Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1299/25.5T8BRG-A.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: AECOP
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000,00 não é admissível reconvenção, por ser o que resulta do específico regime do procedimento, que se quis simples e célere, a contemplar, apenas, dois articulados (requerimento inicial e oposição).
II - Contudo, sempre que a inadmissibilidade de reconvenção importe inadmissível restrição ao direito de defesa, impõe-se, no assegurar de um processo justo e equitativo, afastar, de forma útil e eficaz, entraves àquele direito, o que é alcançado através do recurso a poderes de gestão processual e adequação formal, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC.
III - Encontram-se nessa situação os casos, de compensação de créditos [direito do R./Requerido a ter de ser actuado, não por excepção (peremptória), mas por via de reconvenção (cfr. al. c), do nº 2, do art. 266º do CPC)] ou de outro direito do requerido que se possa configurar como a ter de ser actuado por reconvenção, necessariamente deduzidos para ser obtida a extinção (total ou parcial) do direito do requerente ou a modificação de tal direito.
IV - Um pedido reconvencional insusceptível de produzir efeitos de extinção ou modificação do direito que a requerente está a fazer valer (como é o caso de pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil contratual por via do incumprimento, absolutamente alheio ao contrato objecto da AECOP), não pode ser admitido, por não estar configurada situação de restrição do direito de defesa na acção.
V - Acresce que, in casu, não estão preenchidos os invocados factores de conexão previstos na al. a), do nº 2 do art. 266º do CPC, pois a A. pede o pagamento de factura pela venda de um veículo, e a R., através da reconvenção, pretende ver apreciado um pedido de indemnização por violação contratual de contrato de prestação de serviços.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., ... ..., intentou a presente acção[1] especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nos termos do DL 269/98, de 1 de Setembro, contra AA, com domicílio na Rua ..., ... ..., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.399,60 (quinze mil trezentos e noventa e nove euros e sessenta cêntimos), acrescida de juros de mora calculados à taxa legal contados desde a propositura da presente acção (sobre a quantia de € 14.760,00) até integral e efectivo pagamento.
Alega, para o efeito e em síntese, que acordou com a R. a venda do veículo automóvel que esta utilizava pelo valor de € 12.000,00, comprometendo-se esta a pagar-lhe o respectivo preço até ao final do mês de Janeiro de 2024, o que ainda não aconteceu, apesar de lho ter solicitado por diversas vezes.

Regularmente citada, deduziu a R. oposição, vindo na mesma deduzir pedido reconvencional, afirmando-se credora da A. pelo valor de € 6.156.36, correspondente à quantia devida de € 6.282,00, acrescida do IVA e deduzida da retenção para efeitos de IRS às taxas legais.

A A. nada disse.

Seguiu-se, então, o seguinte despacho:
A ré AA veio, na oposição, deduzir pedido reconvencional, afirmando-se credora da autora pelo valor de € 6.156.36, correspondente à quantia devida de € 6.282,00, acrescida do IVA e deduzida da retenção para efeitos de IRS às taxas legais.
Em contraditório, a autora nada veio dizer.
Cumpre decidir.
Rege o artigo 266º do CPC: “2- A reconvenção é admissível (…): (…) a) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;(…).”

A respeito da admissibilidade da reconvenção em processos iniciados como AECOP não pode deixar de citar-se o Acórdão do STJ de 06/06/2017, processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, relatado por Júlio Gomes e integralmente disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se
I - Inexiste motivo de justiça material que justifique o tratamento desigual que se consubstancia em admitir a reconvenção em procedimento de injunção instaurado por comerciante contra um outro comerciante e destinado à cobrança de quantia de valor superior a metade da alçada da Relação, mas em rejeitá-la em procedimento de injunção destinado à obtenção do pagamento de importâncias de valor inferior.
II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça.
III - A partir do momento em que é deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção e este adquire cariz jurisdicional, há que aplicar as regras dos arts. 299.º e seguintes do CPC (que o disposto no n.º 2 do art. 10.º do DL n.º 62/2013 não afastam), cabendo então e caso os pedidos sejam distintos, adicionar o valor do pedido formulado pelo réu ao valor do pedido formulado pelo autor.

