3T8MTR, transitado em julgado em 06/05/2022, foi reconhecido ao Exequente a qualidade de Comparte e a aqui Executada, Comunidade Local dos Baldios de ..., condenada a reconhecer essa qualidade de comparte do aqui Exequente, nos termos que ele formulados pelo Tribunal de 1.ª instância.
2) Após trânsito em julgado do aludido Acórdão, a executada tinha de proceder à inscrição do exequente como comparte do baldio da ... e distribuir área de pastoreio, que é anualmente distribuída aos compartes, para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, bem como, para os produtores pecuários (como é o aqui Exequente) submeterem as suas candidaturas anuais ao Pedido Único (PU), contudo, até ao momento não procedeu em conformidade.
3) A Executada está a privar o exequente da igualdade no exercício dos seus direitos, em relação aos restantes compartes, nomeadamente nas matérias de fruição do Baldio, e ao aproveitamento dos recursos do Baldio em questão, que se traduz neste caso concreto, na privação por parte do gestor do Baldio, da utilização de área de pastoreio, que é anualmente distribuída aos compartes, para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, bem como, para os produtores pecuários submeterem as suas candidaturas anuais ao Pedido Único (PU).
4) O cálculo de atribuição de área de pastoreio aos compartes, de maneira a assegurar a igualdade no exercício dos direitos de distribuição de área de Baldio, passa por dividir a área disponível, pelo efetivo pecuário existente, e obter o valor a distribuir por Cabeça normal (CN). Área distribuída em 2022: 214 ha. Efetivo Pecuário de a cordo com a tabela: 117,20 CN. Efetivo Pecuário do exequente: 42,60 CN. Total do Efetivo Pecuário: 117,20 CN + 42,60 CN = 159,80 CN. 214 HA a dividir por 159,80 CN , dá um encabeçamento de 1,34 ha por cada cabeça normal (CN), sendo este o valor a multiplicar por cada Cabeça normal que cada utilizador é detentor, que originaria a área a distribuir por cada Comparte. O aqui exequente é detentor de um efetivo pecuário de 42,60 CN, multiplicando por 1,34 HA de encabeçamento, resultaria uma área de 57,08 HA a distribuir, de acordo com o efetivo pecuário de que é detentor. Como o não cumprimento por parte da executada, o aqui exequente apresenta percas na atividade agrícola, ou seja, pela não atribuição de área de baldio. Assim, e uma vez que este é detentor de uma 57, 08 há: - Seriam atribuídos 57 Direitos de RPB com o valor unitário de 95€; - Cada direito atribuído é majorado em 60 % do valor, referente ao pagamento Greening 95€ + 60% = 152€; - Por cada direito Atribuído de RPB é pago 25€ do pagamento atribuído a jovem agricultor 57 direitos de RPB x 95€ =5415 +60% Greening 57€ x57 RPB = 3249€; 25€ jovem Agricultor x 57 Direitos =1425 €, Total 10 089€ Anuais.
5) O aqui exequente tem de suportar com os animais estabulados (que tem necessidades forrageiras de alimentação diária) custos extraordinários diários, que em condições normais, tratando-se de uma exploração pecuária em modo extensivo, os animais estariam em modo extensivo, alimentando-se dos pastos naturais provenientes da área de Baldio, tendo por base de referência os preços atuais (2022), do feno da ração e do feno silagem utilizados na alimentação diária do efetivo pecuário estabulado.
6) O exequente faz uso de terrenos próprios existentes para outros fins – como pastorícia – atividade que está provada ser exercida num dos prédios do exequente na ..., onde faz o aproveitamento e cultivo dos seus terrenos, colhe feno e apascentação do efetivo pecuário de que é detentor.
7) No Baldio de ... existem compartes que não gozam do subsídio.
8) O exequente é também comparte da Comunidade Local dos Baldios de ..., o qual engloba várias aldeias entre as quais a de ... onde aí mantém uma exploração com 36,20 cabeças de gado normais com a Marca ....
9) Na página 22 do douto acórdão do STJ dado à execução como título executivo constam, entre outros, os seguintes factos dados como não provados, mas que tinham sido alegados pela ora executada: “(…) EE) – “O que verdadeiramente motiva os AA. é a intenção de que, sendo compartes lhes possa ser atribuída área baldia para pastoreio, relevante para acrescentar às suas candidaturas aos pedidos únicos e demais subsídios agrícolas. FF) - Sendo ali compartes, em igualdade de circunstâncias teria de lhes ser atribuída área e, nessa medida, rateando-a com os demais verdadeiros compartes, porque moradores, assim os prejudicando. GG) – Portanto os AA. não podem fazer parte da vida comunitária, adquirindo os respetivos direitos, mas também os deveres. O que os AA. querem é a área de forma gratuita, para majorar os subsídios agrícolas que, por essa via, teriam direito” (negrito nosso).
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V. Fundamentação de direito.

1. – Nulidade(s) da sentença recorrida com fundamento nas als. d) e e) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
1.1. Sustenta a recorrente/embargante que a sentença objeto de recurso padece das nulidades previstas no art. 615.º, n.º 1, als. c), d) e e) do CPC[2], alegando que “(…) A Sentença sob apelação, porém, apesar de expressar julgar parcialmente procedentes os Embargos, mantem a condenação, e até reitera nova condenação!, nomeadamente a confirmar (declaratoriamente!) dever ser o Autor, ora Apelado, inscrito como comparte do Baldio da ..., acrescentando dever também associar o NIF da exequente, apesar disso não constava no título, mas que mesmo assim se tinha efetuado tal indicação nos documentos de reconhecimento. 6 – Mas a Sentença sob Apelação ainda adianta nova “condenação” totalmente exterior e alheia à Sentença cujo título foi dado à Execução, e que foi o de “distribuir área” de pastoreio para efeitos de apascentação do seu (do Apelado) efetivo pecuário. 7 – Ora, a Senhora Juíza não podia apreciar ou conhecer tais questões, nem podia proferir Sentença a condenar a Embargante fosse no que fosse, o que torna a Sentença nula por violar, pelo menos, as alíneas d) e e) do nº 1 do Art. 615º do CPC. 8 – Também a Sentença ao confundir ações declarativas com vista a condenações e absolvições, com ações executivas destinadas ao cumprimento forçado duma Sentença ou outro título executivo, torna a Decisão ininteligível, por ocorrência de ambiguidade e obscuridade manifesta, determinando tal vicio também a nulidade da Sentença, nos termos da alínea c) do nº 1 do referido Art. 615º do CPC, nulidades que aqui expressamente se invocam ao abrigo do previsto no nº 4 do mesmo preceito legal (…)”.
Por sua vez, o recorrente/embargado invoca a nulidade da sentença, prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, visto que, em seu entender, a sentença não se pronunciou sobre a questão atinente aos valores liquidados pelo exequente relativos aos prejuízos que teve com a falta de cumprimento atempado por parte da executada/embargante da obrigação em que foi condenada por acórdão do STJ.
Vejamos como decidir.
Como é consabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC[3].
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito[4].
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3, do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC. 

Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando:
«(…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
(…)».