No mesmo sentido, veja-se o Acórdão TRL, de 16/06/2020, processo 77375/19.8YIPRT-A.L1-7, relatado por Micaela Sousa e integralmente disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se
I – No âmbito do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio, diploma que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, não se descortinam razões que sustentem o afastamento das regras processuais decorrentes da alteração do valor da causa por força da dedução de reconvenção, nem aquelas podem ser encontradas na norma do n.º 2 do artigo 10.º desse diploma legal.
II – Ademais, razões de justiça material, de igualdade das partes e de economia processual justificam que, deduzida oposição com reconvenção ao requerimento de injunção relativo à exigência de pagamento de transações comerciais, o valor do pedido reconvencional se adicione ao valor do pedido inicial, determinando-se desse modo o valor da causa e, por consequência, a forma de processo a seguir.
III – Assim, deduzida oposição com reconvenção ao procedimento de injunção, este assume natureza jurisdicional, sendo-lhe aplicáveis as regras dos artigos 299.º e seguintes do Código de Processo Civil, pelo que estando em causa um pedido inicial e um pedido reconvencional distintos, haverá que adicionar ambos os valores e, sendo o total superior a metade do valor da alçada da Relação, o processo seguirá os trâmites da forma de processo comum.
IV – Em tal situação torna-se, desde logo, admissível a reconvenção, cumprindo ao juiz aferir da verificação dos demais requisitos legais previstos no art. 266º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Ainda que se acompanhe o entendimento vertido no acórdão vindo de citar, terá de ter-se presente a pedra de toque, que reside na pretensão de compensar o crédito reconvindo com o crédito do autor, ora, no caso em apreço, pretende a ré obter o pagamento de indemnização devida por incumprimento contratual.
É pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da inadmissibilidade do recurso à injunção como forma de alcançar um título executivo para obter o pagamento coercivo de um valor pecuniário correspondente à indemnização por incumprimento, existindo erro na forma de processo, veja-se, a título de exemplo, o acórdão do TRL de 23/11/2021, proc. 88236/19.0YIPRT.L1-7, relatado por Edgar Taborda Lopes e integralmente disponível em www.dgsi.pt
Ora, as formas de processo são a comum e a especial (546º, nºs 2 do CPC) e o processo especial aplica-se aos casos expressamente designados na lei, sendo o comum aplicável a todos os casos a que não corresponda processo especial (art. 546º, n.º 2 do CPC).
Assim, deve aplicar-se o processo especial quando o pedido formulado na petição inicial corresponde ao fim para o qual a lei estabeleceu esse processo.
O DL nº 269/98, de 1-09, aprovou o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000.
Obrigações pecuniárias emergentes do contrato, vem entendendo a jurisprudência, serão apenas as diretamente emergentes do contrato, não cabendo aqui as cláusulas penais, que se inserem no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento (a qual, como resulta do disposto no artigo 2º c) do DL 32/2003, não pode ser exercida através do procedimento de injunção).
No caso em apreço, a A. pede o pagamento de fatura pela venda de um veículo; e a R., através da reconvenção, pretende ver apreciado um pedido de indemnização por violação contratual de contrato de prestação de serviços.
Ou seja, a R. pretende, através de ação especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato fazer valer uma pretensão que está no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento, que não pode ser exercida através desta forma processual.
O uso indevido da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato configura um erro na forma de processo.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 193º do CPC, o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, de forma estabelecida na lei.
Porém, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, não devem aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias da A..
No caso em apreço, a utilização do procedimento de injunção não pode ser aproveitada, porque implica menos garantias, designadamente em termos de prazo para oposição, que é sensivelmente inferior ao prazo para contestação numa ação comum.
O erro na forma de processo conduz à nulidade de todo o processo, e constitui uma exceção dilatória que determina a absolvição da instância, pelo que não se admite a reconvenção deduzida, pois que tal equivaleria a permitir, em sede reconvencional, o que não poderia ser peticionado em sede principal - arts. 193º, 576°, n.º 2 e 577º, n.º 1, al. b) do C. P. C.
Custas do incidente a cargo da R., que se fixa em 0,5 UC – artigo 527.º do CPC”.
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Para realização de audiência de julgamento sugiro o próximo dia 15/09/2025, pelas 09h30.
Dê cumprimento ao disposto no artigo 151º, n.º1 do CPC, sendo que, caso os Ilustres Mandatários nada venham dizer, fica a diligência agendada para a data já sugerida.
Notifique, sendo a autora para juntar os elementos a que alude a ré em b) do seu requerimento probatório e para assegurar a comparência do seu legal representante, para prestar depoimento relativamente à factualidade indicada pela ré, depoimento de parte que se defere.
Atenta a forma processual e em face do disposto no artigo 3º, n.º4 do DL 269/98, de 1 de setembro, venha a ré explicitar quais são as 5 das 7 testemunhas que indica que pretende sejam ouvidas, sob pena de se ter por não escrita a identificação da 6ª e 7ª testemunhas indicadas.
Adverte-se, ainda, a ré de que lhe cabe assegurar a comparência das testemunhas que indica, salvo impossibilidade objetiva de assegurar a respetiva comparência, situação em que poderá ser equacionada a colaboração do Tribunal.
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Notificada do despacho que não admitiu a reconvenção, inconformada, veio a R. apresentar recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