A primeira das enumeradas nulidades da sentença corresponde a um vício lógico da sentença que a compromete; «se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença»[5]. Não se trata de um simples erro material (em que o juiz, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia escrever - contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direcção diferente (contradição ou oposição real)[6] [7]. O que não é, também, confundível com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstracta, nem, tão pouco, a uma errada interpretação desta, vícios estes só sindicáveis em sede de recurso jurisdicional[8]. Na verdade, quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correcta, verifica-se a apontada nulidade[9].
Subjacente a esta causa de nulidade está a ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos provados a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão[10].
Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e a causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial, posto que em ambos os casos falta um nexo lógico entre as premissas e a conclusão[11] (art. 186º, nºs 1 e 2, al. b) do CPC).
Por interpretação extensiva do art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC, a nulidade também se verifica quando a decisão contenha fundamentos contraditórios ou partes decisórias contraditórias[12].
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1.2. Por sua vez, a segunda causa de nulidade invocada – prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC – corresponde a um vício de limites, que se divide em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida (ambos relevam no caso dos autos). O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada[13]
Esta causa de nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Doutrinária[14] e jurisprudencialmente[15] tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)[16].
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1.3. Por fim, sob pena de verificação da nulidade prescrita na al. e) do n.º 1 do art. 615º do CPC, o juiz não pode ultrapassar na sentença os limites do(s) pedido(s), em violação do princípio do dispositivo. Tal é imposto pelo n.º 1 do art. 609º do CPC, que prescreve que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
São dois os limites impostos à condenação: um diz respeito ao objecto do pedido, obstando a que o juiz condene em objecto diferente daquele que foi requerido pela parte; o outro limite refere-se à quantidade, permitindo apenas que o juiz condene em quantidade igual ou inferior à que consta do pedido, mas não em quantidade que o ultrapasse.
Registe-se, no entanto, que a relação entre a pretensão contida na conclusão da petição inicial ou reconvenção e o “decidido” não tem de se caracterizar por uma correspondência ipsis verbis. Importante e absolutamente necessária é a correspondência entre a manifestação da vontade do requerente, ainda que implícita mas inquestionavelmente contida na pretensão, e a decisão proferida.
Como ensinava o Professor Alberto dos Reis[17], “aos limites da actividade de conhecimento (…) acrescem os limites do poder de condenação (…). O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes”.
A propósito desta causa nulidade, importa especificar duas breves notas:
- Para determinar os limites da condenação o que releva é o pedido global e não as parcelas em que a mesma se desdobra;
- Apenas se verifica esta causa de nulidade quando o tribunal condena em mais do que foi pedido ou em objecto diverso do peticionado, o que não é o caso quando condena em quantidade inferior, pois neste caso o decidido contém-se dentro do pedido formulado pelas partes.
Ainda sobre este vício, pode ler-se no acórdão do STJ de 19/06/2019 (relator Oliveira Abreu), in www.dgsi.pt., que o mesmo “colhe o seu fundamento no princípio dispositivo  que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a demanda pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor”.
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1.4. Uma cabal resposta aos invocados vícios da sentença pressupõe uma breve apreciação dos requisitos a que obedece a dedução da oposição à execução.
Como é sabido, a oposição à execução mediante embargos de executado é o modo de que o executado dispõe para se libertar (total ou parcialmente) da execução contra si instaurada, seja com base em razões de natureza processual, seja aduzindo argumentos materiais (que contendam com a existência ou a subsistência da obrigação)[18], seja pela verificação de um vício de natureza formal que obsta ao prosseguimento da execução[19].
Constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado e na dependência do processo executivo, fisicamente correndo por apenso.
Assim, embora os embargos constituam um procedimento estruturalmente autónomo, estão funcionalmente ligados ao processo executivo (fala-se em função instrumental da oposição, até porque sem execução não há oposição à execução), visando a pronúncia que neles é feita, quer sobre o mérito, quer sobre matéria processual, servir exclusivamente as finalidades e os fins da execução[20].
Este carácter incidental ou instrumental dos embargos, funcionalmente vinculados ao processo executivo em que se enxertam, resulta claramente do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art. 732.º do CPC, nos termos dos quais a procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte, além de que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.

No caso versado nos autos estamos perante oposição à execução através de embargos de executado deduzidos no âmbito de uma execução para prestação de facto fundada em sentença condenatória que tem por objecto a prestação de um facto positivo.
Na execução para prestação de facto, ainda que baseada em sentença, é lícito ao executado deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, fundada, nomeadamente, na invocação de factos extintivos – o cumprimento posterior da obrigação exequenda –, provado por qualquer meio probatório [e não apenas por documento, como sucede no âmbito do regime comum da execução para cumprimento de obrigação pecuniária – art. 729º, al. g)] – art. 868º, n.º 2, do CPC; mas não pode ser aduzido facto que já foi, ou poderia ter sido, objecto de apreciação e decisão na acção declarativa que deu origem à sentença condenatória.
No caso, importa relembrar, na sentença impugnada foi decidido julgar “parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os presentes embargos e, em consequência, condena[r] a Executada/Embargante a cumprir com as obrigações a que estava adstrita nos precisos termos constantes do acórdão do STJ dado à execução como título executivo, mais concretamente a proceder à inscrição do exequente como comparte do Baldio da ... (associando ao Baldio da ... o NIF do exequente) e distribuir-lhe área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, absolve- se a executada do demais peticionado pelo exequente”.
Em abono do assim decidido e com vista a contrariar os fundamentos das invocadas nulidades da sentença, aduz a Mmª Juíza “a quo”, no despacho proferido ao abrigo do disposto nos arts. 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, que para tanto foram relevantes os factos provados – itens 1 e 2 dos factos provados –, sendo que, tendo em consideração o pedido e a causa de pedir insertas no requerimento executivo, não podia o Tribunal deixar de retirar todas as ilações e aplicar o direito aos factos dados como provados, concluindo que, face à factualidade dada como provada, “não existe, como alega a executada, uma nova “condenação” totalmente exterior e alheia à Sentença cujo título foi dado à Execução, pois que foi precisamente estas questões que foram apreciadas e estiveram subjacentes à decisão proferida, em sede de recurso, pelo Supremo Tribunal de Justiça”.
Com o devido respeito, não subscrevemos a referida fundamentação da Mm.ª Juíza “a quo”.
Não podendo deixar de ter presente que nos movemos no âmbito de uma oposição à execução através de embargos de executados, cuja procedência extingue a execução, no todo ou em parte (art. 732º, n.º 4 do CPC), constata-se que, apesar da parcial procedência dos embargos de executado, a verdade é que, no segmento decisório dos embargos, a Mm.ª Juíza “a quo” acabou expressamente por condenar a Executada/Embargante a cumprir com as obrigações a que estava adstrita nos precisos termos constantes do acórdão do STJ dado à execução como título executivo, mais concretamente a proceder à inscrição do exequente como comparte do Baldio da ... (associando ao Baldio da ... o NIF do exequente) e distribuir-lhe área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, absolve-se a executada do demais peticionado pelo exequente”.
Pois bem, mercê da parcial procedência dos embargos de executado, o dispositivo da sentença deveria limitar-se a indicar a matéria da execução que julgou extinta – nomeadamente na parte em que o exequente peticionou o pagamento de uma indemnização relativa aos prejuízos que alegadamente teve com a falta de cumprimento atempado por parte da Executada/Embargante da obrigação em que foi condenada por acórdão do STJ –, e não reafirmar e alargar o âmbito da condenação que resulta do título executivo dado à execução pelo exequente.
Ou seja, mercê da procedência parcial dos embargos, deveria ter restringido o âmbito da decisão à absolvição da executada/embargante do pedido exequendo formulado no aludido âmbito indemnizatório, e no mais julgar improcedentes os embargos de executado; estava-lhe vedado reiterar e aumentar o âmbito condenatório do acórdão do STJ que serve de título exequendo, em particular quando condena a embargante a “distribuir “área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário”.
Entendendo – como entende – a Mm.ª Juíza que essa concreta obrigação emerge do acórdão condenatório dado à execução e que a executada não comprovou a sua efectivação, impunha-se tão só julgar improcedentes os embargos na parte em que estes se insurgem contra essa pretensão executória, mas não “proferir sentença a condenar a embargante fosse no que fosse”.
Concede-se razão ao recorrente/embargante quando refere que, num incidente de embargos à execução, o Tribunal não pode proferir sentença a condenar a Embargante em nenhum pedido do Embargado (exceptuando a condenação no incidente de litigância de má fé).
Nesse particular, impõe-se pois a verificação da apontada nulidade da sentença por violação do disposto nas als. e), d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, pelo que, por não se ajustar ao âmbito dos embargos de executado, é de expurgar do segmento decisório a condenação da “Executada/Embargante a cumprir com as obrigações a que estava adstrita nos precisos termos constantes do acórdão do STJ dado à execução como título executivo, mais concretamente a proceder à inscrição do exequente como comparte do Baldio da ... (associando ao Baldio da ... o NIF do exequente) e distribuir-lhe área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário”.
Esclareça-se que a questão de saber se a “distribuição de área de pastoreio” pode, ou não, ser tida como obrigação da execução será tema a decidir ulteriormente, quando se apreciar se está contida nos fins e limites da acção executiva.
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1.5. No que concerne à nulidade da sentença invocada pelo recorrente/embargado, dir-se-á que a mesma está inelutavelmente destinada ao insucesso.
Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, a sentença não deixou de se pronunciar sobre a questão atinente aos valores liquidados pelo exequente relativos aos alegados prejuízos que teve com a falta de cumprimento atempado por parte da executada/embargante da obrigação exequenda.
Efectivamente, concluiu a Mm.ª Juíza “a quo” que o “acórdão do STJ dado à execução definiu como  limite objetivo a especificação concreta do facto/obrigação em que a Executada era condenada, não fazendo parte da dita condenação o pagamento de qualquer quantia por qualquer prejuízo ou incómodo que adviessem para o exequente em consequência da falta de reconhecimento da qualidade de comparte do exequente”, razão por que absolveu a executada/embargante do pedido formulado, neste âmbito.
Bem ou mal, com acerto ou não, fundadamente ou não (isso serão questões a apreciar ulteriormente, quando se analisar a bondade do mérito da decisão recorrida), a verdade é que o Mm.ª Julgadora pronunciou-se sobre a questão em apreço, julgando-a improcedente por não se conter dentro do âmbito da obrigação exequenda.
Depreende-se, aliás, que o verdadeiro motivo do vício apontado à sentença não consubstancia a apontada nulidade, tendo antes a ver com um eventual erro de julgamento da decisão da matéria de direito. Isto porque, na óptica do recorrente, ocorreu uma errada subsunção dos factos ao direito, bem como uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas – impugnável nos termos do disposto no art. 639º do CPC, o que foi feito pelo recorrente.
Por conseguinte, podendo estar-se perante um erro de julgamento, ao nível da matéria de direito (error in judicando), não é possível surpreender e, consequentemente, reconhecer nessa sede a comissão de qualquer vício gerador de nulidade da sentença (error in procedendo).
Trata-se de circunstâncias, de vícios e de regime completamente diversos do da nulidade da sentença.
Improcede, por isso, o referido fundamento de nulidade da sentença recorrida.
Por fim, não tinha a sentença – nem tem este Tribunal Superior – de proferir qualquer condenação pessoal do Executado/Legal Representante do Conselho Diretivo de ..., BB.
A situação do referido co-executado, que nem foi parte no processo declarativo donde emerge o acórdão dado à execução – com eventual repercussão na verificação da sua ilegitimidade passiva para a execução (art. 53º, n.º 1, do CPC) –, terá de ser dirimida nos autos principais de execução, e não nestes embargos de executado, dos quais não é parte.
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2. Da impugnação da decisão da matéria de facto.

Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».

Os recursos da matéria de facto podem envolver objectivos diversificados:
- Alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (art. 662º, n.º 1 do CPC);
- Ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio;
- Apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”. (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC)[21].

O vício em causa será eventualmente subsumível ao regime específico previsto no art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC, do qual resulta que a Relação deve, mesmo oficiosamente anular “a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Com efeito, a deficiência da decisão da matéria de facto poderá decorrer da omissão de pronúncia quanto a algum facto controvertido, sendo de destacar que todos os factos controvertidos devem ser apreciados pelo tribunal, sem que entre eles possa ser estabelecida qualquer relação de prejudicialidade que dispense a pronúncia sobre outros[22].
Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.
Com relevância, dispõe o art. 607.º, n.º 4, aplicável “ex vi” do art. 663º, n.º 2, ambos do CPC, que, na fundamentação da sentença, o juiz tomará «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o art. 646.º, n.º 4, previa, ainda, terem-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes».
Muito embora esta norma tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos[23].
O que significa que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo” e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas ou de direito, considerando-as provadas ou não provadas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita.
Como é sabido, a distinção entre matéria de facto e matéria de direito tem sido controversa, quer na doutrina quer na jurisprudência.
Na formulação de Alberto dos Reis[24], «a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei».
Nas palavras de Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora[25], dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírica-sensível, directamente captável pelas percepções do homem), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (a vontade real do declarante – art. 236º, n.º 2 do Cód. Civil; o conhecimento dessa vontade pelo declaratório; as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria).
Deste modo, “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes[26].
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objectividade do facto e trazem consigo a subjectividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova[27].
A natureza conclusiva do facto pode ter um sentido normativo quando contém em si a resposta a uma questão de direito ou pode consistir num juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real. No primeiro caso, o facto conclusivo deve ser havido como não escrito. No segundo, a solução depende de um raciocínio de analogia entre o juízo ou conclusão de facto e a questão de direito, devendo ser eliminado o juízo de facto quando traduz uma resposta antecipada à questão de direito[28].
De um modo muito conciso diremos que:
A Mm.ª julgadora “a quo” omitiu a resposta ao ponto 1 dos factos articulados na petição de embargos de executado, o qual, não tendo sido impugnado, tem-se admitido por acordo.
Assim, alicerçados nos documentos juntos sob o n.ºs 1 e 2 da petição de embargos, deve dar-se como provado que:
Em 8 de Julho de 2022, a Embargante procedeu à inscrição do Exequente nos Cadernos e Lista dos Compartes do Baldio de ....
O ponto 2 dos factos provados consubstancia um juízo manifestamente conclusivo, normativo e valorativo, posto versar sobre o âmbito dos efeitos jurídicos da decisão do Acórdão dado à execução.
A referida enunciação, além de manifestamente conclusiva, comporta em si a solução jurídica do litígio na perspectiva do âmbito da obrigação que, por incumprida, o exequente pretende fazer valer coactivamente.
O âmbito da obrigação exequenda terá de ser extraído da análise e interpretação do título executivo, sendo irrelevante tudo o mais que o exequente alegue no requerimento executivo e que extravase o âmbito do título[29].
Aquela materialidade traduz a alegação de matéria normativa/jurídica, contendo matéria conclusiva, já que não se reporta a factos, antecipando, sim, a solução da questão jurídica em litígio, ao determinar, fixar e delimitar o âmbito da obrigação exequenda.
Consequentemente, por se traduzir em juízos conclusivos e/ou de direito, é de excluir a mesma do rol da matéria de facto provada (seja provada, como não provada).
O item 4 dos factos provados consubstancia a reprodução duma fórmula matemática com vista ao apuramento do cálculo de atribuição de área de pastoreio aos compartes, que dado o seu cariz conclusivo, posto não traduzir uma circunstância da vida real, deve ter-se por excluído da selecção da matéria de facto (provada e não provada).
O item 5 dos factos provados deve manter-se inalterado, por não ter sido impugnado.
A matéria do item 9 dos factos provados, reproduzindo factos dados como não provados no acórdão do STJ dado à execução, sendo inócua para a sorte dos presentes embargos, deve manter-se inalterada, atenta a sua eventual pertinência para aferir a conduta processual das partes – visto o embargado ter peticionado a litigância de má fé do embargante.

Em resumo:
i) Adita-se à matéria de facto provado a facticidade objecto do item 1 da petição de embargos de executado (valendo com o n.º 10), com a seguinte redacção:
10. Em 8 de Julho de 2022, a Embargante procedeu à inscrição do Exequente nos Cadernos e Lista dos Compartes do Baldio de ....
ii) Atento o seu cariz jurídico/conclusivo/normativo, exclui-se da matéria de facto os itens 2 e 4 dos factos provados.
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3. – Do cumprimento da obrigação exequenda

Propugna a recorrente/embargante pela revogação da sentença recorrida e a sua substituição por acórdão desta Relação que julgue os embargos procedentes e extinga a execução pelo cumprimento da prestação exequenda.

Demos já nota das características principais da oposição à execução mediante embargos de executado, pelo que nos dispensaremos de as reproduzir.
No caso versado nos autos estamos perante uma oposição à execução através de embargos de executado deduzidos no âmbito de uma execução para prestação de facto fundada em sentença condenatória que tem por objeto a prestação de um facto positivo.
Na execução para prestação de facto, ainda que baseada em sentença, é lícito ao executado deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, fundada, nomeadamente, na invocação de factos extintivos – o cumprimento posterior da obrigação exequenda –, provado por qualquer meio probatório [e não apenas por documento, como sucede no âmbito do regime comum da execução para cumprimento de obrigação pecuniária – art. 729º, al. g)] – art. 868º, n.º 2, do CPC; mas não pode ser aduzido facto que já foi, ou poderia ter sido, objeto de apreciação e decisão na acção declarativa que deu origem à sentença condenatória.
Nos embargos de executado (tal como nas ações de simples apreciação negativa), as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseiam em normas de direito substantivo, não se alteram (não se modificando pela diferente posição ocupada pelo credor e devedor nos autos - como autor ou réu, ou pelo executado/embargante e pelo exequente/embargado): o titular do direito continua sempre a ter de provar os factos que o constituem, enquanto o titular do dever correspondente tem o de provar os factos que impedem, modificam ou extinguem os feitos dos primeiros (art. 342º do CC)[30].
Assim, parafraseando o Assento do STJ de 14/05/96[31], diremos que, nos embargos de executado, a distribuição do ónus da prova observa as regras gerais sobre esta matéria, pelo que cabe ao executado/embargante a prova dos fundamentos alegados (art. 342º, n.º 1, do CC), dado que estes são factos constitutivos da oposição deduzida.
Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados no Código Civil e nas leis de processo (cfr. art. 817.º do Cód. Civil).
A acção executiva constitui o meio processual idóneo para o credor obter coactivamente o cumprimento da obrigação que lhe é devida, desde que portador de um título executivo (cfr. art. 10.º, n.ºs 4 a 6, do CPC).
Nos termos do n.º 5 do art. 10º do CPC, “[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
Define-se título executivo como “(...) o instrumento que é considerado condição necessária e suficiente da acção executiva[32]. Títulos executivos «são documentos de actos constitutivos ou certificativos de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia de servirem de base ao processo executivo»[33].
Para que o credor possa intentar uma acção executiva torna-se necessário que disponha de um título executivo (arts. 10º, n.º 5 e 703º do CPC), mas também que a obrigação seja “certa, exigível e líquida” (art. 713º do CPC).
Considera-se que o título executivo é condição necessária da execução na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a acção apenas podem ser praticados na presença dele (nulla executio sine titulo). Sem o demandante se apresentar munido de um título executivo a execução não pode ser intentada ou, se intentada, prosseguir. Por outro lado, diz-se que o título executivo é condição suficiente da acção executiva, na medida em que na sua presença segue-se imediatamente a execução, sem ser necessário indagar previamente sobre a real existência do direito a que se refere. Presume-se a sua existência, cabendo ao executado excepcionar ou impugnar a sua formação, subsistência, validade ou eficácia, através da competente oposição à execução ou mediante embargos de executado.
Mas o título, além de ser a condição necessária e suficiente da execução, define-lhe também os fins e os limites. Com efeito, o título executivo contém a definição da relação jurídica, constituindo a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva (cf. art. 10º, n.º 5, do CPC).
O objecto da execução tem de corresponder, por conse­guinte, ao objecto da situação jurídica acertada no título.
O título executivo é o documento «do qual consta a exequibilidade de uma pretensão» e, consequentemente, a possibilidade de realização coactiva da correspondente prestação através de uma acção executiva.
Ele cumpre uma função constitutiva, atribuindo a exequibilidade a uma pretensão e «possibilitando que a correspondente prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas ao executado pelo tribunal».
A exequibilidade extrínseca da pretensão é conferida pela incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por via legal, «a facul­dade da realização coactiva da prestação não cumprida»[34].
Determinando o fim da execução e definindo os seus limites, atenta a sua função documentadora da obrigação, “o título executivo deve definir de forma rigorosa o fim e os limites da execução, não sendo, por isso, permitido ao exequente apelar à relação causal ou a uma hipotética obrigação implícita para, através dessa via, procurar suprir as eventuais insuficiências ou imprecisões do título. Do mesmo modo, uma vez que a obrigação exequenda deve estar consubstanciada no próprio título, é irrelevante tudo aquilo que o exequente alegue no requerimento executivo e que extravase o âmbito do título[35].
O art. 703º, n.º 1, do CPC enuncia as várias espécies de títulos executivos admitidos na lei, que podem servir de base a uma execução.
Títulos executivos são tão só e apenas os indicados na lei – trata-se de enumeração taxativa, sujeita à regra da tipicidade, como se constata da letra do preceito em análise [À execução apenas podem servir de base (...)]. Daí não serem válidas as convenções negociais pelas quais as partes conferem força executiva a outros documentos[36].
E traduz precisamente a exequibilidade extrínseca da pretensão (preenchimento dos pressupostos e requisitos para que um documento possa valer como título executivo, condição de certeza para acesso directo à realização coactiva de uma obrigação que é devida)[37].
Logo, faltando o preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar a função de título executivo, constitui fundamento de indeferimento liminar e de rejeição oficiosa da execução, bem como de oposição à mesma (art.ºs 726.º, n.º 2, al. a), 729.º, al., a) e 734.º, todos do CPC).
Podem servir de base à execução, entre outros títulos, as sentenças condenatórias (art. 703º, n.º 1, al. a) do CPC).
Nas palavras de Manuel de Andrade, condenatória “é toda a sentença que, reconhecendo ou prevenindo (…) o inadimplemento duma obrigação (cuja existência certifica ou declara), determina o seu cumprimento; é a que contém uma ordem de prestação (…)[38].
Como tem sido maioritariamente entendido pela doutrina, as sentenças condenatórias aludidas na referida alínea a) do n.º 1 do art. 703º do CPC não se delimitam às sentenças proferidas numa acção declarativa de condenação (art. 10º, n.º 3, al. b) do CPC), abrangendo igualmente as sentenças que, independentemente do tipo de acção declarativa em que tenham sido proferidas (de simples apreciação, de condenação ou constitutivas) encerrem uma componente condenatória, ainda que de forma implícita[39]. Assim, parece que na expressão legal «sentenças condenatórias» estão integradas todas as decisões de tribunais que imponham uma ordem de prestação ou comando de actuação ao demandado de maneira incondicional[40].
No caso em apreço, foi dada à execução o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 22/04/2022, no âmbito do Processo n.º 64/19.3T8MTR, transitado em julgado em 06/05/2022, que confirmou a sentença condenatória, onde foi reconhecido ao Exequente a qualidade de Comparte e a Executada, Comunidade Local dos Baldios de ..., condenada a reconhecer essa qualidade de comparte do Exequente, nos termos formulados pelo Tribunal de 1.ª instância.
Vejamos, agora, o quadro legal da execução para prestação de facto.
A execução para prestação de facto tem como finalidade a efectivação prática das obrigações que, em conformidade com o título executivo, tenham por objecto uma prestação de facto, quer positivo (prestação “de facere”), quer negativo (prestação de “non facere”), ainda que de facto infungível se trate (arts. 828º e 829º do CC e arts. 10º, n.º 6 e 868º e ss. do CPC).
Enquanto a primeira tem por objecto uma actividade do devedor (facere), a segunda tem por objecto uma abstenção do mesmo (non facere).
A obrigação para prestação de facto deve ser certa e exigível, conforme prescreve o art. 713º do CPC, e, sendo o caso, líquida.
A prestação do facto é fungível quando pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem que daí resulte prejudicado o interesse do credor (art. 767º, n.º 1, do CC). E é infungível quando tenha de ser necessariamente cumprida pelo devedor, não podendo este ser substituído no cumprimento por terceiro.
O art. 828.º (“Prestação de facto fungível”) do CC estabelece que o “credor de prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor”.
A prestação de facto está normalmente sujeita a um prazo, como se depreende do art. 868º, n.º 1, do CPC, o qual deve constar do título executivo[41]. Nessa hipótese, a execução só deve ser promovida depois de constituído o devedor em mora, isto é, depois de expirado o prazo sem que o facto tenha sido prestado.
Não sendo esse o caso – ou seja, se o prazo para a prestação não estiver marcado no título executivo –, o exequente tem de começar por pedir ao juiz que fixar o prazo. Para isso deve indicar o prazo (da prestação de facto) que reputa suficiente e requerer que, citado o devedor para, em 20 dias, dizer o que se lhe oferecer, o prazo venha ser fixado judicialmente (art. 874º, n.º 1, do CPC). Neste caso concreto a ação executiva deve começar pelas diligências prévias tendentes à determinação judicial desse prazo, sob pena de inexequibilidade.
No caso, conquanto o prazo não estivesse fixado no acórdão exequendo, em 8 de Julho de 2022 a Embargante cuidou de proceder à inscrição do Exequente nos Cadernos e Lista dos Compartes do Baldio de ....
Prescreve o art.º 868.º, n.º 1, do CPC que se «alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo».
No caso presente é indiscutível que a prestação exequenda é uma prestação de facto positivo de natureza fungível, facto este que, aliás, não merece contestação por parte dos apelantes, o que, de resto, é manifesto, pelo que se trata de prestação que indubitavelmente poderá ser realizada por terceiro caso a executada não a cumpra.
O objecto da prestação da execução de prestação de facto é a exacta prestação devida, na sua qualidade e na sua medida, delimitadas pelo título executivo, e não mais, sob pena de ilegalidade por desproporcionalidade (cfr. regra geral do art. 735º, n.º 3)[42].
Na situação vertente, o título executivo que serve de base à presente execução é o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, 7.º secção, datado de 22/04/2022, no âmbito do Processo n.º 64/19.3T8MTR, transitado em julgado em 06/05/2022, que reconheceu ao Exequente a qualidade de Comparte e condenou a Executada, Comunidade Local dos Baldios de ... a reconhecer essa qualidade de comparte do aqui Exequente, nos termos formulados pelo Tribunal de 1.ª instância.