As AECOP e as Injunções têm regimes processuais e tramitação distintos e com objectivos distintos.
As AECOP são verdadeiras acções declarativas, têm regime jurídico e tramitação próprios, previsto nos artºs 1º a 5º do Capítulo I, do Anexo ao DL 269/98, de 01.09., e porque é assim e porque, pese embora se tratem de processos especiais, são verdadeiras acções, não se socorrem subsidiariamente do regime jurídico próprio previsto nos artºs 7º a 22º constantes do Capítulo II do mesmo Anexo, relativo à injunção, sendo que o inverso já pode suceder se houver oposição à injunção.
Com efeito, nas AECOP o autor tem de formular petição inicial, articular factos relativos à causa de pedir e formular pedido, podendo haver contestação, e só se confere força executiva à petição no caso da não contestação em tempo e após citação pessoal, desde que não ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente, pelo que demandam, sempre, a intervenção do Juiz na tramitação e decisão da acção.
Já a injunção é apenas uma providência que tem por fim conferir força executiva a um requerimento previamente formulado pela lei e, entre o mais, não pode ser utilizada para obter pagamento de contratos celebrados com consumidores, juros relativos a outros pagamentos que não os efectuados para remunerar transacções comerciais e pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efectuados por companhias de seguros.
Não havendo oposição à injunção requerida é conferida força executiva ao requerimento de injunção e toda a respectiva tramitação processual se passa, neste caso de inexistência de oposição à injunção, por via do Balcão Nacional de Injunção, pelo que, ao contrário das AECOP, não demanda a intervenção do Juiz para que seja decidida (por via da conferência de força executiva).
Porque a AECOP tem regime jurídico próprio, que pode ser completado com a aplicação subsidiaria do CPC, não tem necessidade de se socorrer do regime jurídico previsto para a injunção, injunção que verdadeiramente não é uma acção judicial.
Pelo que, tendo o regime jurídico da AECOP a sua tramitação própria, complementada subsidiariamente pelo CPC, a alteração do regime jurídico da injunção relativa à cobrança de obrigações pecuniárias decorrentes de transacções comerciais implementada pelo DL 62/2013, de 10.05, não lhe é aplicável.
Em conclusão, nas AECOP não se aplicam e impõem as limitações previstas no artº 2º, nº 2, als. a) a c), do DL 62/2013.
Ao invés, impõe-se a conclusão de que o CPC é, esse sim, subsidiariamente aplicável às AECOP porquanto o regime específico desta é manifestamente insuficiente para a tramitação de todo o possível respectivo procedimento.
10ª Por isso, o possível argumento de que as AECOP têm uma especial tramitação simplificada e célere, com apenas dois articulados, não compatível com uma reconvenção e eventual resposta, não pode colher, porquanto, a não se admitir a reconvenção nas AECOP, a compensação, o contracrédito, que o Réu poderia querer fazer valer contra o A. por via daquela reconvenção, poderia ser feita valer como fundamento de oposição à execução da sentença da AECOP, nos termos previstos na al. h), do artº 729º, do CPC.
11ª Pelo que, a não se entender admissível a reconvenção em AECOP, a celeridade e economia processual pretendidas nas AECOP perder-se-iam no desperdício de recursos, por se não admitir a reconvenção e, em consequência, se impor a existência de duas acções, a AECOP e a acção relativa ao contracrédito e, bem assim, a existência de uma execução que poderia não ser possível, inclusive com oposição do então executado.
12ª Impõe-se, pois, a conclusão de que nas AECOP deve ser admitida a reconvenção, como modo de fazer valer o contracrédito do Réu sobre o A., seja pela aplicação subsidiária do CPC às AECOP, seja, se necessário, pelo uso adequado pelo Juiz dos seus poderes de gestão processual e adequação formal para ajustar a AECOP à dedução do pedido reconvencional.
13ª E por não haver qualquer razão de índole processual formal que o impeça, a possibilidade de dedução da reconvenção em AECOP para fazer valer a compensação do contracrédito vale também para todos os outros casos em que a reconvenção seja admissível nos termos do artº 266º, nº 2, do CPC.
14ª Ora, no caso destes autos, o facto jurídico que sustenta a acção é, além da relação especial entre as partes, o negócio que teve por objecto a transmissão da A. para a Ré do direito de propriedade sobre o veículo automóvel ..., com a matrícula ..-..-JF, que a A. classifica na acção de compra e venda e que a Ré, na reconvenção, classifica de doação.
15ª Pelo que, além do contracrédito que a Ré deduziu e quer fazer valer, em reconvenção, contra a A., protegendo-se assim e desde logo, de uma eventual insolvência desta, a Ré também deduziu contra esta pedido que emerge do facto jurídico (a transmissão do direito de propriedade sobre o dito veículo) que serviu de fundamento à acção, só que a classificação desse facto jurídico diverge entre as partes, o que, porém, não afasta o direito da Ré deduzir reconvenção contra a A. fundada na al. a), do nº 2, do artº 266 do CPC.
15ª Acresce que, no artigo 299º do CPC, subsidiariamente aplicável às AECOP, estatui-se que, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção, cujo valor é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos, como é o caso.
16ª À acção foi dado o valor, pelo A., de €14.760,00 e à reconvenção foi dado o valor, pela Ré, de €6.156,36, pelo que, por serem pedidos distintos, o valor da causa, nos termos do artº 299º do CPC, será de €21.916,36, resultado da soma daqueles pedidos.
17ª Ora, tal qual se defende no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2017, Procº nº 147667/15.5YIPRT.P1.S2, cujo sumário foi transcrito na decisão ora sob recurso, se da soma do valor da injunção (aqui da AECOP) com o valor da reconvenção é ultrapassado o montante de €15.000,00, é de aplicar a regra prevista no nº 3, do artº 299 do CPC.
18ª Logo, por ser assim, aos presentes autos aplica-se, após a contestação e somados os valores da acção e da reconvenção, a forma do processo comum e, neste, a reconvenção é sempre admissível.
19ª Pelo que, em qualquer dos casos, impõe-se a conclusão da admissibilidade da reconvenção em AECOP, desde que cumpridos os requisitos (não cumulativos) previstos no nº 2, do artº 266º do CPC, e por via disso, deve admitir-se a reconvenção, revogando-se o despacho recorrido, proferindo-se douto acórdão que a admita.
20ª Acresce que, em 06/05/2025 e em cumprimento do despacho datado de 26/04/2025, proferido no processo com a referência ...63, a A. foi notificada da contestação com reconvenção, para, querendo, se pronunciar quer quanto à admissibilidade da reconvenção, quer quanto à mesma, mas, como resulta provado pelo despacho ora recorrido, nada disse.
21ª Pelo que, não tendo deduzido réplica, nem impugnado os factos alegados pela Ré na reconvenção, e que não estão em oposição com a acção, devem considerar-se desde já provados nos autos, por acordo entre as partes e nos termos do disposto no artº 587º, nº 1, do CPC, os factos constantes dos artigos 37º, 38º, 45º (com excepção da parte em que se alega a motivação da doação da viatura), 46º, 47º, 53º, 56º, 59º, 60º, 62º, 64º, 65º, 66º, 69º e 70º, todos da reconvenção, nomeadamente os descritos no ponto 40 das alegações supra que, por óbvias razões de brevidade, aqui se dá por integralmente reproduzido.