E os termos formulados pelo Tribunal da 1ª Instância foram os seguintes:
«a) Julgar a ação interposta pelos Autores parcialmente procedente e, em consequência reconhecer ao Autor AA o direito à atribuição da qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios da ..., condenando a Ré (ora Apelante) a reconhecer essa qualidade;
b) Absolver a Ré dos demais pedidos contra si deduzidos pelos Autores;
c) Condenar as partes no pagamento das custas da ação, na proporção do respectivo decaimento».

Instaurada a execução, o exequente alegou que a executada não cumpriu o acórdão exequendo, visto que, “após trânsito do Acórdão proferido, a executada tinha necessariamente de ter procedido ao cumprimento do mesmo, ou seja, distribuir área de pastoreio, que é anualmente distribuída aos compartes, para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, bem como, para os produtores pecuários (como é o aqui Exequente) submeterem as suas candidaturas anuais ao Pedido Único (PU)”, contudo, até ao momento, não procedeu em conformidade (sublinhado nosso).
Essa alegação foi acolhida pela Mm.ª Julgadora na sentença recorrida, tendo aduzido a seguinte fundamentação:
“Assim, resulta da matéria de facto dado como provado que a única obrigação que impendia sobre os executados consiste na obrigação de a Executada reconhecer ao Exequente a qualidade de Comparte na Comunidade Local dos Baldios de ....
E para que tal obrigação fosse cumprida nos seus precisos termos teria a executada  de proceder à inscrição do exequente como comparte do baldio da ... associando ao baldio o NIF do exequente) e distribuir-lhe área de pastoreio (como bem sabia e temia ter de vir a fazer, tal como ficou provado no ponto 9 dos factos dados como provados), que é anualmente distribuída aos compartes, para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, bem como, para os produtores pecuários (como é o aqui Exequente) submeterem as suas candidaturas anuais ao Pedido Único (PU), contudo, até ao momento não procedeu em conformidade.
Ao não ter procedido nos preditos termos, isso significa que está em incumprimento e em violação do determinado superiormente pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça dado à execução como título executivo, o qual ficaria esvaziado de conteúdo caso não fossem retiradas ilações próprias e favoráveis à pretensão do exequente reconhecidas por acórdão transitado em julgado”. 
Procedem, nesta parte, os presentes embargos” [43].
E na decisão final dos embargos, julgando-os parcialmente procedentes, “em consequência”, condenou “a Executada/Embargante a cumprir com as obrigações a que estava adstrita nos precisos termos constantes do acórdão do STJ dado à execução como título executivo, mais concretamente a proceder à inscrição do exequente como comparte do Baldio da ... (associando ao Baldio da ... o NIF do exequente) e distribuir-lhe área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário, absolve- se a executada do demais peticionado pelo exequente”.
Com o devido respeito, afigura-se-nos que a sentença recorrida padece de erro de julgamento.
Com efeito, a única e singela obrigação que resulta do acórdão dado à execução consubstancia-se na condenação da embargante a reconhecer a qualidade de comparte do Exequente, nos termos formulados pelo Tribunal de 1.ª instância, qual seja, reconhecer «ao Autor AA o direito à atribuição da qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios da ..., condenando a Ré (ora Apelante) a reconhecer essa qualidade».
Essa obrigação mostra-se satisfeita, porquanto o embargante provou que, em 8 de Julho de 2022 – e não obstante o prazo para a efectivação da prestação não estar fixado na sentença, nem no acórdão –, procedeu à inscrição do Exequente nos Cadernos e Lista dos Compartes do Baldio de ....
Em parte alguma, quer do segmento decisório, quer da fundamentação de facto, como de direito, da sentença da 1ª instância, bem como do acórdão do STJ, consta o reconhecimento do direito e a condenação da Ré a distribuir área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário e para a submissão do Pedido Único (PU).
Como vimos, é ao título executivo que se há-de recorrer, em obediência ao princípio do art. 10º, n.º 5, do CPC, para se delimitar o objecto da execução, ou seja, determinar o fim e os limites da acção executiva.
No caso em apreço o título executivo dado à execução é um acórdão – que remete para a sentença da 1ª instância –, sendo eles que balizam o objecto da execução.
Vimos também que, devendo a obrigação exequenda estar corporizada no próprio título, é irrelevante tudo aquilo que o exequente alegue no requerimento executivo e que extravase o âmbito do título.
O que significa que, no caso em apreço, estava vedado à Mm.ª Julgadora atender à alegação enunciada no requerimento executivo que exorbitasse do âmbito da obrigação exequenda consubstanciada no título dado à execução.
Não é porque a embargante não se pronunciou sobre essa matéria alegada no requerimento executivo que ficava legitimada a sua atendibilidade para efeitos da sua integração ou inclusão na obrigação exequenda.
Estava esta delimitada objectivamente pelo título executivo, visto ser por este que se delimitam o fim e os limites da execução.
Do título dado à execução não consta nenhuma obrigação de distribuição de áreas, ou qualquer outra obrigação para além da condenação no reconhecimento do Apelado como comparte do Baldio da ....
Como – bem – assinala o recorrente/embargante, é certo que do reconhecimento da qualidade de comparte do Embargado/Apelado derivam direitos e obrigações.
Alguns desses direitos – qualificados como indivisíveis e indistribuíveis – emergem da própria coisa, ou seja, do Baldio em si mesmo, nomeadamente o direito de pastagem, de logradouro comum, de recolha de lenhas e mato.
Mas há também direitos de que os compartes, ou a Comunidade globalmente considerada, podem gozar, os quais não emergem directamente da coisa, como sejam receitas de concessões de exploração florestal, de instalações de produção de energia pelo vento, atribuição de apoios ou subsídios de fomento agrícola ou agropecuário, bem como compensações pela concessão de servidões administrativas.
«Mas estes direitos e benefícios têm na sua base ou fonte sempre uma relação jurídica estabelecida com terceiros (particulares ou com o Estado).
Importa sempre em relação a estes a exigência de negociação ou fixação dos seus pressupostos, e do conteúdo do próprio direito.
E nada disto consta do título executivo».
O que o exequente vem peticionar – no tocante à distribuição de áreas de pastoreio para efeitos de apascentação – é matéria que excede os limites do título executivo.
Veja-se que é a própria julgadora a colocar dúvidas sobre a existência desse direito, ao especificar, na motivação da sentença recorrida, parecer-lhe “que, efetivamente, o exequente, como comparte do baldio da ..., tem o direito (ou não) de se candidatar aos subsídios, sendo certo que se os mesmos lhe são ou não atribuídos dependerá sempre de uma candidatura que reúna os requisitos legalmente previstos na lei, sendo certo que o exequente indicou que o limite dos subsídios está relacionado com o número de cabeças de gado (que dá direito a um subsídio de compensação fixo) e com a área de pastoreio atribuída, a qual também permite a candidatura a subsídios”.   
O que significa que no tocante à pretensão do exequente de obter condições para lhe serem concedidos os subsídios que peticionou, o título executivo não abrange essa prestação, o que inviabiliza que essa prestação seja realizada através de medidas coactivas impostas pelo executado ao tribunal.
No caso, a sentença violou frontalmente o estatuído no art. 10º, n.º 5, do CPC.
Pretendendo ver reconhecida tal pretensão, e caso não a logre alcançar através dos mecanismos do regime jurídico da lei dos baldios, não está o exequente/embargado dispensado de recorrer a uma acção declarativa a fim de fazer valer esse direito de que se arroga.
Por conseguinte, não constando a dita obrigação do título executivo – distribuição anual de área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário e para a submissão do Pedido Único (PU) –, impõe-se nessa parte a procedência dos embargos de executado.
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4. – Da condenação solidária do Presidente do Conselho Diretivo de ..., BB, nos termos dos art. 483.º e seguintes do Código Civil (recurso do embargado).
Pugna o recorrente/embargado pela revogação da sentença recorrida, substituindo-a por decisão que condene solidariamente o Presidente do Conselho Diretivo de ..., nos termos dos artigos 483.º e seguintes do Código Civil, conforme peticionado pelo Recorrente.
A mencionada pretensão recursória é manifesta inviável.
O recorrente parece olvidar que, em sede deste recurso, está em causa uma sentença proferida no âmbito de uns embargos de executado que têm como sujeitos a embargante Comunidade Local dos Baldios de ... e o embargado AA, e não o Presidente do Conselho Diretivo de ....
De todo o modo, e ainda que o referido Presidente do Conselho Diretivo de ... fosse também sujeito processual dos embargos, a verdade é que sempre estaria aqui excluída a sua condenação pessoal em termos indemnizatórios nos termos preconizados pelo recorrente. 
No caso de oposição de mérito à acção executiva, o pedido deduzido nos embargos de executado é de verificação da inexistência, total ou parcial, do título exequendo, configurando-se como uma acção de simples apreciação negativa.
Logo, consubstanciando um meio de oposição à execução destinado à extinção da execução, total ou parcialmente, os embargos de executado não são um meio processual idóneo à preconizada condenação do co-executado.
Como já antes referimos, a situação do referido co-executado, BB, que não foi parte no processo declarativo donde emerge o acórdão dado à execução – com eventual repercussão na verificação da sua ilegitimidade passiva para a execução (art. 53º, n.º 1, do CPC) –, terá de ser dirimida nos autos principais de execução, e não nestes embargos de executado, aos quais é alheio.
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5. – Da indemnização moratória.

Mais clama o recorrente/embargado pela revogação da sentença recorrida, substituindo-a por decisão que condene a embargante a indemnizá-lo pelos prejuízos sofridos.
Prescreve o art. 868.º, n.º 1, do CPC que se «alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo».
É a pensar na prestação de facto positivo fungível que a lei afirma no art. 868.º, n.º 1, do CPC que «o credor pode requerer a prestação por outrem», adjectivando o regime substantivo, consagrado no art. 828.º do CC, onde precisamente se lê que o «credor de prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outem à custa do devedor».
Com efeito, não «podendo o devedor de uma prestação de facere ser coagido a realizá-la se não o quiser, pode, ainda assim, o credor obter a satisfação do interesse que está na base do seu direito de crédito através da realização do facto devido por terceiro à custa do devedor. Esta execução de custeamento - pois o que se obtém do devedor é o custeamento da realização do facto por terceiro - é possível sempre que se trate de uma prestação que possa ser feita por terceiro sem prejuízo para o interesse creditório». Ora, nestas prestações incluem-se, «indubitavelmente, as prestações fungíveis mais simples, mas ainda aquelas em que o terceiro solvens tenha de dispor de algumas qualificações que sejam comuns a várias pessoas»[44].
Poderá ainda o credor cumular aquele seu pedido de realização por terceiro da prestação devida com «a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação»[45].
Precise-se que tratando-se de prestação exequenda de facto positivo de natureza fungível, a doutrina e a jurisprudências dominantes são no sentido que aquele art. 868º, n.º 1 do CPC, em caso de incumprimento da obrigação exequenda pelo executado, confere ao exequente a possibilidade de optar entre: a) a prestação da obrigação por terceiro, acrescida da indemnização pela mora, b) pela indemnização compensatória, isto é, a indemnização correspondente aos danos sofridos pelo exequente por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, direito de opção esse que assiste ao exequente e que não é contrariado pelo art. 828º do CC[46].
O exequente pode escolher entre a execução da prestação de facto por outrem, se o facto for fungível, com ou sem cumulação com a indemnização moratória, ou a indemnização compensatória.
É discutível na doutrina e jurisprudência se a indemnização compensatória é independente de existir apenas um atraso no cumprimento ou incumprimento definitivo.
A mora do devedor corresponde ao atraso no cumprimento da obrigação imputável ao devedor (art. 804º, n.º 2 do CC) e o credor tem direito à reparação dos danos moratórios.
E a indemnização moratória corresponde ao ressarcimento do prejuízo que é causado ao credor pelo retardamento da prestação.
No âmbito da prestação de facto a indemnização moratória deve ser calculada de acordo com o previsto no art. 804º, n.º 1, do CC, abrangendo os prejuízos atendíveis que advém ao credor do facto do retardamento.
Para efeitos de cálculo da indemnização moratória, devem ser tidas em conta as despesas que o credor seja forçado a realizar para satisfazer a prestação em falta e os benefícios ou lucros que deixou de receber em virtude da falta do devedor.
Já no tocante à indemnização compensatória, esta deve ser calculada de forma distinta, considerando a possibilidade concedida ao exequente de optar por esta ainda sendo possível a prestação do facto pelo executado ou por outrem ou não.
Quando à forma de cálculo, explicita Lebre de Freitas[47]:
– Ou ainda é possível a prestação por terceiro e a indemnização compensatória a suportar pelo devedor deve ser calculada em função do custo actual da prestação de facto por terceiro; o devedor pagará o que ao credor for necessário para que fique em situação idêntica àquela em que estaria se a obrigação tivesse sido cumprida.
– Ou a prestação por terceiro já não é possível e a indemnização compensatória deve ser calculada em função do incumprimento[48].
Na apelação apresentada sustenta o recorrente/embargado que: «na sequência do trânsito em julgado daquele Acórdão do STJ, e por força de a Recorrida não ter dado cumprimento o decidido no mesmo, que surgem — e se agravam — os prejuízos do Recorrente:
a. inviabilidade de declarar a área em sede de Pedido Único, acarretando perda de Pagamentos Diretos (RPB) e respetivas majorações,
b. Custos extraordinários com a alimentação do gado, em virtude de não ser possível apascentá-los em regime extensivo no baldio;
c. Prejuízos que não faziam parte do objecto inicial da ação, pois decorrem de uma conduta infratora posterior à prolação do Acórdão».
Acrescenta impor-se «uma decisão que condene a Embargante/Executada e o seu Presidente do Conselho Diretivo (enquanto responsável pessoal) a ressarcirem os prejuízos sofridos pelo Exequente/Embargado, nos autos, única possível e cabível, incluindo:
o Lucros cessantes (subvenções e apoios não auferidos, decorrentes da falta de acesso à área de pastoreio);
o Danos emergentes (encargos suplementares de manutenção dos animais em regime estabulado ou em terrenos próprios)».
E, resumindo a sua pretensão, conclui: «o incumprimento iniciou-se e perpetuou-se após o trânsito em julgado, dando lugar a danos efetivos e mensuráveis.
(…) Assim, a pretensão indemnizatória do Recorrente emerge numa fase lógica e temporal distinta, não colidindo com os limites do título, mas antes resultando do próprio incumprimento posterior e injustificado por parte da Recorrida».
A sentença impugnada, relembre-se, julgou a pretensão indemnizatória improcedente porquanto “o referido acórdão do STJ, dado à execução, definiu como limite objetivo a especificação concreta do facto/obrigação em que a Executada era condenada, não fazendo parte dessa condenação o pagamento de qualquer quantia por qualquer prejuízo ou incómodo que viessem a ocorrer para o Exequente em consequência da falta de reconhecimento da sua qualidade de comparte».
Com o devido respeito, julgamos ser de manter o indeferimento da requerida pretensão indemnizatória, embora com fundamentação distinta da sentença recorrida.
Apesar do recorrente/exequente não ser claro na qualificação da pretensão indemnizatória formulada, tendo presente que requer que a Executada cumpra a obrigação devida que lhe foi imposta por Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça com data de trânsito em 06/05/2022 – execução especifica do facto fungível  –, aquela pretensão, cumulativamente deduzida, deve entender-se como corporizando uma indemnização moratória pelo atraso no cumprimento da prestação, e não uma indemnização compensatória pelo incumprimento definitivo.
De qualquer modo, e contrariamente ao explicitado na sentença recorrida, a referida indemnização moratória não tinha de estar determinada no título executivo – ou seja, não tinha de haver uma condenação no pagamento de uma quantia pelo retardamento do cumprimento da prestação ou de uma indemnização pelos danos causados com a não realização da prestação –, até porque tais danos apenas sobreviriam após a prolação daquela sentença/acórdão exequenda.
A pretendida indemnização moratória improcede, porém, porquanto, ao invés do decidido na sentença recorrida e propugnado pelo embargado, o embargante logrou provar que cumpriu a obrigação a que estava adstrito, qual seja, a de reconhecer ao Exequente AA o direito à atribuição da qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios da ..., tendo procedido à sua inscrição nos respectivos Cadernos e Lista dos Compartes em 8 de Julho de 2022
A indemnização moratória alicerçava-se fundamentalmente no facto de não ter sido cumprida a obrigação de distribuição anual de área de pastoreio para efeitos de apascentação do seu efetivo pecuário e para a submissão do Pedido Único (PU), pressuposto este que se tem por inviável, visto ter-se concluído que tal pretensão excede os limites objectivos do título executivo, não fazendo parte da obrigação exequenda.
Inexistindo comprovado o retardamento da prestação do facto, carece de fundamento a atribuição de indemnização moratória.
Termos em que, embora com fundamentação distinta, é de julgar improcede a questão em causa.
*
6. – Da Má-fé.
– Da verificação dos pressupostos da condenação da embargante como litigante de má fé.
Diz-se litigante de má-fé, segundo o disposto pelo art. 542º, n.º 2, do CPC, «quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente, reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização, a favor da parte contrária, se esta a pedir, nos termos do disposto no art. 542º, n.º 1, do CPC.
Para não caírem no âmbito de aplicação dos normativos ora acabados de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correcção, ou seja, no respeito dos princípios da boa-fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de cooperação e de boa fé (ou probidade) processual expressamente previstos nos arts. 7º e 8º do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto que constitui objecto do litígio.
A má-fé representa uma modalidade de dolo processual que consiste na utilização maliciosa e abusiva do processo. É o dolo processual unilateral (sem conluio entre as partes), distinguindo-se do dolo processual bilateral, que corresponde à figura do processo simulado (art. 612º do CPC)[49].