Termos em que,
deve julgar-se procedente o presente recurso e, em consequência, deve proferir-se douto Acórdão que revogue o despacho recorrido, determine a alteração da forma de processo para processo comum por força do valor da causa, que admita, em qualquer caso, a reconvenção deduzida e considere desde já provados no processo os factos descritos no ponto 40 das alegações supra, tudo com custas pela apelada, pois só assim se fará a usual e esperada Justiça.
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Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.
 
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal.
 
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante R., esta pede a reapreciação de mérito da decisão recorrida, uma vez que entende ser, in casu, admissível a reconvenção.
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vejamos, então, a questão da admissibilidade da reconvenção deduzida nos autos.
Estamos perante uma AECOP, que se refere à Acção Especial para o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos, que configura um processo judicial simplificado e mais rápido previsto no sistema jurídico português, destinado à recuperação de créditos de valor igual ou inferior a € 15.000, conforme previsto no Decreto-Lei nº 269/98 de 1 de Setembro.
Tendo na contestação a R. deduzido pedido reconvencional, não foi este admitido pela decisão recorrida, por ter sido entendido que a R. pretendia deduzir pedido que não podia ser exercido através da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, ao pretender ver apreciado um pedido de indemnização por violação contratual de contrato de prestação de serviços (ou seja, a R. pretende, através de acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato fazer valer uma pretensão que está no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento, que não pode ser exercida através desta forma processual), o que configurava um erro na forma de processo, pois que tal equivaleria a permitir, em sede reconvencional, o que não poderia ser peticionado em sede principal.
Com o que discorda a recorrente, defendendo que nas AECOP deve ser admitida a reconvenção, como modo de fazer valer o contracrédito do Réu sobre o A., o que vale também para todos os outros casos em que a reconvenção seja admissível nos termos do artº 266º, nº 2, do CPC, entendendo que o contracrédito que a Ré deduziu e quer fazer valer, em reconvenção, contra a A., se mostra fundada na al. a), do nº 2, do artº 266 do CPC (no caso destes autos, o facto jurídico que sustenta a acção é, além da relação especial entre as partes, o negócio que teve por objecto a transmissão da A. para a Ré do direito de propriedade sobre o veículo automóvel ..., com a matrícula ..-..-JF, que a A. classifica na acção de compra e venda e que a Ré, na reconvenção, classifica de doação). Mais defende o uso, in casu, da regra prevista no nº 3, do art. 299 do CPC, pelo que, aplica-se, após a contestação e somados os valores da acção e da reconvenção, a forma do processo comum e, neste, a reconvenção é sempre admissível. Ou seja, impõe-se a conclusão da admissibilidade da reconvenção em AECOP, desde que cumpridos os requisitos (não cumulativos) previstos no nº 2, do artº 266º do CPC.

Quid iuris?