A má-fé traduz-se, em última análise, na violação do dever de cooperação e de boa-fé que os arts. 7º, 8º e 542º, n.º 2, al. c) do CPC impõem às partes.
Aliás, no intuito de moralizar a actividade judiciária, o art. 542º, n.º 2, do citado diploma legal, oriundo da revisão de 1995, alargou o conceito de má fé à negligência grave, enquanto que, anteriormente, a condenação como litigante de má-fé pressupunha uma actuação dolosa, isto é, com consciência de se não ter razão, motivo pelo qual a conduta processual da parte está, hoje, sancionada, civilmente, desde que se evidencie, por manifestações dolosas ou caracterizadoras de negligência grave (lides temerárias e comportamentos processuais gravemente negligentes).
Explica António Abrantes Geraldes[50] que “é neste contexto, concerteza fruto da degradação dos padrões de actuação processual e do uso dos respectivos instrumentos que, a par do realce dado ao princípio da cooperação e aos deveres da boa fé e de lealdade processuais, surge a necessidade de ampliar o âmbito de aplicação do instituto, assumindo-se claramente que a negligência grave também é causa de condenação como litigante de má fé”.
O elemento subjectivo da litigância de má-fé foi, por conseguinte, ampliado pelo legislador, passando a sancionar não apenas o comportamento intencional, mas também aquele que, de modo gravemente negligente, não obedece aos deveres de cuidado impostos pelo dever de correcção processual, acabando por não tomar consciência de factos que, de outro modo, teria conhecimento.
Portanto, passou a exigir-se dos litigantes, para que sejam considerados de boa-fé, não apenas que declarem aquilo que subjectivamente consideram verdade, mas aquilo que considerem verdadeiro após cumprirem os mais elementares deveres de prudência e cuidado, impostos pelo princípio da boa-fé processual.
Sobre as partes passa a recair um dever de pré-indagação da realidade em que fundam a sua pretensão ou defesa. Tal dever não se apresenta, porém, como um dever de indagação total, um dever de escrutínio absoluto, mas sim como uma indagação que tome em conta os mais elementares deveres de cuidado, isto é, aqueles que só podem ser desrespeitados por um sujeito que actue de modo gravemente negligente, e que não obedeça a qualquer regra de prudência ou ponderação antes de recorrer ao processo.
Desta feita, poderá – e deverá - ser responsabilizado como litigante de má-fé não só aquele que profere declarações contrárias ao que subjectivamente sabe ser verdade, mas também aquele que apenas se encontra subjectivamente convencido da verdade de um facto inexistente ou inveracidade de um facto verdadeiro, porque desrespeitou o mínimo de diligência que lhe era exigido, recorrendo ao processo de modo totalmente leviano e imprudente. Do mesmo modo, tanto poderá ser considerado de má-fé aquele que oculta um facto essencial do qual tem perfeito conhecimento, como aquele que não podia deixar de o conhecer caso tivesse empregado o mínimo de diligência exigível a quem actua em juízo. Com efeito, se uma certa incerteza é característica do próprio processo, essa incerteza não poderá ser tal que resulte apenas de uma actuação gravemente negligente na recolha do material fáctico da causa[51].
A má-fé, de que trata o n.º 2 do art. 542º do CPC, pode ser substancial (ou material) ou instrumental (ou processual). A má-fé substancial diz respeito ao fundo da causa e abrange os casos de dedução do pedido ou de oposição cuja falta de fundamento se conhece [al. a)] e a alteração consciente da verdade dos factos ou omissão de factos essenciais [al. b)]; será má-fé instrumental se a sua actuação se reconduzir a omissão grave do dever de cooperação [al. c)] ou se disser respeito ao uso reprovável do processo, ou de meios processuais para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a ação da justiça, impedir a descoberta da verdade ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [al. d)][52] e, ainda, nos termos do n.º 1 do art. 670º, se a parte «com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente».
Importa, no entanto, ter presente que com a enunciação legal dos comportamentos de má-fé o legislador procurou, quanto aos elementos objectivos, ser o mais exaustivo possível, dando origem a que qualquer violação do dever de boa-fé se possa subsumir, sem margem para dúvidas, a pelo menos mais do que uma das categorias elencadas[53].
Para efeitos da escolha da forma de ressarcimento mais ajustada ao caso concreto a lei limita o juiz a ponderar a gravidade da conduta do litigante, sendo indiferente, para o caso, a condição económica das partes (nomeadamente se litigam ou não com apoio judiciário), os efeitos da litigância de má-fé, a natureza ou o valor da acção[54].    
A conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, variando consoante o meio e objecto processuais e a conduta concreta das partes no desenrolar do processo[55], não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do n.º 2 do art. 542º.
De acordo com a interpretação que se vem fazendo do citado preceito, a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Não deve confundir-se a litigância de má fé com: (i) a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento; (ii) a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; (iii) a discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou (iv) a defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo, a lograr convencer[56].
Para a condenação como litigante de má-fé exige-se, por conseguinte, que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
Por isso, o tipo subjectivo da litigância de má-fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave.
Na questão submetida à nossa apreciação o recorrente/embargado reclama a condenação do embargado como litigante de má, requerendo a aplicação da respectiva sanção (multa) e a fixação de indemnização a favor do Recorrido, nos termos do art. 542.º, n.º 2, alíneas a), b) e d), do CPC.
Diz, para tanto, que a conduta da Recorrente nos autos evidencia uma actuação dolosa ou, pelo menos, de negligência grave.
Em concreto, verifica-se a repetição de matérias definitivamente julgada, nas quais a Recorrente insiste, bem sabendo que se encontram decididas e transitadas em julgado, incorrendo no disposto no artigo 542.º, n.º 2, alínea a), e ainda nas alíneas b) e d), ao utilizar o processo de forma reprovável, obstaculizando a eficácia da decisão já proferida pelo STJ.
A falta de fundamento dessas alegações não poderia ignorar-se, tratando-se de matéria já decidida e transitada em julgado.
A Recorrente deduz, assim, uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, alterando ou subvertendo a verdade factual e protelando o respectivo cumprimento) de forma abusiva.
Pois bem, contrariamente ao propugnado pelo Recorrente/embargado – e à semelhança do decidido na sentença impugnada –, diremos que «não se vislumbra nos autos qualquer alegação por parte da [embargante] que demonstre uma atuação com dolo ou negligência grave de natureza substancial, entendida como a respeitante à relação material, ou instrumental, enquanto referenciada à relação processual.
Aliás, diversamente do ajuizado na 1ª instância, é de concluir que a embargante logrou demonstrar factos extintivos da obrigação exequenda, que são aptos a determinar, quanto a ela, a total extinção da instância executiva.
É, por isso, de excluir o entendimento no sentido de que a embargante deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (formulando infundada e injusta oposição à execução), de que alterou (ou deturpou) conscientemente a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa, bem como fez do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal.
Os elementos disponíveis nos autos nenhum juízo de censura permitem imputar à embargante.
Desta feita, o Tribunal não consegue concluir, sem sombra para dúvidas, que existiu uma actuação dolosa ou gravemente negligente por parte da executada/embargante, pelo que improcede o pedido de condenação como litigante de má-fé. 
*
7. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respectiva proporção.
As custas do recurso apresentado pela embargante, atenta a sua procedência, serão a cargo do embargado.
As custas do recurso apresentado pelo embargado, atenta a sua improcedência, serão da sua responsabilidade.
As custas dos embargos na 1ª instância, dada a sua procedência, serão da responsabilidade do embargado.
*
VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
i) - julgar procedente o recurso de apelação interposto pela embargante, com a consequente revogação da sentença recorrida e, em sua substituição, julgam os embargados de executado procedentes e determinam a extinção da instância executiva relativamente à embargante Comunidade Local dos Baldios de ...;
ii) julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo embargado AA;
Custas dos recursos apresentados pela embargante e pelo embargado a cargo do embargado.
Custas dos embargos de executado na 1ª instância a cargo do embargado.
*
Guimarães, 27 de novembro de 2025

Alcides Rodrigues (relator)
Maria Luísa Duarte Ramos (1ª adjunta)
Ana Cristina A. O. Duarte (2ª adjunta)


[1]  Na enunciação seguimos estritamente a ordem sequencial dos actos praticados.
[2] Cfr. Conclusões 5 a 8.
[3] Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
[4] Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
[5] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 736.
[6] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 141 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 690.
[7] A oposição poderá dar-se, por ex., quando o Tribunal, em sede de fundamentação, dá como provado o pagamento pelo réu do montante peticionado pelo autor, mas depois, no dispositivo, vem a julgar procedente o pedido correspondente, condenando-o a proceder a novo pagamento, em contradição com aquela fundamentação.
[8] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371.
[9] Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 383.
[10] Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, p. 258/259.
[11] Cfr. Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, Dos Recursos (regime do Dec. Lei n.º 303/2007), Quid Iuris, 2009, p. 117.
[12] Cfr. Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume I, 2022, AAFDL Editora, p. 632.
[13] Cfr. Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
[14] Cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364.
[15] Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 713.
[17] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, volume V, p. 146.
[18] Cfr. Paulo Pimenta, In Acções e Incidentes Declarativos na Pendência da Execução, Revista Themis, Ano V, n.º 9, 2004, p. 73.
[19] Cfr. José lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, p. 321; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, pp. 195/196, J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum À Face do Código Revisto, Almedina, pp. 149/150 e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 195.
[20] Cfr. Ac. do STJ de 12/11/2009 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt.
[21] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., Almedina, pp. 291/293.
[22]  Cfr. Henrique Antunes, “Recurso de apelação e controlo da questão de facto”, Colóquio (sobre o novo CPC), acessível através de www.stj.pt.
[23] Cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 28/09/2017, proc. n.º 659/12.6TVLSB.L1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira) e proc. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 (relatora Fernanda Isabel Pereira), Acs. da RP 24/10/2016 (relator Oliveira Abreu) e de 18/09/2017 (relator Manuel Domingos Fernandes) e Ac. da RE de 3/11/2016 (relatora Maria da Graça Araújo), todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[24] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 206-207.
[25] Cfr. Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 407/409.
[26] Cfr. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, p. 270.
[27] Cfr. Acs. do STJ de 28/09/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), de 29/04/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Fernandes da Silva), de 14/01/2015 (relator Pinto Hespanhol); na doutrina, Tiago Caiado Milheiro, In Nulidades da Decisão Da Matéria de Facto, www.julgar.pt., e Antunes Varela, “Juízos de valor da lei substantiva, o apuramento dos factos na ação e o recurso de revista”, CJ, Ano XX, tomo IV, pp. 7 a 14.
[28] Cfr. Acs. do STJ de 9/09/2014 (relatora Maria Clara Sottomayor) e de 1/10/2019 (relator Fernando Samões), in www.dgsi.pt.
[29] Cfr. Ac. da RP de 31-05-1999 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt. [30] Cfr., neste sentido, José Lebre de Freitas, Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, pp. 458 e 459; Ac. do STJ de 09/02/2011 (relator Lopes do Rego), Ac. da RC de 26/04/2016 (relatora Maria João Areias) e Ac. RC de 28/06/2011 (relator Teles Pereira), ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[31] Cfr. DR 159/96, SÉRIE II, de 11/07/96, in BMJ 457º, p. 59.
[32] Cfr. Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora, 1977, pág. 14.
[33] Cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 58.
[34] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pp. 13, 14, 29 e 63/64.
[35] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, pp. 49/50.
[36] Cfr. Eurico Lopes Cardos, Manual da Acção executiva, 3ª ed. (Reimpressão) Almedina, 1992, p., 22 e Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de execução, Almedina, 1999, p. 20.
[37] Cfr. Ac. da RG de 31/10/2024 (relatora Maria João Matos), in www.dgsi.pt.
[38] Cfr. Noções Elementares de Processo Civil, Reimp., Coimbra Editora, 1993, p. 62.
[39] Cfr. J. P. Remédio Marques, obra citada, pp. 55-65 e Marco Carvalho Gonçalves, obra citada, p. 53-58.
[40] Cfr. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Junho de 2018, p. 150
[41] Cfr. Rui Pinto, A Acão Executiva, p. 1013.
[42] Cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, Lisboa 2018, p. 1012.
[43] Presume-se que a enunciada afirmação padeça de lapso de escrita, pois julgamos que a Mm.ª Julgadora pretendia antes dizer que os presentes embargos improcediam nesta parte.
[44] Cfr. Ana Prata, Código Civil Anotado, coordenação Ana Prata, Volume I, 2.ª edição, Almedina 2021, p. 1076.
[45] Cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL Editora, Lisboa 2018, p. 1011.
[46] Cfr. Ac. da RG de 30/05/2018 (relator José Alberto Moreira Dias), in www.dgsi.pt.
[47] Cfr. A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, pp. 456/457.
[48] Cfr. Teresa Madail e Mónica Bastos Dias, Linhas Mestras da Execução para Prestação de Facto, Almedina, pp. 23/24.
[49] Cfr. Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado. 4ª ed. revista e ampliada, Março/2017, Ediforum, p. 701
[50] Cfr. Temas Judiciários, Vol. I, Almedina, 1998, p. 313.
[51] Cfr. Marta Alexandra Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra - 2014, disponível in  https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28438/1/Algumas%20reflexoes%20em%20materia%20de%20litigancia%20de%20ma-fe.pdf.
[52] Como sucede, por exemplo, com o uso injustificado de reclamações contra despachos ou a sistemática interposição de recursos com vista ao protelamento do caso julgado (cfr. neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Vol. I, (…), p. 318 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 267).
[53] Cfr., António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 74.
[54] Cfr. nesse sentido, António Abrantes Geraldes, Temas judiciários, I Vol., (…), p. 313.
[55] Cfr. Francisco Manuel Luas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p.131.
[56] Cfr. Ac. da RP de 2/03/2010, Maria José Simões, 6145/09 apud Ac. da RL de 20/12/2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt. e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, p. 593.