A reconvenção é uma acção que o R. vem cruzar na proposta pelo A. [sendo este, no seu âmbito, R. (reconvindo) e aquele A. (reconvinte)].
Só é admissível a sua dedução, em termos gerais, se ocorrer um dos factores de conexão com a acção inicial, previstos nas als. do nº 2, do art. 266º do CPC, que consagra, taxativamente, requisitos substantivos de admissibilidade da reconvenção. Não sendo admissível a reconvenção, quando ao pedido do R. corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do A. (vd. nº 3 do já mencionado art. 266º).
Diga-se, desde já, que não está aqui em causa nem nunca esteve a não admissibilidade da reconvenção em AECOP, não o defendendo a decisão recorrida.
É certo que não se desconhece o amplo entendimento de que na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15.000,00 não é admissível reconvenção, por ser o que resulta do específico regime do procedimento, que se quis simples e célere, a contemplar, apenas, dois articulados (requerimento inicial e oposição) e não fazendo sentido que neste processo especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias, em que a tramitação é mais simplificada, menos solene (a contestação não carece de forma articulada (cfr. art. 1º/3 do referido DL 269/98) seja admissível reconvenção, a impor, por isso, necessariamente, uma “resposta”, subvertendo outro entendimento os efeitos pretendidos pelo legislador com este diploma legal.
Contudo, vem sendo sustentado entendimento, a que aderiu a decisão recorrida e também concordamos, que defende que sempre que a inadmissibilidade de reconvenção importe inadmissível restrição ao direito de defesa, se impõe, no assegurar de um processo justo e equitativo, afastar, de forma útil e eficaz, entraves àquele direito, o que é alcançado através do recurso a poderes de gestão processual e adequação formal, nos termos dos arts. 6º e 547º do CPC, que, não podendo servir para resolver problemas estruturais e justificar soluções contra a letra da lei e o espírito do legislador, permitem, na afirmação do processo como mero instrumento para o alcance da justiça material e na realização dos princípios constitucionais, afastar injustificadas e constitucionalmente vedadas, limitações ao direito de defesa. Encontram-se nessa situação os casos, de compensação de créditos [direito do R./Requerido a ter de ser actuado, não por excepção (peremptória), mas por via de reconvenção (cfr. al. c), do nº 2, do art. 266º do CPC)] ou de outro direito do requerido que se possa configurar como a ter de ser actuado por reconvenção, necessariamente deduzidos para ser obtida a extinção (total ou parcial) do direito do requerente ou a modificação de tal direito[2].
Ora, não é aqui o caso, pois um pedido reconvencional insusceptível de produzir efeitos de extinção ou modificação do direito que a requerente está a fazer valer (como é o caso de pedido indemnizatório fundado em responsabilidade civil contratual por via do incumprimento, absolutamente alheio ao contrato objecto da AECOP), não pode ser admitido, por não estar configurada situação de restrição do direito de defesa na acção. Sendo que contrariamente ao alegado pela recorrente, não estão preenchidos os factores de conexão previstos na al. a), do referido preceito (art. 266º/2 do CPC), no caso de a causa de pedir da reconvenção ser densificada por factos que componham a mesma relação jurídica da acção (1ª parte) ou que, compondo relação diversa (2ª parte), integrem a defesa, seja por impugnação seja por excepção, apresentada, que seria o caso dos autos, a poder considerar-se a reconvenção legalmente admissível nos termos gerais na presente acção especial. Lembrando-se que no caso em apreço, a A. pede o pagamento de factura pela venda de um veículo; e a R., através da reconvenção, pretende ver apreciado um pedido de indemnização por violação contratual de contrato de prestação de serviços. Ou seja, a R. pretende, através de acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato fazer valer uma pretensão que está no âmbito da responsabilidade civil contratual por via do incumprimento, que não pode ser exercida através desta forma processual. Correspondendo, pois, efectivamente, o pedido da R. a uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do A., o que é negado pelo nº 3 do já referido art. 266º do CPC. Configurando, pois, um erro na forma de processo, o uso indevido da acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, tal como assertivamente concluiu a decisão recorrida.
Diga-se ainda, que, contrariamente ao alegado pela apelante nas suas alegações, inexiste no pedido reconvencional qualquer contracrédito deduzido pela R. para fazer valer a compensação, pois a R. impugna a existência do crédito subjacente à venda do veículo, alegando nada dever à A., pelo que não existe qualquer crédito para compensar.
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Logo, não assistindo qualquer razão à recorrente R., improcede totalmente o recurso, com custas a pagar pela mesma (art. 527º do CPC).
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5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 02-10-2025

(José Cravo)
(Ana Cristina Duarte) (com declaração de voto)
(Maria Luísa Duarte Ramos) (com declaração de voto)


Declarações de voto:

"Voto a decisão" (não acompanhando a fundamentação na parte em que se declara ser admissível a Reconvenção cfr. Síntese Conclusiva pontos nº II e III)
Maria Luísa Duarte Ramos

Subscrevo a declaração de voto anterior.
Ana Cristina Duarte


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, ... - JL Cível - Juiz ....
[2] Neste sentido, cfr. o Ac. da RP de 27-01-2025, proferido no Proc. nº 60809/23.4YIPRT.P1 e acessível in www.dgsi.pt.